Terceira e última edição... 5 1. Apresentação ............ 12 2. Obama quer que os Estados Unidos sejam conquistados pela Rússia ou pela China ................ 17 3. A ecologia foi inventada numa espécie de projeto Manhattan .................... .................... 22 4. Democratizar o ensino é quase tão nefasto quanto distribuir pedras de crack na merenda .................. 26 5. Pecado é coisa de pobre ................................... ................................... 32 6. Chega de liberdade de expressão! .................... 40
7. A imprensa é uma ameaça à civilização e à espécie humana ............ 44 8. As crianças são programadas pela psicologia e serão programas pela engenharia genética ....................... ....................... 48 9. Os fins justificam os meios........................... ........................... 53 10. Desconstruindo Olavo de Carvalho I ................ ................ 63 11. Desconstruindo Olavo de Carvalho II ............... 70 12. Sobre a física aristotélica .................... 82 13. Sobre a física clássica ................................... ................................... 99
14. Sobre o ateísmo de Newton ...................... ...................... 111 15. Sobre o darwinismo 118 16. Sobre Kant ............ 136 17. Herrar é é umano ..... 157 18. Um pouco de filosofia .......................... ................................ ....... 158 19. O tempo na primeira antinomia de Kant ....... 160 20. A origem do universo na física contemporânea .......................... ................................ ....... 165 21. O tempo na física contemporânea ........... 174 22. Sobre mim ............ 201 23. Papai Noel existe mesmo!...................... ...................... 206
Terceira e última edição Este livrinho (formatado para celulares) é mais do que suficiente para mostrar que o pensamento de Olavo de Carvalho não pode ser levado a sério. Se o texto fosse maior ou mais detalhado, isto não mudaria a fé dos que se proclamam olavettes. Não é por falta de argumento que Olavo duvida da inércia. 5
Não é por falta de aviso que Olavo insiste no conceito de juízo autoevidente provando que Papai Noel existe. A democracia permite que Olavo de Carvalho escreva e Tiririca deputeie. Isto é bom porque só assim um autor desconhecido tem a oportunidade de liderar a lista dos livros mais baixados da Amazon, nem que seja por alguns dias, para dizer o que pensa sem 6
pedir a permissão de ninguém. Pena que são poucos os que realmente defendem a democracia. Felipe Moura Brasil, da Veja, escreveu o seguinte: A canalhada não sossega enquanto não calar de vez as vozes discordantes. Está difícil de aturar o sucesso do filósofo Olavo de Carvalho, depois que o nosso best seller “O mínimo que você precisa saber 7
para não ser um idiota” bateu a marca dos 60 mil exemplares vendidos. Na incapacidade de argumentar e debater, os invejosos de plantão querem é derrubar a página em que ele escreve para impedir que sua imensa “legião” de alunos, leitores e fãs tenham acesso às suas palavras. Assim como já aconteceu com outras páginas de teor 8
conservador, como “Meu professor de História mentiu pra mim”, seu perfil do Facebook saiu do ar nesta manhã e segue indisponível. Reinaldo Azevedo não deixou por menos. A questão agora é saber se o Facebook vai se tornar refém dessas milícias. E o que aconteceu com minha conta do Facebook? Foi tirada do ar!
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Ainda bem que a rede social tem meios de validar um usuário. Já estou de volta. Com a palavra: Olavo de Carvalho, Felipe Moura Brasil e Reinaldo Azevedo.
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1. Apresentação Olavo de Carvalho está para Newton, Darwin e Kant assim como MC Britney está para Bach, Mozart e Beethoven. Hoje na casa do seu Zé vai rolar uma putaria / Tava cheia de novinha doida pra fazer orgia / Uma fodia no chão outra em cima da na pia / Na casa do seu Zé vai rolar uma putaria 12
Nos primeiros capítulos deste livro, apresento alguns dos absurdos mais evidentes do best seller O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Nos capítulos finais, uso um pouco da filosofia que se aprende na USP para desmontar o filosofismo que Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino e outros confundem com erudição. Não é a razão que conquista os louros, mas a eloquência; e 13
ninguém precisa ter receio de não encontrar seguidores para suas hipóteses, por mais extravagantes que elas sejam, se for hábil o bastante para pintá-las em cores atraentes. (HUME. Tratado da natureza humana. São Paulo: Unesp, 2009, p. 20) Reinaldo Azevedo, aliás, disse que O mínimo... provocou um enorme silêncio e que não debater 14
é uma das formas do moderno exercício da violência. Espero que ele leia o meu texto da mesma forma que costumo ler os dele: concordando ou discordando, sem imaginar um inimigo do outro lado. Na segunda edição, acrescentei o capítulo 23 comentando uma discussão que tive com Olavo de Carvalho no Facebook , no dia 8 de março de 2014. Na discussão, duas coisas ficaram óbvias. Primeira: que a filosofia de Olavo de 15
Carvalho prova que Papai Noel existe. Segunda: que Olavo de Carvalho não tem o equilíbrio emocional mínimo para se aventurar pela filosofia.
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2. Obama quer que os Estados Unidos sejam conquistados pela Rússia ou pela China Segundo Olavo de Carvalho, Barack Hussein Obama quer acabar com a liberdade de expressão nas transmissões radiofônicas porque, com as televisões absolutamente dominadas, com o conservadorismo insuficiente da Fox News, o rádio se tornou o último 17
refúgio da cristandade, a esperança derradeira da civilização ocidental no país mais poderoso do mundo. Poderoso por enquanto, porque Barack Hussein Obama quer desarmar a população e os militares — a população para implantar uma ditadura; os militares para que os Estados Unidos sejam conquistados pela Rússia ou pela China. O plano macabro tem o patrocínio de bilionários como George Soros, que, entre outras maldades, 18
aposta na legalização da maconha. Nenhum jornal ou canal de TV brasileiro jamais informou que Obama é um apóstolo da Media Reform, calculada para eliminar a liberdade de opinião no rádio, um defensor ardente da proibição total de armas de fogo pela população civil (na mesma linha que Hitler adotou na Alemanha), um partidário fervoroso do 19
imediato desmantelamento das defesas americanas antimíssil (portanto, da rendição incondicional ante qualquer poder nuclear estrangeiro). Ninguém jamais informou que ele votou contra a proibição de matar bebês que sobrevivam ao aborto, e que é um discípulo da “teologia da libertação” na sua versão mais radical e extremada. Ninguém 20
informou que os grupos que o apoiam são círculos bilionários globalistas aos quais ele serve como agente para a destruição da soberania americana e a imediata implantação de um governo mundial pelos meios mais antidemocráticos que se pode imaginar.
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3. A ecologia foi inventada numa espécie de projeto Manhattan O projeto Manhattan reuniu os maiores cientistas do Ocidente para produzir a bomba atômica, uma arma tão absurda que ninguém ousaria enfrentar. Segundo Olavo de Carvalho, um esforço parecido, com dezenas de intelectuais, produziu a causa das causas, e assim nasceu a ecologia. 22
Nos anos 1950, grupos globalistas bilionários — os metacapitalistas, como os chamo, aqueles sujeitos que ganharam tanto dinheiro com o capitalismo que agora já não querem mais se submeter às oscilações do mercado e por isso se tornam aliados naturais do estatismo esquerdista — tomaram a iniciativa de contratar algumas dezenas de intelectuais 23
de primeira ordem para que escolhessem a vítima das vítimas, alguém em cuja defesa, em caso de ameaça, a sociedade inteira correria com uma solicitude de mãe, lançando automaticamente sobre todas as objeções possíveis a suspeita de traição à espécie humana. Depois de conjeturar várias hipóteses, os estudiosos chegaram à 24
conclusão de que ninguém se recusaria a lutar em favor da Terra, da mãe natureza.
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4. Democratizar o ensino é quase tão nefasto quanto distribuir pedras de crack na merenda Segundo Olavo de Carvalho, democratizar o ensino é ruim. A democratização do ensino, abolindo as barreiras econômicas, deveria ter instituído barreiras intelectuais em compensação, para impedir que a descida 26
do padrão social trouxesse, de contrabando, uma queda do nível de consciência. A nova elite de pés-rapados talvez fosse menos numerosa, mas teria superado em mérito e qualidade suas antecessoras. Na verdade, o que se fez foi o contrário: já que o ensino é para todos, por que haveria de ser um ensino de elite? Para qualquer um, 27
basta qualquer coisa. A massa dos neoletrados, lisonjeada até as nuvens, corre às escolas, às livrarias, à mídia, aos teatros e aos cinemas para receber sua ração diária de lixo, que ela imagina superior à educação de um nobre do Renascimento ou de um clérigo do século XIII. Segundo Olavo de Carvalho, dizer que os alunos merecem escolas 28
decentes, professores dedicados e métodos de ensino cativantes é quase tão nefasto quanto distribuir pedras de crack na merenda. Quando a criança de seis anos de idade não percebe a importância da educação formal, o problema é dela. O Estado não tem nada a ver com isso. A ideia de que a educação seja um direito é uma das mais esquisitas que já passaram pela mente 29
humana. É só a repetição obsessiva que lhe dá alguma credibilidade. (...) Educação é uma conquista pessoal, e só se obtém quando o impulso para ela é sincero, vem do fundo da alma e não de uma obrigação imposta de fora. (...) Nessas condições, campanhas publicitárias que enfatizem a educação como um direito a ser cobrado, e não como 30
uma obrigação a ser cumprida pelo próprio destinatário da campanha, têm um efeito corruptor quase tão grave quanto o do tráfico de drogas.
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5. Pecado é coisa de pobre Olavo de Carvalho é conservador quando assume a persona de cristão fundamentalista diante da ciência, mas se faz de cortesão quando se prostra submisso à nobreza e à aristocracia. Num tempo em que a França era o país mais cristão da Europa, Luís XIV tinha nada menos de 28 amantes, mas sua rotina de trabalho 32
era mais pesada que a de qualquer executivo de multinacional. (...) Já na Idade Média, os encargos da defesa territorial incumbiam inteiramente à classe aristocrática: ninguém podia obrigar um camponês ou comerciante a ir para a guerra, mas o nobre que fugisse aos seus deveres bélicos seria instantaneamente executado pelos seus pares. (...) A classe 33
aristocrática era liberada de parte dos rigores morais cristãos na mesma medida em que pagava pela sua liberdade com a permanente oferta da própria vida em sacrifício pelo bem de todos. A democratização da permissividade espalha os direitos da aristocracia por uma multidão de recémchegados que de repente se veem 34
liberados da pressão religiosa sem ter de assumir por isso nenhum encargo extra, por mínimo que seja, capaz de restaurar o equilíbrio entre direitos e deveres. (...) A liberação de massas imensas de população para o desfrute de prazeres e requintes gratuitos é uma das situações psicológicas mais ameaçadoras já vividas pela 35
humanidade desde o tempo das cavernas. Segundo Olavo de Carvalho, os empresários são sempre bons, inclusive os que roubam os consumidores, os trabalhadores e o governo. Pelo que ele diz, quem cria um site para vender produtos fictícios e some com o dinheiro movimenta a economia e gera riqueza; quem usa trabalho escravo para desmatar ilegalmente, no fim das contas, beneficia o país. 36
O empresário pode dar golpes em seus fornecedores, vender produtos fraudados, sonegar o pagamento devido aos operários, ou então pode pagar tudo direitinho e vender produtos bons. (...) Da atividade do empresário, mesmo o mais desonesto, resultam sempre uma ativação da economia, uma elevação da produtividade, a expansão dos 37
empregos. Esses resultados podem vir em quantidade grande ou pequena, mas têm de vir necessariamente, pela simples razão de que “empresa” consiste em produzi-los e em nada mais. (...) Um empresário, honesto ou desonesto, está no auge do sucesso quando pode, sem prejuízo de seus investimentos, comprar mansões, 38
iates, carros de luxo, jatinhos, jatões etc. Ele alcança isso quando se torna um mega-empresário. Para chegar a esse ponto, ele tem de deixar em seu rastro fábricas, bancos, plantações, jornais, canais de TV e mil e um outros negócios dos quais vivem e prosperam milhares de pessoas.
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6. Chega de liberdade de expressão! Olavo de Carvalho odeia a esquerda, mas não pelo que ela tem de ruim. Quando Richard Dawkins combate o criacionismo, por exemplo, um gulag bem que faz falta. Sem o campo de concentração soviético, o que resta é usar os instrumentos democráticos para solapar a democracia. Se inúmeras igrejas 40
processassem Richard Dawkins ao mesmo tempo, a litigância de má fé poderia inviabilizar economicamente o lançamento de seus livros. O sr. Dawkins já ultrapassou aquele limite da truculência mental e do desprezo à verdade, para além do qual toda a discussão de ideias se torna inútil. Não se trata de provar nada para o sr. Dawkins. Trata-se de provar seu 41
crime perante os tribunais. O dele e o de inumeráveis organizações militantes, subsidiadas por fundações bilionárias, dedicadas a fomentar por todos os meios o ódio às religiões. Todas as organizações religiosas que não se mobilizarem para a defesa comum não só no campo midiático, mas no judicial, devem ser consideradas 42
traidoras, colaboracionistas e vendidas ao inimigo.
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7. A imprensa é uma ameaça à civilização e à espécie humana Thomas Jefferson no século XVII: Se eu tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais e ter jornais sem um governo, eu não hesitaria nem por um momento antes de escolher a segunda opção. (VEJA, 27 de janeiro de 2010) 44
Lênin no século XX: Dar à burguesia a arma da liberdade de imprensa é facilitar e ajudar a causa do inimigo. Nós não desejamos um fim suicida, então não a daremos. (VEJA, 27 de janeiro de 2010) Olavo de Carvalho no século XXI: Poucos fatos na história foram jamais tão bem averiguados, testados e provados 45
quanto a falsidade documental do presidente americano e o esquema de dominação continental do Foro de São Paulo. (...) Ambos esses fatos foram sistematicamente suprimidos do noticiário por tempo suficiente para que os beneficiários da cortina de silêncio alcançassem, sob a proteção dela, seus objetivos mais 46
ambiciosos. (...) Por isso, Daniel Greenfield foi até eufemístico quando, escrevendo no Front Page Magazine de David Horowitz, afirmou que a grande mídia é hoje “a maior ameaça à integridade do processo político”. Ela tornou-se, isto sim, uma ameaça à inteligência, à civilização, a toda a espécie humana.
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8. As crianças são programadas pela psicologia e serão programas pela engenharia genética Se Olavo de Carvalho fosse reconhecido como autor de trash books, tudo bem. Para alguns, seria divertido. Há quatro décadas a tropa de choque acantonada nas escolas programa esses meninos para ler 48
e raciocinar como cães que salivam ou rosnam ante meros signos, pela repercussão imediata dos sons na memória afetiva, sem a menor capacidade ou interesse de saber se correspondem a alguma coisa no mundo. Um deles ouve, por exemplo, a palavra “virtude”. Pouco importa o contexto. Instantaneamente produz-se em sua rede 49
neuronal a cadeia associativa: virtude – moral – catolicismo – conservadorismo – repressão – ditadura – racismo - genocídio. E o bicho já sai gritando: É a direita! Mata! Esfola! Al paredón! De maneira oposta e complementar, se ouve a palavra “social”, começa a salivar de gozo, arrastado pelo atrativo mágico das imagens: social – socialismo – 50
justiça – igualdade – liberdade – sexo e cocaína de graça – oba! Não estou exagerando em nada. Talvez fosse divertido se Olavo de Carvalho escrevesse ficção, mas parece que ele está mais para Lafayette Ronald Hubbard do que para Stanley Martin Lieber — o primeiro criou a religião hollywoodiana chamada cientologia; o segundo, mais conhecido como Stan Lee, criou o Homem51
Aranha, o Incrível Hulk e o Homem de Ferro. Hoje os governantes já estudam como programar geneticamente a conduta das gerações futuras. Não se contentam com o poder destrutivo dos demônios: querem o poder criador dos deuses.
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9. Os fins justificam os meios Olavo de Carvalho não é contra as revoluções. Diz que é porque só considera revolucionário o movimento que nega o mundo perfeito — onde democratizar o ensino é sempre ruim; onde roubar os consumidores, os trabalhadores e o governo é sempre bom. O movimento revolucionário é o flagelo maior que já se 53
abateu sobre a espécie humana desde o seu advento sobre a Terra. (...) O socialismo e o nazismo são revolucionários não porque propõem respectivamente o predomínio de uma classe ou de uma raça, mas porque fazem dessas bandeiras os princípios de uma remodelagem radical não só da ordem política, mas de toda a vida humana. (...) 54
Muitos processos sociopolíticos usualmente denominados “revoluções” não são “revolucionários” de fato, porque não participam da mentalidade revolucionária, não visam à remodelagem integral da sociedade, da cultura e da espécie humana, mas se destinam unicamente à modificação de situações locais e 55
momentâneas, idealmente para melhor. Não é necessariamente revolucionária, por exemplo, a rebelião política destinada apenas a romper os laços entre um país e outro. Nem é revolucionária a simples derrubada de um regime tirânico com o objetivo de nivelar uma nação às liberdades já desfrutadas pelos 56
povos em torno. (...) Se, nesse sentido, vários movimentos político-militares de vastas proporções devem ser excluídos do conceito de “revolução”, devem ser incluídos nele, em contrapartida, vários movimentos aparentemente pacíficos e de natureza puramente intelectual e cultural, cuja evolução no tempo os leve a constituir-se em 57
poderes políticos com pretensões de impor universalmente novos padrões de pensamento e conduta por meios burocráticos, judiciais e policiais. A rebelião húngara de 1956 ou a derrubada do presidente brasileiro João Goulart, nesse sentido, não foram revoluções de maneira alguma. Nem o foi a independência americana, um caso 58
especial que terei de explicar num outro artigo. Mas sem dúvida são movimentos revolucionários o darwinismo e o conjunto de fenômenos pseudorreligiosos conhecido como Nova Era. Olavo de Carvalho não é contra o extremismo. Diz que é porque só considera extremista quem não aceita o mundo perfeito — onde a 59
liberdade de expressão deve ser combatida. Se esbarrasse na rua com algum dos nossos políticos ditos “de direita”, eu l he perguntaria o seguinte: “Você quer destruir a esquerda, destruí-la politicamente, socialmente, culturalmente, de modo que ela nunca mais se levante e que ser esquerdista se torne uma vergonha 60
que ninguém ouse confessar em público?” (...) Quem precisa ostentar moderação é quem se envergonha da sua própria opinião ao ponto de admitir, cabisbaixo e submisso, que ela só vale alguma coisa quando usada em doses moderadas. Em doses moderadas, filhinho, até a estricnina vale alguma coisa. Só o que é indiscutivelmente bom, como a inteligência, a 61
beleza, a santidade ou a saúde, vale tanto mais quanto maior a dose.
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10. Desconstruindo Olavo de Carvalho I Olavo de Carvalho emprega a palavra Bíblia no sentido cristão. A Bíblia tem de ser relida o tempo todo (...) atenção especial para Mateus 11:1-6, onde o próprio Jesus ensina o critério para você tirar as dúvidas a respeito d’Ele. E diz que a Bíblia (cristã) é a semente de toda cultura ocidental possível. 63
Um mito fundador não é um “produto cultural”, pela simples razão de que ele, e só ele, é a semente de toda cultura possível. Um mito fundador constitui-se, em geral, da narrativa simbólica de fatos que efetivamente sucederam, fatos tão essenciais e significativos que acabam por transferir parte do seu padrão de significado para tudo o 64
que venha a acontecer em seguida numa determinada área civilizacional. Assim, por exemplo, Northrop Frye demonstrou que todos os esquemas narrativos conhecidos na grande literatura ocidental são variações de enredos bíblicos. Ora, os esquemas narrativos da literatura superior são os padrões de autocompreensão imaginativa de uma 65
civilização. E os padrões de autocompreensão imaginativa são, por sua vez, os esquemas de ação possíveis. A Bíblia, mito fundador da civilização ocidental, está no fundo de toda a nossa compreensão de nós mesmos e de todas as nossas possibilidades de ação. Fora disso, não há senão ideologia, erro, loucura. 66
Se a Bíblia fosse a semente de toda cultura ocidental possível, as coisas anteriores ao século I não fariam parte da cultura ocidental. Mas fazem parte da cultura ocidental a filosofia grega (com Platão e Aristóteles), a literatura grega (da Ilíada e da Odisseia), a escultura grega (produzindo a Vênus de Milo e inspirando o Davi de Michelangelo). Faz parte da cultura ocidental o prédio Suprema 67
Corte americana, que tem as colunas da arquitetura grega e fica perto do Capitólio, nome de um templo dedicado ao deus romano Júpiter. Fazem parte da cultura ocidental tanto o latim (que nos deu o italiano, o espanhol e o português) quanto o grego, usado para escrever o Novo Testamento. Não é verdade, portanto, que a Bíblia esteja no fundo de toda a nossa compreensão de nós 68
mesmos e de todas as nossas possibilidades de ação. Sófocles conhecia alguma coisa da condição humana quando escreveu Édipo Rei . Euclides ampliou as possibilidades humanas desenvolvendo a geometria. O texto de Olavo de Carvalho não passa de uma ladainha.
69
11. Desconstruindo Olavo de Carvalho II Discutir o aborto não é o propósito deste capítulo, apenas discutir os argumentos quase infantis de Olavo de Carvalho sobre o tema. Os adversários do aborto alegam que o feto é um ser humano, que matá-lo é crime de homicídio. O texto começa com uma tautologia. Se o aborto que está em discussão é o que 70
ocorre na espécie humana, o feto é um ser humano tanto para quem acredita que abortar é um crime, quanto para quem acredita que abortar é um direito. Segundo o Houaiss, o feto humano é um ser humano com pelo menos três meses de gestação porque, antes disso, é um embrião. Os partidários alegam que o feto é apenas um pedaço de carne, uma parte do corpo da mãe, que deve ter o 71
direito de extirpá-lo à vontade. Não é verdade que os defensores da descriminalização do aborto partam do princípio de que o feto é um pedaço de carne qualquer. A situação é muito mais complexa. Primeiro é preciso discutir como arbitrar o começo da vida. Quando o cérebro de alguém sofre um processo de degenerescência irreversível pelos critérios da medicina, o coração que está batendo pode ser 72
retirado e doado para alguém que precise de um transplante. O aborto do anencéfalo e até o aborto de um embrião sem o sistema nervoso central razoavelmente desenvolvido talvez possa, então, ser considerado. No presente score da disputa, nenhum dos lados conseguiu ainda persuadir o outro. Nem é razoável esperar que o consiga, pois, não havendo na presente civilização o menor 73
consenso quanto ao que é ou não é a natureza humana, não existem premissas comuns que possam fundamentar um desempate. Mas o empate mesmo acaba por transfigurar toda a discussão: diante dele, passamos de uma disputa éticometafísica, insolúvel nas presentes condições da cultura ocidental, a uma simples equação 74
matemática cuja resolução deve, em princípio, ser idêntica e igualmente probante para todos os seres capazes de compreendê-la. Essa equação formula-se assim: se há 50% de probabilidades de que o feto seja humano e 50% de que não o seja, apostar nesta última hipótese é, literalmente, optar por um ato que tem 50% de probabilidades de 75
ser um homicídio. Com isso, a questão toda se esclarece mais do que poderia exigi-lo o mais refratário dos cérebros. (...) Dito de outro modo: apostar na inumanidade do feto é jogar na cara ou coroa a sobrevivência ou morte de um possível ser humano. Admitindo que o feto seja humano (porque ele é) e deixando de lado qualquer aplicação indevida dos conceitos mais elementares 76
da estatística (porque não é sempre que dois acontecimentos mutuamente exclusivos têm probabilidades iguais), o que Olavo de Carvalho tenta dizer é que, na dúvida, não devemos matar a criança. Se a intenção é proibir o aborto, o argumento é ruim. Não foi por consenso que foram adotados a universalização da vacina, a transfusão de sangue, o 77
transplante de órgãos, o aborto em caso de estupro. Na dúvida, a igreja pode condenar à vontade, mas os tribunais têm que absolver. Não faz sentido punir criminalmente uma pessoa quando não sabemos se ela cometeu realmente algum crime. Diante de tantas dificuldades, o que resta é a insensatez: o ataque que transforma a discussão numa luta do bem contra o mal. 78
O abortista não poderia ceder nem mesmo ante provas cabais da humanidade do feto, quanto mais ante meras avaliações de um risco moral. Ele simplesmente deseja correr o risco, mesmo com chances de 0%. Ele quer porque quer. Para ele, a morte dos fetos indesejados é uma questão de honra: trata-se de demonstrar, mediante atos e não mediante 79
argumentos, uma liberdade autofundante que prescinde de razões, um orgulho nietzschiano para o qual a menor objeção é constrangimento intolerável. (...) É claro que, em muitos abortistas, esta vontade [de matar] permanece subconsciente, encoberta por um véu de racionalizações humanitárias, que o apoio da mídia 80
fortalece e a vociferação dos militantes corrobora.
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12. Sobre a física aristotélica Os maiores nomes da filosofia antiga são Platão e Aristóteles; da filosofia medieval: Agostinho e Tomás de Aquino; da filosofia moderna: Descartes, Hume, Kant e Hegel; da filosofia contemporânea: Nietzsche e Wittgenstein. Alguns acrescentariam Hobbes e Rousseau pela contribuição à filosofia política. Eu acrescentaria Thomas Kuhn 82
pela contribuição à filosofia da ciência. Todos estes pensadores transcendem seu próprio tempo, mas apenas na medida do possível. Platão descreve a criação do mundo dizendo que o demiurgo juntou o fogo, a terra, a água e o ar. É forçoso que aquilo que deveio seja corpóreo, visível e tangível; mas, separado do fogo, sem dúvida que nada pode ser visível, nem nada 83
pode ser tangível sem qualquer coisa sólida e nada pode ser sólido sem terra. (...) Foi por isso que, tendo colocado a água e o ar entre o fogo e a terra, (...) o deus uniu estes elementos e constituiu um céu visível e tangível. (PLATÃO. Timeu. Universidade de Coimbra, 2011. p.100) Tomás de Aquino usa Aristóteles para justificar a fé cristã numa época em 84
que a ciência (ciência mesmo) simplesmente não existe. A mais extraordinária dessas tentativas de descrever a relação entre Deus e o homem e de adequar a plena complexidade da natureza humana a uma teologia coerente é indubitavelmente a Summa teologica, de São Tomás de Aquino. (...) Além de incorporar em sua obra o que considerava ser 85
a totalidade do que era verdadeiro e bem demonstrado nas fontes clássicas que lhe eram disponíveis, Aquino tentou completar o quadro da natureza e da vontade humanas apresentado por Aristóteles em sua Ética a Nicômaco e demonstrar sua compatibilidade com as doutrinas da religião revelada. (...) O triunfo do tomismo teve, no entanto, vida 86
curta. Seu primeiro inimigo sério foi o humanismo do início do Renascimento. Este foi acompanhado por revoluções na prática da educação que tendiam a tirar autoridade intelectual dos clérigos e conferila às mãos dos cortesãos e literatos; e também por uma gradual ascendência de um espírito de indagação científica hostil à pronta 87
recepção do dogma teológico. (SCRUTON. Uma breve história da filosofia moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. p. 37) Quando Olavo de Carvalho se faz de escolástico citando preceitos aristotélicos e tomistas, seu anacronismo mimetiza o pensamento do século XIII para discutir os problemas do século XXI. Isto não é filosofia. Você lê nos manuais, por exemplo, que 88
Galileu “superou” a física de Aristóteles. Durante quatro séculos essa bobagem foi repetida como verdade terminal. Só por volta de 1950 os estudiosos perceberam que a física de Aristóteles não era uma física, mas uma metodologia científica geral, bem mais sutil do que Galileu poderia jamais ter percebido, e muito bem adequada às necessidades da 89
ciência mais recente. Os famosos erros assinalados por Galileu existiam, mas eram detalhes secundários que não afetavam de maneira alguma o conjunto da proposta. A física de Aristóteles é o estudo das coisas móveis, das coisas que mudam (não apenas de lugar). As coisas móveis são explicadas por quatro causas: a causa material, a causa formal (que tem a ver com a essência), a causa eficiente 90
(que tem a ver com o motor que deu início ao processo de mudança) e a causa final (que tem a ver com a finalidade, com a explicação metafísica ou religiosa dos motivos que levam uma coisa a acontecer). Com estas características, a física de Aristóteles tem um forte componente qualitativo, diferente da física de Galileu, Newton, etc. que se preocupa principalmente com os aspectos quantitativos. 91
A física de Aristóteles discute se uma coisa precisa ser movida para se mover, mas não descobre uma única lei do tipo s = s0 + vt . Dizer que as coisas precisam ser movidas não acende uma lâmpada, mas serve para provar a existência de Deus — o que é suficiente para quem pode comprar uma lâmpada no supermercado enquanto diz acreditar que Galileu não sofreu com a Inquisição. 92
Entre muitas outras, a lenda mais deformante é talvez a de Galileu Galilei como “mártir da ciência” , fundador da ciência experimental e homem corajoso que enfrentou a Inquisição em nome do direito de investigar a verdade. Para começar, qualquer pesquisador sério da história das ciências sabe que Galileu nunca raciocinou a partir de dados experimentais, 93
mas de construções matemáticas hipotéticas que depois ele legitimava com pseudoexperimentos puramente imaginários, jamais levados à prática, e usados sempre como meios de persuasão retórica, nunca de verificação. Os poucos experimentos efetivos que ele realizou foram todos errados. (...) Em segundo lugar, ele jamais sofreu pressão 94
ou intimidação de qualquer natureza. (...) Por fim, a única penalidade que a Inquisição lhe impôs foi de uma benevolência quase obscena, que hoje soaria como favorecimento ilícito: ele foi condenado a rezar uma vez por semana, durante três anos, os sete salmos penitenciais, podendo fazê-lo em privado, 95
isto é, sem nenhum controle da autoridade. Vale notar que a posição de Olavo de Carvalho não é a posição da Igreja Católica, que, por mais conservadora que seja, não vive no século XIII. O Papa Bento XVI também entrou nas celebrações dos 400 anos do primeiro uso de um telescópio na astronomia, pelo cientista italiano Galileu Galilei. (...) Bento XVI disse que a 96
compreensão das leis da natureza pode estimular a compreensão e apreciação dos trabalhos de Deus. (...) A Igreja Católica condenou Galileu, no século 17, por apoiar a teoria copernicana de que a Terra girava ao redor do Sol; os ensinamentos religiosos, naquela época, colocavam a Terra no centro do universo. Em 1992, o 97
Papa João Paulo II pediu desculpas, dizendo que a condenação de Galileu foi um trágico erro. (G1)
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13. Sobre a física clássica Reinaldo Azevedo elogia Olavo de Carvalho porque este escreve bastante. É autor, por exemplo, da monumental — 32 volumes! — “História Essencial da Filosofia” (livros acompanhados de DVDs). Alguns filósofos de crachá e livro-ponto poderiam ter feito algo parecido — mas boa parte estava ocupada demais 99
doutrinando criancinhas. Mas quantidade não é qualidade, como se pode ver no texto em que Olavo de Carvalho critica a primeira lei de Newton, texto disponível apenas na internet. Um dos paradoxos inaugurais dos tempos modernos está na facilidade sonsa com que a parte pensante da Europa aceitou os dois princípios da mecânica newtoniana 100
— a eternidade do movimento e a lei de inércia — sem parar por um instante sequer para notar que eram mutuamente contraditórios. A física antiga dizia que um corpo, se não movido por outro, tende a ficar parado. Newton contestou isso, afirmando que a força da sua própria inércia mantém cada corpo eternamente no seu estado presente, seja 101
de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme. Só há um problema: se o movimento é eterno, não faz sentido falar em “estado presente” a não ser por referência a um observador vivo dotado do sentido da temporalidade. Olavo de Carvalho coloca um problema tipicamente filosófico, mas comete o erro primário de criticar Newton por uma coisa que 102
Newton não escreveu, pelo menos na obra-prima que estabelece a mecânica clássica: os Principia — Princípios matemáticos da filosofia natural . Todo objeto permanece em seu estado de repouso ou de movimento uniforme numa linha reta, a menos que seja obrigado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele. (HEWITT. 103
Física conceitual, p. 48) Newton não fala nem em movimento eterno, nem em eternidade do movimento; até porque, para Newton, três coisas são eternas: Deus e as duas sequelas da existência divina — o tempo e o espaço absolutos. E Newton não fala que o estado de repouso ou de movimento uniforme numa linha reta seja infinito, mas, se falasse, estaria falando 104
do infinito em potência, não em ato. Exemplo de infinito em potência é a era cristã, que começou há dois mil e poucos anos e, pelo menos para os propósitos desta explicação, não acabará nunca mais. Exemplo de infinito em ato é o conjunto dos números naturais supondo que um deus onisciente consiga visualizar todos os números de uma vez só. Mas o texto de Olavo de Carvalho é tão confuso que 105
merece um zero sem maiores explicações. Quando Olavo de Carvalho diz que todo movimento é, por definição, uma mudança ocorrida dentro de uma escala de tempo, a expressão ocorrida dentro de uma escala de tempo é pura invencionice. A contradição é tão flagrante, que chega a ser escandaloso que durante tantos séculos quase ninguém a tenha percebido, ou pelo menos assinalado 106
expressamente. Porém a absurdidade ostensiva continha dentro de si outra ainda pior. Todo movimento é, por definição, uma mudança ocorrida dentro de uma escala de tempo determinada. Se você esticar indefinidamente os limites do tempo, não haverá mais diferença possível entre a mudança e a permanência, entre o 107
acontecer e o não acontecer. O tempo absoluto, verdadeiro e matemático de Newton não tem relação com qualquer coisa externa e é inapreensível. O tempo relativo, aparente e vulgar é uma medida do tempo absoluto por meio do movimento. Ora, se o tempo absoluto é inapreensível, não é dele que Olavo de Carvalho está falando. Mas não é do tempo relativo porque o tempo relativo não pode 108
definir o movimento para depois ser apreendido a partir dele. O problema com a física de Newton é que, quando um sujeito aceita uma tese autocontraditória como se fosse uma verdade definitiva, a contradição não percebida se refugia no inconsciente e danifica toda a inteligência lógica do infeliz. Quem duvida da inércia pode pegar um ônibus e 109
seguir de pé com os braços cruzados e os olhos fechados.
110
14. Sobre o ateísmo de Newton Segundo Olavo de Carvalho: Newton não espalhou só o ateísmo pela cultura ocidental: espalhou o vírus de uma burrice formidável. Mas Newton não é ateu. Na Ótica, ele escreve: [Deus] é mais capaz por Sua vontade de mover os corpos em 111
seu sensório uniforme ilimitado [o espaço] (...) do que nós somos capazes, por nossa vontade, de mover as partes de nossos próprios corpos. (NEWTON. Ótica. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 56) Na segunda carta de sua correspondência com Clarke, Leibniz escreve: Encontra-se expressamente no apêndice da Ótica de Newton que o espaço é 112
o sensório de Deus. Ora, a palavra “sensório” sempre significou o órgão da sensação [para uns o cérebro, para outros o coração]. (LEIBNIZ. Correspondência com Clarke. São Paulo: Abril Cultural, 1974) Na Enciclopédia das ciências filosóficas, Hegel escreve: Segundo Newton, o espaço é o sensório de Deus. (HEGEL. Enciclopédia das 113
ciências filosóficas em compêndio, volume 2. São Paulo: Loyola, 1997. p. 64) Num livro em que confunde o conceito de sensório com o de éter, o bispo fundador da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra escreve: [Newton] dizia que o espaço era o sensório de Deus e, portanto, poderia ser, por seu caráter divino, o agente transmissor das forças gravitacionais. 114
(RODOVALHO. Ciência e fé: o reencontro pela física quântica. São Paulo: Leya, 2013) Mas nem os fatos, nem as pessoas convencem Olavo de Carvalho. Newton não concebeu sua teoria gravitacional só para explicar determinados fatos da natureza — embora ela ainda seja ensinada assim à população ginasiana — , mas como parte de um projeto abrangente de 115
destruir o cristianismo trinitário e substituí-lo por uma religião da “unidade absoluta”, de inspiração esotérica. É preciso ser muito sonso para não notar aí o alcance da ambição totalitária subjacente. A afirmação de que dois corpos se atraem na razão direta do produto de suas massas e na razão inversa do quadrado da distância entre eles eles não destrói o cristianismo, destrói apenas 116
as convicções excêntricas de Olavo de Carvalho.
117
15. Sobre o darwinismo Olavo de Carvalho não entende nem o lamarckismo, nem o darwinismo. Darwin não inventou a teoria da evolução: encontrou-a pronta, sob a forma de doutrina esotérica, na obra do seu próprio avô, Erasmus Darwin, e como hipótese científica em menções inumeráveis 118
espalhadas nos livros de Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Goethe, entre outros. Tudo o que fez foi arriscar uma nova explicação para essa teoria — e a explicação estava errada. Ninguém mais, entre os autoproclamados discípulos de Darwin, acredita em “seleção natural”. A teoria da moda, o chamado “neodarwinismo”, 119
proclama que, em vez de uma seleção misteriosamente orientada ao melhoramento das espécies, tudo o que houve foram mudanças aleatórias. Que eu saiba, o mero acaso é precisamente o contrário de uma regularidade fundada em lei natural, racionalmente expressável. Sobre Erasmus Darwin e Lamarck: 120
O alicerce mais sólido para uma teoria da evolução anterior ao século XIX desenvolveu-se por meio das pesquisas e escritos de Erasmus Darwin (1731-1802) (avô de Charles Darwin) e JeanBaptiste Lamarck (1744-1829). Erasmus Darwin era um médico proeminente na Inglaterra, sendo conhecido também como um pensador 121
radical e inovador. Sua versão da teoria evolucionista afirmava que as espécies se modificavam adaptando-se ao meio graças a algum tipo de esforço consciente; esse conceito tornouse conhecido como a doutrina das características adquiridas. JeanBaptiste Lamarck, contemporâneo de Erasmus Darwin, foi o mais conhecido dos 122
dois, e defendia uma filosofia evolucionista semelhante. (...) Em sua obra publicada em 1809, Filosofia zoológica, ele expôs dois princípios que a seu ver explicavam a enorme variedade e desenvolvimento das formas de vida: os órgãos aperfeiçoam-se com o uso e enfraquecem com a falta de uso; essas mudanças são preservadas nos 123
animais e transmitidas à prole. Por exemplo, Lamarck acreditava que as girafas têm pescoço longo porque se esticam para alcançar folhas nas árvores. Esse conceito era uma espécie de “darwinismo invertido”, no qual a criatura controla seu próprio destino em vez de o meio criar a criatura. Eram conjecturas, sem base em uma abordagem ou 124
comprovação científica. A versão lamarckiana da doutrina das características adquiridas era uma combinação das ideias do próprio Lamarck sobre o plano de Deus e da Escala do Ser de Aristóteles. Lamarck escreveu que a vida ascendia a níveis mais elevados para aperfeiçoar a Criação. (BRODY. As sete maiores descobertas 125
científicas da história. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 234) Sobre Charles Darwin: Em posse das observações de Malthus [de que a população humana e a demanda sempre excederiam a produção de alimentos e outros bens necessários], [Charles] Darwin aplicou-as às suas próprias observações sobre as espécies 126
vegetais e animais. Reconheceu que o potencial reprodutivo das plantas e animais excede substancialmente a razão necessária para manter a população dessas plantas e desses animais em um nível constante, porém ainda assim o tamanho dessas populações permanece razoavelmente constante. Com base nisso, Darwin concluiu 127
que as plantas e os animais que sobrevivem à acirrada competição entre todos os seres vivos têm de ser mais bem equipados para viver em seu meio específico do que aqueles que não sobrevivem. Predadores lutam por território e presas, animais de pastio buscam as melhores terras, a vida vegetal compete por espaço no qual expandir-se e 128
proliferar, os machos de muitas espécies lutam pelo direito às fêmeas. Prevalecem os mais rápidos, mais fortes e mais espertos, e essas características vitais são herdadas por seus descendentes. A seleção natural permite que as mudanças que favorecem a sobrevivência sejam passadas adiante e elimina as mudanças desfavoráveis. Embora 129
a ciência da genética ainda não existisse, Darwin presumiu que qualidades essenciais do ser sobrevivente, fosse ele predador, animal de pastio, vegetal ou conquistador da fêmea, eram de algum modo transmitidas em sua semente. (BRODY. As sete maiores descobertas científicas da história. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 245) 130
Resumindo: Charles Darwin não encontrou a teoria da evolução pronta. Desenhando: O acaso e a seleção natural são dois momentos distintos da evolução. As girafas que têm, POR ACASO, o pescoço um pouco mais comprido são favorecidas pela SELEÇÃO NATURAL e acabam gerando filhotes que têm a tendência (genética) de ter o pescoço mais comprido. Vale notar (porque o texto citado não é tão claro em 131
relação a isto) que a seleção natural não privilegia os melhores no sentido que Olavo de Carvalho parece usar, privilegia os mais adaptados. Numa área invadida por predadores desconhecidos, as presas mais covardes talvez tenham mais chance de sobreviver. Numa população em que alguns morcegos têm o cérebro maior e outros têm os testículos maiores, se a vantagem dos primeiros 132
para sobreviver for pequena e a vantagem dos últimos para reproduzir for grande, a seleção natural privilegiará o tamanho dos testículos. Puramente farsesco, no entanto, é o esforço geral para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução “foi 133
usada” para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa hipocrisia. Não é porque a natureza apresenta aspectos moralmente reprováveis que devemos fingir que as coisas não são como são. O leão macho que toma o território de outro leão macho mata os filhotes do perdedor para que as fêmeas se ocupem apenas da prole do leão que 134
venceu. Quando Darwin descobre a seleção natural, descobre uma regra que, ou não foi deliberadamente criada, ou foi deliberadamente criada por Deus. Se o darwinismo foi usado para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, a religião também foi. E nenhum dos dois deve ser abolido por causa disso.
135
16. Sobre Kant O curso de bacharelado em filosofia da USP não é enciclopédico. Não começa com os pré-socráticos, não discute dezenas e dezenas de filósofos como as duas mil e setecentas páginas da História da filosofia de Reale e Antiseri. Tem aluno que lê Platão, tem aluno que lê Aristóteles; tem aluno que lê Agostinho, tem aluno que lê Tomás de Aquino; tem aluno que lê Hobbes, tem aluno que lê Rousseau. 136
Mas todos leem Kant. Todos leem a Crítica da razão pura. O primeiro e o mais básico dos limites assinalados por Kant é que o campo da experiência está circunscrito pelas duas formas a priori da sensibilidade, o espaço e o tempo. Mas aquilo que está num lugar determinado está também, a fortiori, no infinito supraespacial; e aquilo que ocorre 137
num instante determinado acontece também, a fortiori, dentro da eternidade — duas necessidades a priori das mais óbvias que, por si, dariam por terra com os famosos limites que a filosofia crítica procurava estabelecer. O que Kant diz, muito resumidamente, é que as noções de espaço e tempo são anteriores a qualquer experiência (não é vendo o tempo passar que você 138
percebe o que o tempo é) e que toda experiência acontece no espaço e no tempo. Olavo de Carvalho diz que o que está no espaço está no infinito supraespacial; que o que está no tempo está na eternidade; e que tudo isto é muito óbvio. O primeiro erro de Olavo de Carvalho é imaginar que os problemas do espaço e do tempo se correspondem com perfeição. O espaço e o tempo podem ser absolutos ou relativos, 139
finitos ou infinitos, mas a noção de eternidade não tem um equivalente como este negócio chamado infinito supraespacial. Isto acontece, entre outros motivos, porque a relação que se estabelece no espaço é entre sujeitos (coisas) e a relação que se estabelece no tempo é entre predicados (acontecimentos). Supondo que o espaço e o tempo sejam infinitos, por exemplo, o espaço inteiro existe, mas o tempo não — 140
porque, pelo menos em princípio, o passado existiu e o futuro existirá. Quando se supõe que Deus criou o espaço e o tempo, a pergunta difícil é o que Deus fazia antes da criação? , não onde Deus estava? porque, sendo imaterial, não estava em lugar nenhum. Agostinho tratou da primeira questão mostrando uma eternidade e um tempo incomensuráveis entre si. Deus é na eternidade (fora 141
do tempo) e o homem é no tempo (fora da eternidade). Mal comparando, Deus está para o nosso tempo assim como o autor de um romance está para o tempo vivido pelos personagens da obra literária. Numa passagem bastante conhecida das Confissões, Agostinho argumenta que não faz sentido perguntar o que Deus fazia antes de criar o céu e a terra porque antes diz respeito ao tempo, não à eternidade divina. 142
Eis a minha resposta àquele que pergunta: “Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra?” Não lhe responderei (...) “Preparava (...) a geena [o inferno] para aqueles que perscrutam estes profundos mistérios!” (...) Se pelo nome de “céu e terra” se compreendem todas as criaturas, não temo afirmar que antes de criardes o céu e a terra 143
não fazíeis coisa alguma. Pois, se tivésseis feito alguma coisa, que poderia ser senão criatura vossa? Oxalá eu soubesse tudo o que me importa conhecer, como sei que Deus não fazia nenhuma criatura antes que se fizesse alguma criatura! (...) Como poderiam ter passado inumeráveis séculos, se Vós, que sois o Autor e o Criador de todos os 144
séculos, ainda os não tínheis criado? Que tempo poderia existir se não fosse estabelecido por Vós? E como poderia esse tempo decorrer, se nunca tivesse existido? (...) Se antes da criação do céu e da terra não havia tempo, para que perguntar o que fazíeis então? Não podia haver “então” onde não havia tempo. (AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: 145
Nova Cultural, 1999. p.320) Embora seja muita informação para pouco espaço, não dá para duvidar que o que Olavo de Carvalho diz ser óbvio não tem nada de óbvio. Mais falaciosa ainda é a refutação kantiana do argumento de Sto. Anselmo. Sto. Anselmo diz que a existência de Deus é autoevidente por mera análise, de vez que o Ser infinito e necessário não poderia 146
ser privado da existência, sendo toda privação uma limitação, contraditória portanto com a infinitude, e a possibilidade mesma de uma limitação sendo uma contingência, contraditória com a necessidade. O argumento de Anselmo é o seguinte: O insipiente há de convir igualmente que existe na sua 147
inteligência “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, porque ouve e compreende essa frase; e tudo aquilo que se compreende encontra-se na inteligência. Mas “o ser do qual não é possível pensar nada maior” não pode existir somente na inteligência. Se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-seia pensar que há outro 148
ser existente também na realidade; e que seria maior. Se, portanto, “o ser do qual não é possível pensar nada maior” existisse somente na inteligência, este mesmo ser, do qual não se pode pensar nada maior, tornar-seia o ser do qual é possível, ao contrário, pensar algo maior: o que, certamente, é absurdo. Logo, “o ser do qual não se pode 149
pensar nada maior” existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade. (ANSELMO. Proslógio. São Paulo: Nova Cultural, 1973. p. 102) O que Kant diz é que a suposta existência necessária de Deus não passa de uma existência pensada. Não é porque penso no ser que existe necessariamente que ele existe necessariamente. Kant dá por pressuposto, nessa 150
objeção, que nossa mente pode criar como mera hipótese o conceito de um ser absolutamente necessário, ou seja, que este conceito pode ser um mero “conteúdo” do pensamento. Sim. Ou seja: o conceito do ser necessário seria apenas hipoteticamente necessário. 151
Não: o conceito do ser necessário seria apenas uma hipótese. Só que, para esse conceito ser apenas e exclusivamente uma criação da nossa mente, sem qualquer realidade objetiva, ele teria de ser necessariamente hipotético, ou seja, teria de excluir totalmente a possibilidade de ser mais que mera hipótese. Ora, esta 152
exclusão é autocontraditória. Kant não diz que Deus não existe. Diz apenas que o argumento ontológico não prova esta existência. Mais que logicamente certo, o argumento ontológico é autoevidente. Não é. Denomino autoevidente o juízo que não pode ter uma contraditória unívoca, ou seja, cuja 153
contraditória não é sequer formulável sem o vício redibitório da ambiguidade. Que eu saiba, esta característica dos juízos autoevidentes não tinha sido ressaltada até agora. No caso, qual a contraditória do juízo “O ser necessário existe necessariamente”? É “O ser necessário inexiste necessariamente” ou 154
“A existência do ser necessário não é necessária”? Impossível decidir. Qual a contraditória do juízo Papai Noel existe necessariamente? É Papai Noel inexiste necessariamente ou A existência do Papai Noel não é necessária? A contraditória do argumento de Sto. Anselmo é informulável. Rejeitar portanto esse argumento é abdicar 155
do senso mesmo da unidade do discurso, é cair na linguagem dupla que terminará por nos levar aonde chegou Kant. Papai Noel existe!
156
17. Herrar é umano Espero ter errado pouco, nos argumentos e no português, mas gostaria de deixar claro que este não é um livro filosófico. A filosofia de verdade é detalhista e trabalhosa. Começa com os autores consagrados e só depois segue em frente. A Crítica da razão pura dialoga com Leibniz e Hume citando Platão, Aristóteles, Descartes, Hobbes, Locke. 157
18. Um pouco de filosofia Quem quer dar os primeiros passos na filosofia pode começar com a primeira parte de Uma breve história da filosofia moderna de Roger Scruton, com as Meditações metafísicas de Descartes e com a segunda parte de Uma breve história da filosofia moderna de Roger Scruton. Começar com Kant (Crítica da razão pura, Crítica da razão prática, 158
Crítica do juízo) ou Hegel (Ciência da lógica, Fenomenologia do espírito) é impraticável. Os capítulos seguintes mostram dois trechos da primeira antinomia de Kant e um pouco do que já escrevi.
159
19. O tempo na primeira antinomia de Kant Tese: O mundo tem um começo no tempo. Admita-se que o mundo não tem um começo no tempo; até qualquer instante dado decorreu uma eternidade e deu-se, por conseguinte, o decurso de uma série infinita de estados sucessivos das coisas no mundo. Ora, a 160
infinitude de uma série consiste precisamente em nunca poder ser terminada por síntese sucessiva. Sendo assim, é impossível uma série infinita decorrida no mundo e, consequentemente, um começo do mundo é condição necessária da sua existência. (KANT. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001)
161
Antítese: O mundo não tem um começo; é infinito no tempo. Suponhamos, com efeito, que o mundo tem um começo. Como o começo é uma existência precedida de um tempo em que a coisa não é, tem que ter decorrido previamente um tempo em que o mundo não era, ou seja, um tempo vazio. Ora, num tempo vazio não é possível o nascimento 162
de qualquer coisa, porque nenhuma parte de um tal tempo tem em si, de preferência a outra, qualquer condição que distinga a existência e a faça prevalecer sobre a não existência (quer se admita que essa condição surja por si mesma ou através de uma outra causa). Podem, por conseguinte, começar no mundo várias séries de coisas, mas o 163
próprio mundo não pode ter começo e é pois infinito em relação ao tempo passado. (KANT. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001)
164
20. A origem do universo na física contemporânea A teoria do big bang parte de duas constatações empíricas. A primeira diz que as galáxias estão se afastando umas das outras e que o universo, portanto, está em expansão. A segunda diz que existe uma radiação cósmica de fundo e que esta radiação mostra que o universo se comporta como se fosse um corpo negro homogêneo com 270 165
graus negativos de temperatura. Estes fatos, interpretados pelos modelos teóricos derivados da relatividade geral, sugerem que o universo esteve concentrado num único ponto há pouco menos de 14 bilhões de anos e que, neste ponto, com volume zero e densidade de energia infinita, foram criados o espaço e o tempo. Se o Timeu (de Platão) e o Gênesis (da Bíblia) falham categoricamente na 166
tentativa de explicar o começo de tudo, o big bang não deixa por menos. O que a teoria diz é que rodando o filme da expansão do universo para trás, o todo ocupa um único ponto antes de desaparecer. Rodando o filme para trás, no entanto, o universo tão pequeno quanto se queira não chega ao tamanho de um único ponto porque o ponto, por definição, é adimensional. 167
Por outro lado, dizer que os corpos celestes estão se afastando é diferente de dizer que o espaço ou o espaço-tempo estão em expansão. Dizer que o tempo é algo em si já é temerário. Dizer que o espaço-tempo surgiu num momento que, no fim das contas, é tão mágico quanto o momento da criação do mito platônico ou da religião cristã não se justifica. Esse modo de descrever a criação, os 168
momentos iniciais do universo, tem seu análogo em diversas religiões que identificam em suas cosmogonias o tempo mítico/mágico no qual os deuses se debruçaram para além de suas atividades usuais a fim de empreender a criação do mundo. Na comunidade judaicocristã, em particular, a ideia de um começo único e singular 169
pareceu a muitos – incluindo o Papa Pio XII – uma descrição científica da criação do universo bastante aceitável e até desejável, posto que de fácil adaptação aos ensinamentos de livros religiosos fundamentais, como a Bíblia. (NOVELLO. Do big bang ao universo eterno. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. cap. 1) As teorias do universo eterno dizem que a história 170
do universo não começa no átomo primordial previsto pela teoria do big bang: ou a expansão atual do universo tem infinitos séculos ou o momento mágico de 14 bilhões de anos atrás foi apenas o ponto de inflexão mais recente de um universo que se expande e se retrai também há infinitos séculos. Não é razoável, no entanto, imaginar que um tempo infinito tenha transcorrido porque o 171
infinito é problemático até na abstração da matemática. Wittgenstein pergunta, por exemplo, se o conjunto dos infinitos números naturais existe de fato ou não passa de uma regra geradora de números indefinidamente grandes. De forma semelhante, mas paradoxal, poderíamos perguntar se Deus conseguiria somar todos os números naturais – porque o resultado esperado seria um número natural maior 172
do que cada um dos números somados, ou seja, um número natural que Deus não conseguiu colocar na soma proposta inicialmente.
173
21. O tempo na física contemporânea A mecânica quântica não explica o que o tempo é porque apresenta resultados tão contraintuitivos que tende a ser reconhecida apenas como um modelo que funciona. Não é fácil compatibilizar o realismo científico com situações típicas da mecânica quântica, como a do fóton 174
que às vezes é partícula, às vezes é onda. Um sistema quântico ou exibe aspectos corpusculares (seguindo trajetórias bem definidas), ou aspectos ondulatórios (como a formação de um padrão de interferência), dependendo do arranjo experimental, mas nunca ambos ao mesmo tempo. (PESSOA JR. Conceitos de física quântica. São 175
Paulo: Editora Livraria da Física, 2003. p. 18) Bohr e Heisenberg propõem que a realidade corpuscular e a realidade ondulatória coexistem até que uma seja obrigada a se manifestar. Einstein, Planck e Schrödinger não se convencem. Em 1935, Schrödinger preocupava-se com a interpretação de Copenhague. Ele podia ver que ela funcionava, num nível pragmático, para sistemas 176
quânticos como elétrons ou fótons. Mas o mundo em volta, ainda que, bem no fundo, fosse apenas uma massa fervilhante de partículas quânticas, parecia diferente. Buscando uma forma de deixar a diferença mais clara possível, Schrödinger apresentou um experimento mental no qual uma partícula quântica tinha um efeito dramático e 177
óbvio sobre um gato. Imagine uma caixa que, quando fechada, seja impenetrável a toda e qualquer interação quântica. Dentro dela, coloque um átomo de material radiativo, um detector de radiação, um frasco de veneno e um gato vivo. Agora feche a caixa e espere. Em algum momento o átomo radiativo sofrerá decaimento, emitindo uma partícula de 178
radiação. O detector está acionado de tal maneira que ao registrá-lo provoca a quebra do frasco, liberando o veneno no seu interior. Isso mata o gato. Na mecânica quântica, o decaimento de um átomo radiativo é um evento aleatório. Do lado de fora, nenhum observador pode dizer se o átomo decaiu ou não. Se decaiu, o gato está morto; senão, está 179
vivo. Segundo a interpretação de Copenhague, até alguém observar o átomo, ele está numa superposição de dois estados quânticos: decaído e não decaído. O mesmo vale para os estados do detector, do frasco e do gato. Logo, o gato é uma superposição de dois estados: vivo e morto. (STEWART. Dezessete equações que mudaram o mundo. 180
Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 301) O paradoxo do gato (entre outros) demanda explicações complexas que, quando colocadas em cheque, demandam explicações ainda mais complexas, num processo interminável. Kant diz que a metafísica é dogmática porque não examina suas próprias possibilidades antes de especular sobre Deus ou sobre a liberdade. A física contemporânea é mais 181
dogmática que a precedente neste aspecto. O desfecho é que a função de onda do gato não precisa colapsar para contribuir com uma observação clássica única. Ela pode permanecer totalmente inalterada, sem violar a equação de Schrödinger. Em vez disso, existem dois universos coexistentes. Num deles, o gato morre; no outro, não 182
morre. Quando você abre a caixa, há correspondentemente dois vocês e duas caixas. Um deles é parte da função de onda de um universo com um gato morto; o outro é parte de uma função de onda diferente, com um gato vivo. Em lugar de um mundo clássico único que de algum modo emerge da superposição de possibilidades 183
quânticas, temos uma vasta gama de mundos clássicos, cada um correspondendo a uma possibilidade quântica. (STEWART. Dezessete equações que mudaram o mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 308) O mais razoável é considerar que o tempo, na mecânica quântica, seja apenas a variável t das equações da mecânica quântica uma – representação, um modo 184
bastante específico de pensar. A mecânica quântica (...) descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas, e nos revelou um mundo microscópico em que espaço e tempo se manifestam apenas como variáveis matemáticas, e onde conceitos como medição e realidade física perdem seu 185
sentido habitual. (HACYAN. Física y metafísica del espacio y el tiempo. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2011. Introdução) O tempo da relatividade é relativo porque tem uma relação (no sentido matemático do termo) com a velocidade do referencial adotado, relação que se expressa pelas transformações de Lorentz na relatividade restrita e pelas equações de campo 186
de Einstein na relatividade geral. Rigorosamente falando, a relatividade não diz o que o tempo é, diz como ele funciona, tornando igualmente válida a crítica que fizemos à mecânica quântica. As coisas que são indescritíveis na matemática e experimentalmente inverificáveis não são objeto de estudo nem da relatividade em particular, nem da física 187
contemporânea de maneira geral. Além disso, embora os resultados da relatividade não sejam tão estranhos quanto os da mecânica quântica, o tempo da relatividade é apenas uma das dimensões da abstração matemática que é o espaço-tempo. A teoria da relatividade especial [ou restrita], de 1905, foi o ponto culminante de uma longa aventura do pensamento, 188
unificando a descrição da física, ao fundir o espaço tridimensional ao tempo e formar uma nova unidade chamada estrutura espaço-tempo. A geometria desse espaço-tempo consiste em uma configuração rígida, imóvel, capaz de servir de arena ou pano de fundo para todos os processos físicos. Na relatividade geral, matéria e energia sob qualquer 189
forma influenciam as propriedades geométricas do espaço e do tempo. Tudo se passa como se o espaço-tempo fosse uma substância com propriedades elásticas afetadas pelos corpos materiais, produzindo sulcos e reentrâncias nessa estrutura, modificando assim o movimento dos corpos em interação. (NOVELLO. Do big bang ao universo 190
eterno. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. cap. 3, comentário C) O espaço-tempo não é algo que possa ser encontrado, como o bóson de Higgs. É uma estrutura tão verdadeira quanto as esferas do sistema do mundo ptolomaico. Para explicar os movimentos planetários, os astrônomos criaram sistemas de círculos (ou esferas) que se movem sobre outros 191
círculos (ou esferas). O círculo principal associado a cada astro, que serve de base para o movimento dos outros círculos menores, é chamado deferente (ou seja: transportador). O centro do deferente poderia coincidir com o centro da Terra ou ele poderia ser excêntrico. Os círculos ou esferas menores, que se apoiam sobre o deferente, são 192
denominados epiciclos. Um movimento relativamente simples pode ser descrito por um deferente com um único epiciclo. Outros, mais complexos, exigem vários epiciclos – um se apoiando sobre o outro. (COPÉRNICO. Commentariolus. São Paulo: Nova Stella, 1990. p. 52) Não seria um despropósito se a dilatação do tempo propalada pela relatividade 193
fosse questionada. No clássico experimento do múon, por exemplo, a dualidade partícula-onda é desprezada; o decaimento aleatório é tomado como relógio; e a teoria que sustenta as medições realizadas é justamente a teoria que o experimento se propõe a provar. Estudos mais detalhados têm sido feitos envolvendo partículas instáveis chamadas múons, que são criadas na alta 194
atmosfera, a uma altura em torno de 60 km, quando raios cósmicos de alta energia colidem com moléculas do ar. Experimentos realizados em laboratório revelaram que os múons estacionários decaem com uma meia-vida de 1,5 μs, isto é, metade dos múons decai em 1,5 μs, enquanto a metade dos que restaram decairá no 195
próximo 1,5 μs e assim por diante. Os decaimentos podem ser usados como um relógio. Os múons movem-se pela atmosfera a uma velocidade bem próxima da velocidade da luz (...) portanto (...) apenas 1 em 1.040 múons deveria chegar ao solo. Todavia, de fato, os experimentos revelaram que aproximadamente 1 196
em cada 10 múons chegava ao solo. (...) Essa discrepância deve-se à dilatação temporal. (KNIGHT. Física: uma abordagem estratégica, volume 4. São Paulo: Bookman, 2009. p. 1159) Se o tempo na mecânica quântica é apenas o que se tem nas equações daquela metade metade da física, o tempo da relatividade é o tempo das transformações de Lorentz (na relatividade restrita) e das equações de 197
campo de Einstein (na relatividade geral). Nos três casos, o que se tem não é uma descrição com pretensões ontológicas, apenas uma ferramenta que funciona para os problemas que cada pedaço pedaço da física se dispõe a resolver. Quando os físicos contemporâneos têm um problema que envolve dimensões reduzidíssimas (menores do que um átomo), usam a mecânica quântica, suas fórmulas e a 198
variável tempo que estas fórmulas expressam. Quando estes mesmos físicos têm um problema que envolve velocidades próximas à velocidade da luz, usam a relatividade restrita ou a relatividade geral. A relatividade restrita tem cálculos mais simples porque não considera a existência de campos gravitacionais. A relatividade geral tem cálculos mais complexos e só é usada quando os campos gravitacionais não 199
podem desconsiderados.
ser
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22. Sobre mim Tenho 44 anos e sou um consultor de informática especializado em pesquisas de remuneração e no gerenciamento eletrônico de documentos. Pela Escola Técnica Federal de São Paulo, sou técnico em processamento de dados. Pela Universidade Mackenzie: tecnólogo em processamento de dados, licenciado para o ensino médio e especialista em didática do ensino superior. 201
Pela Universidade de São Paulo: bacharel e mestrando em filosofia. Não gosto do PT, nem morro de amores pelo PSDB. Em 2012, pedi o impeachment de Dias Toffoli. HÉLIO RICARDO DE SOUZA PIMENTEL (...) vem (...) representar pelo impeachment do Ministro JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI, do Supremo Tribunal Federal, por crime de 202
responsabilidade, consoante os fatos de conhecimento público a seguir descritos. (...) Esperava-se que o Ministro DIAS TOFFOLI se afastasse do processo, declarandose suspeito, pela absoluta falta de isenção para julgar fatos criminosos imputados ao seu exchefe, especialmente porque certas condutas criminosas teriam sido praticadas no âmbito 203
da Casa Civil no mesmo período em que o representado exercia função de confiança no referido órgão. (...) Ora, em razão do cargo que ocupava e da proximidade com o principal réu do processo, o representado poderia, circunstancialmente, ter figurado como réu ou testemunha desse caso, de tal sorte que sua opção de julgar o 204
Mensalão se afigura indefensável, moral e juridicamente. (...)
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23. Papai Noel existe mesmo! Quando Olavo de Carvalho diz que Obama é um partidário fervoroso (...) da rendição incondicional [americana] ante qualquer poder nuclear estrangeiro, o absurdo é grande demais para ser levado a sério; grande demais para se formular um argumento contrário. Quando diz que sou um analfabeto funcional , que me mandar à merda é pleonasmo, que 206
sou um bosta, que tenho problemas mentais, seu objetivo é inviabilizar o debate transformando a discussão que poderia ser filosófica em molecagem. É por isso que insisto na discussão do conceito de juízo autoevidente. O capítulo 16 mostrou que Olavo de Carvalho considera autoevidente todo juízo que não pode ter uma contraditória unívoca. No caso, qual a contraditória do juízo “O ser necessário 207
existe necessariamente”? É “O ser necessário inexiste necessariamente” ou “A existência do ser necessário não é necessária”? Impossível decidir. O capítulo 16 mostrou também que, segundo a filosofia de Olavo de Carvalho, o juízo Papai Noel existe necessariamente é tão autoevidente quanto O ser necessário existe 208
necessariamente ou X existe necessariamente. Olavo de Carvalho sentiu o estrago que a questão pode fazer em sua fama de filósofo e tentou rebater os argumentos. www.facebook.com/ola vo.decarvalho/posts/1 0152217393637192 Primeiro fez considerações que não dizem respeito ao conceito de juízo autoevidente. O sr. Hélio Pimentel é manifestamente 209
incapaz de perceber a diferença entre o conceito universal de um ser necessário e o nome de um ente contingente qualquer. O conceito de “ser necessário” postula por si mesmo a existência, cabendo portanto, como contraditória do juízo modal que afirma a sua necessidade, seja negar o modo, seja negar a validade do conceito mesmo; e o juízo “o ser 210
necessário não existe necessariamente” tem inevitavelmente esse duplo sentido. Do mesmo modo, “a = a” afirma simultaneamente, seja a identidade de dois signos abstratos, seja a dos entes que eles designam, mas, quando dizemos “a ≠ a”, é impossível discernir de imediato, da simples formulação da sentença, se estamos afirmando a 211
existência de uma autocontradição no próprio ente designado por “a” ou, ao contrário, uma simples denominação equívoca que nomeia com um mesmo signo dois entes diversos. Por isso é que digo que os juízos auto-evidentes não têm uma contraditória unívoca. Depois, desdenhou meus argumentos. Para contestá-lo, o sr. Pimentel cria o juízo 212
“Papai Noel existe necessariamente” e diz que pode ter duas contraditórias: “A existência de Papai Noel não é necessária” e “Papai Noel necessariamente inexiste”. Donde ele conclui, com ares triunfantes, que meu método leva à conclusão de que Papai Noel existe. Depois, desviou o foco da discussão. 213
Há obviedades que não deveria ser necessário explicar, que deveriam ser apreendidas intuitivamente, num relance, por uma espécie de instinto lógico que todos os seres humanos têm. A tragédia do analfabetismo funcional é justamente que ele bloqueia esse instinto e coloca em seu lugar o automatismo das combinações verbais 214
postiças que, aos olhos do seu inventor, têm a força probante de verdadeiras demonstrações lógicas, quando na verdade só provam uma completa incapacidade de raciocinar. Num primeiro instante, uma dessas combinações pode confundir momentaneamente o ouvinte desprevenido, que antevê nelas algo de errado mas nem sempre sabe dizer de 215
imediato onde o erro está. Neste caso, é preciso decompor o juízo imbecil nos seus elementos para que a imbecilidade apareça, com todo o seu esplendor, à plena luz do dia. É por isso que digo que discutir com imbecis pode aprimorar a nossa expressão verbal, obrigando-nos a transpor em palavras o que antes estávamos acostumados a 216
apreender somente num relance intuitivo mudo. Por fim, tentando ou fingindo argumentar, disse uma coisa óbvia (sobre a diferença entre Deus e Papai Noel) e chegou à conclusão de que só existe uma contraditória para a proposição Papai Noel existe necessariamente. Ao contrário do conceito de “ser necessário”, o conceito de “Papai Noel” não implica, por si mesmo, 217
a existência. É o conceito de um ente que pode existir ou não existir. Logo, um juízo modal que qualifique a sua existência como contingente ou necessária só pode ser formulado DEPOIS QUE A EXISTÊNCIA DESSE ENTE TENHA SIDO AFIRMADA COMO REALIDADE EMPÍRICA. Portanto, a afirmação “Papai Noel existe 218
necessariamente” só pode ser contraditada por um juízo que negue a necessidade dessa existência, não a existência mesma, como acontece na contraditória de “o ser necessário existe necessariamente”. Dito de outro modo, em “o ser necessário existe necessariamente”, o modo decorre logicamente do próprio conceito, de maneira que, pela mesma 219
negativa, pode-se negar seja o modo, seja o conceito. Isso não acontece na sentença “Papai Noel existe necessariamente”. A contraditória desta última só pode negar a modalidade, não a existência. “Papai Noel existe necessariamente” tem uma e uma só contraditória, “A existência de Papai Noel não é 220
necessária”, e não duas. Ao vivo, no Facebook , Olavo de Carvalho mudou de ideia. Confrontado algumas vezes com a questão, disse que a proposição Papai Noel existe necessariamente não faz sentido — quando é óbvio que a proposição é apenas falsa. Assim, Papai Noel existe necessariamente (que tinha uma e uma só contraditória) passou a não ter contraditória nenhuma. 221
Hélio Pimentel: Você disse que “o juízo que não pode ter uma contraditória unívoca” é autoevidente. Esse juízo [do Papai Noel] tem ou não tem a tal contraditória unívoca? Olavo de Carvalho: Se você não percebe isso IMEDIATAMENTE, você tem problemas mentais. Hélio Pimentel: Sim ou não? 222