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A Gramática do Decameron Tzvetan Todorov
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A CONSTR CONSTRUCÃ UCÃO O DO SENTIDO NA ARQUITETURA
Coleção Debates Col Debates Dirigi gida da po porr J. J.Guinsburg
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A CONS CONSTR TRUC UCÃO ÃO DO SENTIDO NA ARQ ARQUIT UITETU ETURA RA
Equipe de rea Equipe realliza ização ção - Revis Revisão: Jos Jost: t: Boni Bonifáe fáeiio Cal Caldas das;; Pr Proodução: Ricar Ricardo do W. Neve Nevess e Ad Adriana Garc Garciia.
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PERSPECTI TIVA VA
Por uma Linguagem Linguagem da Arqui Arquitetura I. O SENT SENTID IDO O DO ESPAÇO ESPAÇO 1.1. Uma definiç definição de arq arquit uitetu etura ra 1.2. 1.3.
1.3.1. Direito reitoss re resser ervvad ados os 1 1 EDI DITO TORA RA PER PERS SPEC ECfI fIVA VA S. S.A A. Av.. Br Av Briigad gadeir eiroo Luí Luíss Ant Antôônio io.. 30 3025 25 01401014 01-000 000 - São Paul Paulo - SP - Bra Brassil Fone: Fon e: (01 (011) 1) 885 885--8388 Fax: (011) 885-68 885-6878 78 19977 199
. .
. Semiologia da arquitetura? . Eixos org organi anizad zadore oress do sen sentid tido o do espaço . . .
1.° Eixo do espaço arquit arquitetural etural:: Espaço Interior Interior X Esp Espaço aço Ext Exteri erior or .. 1.3.2 3.2.. 2. 2.°° Ei Eixo xo:: Es Espa paço ço Pr Priv ivad adoo X EspaEspaço. Comum . 1.3.3. 3.° Ei Eixo xo:: Espaço Const Construído X Espaçoo Não-Con paç Não-Consstruído . 1.3.4. 4. 4.°° Eixo Eixo:: Esp Espaço aço Artifici Artificial al X Espaço Natural : .
1.3.5.
5.° Eixo: Espaço Amplo X Espaço Restrito 1.3.6. 6.° Eixo: Espaço Vertical X Espaço Horizontal 1.3.7. 7.° Eixo: Espaço Geométrico X Espaço Não-Geométrico
1. 2.
2 .3 .
80
Teoria d e produção do espaço: uma formulação . Semanti zação e dessemanti za zação do espaço .
O DISCURSO ESTÉTICO DA ARQUITETURA . lI.L Discurso estético? . lI.2. lI.3.
IlI.
70
O Imaginário e o Ideológico . Três Casos Particulares do Ideológico na Arquitetura . ·103 2. 1 . O mito " forma e função" . 103 2.2.
lI.
62
O ritmo Um eixo estético englobante
129 129 . . 133 . 142
DESCONSTRUÇÁO DO SENTIDO: ANTIARQUITETURA? . III.L Arquitetura perecível como antiarIl1.2.
quitetura . Ar quit et ur a não-racional , ar quitetura irracional , arquit etura r ad ical ..
167 177 Os arquitetos não falam mais: apenas balbuciam coisas sem sentido. Quantas vezes esta advertência tem sido feita recentemente, com estas ou com palavras semelhantes, nesta ou naquela língua? Seria inútil e cansativo proceder a uma contagem: o que parece ter sido também totalmente inútil foi essa mesma admoestação, pois o panorama à nossa volta continua uma algaravia deprimente e insensata. Se os arquitetos não falam mais , supõe-se que alguma vez devam ter-se exprimido de modo não apenas coerente como adequado e atraente. Quando foi isso? Por certo, mesmo na atualidade alguns arquitetos continuam falando conscientemente, continuam a propor um discurso arquitetônico - mas não se cOn-
segue citar mais que um Lloyd Wright aqui, um outro mais além (e isto, cOm reservas). Não parece restar dúvidas, no entanto, que os momentos em que a arquitetura constituiu, globalmente considerada, um discurso significativo pertencem ao passado. O arquiteto grego (o da Antigüidade, bem entendido, pois a arquitetura comum das cidades gregas atuais não passa, lamentavelmente, do nível tristemente baixo de um estilo internacional bastardo de nítidas influências americanas) sabia o que falava, conhecia aquilo com que f ~lava, e o mesmo se pode dizer do arquiteto do gótIco, da renascença - mas não, obviamente. dos arquitetos de todos os neos, o neogótico, o neodássico, etc. Que se pretende dizer cOm isso? Que es ses homens tinham formulado, ou formulavam, um estoque preciso de conceitos e de signos do qual retiravam os elementos para propor uma arquitetura onde cada elemento se define por si só e, ao mesmo tempo, em relação aos demais, num discurso que responde a determinadas necessidades do homem da época e que este compreende. :b fácil prever, aqui, uma objeção: em suma, os grandes monumentos da história da arquitetura, os grandes nomes, estes têm uma linguagem específ ica, estes dominam um discurso: mas em volta de cada Notre-Dame de Paris, de cada palácio dos Doges há uma centena de habitações menOs ou mais pobres que o cronista não registrou e de cuja linguagem não se fala porque simplesmente não existe. E neste caso se poderia dizer que também nos tempos modernos os arquitetos "f "lam", pois Mendelsohn tem uma linguagem, Loos tem uma linguagem, etc. Esta objeção, em parte, tem sua razão de ser: sem dúvida, o capital sempre favoreceu o desenvolvimento das artes, e a arquitetura não faz exceção. Por certo é mais f ácil criar um código ou falar à perf eição uma certa língua quando o "cliente" tem todo o dinheiro necessário a tais exerckios. Dinheiro e tempo: uma catedral gótica é assunto de gerações. Tudo isto é fato. No entanto, a história da arquitetura não se limita às catedrais ou aos palácios - ou pelo menos nã~ deveria se limitar, embora montanhas e montanhas de volumes sobre história da arquitetura repitam sempre, incansavelmente, os mesmos nomes, as mesmas obras, e estas são sempre Notre-Dame, São
Pedro, ea' d'Oro, etc. E se de fato, quando se fala da arquitetura grega, é preciso ressaltar que se está falando da arquitetura dos templos e deixando de mencionar a grande maioria de construções inqualificáveis habitadas pelo povo; que quando se elogia a casa pompeana não se diz, freqüentemente, ter sido ela privilégio de bem poucos, por outro lado não é menos verdade que também não se menciona uma série de fatos (de forma alguma exceções ou em minoria) não relacionados com as "grandes obras" e os "grandes arquitetos" e que não deixam de apresentar-se como exemplos de domínio perfeito de uma linguagem precisa, clara e conveniente de arquitetura e urbanismo. Pense-se no discurso produzido por um hábil jogo entre ruas e praças que marca a maioria das cidades italianas, desde uma minúscula San Gimignano que chega até hoje praticamente tal como era nos séculos XIV e XV, até uma moderna Turim (que mal ou bem, e por uma série de razões das quais nem todas são a simples clarividência urbanística, ainda conserva, pelo menos em seu centro, essa rede antiga). Quem assinou essas obras, essas concepções? Michelângelo e Borromini se ocuparam de Roma, mas quem "planejou" San Gimignano? O nome não ficou. E no entanto, muitas dessas cidades não são simples proposições espontâneas: foram até certo ponto planejadas. E não o foram apenns para as grandes famílias, para os doges e papas: o povo era e é seu grande usuário. E uma linguagem está presente nessas obras, uma linguagem urbanística onde o fechado e o aberto se completam, e o previsí vel cOm o inesperado, o protegido e o exposto, o privado e o comum, o geométrico e o orgânico, em suma: a unidade e a variedade. Essa é uma linguagem completa, onde o indivíduo faz parte da cidade e a cidade, parte f undamental do indiví d uo. O homem vive na cidade e da cidade, e a cidade não deixa de viver do homem. Recentemente falaram mais uma vez, absurdo risível não fosse trágico, em transformar Veneza numa espécie de museu a ser visitado: custou convencer tais "planejadores" que sem os habitantes "normais" da cidade, Veneza se transformaria num simples amontoado de pedras que morreria rapidamente como qualquer ser vivo.
Onde se encontra, hoje, essa linguagem que não é essencialmente vista e apontada-como "grande obra da arquitetura ou da urbanística" mas que é sentida fisicamente, emocionalmente, por aqueles que ainda n:'ío se deixaram entorpecer totalmente pelo vazio significativo das "cidades" modernas? Em lugar nenhum. Somente naquelas cidades o homem ainda dialoga cOm o espaço que o circunda: ao final de uma ruela sombria, a enorme surpresa sensorial de um espaço aberto; aqui, uma escada que separa duas paisagens inteiramente distintas - mas identifica-se o todo como um conjunto unitário que o indivíduo nunca conhece inteiramente mas que ele não deixa de reconhe:::er. E não um conjunto (na verdade, Um aglomerado) como os de hoje onde o espaço é inteiramente hostil ao indivíduo (que não pertence a ele), não lhe dando nenhuma informação além do mínimo exigido pelo utilitarismo (o funcionalismo, esse deus da opressão), e que o homem não conhece nem em p arte nem no todo, que o homem sempre estranha porque a cidade, a intervalos cada vez menores, é constante e li~eralmente destruída para abrigar o novo e todo-poderoso hóspede, o automóvel, em novas e luzentes avenidas que levam do nada a lugar nenhum em termos de espaço humano. Uma linguagem arquitetural não é portanto privilégio das grandes obras ou dos grandes nomes: na verdade mesmo, ela é ainda mais rica quando se manifesta nas obras que passam despercebidas, naquelas para as quais os guias turísticos não apontam porque estão se servindo delas e nem pensam nisso: na malha viária, no jogo dos espaços, das cores. E tampouco essa linguagem é privilégio dos "tempos passados". Se é verdade que a con:::epção norte-americana de arquitetura e urbanística (que deixou boquiaberto o Le Corbuster de Quand les cathédrales étaient diante do blanches, esse selvagem suíço prostrado templo ilusionista de Nova York) é um real cancro extremamente árduo de se combater, tampouco é impossível propor uma verdadeira linguagem para as atuais "áglomerações". Na verdade, aquilo de que estas cidades carecem tremendamente é justamente de uma verdadeira linguagem que substitua o amontoado de frases e signos arquitetõnicos sem sentido (porque tanto quem os propõe quanto quem os recebe e utili-
za não 'Sabem o que significam, embora sintam seus efeitos) a contribuir unicamente para o caos total. Uma linguagem precisa. Se a arquitetura é uma arte (e é, efetivamente), é uma arte específica que necessita não de uma linguagem mais ou menOs intuitiva com a qual o sujeito da criação artística lida e propõe sua obra, porém cujo significado real ele só vem a descobrir freqüentem ente finda a obra, mas sim de uma linguagem definida tanto quanto possível de antemão (pelo menos num de seus elementos, o espacial como se verá a seguir) e que esteja ao alcance simultâneo do criador e do re:::eptor (enquanto nas outras artes, a linguagem produtora é praticamente um segredo do criador, e a ela o receptor só tem acesso mais tarde - e eventualmente). Quais os elementos dessa linguagem? As duas grandes unidades sintagmáticas em que se pode inicialmente decompor a linguagem da arquitetura (e da urbanística) são o discurso primeiro do espaço em si mesmo (o discurso do arranjo espacial) e o discurso estéti:::o do espaço (o arranjo espacial sob uma forma artística) . Que se deve considerar como aquilo que constitui o objeto de estudo referente ao primeiro discurso? Em poucas palavras, esse campo será constituído pelas respostas possíveis à indagação básica: afinal, que ê o espaço? De fato, o que é o espaço? Isso deveria ser um conceito básico, muitos dirão que se trata de noção fundamental, praticamente um postulado indefinível. Uma das respostas mais comuns que se obtém a essa indagação é: espaço é isso que nos cerca. Mas o q ue é isso? E por que esse "nos cerca"? Por que esse conceito do homem ilhado no meio de um espaço, que aliás a arquitetura só faz perpetuar? Não seria simplesmen~e porque não se dispõe ainda de uma noção adequada de espaço, o qual, neste caso, é visto como mais um mistério cuja função básica (como a de todos os mistérios) é de alguma forma oprimir o homem, isolá-Io dentro de si mesmo (como o medo do desconhecido), ilhá-Io? Efetivamente, não existe ainda um corpo de ·coahecimentos orgânicos capaz de reunir uma série de noções fragmentadas sobre o espaço de modo a fornecer-nos um conceito operacional, manipulável. E isto é tanto mais grave
para o arquiteto uma vez que_se supõe que a arquitetura trabalha o espaço - e grave porque o arquiteto trabalha sobre uma coisa que ele simplesmente não sabe o que é, cujos significados (dos superficiais aos mais profundos) ele desconhece inteiramente! E se chega ao absurdo de se ter uma série de teorias altamente elaboradas sobre o modo de tratar algo que não se sabe definir! Aliás, é necessário mesmo frisar que durante um tempo consideravelmente longo a própria arquitetura não sabia nem mesmo propor-se seu verdadeiro objeto, o espaço, recalcandoo sob fórmulas vazias que partiam justamente do pressuposto de que se sabia, obviamente, o que era o espaço. Os exemplos disto são mais de um. Como Vitrúvio conceituava a arquitetura? Dizendo que ar· quitetura é ordenamento, disposição, proporção, distribuição. Do quê? Do espaço, por certo - mas isto era dado como algo já estabelecido. Alberti: arquiteItura é voluptas, jirmitas, c .omfl1QdiJas..- E- . o _.espaço? esposta-possível: Está implícito. Não: está escamoteado. VioIlet-Le-Duc: arquitetura é a arte de construir. Fórmula até poética, se se quiser, _mas novamente se parte do pressuposto de que já se conhece aquilo sobre o que se vai construir ou que se vai COnstruir. Já Perret propunha que a arquitetura é a arte de organizar o espaço: vê-se aqui, pelo menos, a noção de espaço aflorar nitidamente à superfície do pensamento arquitetural, mas o arquiteto ainda vai continuar se preocupando apenas com as noções tradicionais de material, forma, função e com as noções mais recentes produzidas pela sociologia e pela economia política. Naturalmente se poderia dizer que até meados do. século xx não se tinha nem mesmo com o que pensar o espaço a não ser em termos tradicionais de geometria, o que efetivamente é verdade, pois algumas disciplinas fundamentais para a abordagem do espaço só irão se firmar nas primeiras décadas de 1900 (como a psicanálise), enquanto outras só irão começar a . se estruturar bem mais tarde (como a proxêmica). Já é tempo, no entanto, de trazer a pesquisa do espaço em si para o primeiro plano dos estudos de arquitetura; este estudo não tem a pretensão, ainda que remota, de nem ao menos expor o problema em toda sua extensão (quanto mais resolvê-Io), mas pelo menos tratará de levantar aqueles elemen-
tos que são absolutamente indispensáveis para a prática do espaço. O outro dos discursos a ser aqui abordado é o elaborado pela estéüca do espaço (de acordo cOm a fórmula de Perret, o sentido da "organização do espaço" constitui o corpo do primeiro discurso, e o problema da "arte da", o corpo deste discurso segundo). Estética: a simples menção deste termo talvez já seja suficiente para abrir um enorme claro entre os eventuais arquitetos leitores deste trabalho. De fato, os problemas de estética têm a peculiar propriedade de aglutinar contra si adeptos de duas correntes perfeitamente opostas em arquitetura: os tecnocratas e os humanistas (ou a arquitetura do status quo e a arquitetura de vanguarda em seu sentido mais amplo, formal e político). Os tecnocratas não vêem nenhuma utilidade para a estética ou para a arte; para estes, responsáveis por uma arquitetura bastarda e de pacotilha (os grandes edifícios, as habitações coletivas, as monstruosas avenidas, as vias expressas, etc.), arquitetura se resume na "arte" de equacionar adequadamente forças, material, tempo e dinheiro, especialmente estes dois últimos elementos. Para muitos dos que se colocam sob a bandeira da vanguarda (simples rótulo vazio, na maioria das vezes), Estética é igualmente detestável como signo de um ensino arcaico e cIassista. Com que orgulho de "revolucionário" um estudante de arquitetura de Veneza lhe contará "as lutas que tivemos para acabar com a questão da Estética em arquitetura" - sem se dar a menor conta do espaço, do ambiente e da arquitetura que o cerca em sua própria cidade, por certo um dos arquétipos arquiteturais do homem moderno! Por um lado, é extremamente fácil saber a causa de tanto ódio à estética por parte destes "vanguardeiros~': para eles, os problemas de estética estão indissoluvelmente ligados, senão racionalmente, pelo menos ao nível do sentimento e da "impressão", à cultura clássica, especificamente à cultura renascentista à qual ainda estamos incrivelmente associados, e da qual a esmagadora maioria da arquitetura atual ainda é um exemplo. Para eles (e com razão, pois estes problemas ainda continuam a ser freqüentemente colocados em tais termos) Estética diz respeito às categorias do belo e do feio, e às questões de forma e
conteúd~, harmonia, composição, equilíbrio, ritmo, etc. Mas não percebem uma série âe coisas. Primeiro, que se -conseguem esquivar-se ao estudo de Estética e da Arte enquanto disciplinas universitárias (e, de fato, .a esmagadora maioria das faculdades não concede mais do que 2 ou 3 semestres a tais estudos, e isto quando 5 anos seriam claramente insuficientes), não se furtam aos efeitos dessa estética tradicional porque em outras disciplinas (Composição, etc.) ou nos mais "importantes" e conhecidos manuais de história. da arquitetura ou estética da arquitetura eles contmuam a ser dirigidos como cordeiros na direção dos problemas de ritmo, harmonia e composição que não passam de rebentos diretos dessa estética. E ainda que por milagre escapem desta influência indireta e disfarçada da estética clássica, não escapam às influências do próprio meio que nos envolve e que é um meio que recende a classicismo, e revelam todas essas influências em seus eventuais trabalhos. O que não é clássico (no sentido de ritmo, harmonia, etc.)? Brasília é La Défense em Paris é. A arquitetura dita "moderna" o é, de modo esmagador. E os poucos que não são ou que não foram continuam a ser encarado.s como visionários (entenda-se: loucos ou mesmo pengosos - como Mendelsohn, por exemplo). Segundo, que renegando Estética e Arte renegam a própria essência de sua profissão, dando e~trema razão a seus opositores, os engenheiros, dos qUals.c~~seguiram arrancar, há não muito tempo, um pnvilegio realmente indevido. O que foram os grandes arquitetos cujas obras continuam como p~rad~gma~? Antes de mais nada, artistas: o que fOl Mlchelangelo, esse genial urbanista? Essa renegação em si só não teria maiores conseqüências (renegar, "matar" psicologicamente "o pai", o modelo, é mesn-:o a. ala~anca da afirmação e da renovação) se nao lm~hcasse uma insuportável separação entre arte e arqUItetura. E o que é preciso que se entenda é que a arquitetura é a grande (e talvez realmente a única) forma de expressão artística que se não é conscientemente dedicada às grandes massas é, pelo menos, aquela a que estas têm acesso do modo mais imediato possível. E não se compreende que esses mesmos que mergulham numa luta por uma veiculação mais justa da arte ~s massas, como freqüentemente acontece -com o arqUl-
teto, venham negar a arte e a estética em sua própria atividade primeira. f :. preciso que se diga: o arquiteto distanciado dos problemas de Estética é um manco das duas pernas, e a obra por ele proposta, ainda que pare em pé, vale tanto quanto aquela que desaba, mal se tira a última escora: nada. Não chega nem mesmo a ser um reacionário, ele não existe. É fundamental dominar, portanto, também esta linguagem estética, de modo especial se se pretende realmente transcender a linguagem clássica: alguns de seus pontos fundamentais serão, pois, dis::utidos. Este estudo propõe-se, assim, examinar as bases de uma linguagem da arquitetura. Os mais exigentes, como os semiólogos, poderão no entanto dizer que não é suficiente falar numa linguagem do espaço, sendo antes necessário provar que tal linguagem efetivamente existe e existe enquanto real linguagem uma vez que proliferam os usos indevidos do termo e do conceito de linguagem. Não deixam de ter razão. Contudo, não me interessa demonstrar aqui que essa linguagem do espaço é de fato e rigorosamente uma linguagem, tal como a definem as teorias da linguagem, com suas articulações e unidades combináveis, mas sim considerar o espaço como uma forma genérica de expressão que efetivamente informa o homem (e COmo qual os homens se info rmam, de modo consdente ou não) e como detentor de sentidos passíveis de uma formalização necessária para a operação sobre esse mesmo espaço, para a prática arquitetura!.
Dê fato, se se passar em revista as diferentes e sucessivas definições da arqúitetura, se verifica que são necessários mais de 2 000 anos, bem mais, para que se conceitue a arquitetura de, ~odo ~fe~i~amente adequado com seu objeto espeCifico. VltruvlO tece todó um discurso sobre arquitetura sem nem ao menos e Imitar de modo aceitável seu domínio: "ciên. cia que deve ser acompanhad~ por uma gran?e diversidade de estudos e conhecimentos por meIO dos -..quais ela avalia as outras artes que lhe pertencem ... O acesso a esta ciência se faz através da prática e da teoria: a prática consiste ... " etc. Mas quaJ disciplina deixa de se encaixar nesse quadro? E mesmo quando Vitrúvio enuncia claraf?ente, err: seus t~rmos, aquilo em que consiste a arqUItetura nao se da nem um passo na direção de um conceito clar.o e ade,quado dessa disciplina e dessa prática: "A arqUItetura e ~omposta por: o ordenamento. que o~ gre~os deno~ma.m) taxis, a disposição (den.~ml?ada dLQ~he~ls ).' ~ eurntmla, a proporção, a convemenCla e a dlstnbUlçao, que em grego se denomina economia 2 ".
A pergunta surge de imediato: ordenan;ento, disposição, distribuição do quê? A resposta so pod~ ser uma e unicamente uma: do Espaço. Por consegulllte, por que não atribuir a. esta noção o lug.ar, ~ue ela efetivamente ocupa? Os su:.:essores de Vlt~uvlO na? repararam esta lacuna, porém: Alberti defme arqUItetura como firmitas, commoditas et voluptas 3 - mas nao é este o objeto primeiro da arquitetura! E ~o entanto, a partir de Alberti as definições da arq~ltetur.a se sucedem sempre na mesma trilha do conceIto tnpartido e totalmente secundário para a pre_ocup~çã? arquitetural. Blondel, por exemplo: co~stru.çao, dlstnbuição, decoração. Para a Society of Hlstonans of ~r: chitecture 4: venustas, firmitas, utilitas 5. Para a Soclete Central e des Architeçtes (no século XIX), arquitetura é o belo o verdadeiro e o útil. Guimard sugere: sentiment~, lógica, harmonia. Para Nervi, é função, forma e estrutura. E só mais recentemente o esforço de definição da arquitetura abandonou essa e outras trindades consagradas para adotar um binarismo no en2. VITRÚVIO, Les dix livres d'architecture. Paris, 1965. 3. Solidez, comodidade, prazer. 4. Ver PH. BOUDON, Sur l.'espace architecturale. Paris, 1971. 5. Beleza, solldez, utllldade.
tanto não menos mistificador, o famoso "forma X função". Todos esses termos são por certo bastante "poéticos" (voluptas, commoditas, venustas, belo, sentimento, lógica) mas, simultaneamente, duplamente enganosos, primeiro porque não definem a arquitetura e, segundo, porque não definem a si mesmos (que é sentimento, ou que é o belo, ou a comodidade?). Escamoteiam o objeto da discussão e induzem em erro a prática da arquitetura, um erro constante e cada vez mais acentuado, resultante do simples fato que é a ignorância em que se mantém o arquiteto em relação a seu próprio trabalho, seu próprio objeto, seu próprio instrumento. Se uma maior simplicidade e precisão principia com Viollet-Le-Duc, no século XIX ("arquitetura é a arte de construir"), na verdade o erro só começa em seu Architecture, de li ser corrigido por Luçart: 1929, Lurçat delimita o campo da arquitetura como sendo o dos volumes que se levantam no espaço, que são determinados pelas superfícies que se encontram e cujas proporções exatas são indicantes pela luz. Volume, superfície, espaço e luz são portanto, para Luçart, Os componentes da arquitetura. Mas um conceito defintdor não pode ser composto por elementos heterogêneos como esses quatro, alinhados num mesmo plano e sem especificações. E no mesmo ano de 1929, Le Corbusier não colabora, em seu Précisions, para o esclarecimento da função da arquitetura (o que aliás é uma constante em seu trabalho): entre frases inteiramente gratuitas como "A arquitetura é um ato de vontade consciente" (que se aplica tanto a um chute numa bola quanto ao ato de abrir uma torneira, passando pela mais variada gama de atividades físicas, metafísicas e patafísicas), Le Corbusier roça o proJ:>lema apenas quando afirma que arquitetura é "pôr em ordem", faz uma valiosa sugestão quando especifica que se trata de "ordenar" objetos, emite uma proJ>õrçao ainda mais útil quando diz que se trata de ordenar "funções", mas põe tudo a perder quando afir- - - m a que se trata de "ocupar o espaço com edifícios e estradas. .. criar vasos para abrigar os homens ... ". Aqui, sua terminologia é nitidamente infeliz, para dizer o mínimo, e uma análise do conteúdo da dimensão verbal do environment arquitetural mostra claramente o caráter concentracionário dessa proposição, a ser in-
teiramente evitada dentro de uma prática arquitetônica efetivamente humanista. Não se trata, de fato, de "ocupar" o espaço: Augusto Perret 6, que não é prop~iamente uma estrela da arquitetura como Le Corbusle~, propõe um conceito inteiramente adequado. de, arqmtetura: "a arte de organizar o espaço (o grifo e meu) que se exprime através da construção". Organiza~ o espaço e, mesmo, mais que isso, criar? espaço: aSSim, efetivamente, se pode descrever a arqmtetura. E se for necessário ser ainda mais preciso, pode-se ressaltar que arquitetura é simplesmente traba}ho sobre o Espaç~, produção do Espaço 7 - este e o elemento esp~clfico da arquitetura, escamoteado em todos estes seculos e ainda hoje. Mas por que esta ocultação, esta marginalização do Espaço? Embora toda proposição arquitetural rel~ve sempre de uma ideologia, e apesar d.e.toda a arqmtetura em sua totalidade poder ser deflnida como resultante e simultaneamente alimentadora de uma ideologia repressiva (antes de mais nad~ pela sua ~rópria natureza econômica - mas tambem em razao de aspectos materiais da construção, como se verá a seguir), será talvez necessário reconhecer que esse abandono do Espaço reveste-se de ~m carát.e~ "inocente", não intencional sendo fruto nao especlficamente de uma má consciência mas apenas de uma consciência inconsciente (claro que não por isso desculpável). Como? possivelmente sob a influência da geometria euclidiana (e o espaço arquitetural costuma aind~ ser. i?ent~fica~o com o espaço geométrico, embora t~l ldentlficaçao seja não só desnecessária como não pertmente e mesmo nociva como se verá), o arquiteto habituou-se a consider;r o Espaço como um dado (no sentido primeiro do termo: oferecido) evidente por si só e portanto que não necessita ser demonstrado); um postulado, enfim. E um postulado não se discute, é posto à margem d.a discussão: é mesmo recalcado - e tanto que o arqmteto nem mesmo se dá mais conta dele. Contudo, a noção de Espaço não é e nunca foi uma noção evidente por si mesma. O que é afinal o Espaço, qual o sentido do elemento sobre o qual a arqmtetura trabalha às cegas? Até o século XX o arquiteto não tinha como, na verdade, proceder a esse estudo e pouco 6. M. ZAHAR, Auguste Perret. Paris, 1959. 7. E não "pensamento do Espaço", como sugere Boudon: arquitetura é ação, não apenas renexão.
mais podia fazer alguém de jogar com o Espaço enquanto noção absoluta e auto-suficiente (daí, por exemplo, os lamentáveis enganos, hoje chamados kitsch , que foram e continuam a ser as transplantações de estilos ou soluções arquitetônicas: o clássico grego em Washington, um barroco francês no tropical Rio de Janeiro, um vitoriano inglês no árabe Egito, etc.) . Uma série de disciplinas atuais, no entanto, da antropologia à semiologia, passando por pontos de intersecção como a proxêmica, pôs em realce não apenas o caráter totalmente relativo da noção de Espaço cama a conseqüente necessidade de estudar e delimitar, praticamente caso por caso, os sentidos específicos do Espaço, conforme o lugar e o tempo. E a arquitetura cOm isso tem de voltar atrás e repensar (ou mesmo pensar pela primeira vez) o elemento que até aqui foi sua base indiscutida: qual o sentido do Espaço, afinal? 1.2.
Semiologia da arquitetura?
Definido o objeto da arquitetura cama sendo a produção do Espaço, surge a questão de saber de que Espaço se trata, quais suas espécies, suas delimitações, para a seguir ser possível indagar de seus respectivos sentidos (operações estas, aliás, intimamente ligadas). Esta necessidade faz logo pensar num recurso a uma semiologla do espaço arquitetura I ou no estabelecimenlacre tal semiologia. No entanto, embora não reste a - menor dúvida quanto ao Espaço constituir uma semiótica (i. e., num sentido mais simples, mais amPJo possível e menos rígido: um conjunto analisável de signos), não se recorrerá nem a nenhuma das "semiologias" do espaço já "estabelecidas", nem se tentará aqui propor uma nova. Por que esta recusa se este mesmo trabalho será, ao final - quer queira ou não -, um trabalho de indagação semiológica? A negativa em recorrer a modelos de semiologia do Espaço reside na verificação do quão pouco de útil esses estudos trouxeram até aqui e da previsão probabilística do quase nada que poderão oferecer num futuro imediato ou remoto - pelo menos no que diz respeito ao estabelecimento de uma semiologia do espaço arquitetural de caráter genérico e englobante, passível de ser utilizada como instrumento de trabalho pela maioria dos arquitetos e não apenas como tema de infindáveis discussões teóricas. Com efeito, é totalmente lícito per-
guntar se existe atualmente um conjunto de regras básicas e comuns capaz de fornecer, aos próprios teóricos do Espaço e aos que dela se servem no trabalho profissional, um campo único de entendimento a respeito daquilo sobre o que se quer falar. Estas pesquisas "semiológicas" constituem um verdadeiro circo onde cada um manipula um conceito p'articular que provocará "modelos" cuja utilidade consiste unicamente em existir enquanto tais e mais nada. Em 1974, após um congresso de semiologia em Milão, a considerada revista de semiologia VS 8 publicou um número especial com uma "Bibliografia semiótica" abrangendo toda a produção sobre semiologia em uma série de países, uma bibliografia que se confessa ao mesmo tempo ampla e rigorosa. Mas se os critérios de rigor tivessem sido realmente aplicados, ao invés das duzentas e tantas páginas desse número, e de outras em números seguintes, se teria talvez uma meia dúzia de páginas. Os próprios organizadores se- dão conta da barafunda conceitual existente no campo - o que não impede que incluam, em sua relação, obras que se dizem "de semiologia" mas cuja semelhança com esta disciplina é realmente mera coincidência. O que se entende hoje por semiologia do espaço, semiologia da arquitetura, semiologia do espaço arquitetural, o que se admite, mal ou bem (mais mal que bem), como constituintes desses corpos de estudo? Sem muito esforço se consegue enquadrar os trabalhos existentes em alguns poucos tipos bem definidos: a)
trabalhos de inspiração nos métodos lingüísticas e que procuram mostrar as possibilidades de uma análise semiológica do espaço com (no máximo) uma tentativa de determinar as aparentemente obrigatórias unidades mínimas significantes e suas cOmbinações em discursos mais amplos;
b)
trabalhos sobre sistemas de notação da linguagem arquitetural (na verdade só possíveis depois de se realizar o especificado no item anterior e que, no entanto, freqüentem ente tentam se propor isoladamente) ;
c)
estudos da "dimensão verbal" da arquitetura (análise do conteúdo da arquitetura através da
identificação de seus análogos verbais, visando estabelecer "gramáticas" do espaço urbano ou arquitetura) ou, em termos mais gerais, estudos sobre a "representação" do espaço arquitetural (através de fotos, esquemas, desenhos, quadros, etc) ; d)
análise das relações entre espaço arquitetural e o espaço gráfico-geométrico (um tipo da espécie apontada acima);
e)
análise das relações entre espaço mental e espaço físko;
f)
estudos sobre modificação do sentido, semantização ou dessemantização do espaço arquitetural localizado (praças, ruas, aposentos, etc.);
g)
trabalhos sobre os modos de percepção do ambiente construí do;
h)
estudo dos espaços físicos e sua utilização social;
i)
análise da obra de arquitetos individualmente COnsiderados, em termos de morfologia e sintaxe (equivalentes aos antigos "estudos de estilo");
j)
e, mesmo, análise dos dicursos (e não da arquitetura).
sobre
a arquitetura
De imediato se percebe que todos esses itens, me· nos um, relacionam tipos de obras que nada têm a ver com uma análise semiológica entendida segundo critérios rigorosos. A maioria se diz (ou é recebida como) semiológica simplesmente por tentar uma manipulação do problema do significado em arquitetura ou por falar do espaço arquitetural enquanto signo _ o que obviamente não basta se se encara o empreendimento semiológico numa perspectiva rigorosa. E os trabalhos que seriam mais especificamente semiológicos são, na maioria, totalmente inexpressivos, nada trazendo que possa ser aproveitado numa real sem~ologia da arquitetura. Vejam-se por exemplo os escntos de Eco e seus discípulos 9: Eco se indaga s'o9. Ver, por ex., teúdo,
Tratado
A estrutura ausente As formas àe semiótica geral, todos de u. Eco.
do con-
bre o que é código em arquitetura, se arquitetura é língua ou fala, se tem uma, duas ou mais articulações, e termina sugerindo que os elementos de segunda articulação são o ângulo, a linha reta, a curva, o ponto (!) e que os de primeira articulação são o quadrado, o retângulo, as f i guras irregulares, etc. (!!) De que, mas "realiiiente de que, na mais remota possibilidade, adianta ao teórico ou ao profissional saber que um espaço arquitetural se formula através de combinação entre linhas e pontos formando figuras, e que uns são os f amosos elementos de segunda articulação e outros, os de primeira articulação? Não serve para nada, rigorosamente para nada a não ser demonstrar a existência de uma doença inf antil da semiologia! Isso quando não se trata de trabalhos 10 que dizem o que é uma linguagem, f azem um resumo das teorias de um ou dois autores que seriam aplicáveis a uma semioJogia da arquitetura, dizem que um modelo semiológico da arquitetura seria possível por esta ou aquela rápida razão sem no entanto chegar, nem de longe, a propor tal modelo 11. E mais ainda: é perfeitamente lícito ao arquiteto dizer que não se interessa minimamente pelas possibilidades de seu discurso ser identificado com o modelo proposto pela lingüística, que nada lhe diz a proposição segundo a qual uma linha é um fonema ou que todo o discurso arquitetural é realmente um código. O que deve lhe interessar é na verdade o significado de seu modo de organizar o Espaço, a maneira pela qu'al a arquitetura é normalmente recebida e sentida (ou 10. Por exemplo, o livro de Maria Lulsa Scalvlnl sob o pomposo título L' arc h it e ttura com e sem ioti ca co nnotati v a (MIlão, 1975) e que não propõe semiótica alguma da arquitetura. 11. Para o leitor não especializado e não interessado nos problemas de semiologia explica-se rapidamente que o propósito de multo semiólogo (em particular os de extração da Europa Ocidental) é o de demonstrar que um determinado conjunto de signos (como os produzidos pelo espaço, ou pela estória em quadrinhos, pelo cinema, pelos gestos humanos, etc.) constltulse numa linguagem (um repertório f ortemente organizado de signos que se combínam através de normas fixas, como nas linguas naturais: português, francês, etc.) que se estrutura essencialmente, conf orme a teoria de HJelmslev (Prolégom é n e s à une t néor ie d u lan gag e , Paris, 1971), através da: a) existência de dois planos, Expressão e Conteúdo. Ex: o prefixo "229" (EXpressão) de uma estação telefônica de Londres equivale ou remete ao Conteúdo "Bayswater" (uma área londrina) ; b) existência de dois eixos: Sistema (o suporte, a Infraestrutura do texto a ser lido por um receptor: as normas de combinação) e Processo (o próprio texto que é Imediatamente lido pelo receptor: uma seqüência de gestos do corpo humano, as formas e cores de uma tela, etc.); c) propriedade de comutação: relação entre duas unidades de um mesmo plano da linguagem, que está ligada a uma relação entre duas unidades do outro plano. Por exemplo, duas unidades do plano da expressão "687" e "405" (prefixos de estação telefônica) e
manipulada) pelo homem e pela sociedade. E aqui se verifica que os trabalhos encaixados nO~ itens de c a i acabam por revelar-se na verdade mais úteis para o arquiteto embora nada tenham a ver com os problemas da semiologia propriamente dita. Eqnivale isto a afirmar que para o arquiteto o problema fundamental está ainda antes em identificar as significações básicas de seu discurso do que em formular modelos de artkulação dessas significações. E com isto todo trabalho de indagação do sentido em arquitetura será fundamentalmente pluridisciplinar: a abordagem psicológica, a sociológica e a histórica não podem e não devem ser evitadas. Ostentar o rótulo segregacionista de "Semiologia" é antes ocultar-se sob um nome (ainda) prestigioso e ocultar uma inoperância. Há ainda uma outra razão para deixar de lado as pesquisas ditas semiológicas, em particular as descritas no item a acima: todo estabelecimento de um modelo semiológico tem por resultado (quase) inelutável a fixação do discurso analisado em moldes inelásticos. Apreende-se e imobiliza-se o objeto de estudo. E não é necessário ressaltar os inconvenientes dessa solução: --seé perfeitamente possível admiti-Ia quando se trata de ,.analisar uma produção, uma linguagem já imobilizada, . já morta (a arquitetura barroca, a gótica, a arquitetu-ra de Le Corbusier) - quando é mesmo instrumento duas unidades do plano da expressão "Museum" e, "Holborn". Entre essas unidades existe um relacionamento tal que se "687" f or substituído por "405", "Museum" será substituído por "Holborn"; d) as propriedades da recçã o e com b i na çã o (relaçôes bem definidas entre as unidade lingüí sticas). Há recção quando uma unidade Implica a outra, de modo tal que a unidade Implicada é condição necessária para que a unidade que a Implica este ja presente. Por exemplo, em latim uma certa preposição Implica que o nome a seguir este ja no ablativo (e se este estiver no ablatlvo. a proposição que o precede deve ser de determinada espécie). Da mesma f orma, num determinado semáforo a presença do amarelo Implica que o verde ou o vermelho o precedeu ou se lhe seguirá (assim como a presença de um verde oU um vermelho implica que um amarelo o precedeu ou se lhe seguirá). Há c o m bina ção quando ç ã o; duas unidades se relacionam sem que ha ja r ec e) a não-conf ormidade. Numa verdadeira linguagem, pode ocorrer que determinadas unidades de um plano não encontrem uma correspondência no outro plano; numa f alsa linguagem, essa correspondência existe sempre: por exemplo, na chamada linguagem do semáforo - que não o é - toda expressão "amarelo" tem um conteúdo "atenção", bem como todo conteúdo "siga" tem uma expressão "verde", etc. Diz-se ainda que uma linguagem é formada por s ign os (ou monemas: as menOres unidades com significado próprio, como qualquer palavra das línguas naturais: "gato") e. mais especialmente, por figuras que articulam os signos (ou fonemas, unidades sem significado específico, como d, m , p ), conhecidas respectivamente como unidades de primeira articulação e unidades de segunda articulação, de modo tal que os monemas se formam através da artlculaçáo dos tonemas (g,a,t ,o = gato) e a articulaçáo dos monemas propõe entidades maiores como os sintagmas. Essas sucessivas articulações compõem O discurso que se of erece ao receptor.
precioso de estudo -, ela é de todo indesejável se se trata de entender uma produção e m processo, que se faz neste instante, que não só atua ainda e efetivamente como quer se modificar. Neste caso, embora seja impossí v el deixar de partir do signo (de modo mais particular, do significante), a atenção maior se voltará obrigatoriamente para o Interpretante (noção proposta por Pierce e ainda largamente ignorada pela ensaística européia, em especial a francesa), i . e., os resultados causados pelo signo na quase-mente que é o Intérprete. Vamos sair portanto do campo estreito da lógica, da lingüística, do formalismo dos modelos predeterminados, extravasar os limites de uma metodologia imperialista e seguir um método que se elabora criativamente de acordo com as necessidades do conjunto sígnico a ser abordado. Um processo que retire de onde for conveniente o material necessário; embora procura de um sentido, escavação numa semiótica (pois os signos do Espaço efetivamente propõem uma semiótica), a indagação será aqui praticamente, no sentido expresso, anti-semiótica. O que não signif ica que a análise será dispersiva, inorgânica, "impressionista". Pelo contrário: é que ela parte igualmente de um outro ponto segundo o qual é necessário estabelecer um quadro geral, amplo, quando se fala de espaço arquitetura!. Com efeito, saindo do campo das abordagens semiológicas ou "semiológicas", que ostentam uma excessiva preocupação de ordem e um excessivo reducionismo, proliferam as abordagens de cunho psicológico, sociológico etc. que estudam cada uma aspectos não pouco importantes que no entanto não conseguem se encaixar cOm os provenientes de pesquisas paralelas na formação de um quadro unitário; essa articulação nunca se produz, e o analista da arquitetura não consegue jamais formar à sua frente um quadro geral de seu objeto, onde cada parte remeteria organicamente a uma outra. Deparase apenas com uma SOma imensa de dados importantes mas que, pela falta de organicidade, resultam inoperantes. Por que não se forma esse quadro global? Pelo fato de não se contar ainda com uma espinha dorsal do espaço arquitetural ,claramente definida a orientar os trabalhos e delimitar o campo de ação. Esse campo está delimitado, por exemplo, na matemática: todo investigador sabe aqui de onde partir, o que foi feito, o que pode ser feito, discerne claramente os
níveis de análise. O mesmo acontece em· disciplinas menOs rígidas aparentemente, porém de estrutura igualmente definida, como a própria lingüística. Mesmo na barafunda que é o campo psicológico, o objeto de estudo já tem seus grandes eixos pelo menos demarcados . Com a arquitetura não é assim. Usando um conceito da teoria da linguagem, o que, afinal, é pert i ne nt e em arquitetura, o que é efetivamente essenGial e se distingue do acessório, o que é básico? Como se viu, Lurçat por exemplo tentou apontar a coluna vertebral, a estrutura básica, imprescindível e suficiente da arquitetura quando a definiu comO "volume, superfície, espaço, luz". Se se seguisse sua demonstração, seria possí vel e necessário assim estudar, por exemplo, cOmo o homem sente tais e tais volumes, como se movimenta em determinadas superfícies, como tal luz se combina com tal volume, etc. Mas se sua desGrição é uma das primeiras a tentar essa operação de delimitação do essencial em arquitetura, ela ainda é, como se viu, inadequada, incompleta. Não identificando, erroneamente, a arquitetura com o espaço, a questão ainda tem de ser colocada e respondida: o que é pertinente para o espaço arquitetônico? E~t~trabalho tentará portanto essa demarcação e a proposlçao de um esquema definidor do Espaço arquitetural capaz de se apresentar como uma linguagem comum de análise e reflexão. Não será esta uma análise exaustiva, no entanto: se colocará ao nível do mais amplo possível de modo a delimitar apenas (e não esmiuçar), em 'Gonformidade com um princípio fundamental do procedimento semiológico, um primeiro texto de análise que se ja tão extenso quanto possível (na horizontal), tão abrangente quanto possível, embora permanecendo simples, a partir do qual seja possível aprofundar na vertical a análise até, eventualmente, esgotá-Ia. Os princí pios a reger a teoria exposta nesta seção serão dois, como sugere Hjelmslev: a teoria constituirá um sistema dedutivo puro (no sentido em que é a teoria, e só ela, que permite e determina o cálculo das possibilidades resultantes das premissas que ela coloca) e, segundo: que as premissas enunciadas na t~ori~ são aquelas das quais o teórico sabe por expenêncla que preenchem as condições neGessárias para a análise e que são tão gerais quanto possível de modo a serem aplicáveis a um grande número de dados da experiência.
Enunciados os princlplOs norteadores, que ponto de vista adotar para a formul'ação dessas premissas gerais e tão amplas quanto possível? O fornecido pela Teoria da Informação é o adequado. Conf orme propõe essa disciplina 12, o pro;;esso mais simples do conhecimento humano e, simultaneamente, da manipulação da informação é aquele baseado na oposição binária Sim x Não (1 X O , aceso X apagado, etc.): uma coisa é ela mesma ou seu contrário. Não cabe aqui e agora demonstrar a validade dessa proposição geral, bastará talvez lembrar que efetivamente toda informação recebida por um sujeito é por este entendid.a, (e só é entendida deste modo) num primeiro instante, em oposição com aquilo que essa informação exclui, num processo freqüentem ente inconsciente. Se digo "Ho je é quinta-feira", o sentido dessa informação é percebido inicial e automaticamente pelo receptor cOmo sendo "Hoje não é nenhum outro dia da semana". O primeiro processo é sempre de exclusão por oposição. A proposição "Uma abordagem matemática do objeto estético" signif ica antes de mais nada que "Não se trata de uma análise poé ti ca (ou outra que se convencione como oposta à matemática) do su jeito estético", ou mesmo " . " do sujeito funcional" (admitindo-se, apenas para argumentar, que "estético" e "funcional" se opõem). A oposição binária é realmente a mais simples, embora existam sistemas que se desenvolvem a partir de oposições com maior número de elementos (sempre, porém, com base em alguma oposição). Por exemplo, o sistema lingüístico: uma palavra só é possível, e só é reconhecível, através de um jogo de posições e oposições: a unidade com significado próprio e í ntegro, gato, só é reconhecível graças à articulação dos fonemas, g , a, t, o que nada significam a não ser que g se opõe a d , b, f e qualquer outro dos demais 22, o mesmo acontecendo com a, t, o (eventualmente, também a posição terá algum valor signif icativo: o primeiro s de casas é distinto do segundo s, indicando este um valor numéü;;o e o primeiro apenas uma oposição). O ponto de vista portanto será o de proceder de início a oposições binárias - embora se tenha plena consciência das limitações e inconveniências desse método que, no campo das ciências humanas, conduz inevitavelmente a erros e deformações quando aplicado
sistematicamente e de modo absoluto. Com efeito, a oposição binária (base da lógica aristotélica) é superada (especialmente nas di&dplinas humanas, mas não só nelas) pela lógica dialética. Aqui, um enunciado como "A é A e não B" é inteiramente insuficiente e inadequado, pois A nunca é A e nunca é B, A é A em função de B na direção de um C, e assim por diante. Mas para os propósitos declarados deste estudo (generalidade e simplicidade) esse processo deve bastar: ele só intervirá na determinação dos pares de opostos que f ormarão os eixos organizadores do sentido do Espaço (na elaboração do modelo final, portanto) que, ao serem analisados, re;;uperarão toda sua complexidade e riqueza. Esse método simplesmente constituirá, cOmo ressaltado, o momento inicial da análise. Como escolher, agora, os elementos que f ormarão as oposições?
~I.3 .
I .3. I .
Ei xos
or ganizad ores
do sentid o
d o espaço
1.o eixo do espaço arquitetural: Espaço Interior X Espaço Exterior
De início, há uma grande tentação no sentido de estabelecer esse quadro delimitatório do Espaço na arquitetura a partir de um dado "imediato" do pensamento arquitetural: quando se pensa arquitet ura, pensa-se nas três dimensões. Para Focillon 13, por exemplo, não há dúvida alguma que as três dimensões são a própria matéria da arquitetura, sua substância mesma. E não é dif ícil encontrar, desde os autores clássicos da Antigüidade até os ensaístas mais modernos, uma colocação segundo a qual o que distingue a arquitetura das outras artes é exatamente a manipulação das e nas três dimensões reais - sem que esse raciocínio pareça se dar çonta de q ue igualmente a escultura, por exemplo, é uma operação realizada nas mesmas condições. Este privilégio das três dimensões não se justifica e deve ser evitado, e não apenas por esta última razão: o que se tem de ressaltar é que ele se baseia num ponto de partida não f undamental para a arquitetura (como se discutirá mais adiante) e que, quando nela aparece, o faz apenas num segundo momento, a saber, no pensamento geométrico. A geometria, a representa-
ção geométrica será mesmo essencial a todo pensamento analítico (e a arquitetura é uma forma desse pensamento), mas deter-se nela e partir dela para definir o espaço arquitetural e a arquitetura é não descer às bases mesmas do pensamento sobre o Espaço que, apenas numa segunda operação, irá requerer ou não a esquematização geométrica. Esta comporá me~mo um dos eixos constituintes da linguagem da arqmtetura, mas por si só é insuficiente para defini-Ia. O ponto de partida adequado será determinado pela manipulação dos dados fornecidos pela antropologia, e de imediato se constitui o primeiro eixo de oposições da demar;:.:ação do espaço arquitetural: Interior X Exterior. O confronto entre ambos e a passagem de um Espaço Interior para um Espaço Exterior constitui realmente a noção e a operação de manipulação do Espaço mais importante para o homem, desde os primeiros tempos pré-históricos em que a sociedade n~m mesmo existia. Quer no plano estritamente matenal (proteção contra o tempo, as feras e os outros homens) quanto num plano psicológico e social: analisando dados fornecidos pela antropologia e querendo explicar os tabus em termos de psicanálise, Freud 14 insiste justamente no valor dessa consciência precisa de um Espaço Exterior e um Espaço Interior para os povos "primitivos", mesmo aqueles que mal se constituíam num grupo so:.:ial.Há sempre, nessas "sociedades", uma· série de indivíduos que por razões variadas devem manter-se (por norma impositiva incontornável) em determinados Espaços interiores Ou exteriores: em certos grupos, o jovem de uma certa idade não penetra no Espaço Interior onde estão a mãe e/ou as irmãs (tabu do incesto: impõe-se o afastamento para evitar p. tentação da violação); a mulher menstruada, em outros grupos, é tabu e deve permanecer em determinados Espaços Interiores, a~astada dos outros, e ? mes~o acontece com o guerreiro que mata um adversano: apos o combate o vencedor ou não pode entrar em certos Espaços (às vezes não pode penetrar na área da comunidade, ficando no mato adjacente) ou sair de certos Espaços. Idem em relação à figura do próprio rei, quase sempre movend~-se em Espaços, ~nteriores!. etc; E ainda hoje se podena apontar resqmclOs (e nao so resquícios) dessa oposição Interior X Exterior: a burocracia, a religião, a divisão em classe sociais não
faz mais do que manifestar-se constantemente através dessa oposição. Como se coloca a arquitetura com relação a esse eixo? Privilegia ela um ou outro desses dois terminais (i. e., define-se ela por um ou por outro deles) ou, ao contrário, só pode ser entendida como relacionandose a ambos simultaneamente? De início, é necessário rechaçar a tendência que ,:.:onsisteem considerar essa questão como ingênua e já solucionada e, em particular, a tendência para considerar o Espaço Interior como o domínio da arquitetura e o Espaço Exterior cOmo pertencendo ao urbanismo. Pelo contrário·, essa questão sempre esteve e continua em pé na Teoria da Arquitetura. Existe efetivamente uma tendência acentuada no sentido de atribuir à arquitetura a preocupação primeira e fundamental de lidar com o Interior (falando-se aqui não apenas do Interior e Exterior como dois elementos distintos - ex.: rua = exterior; casa = interior mas como dois aspectos de um mesmo elemento, ex.: a parte interior e a parte exterior de uma e mesma casa). Em considerar que o interior é a real substância de uma coisa, de tal modo que quando se pensa em definir a substância da arquitetura só se pode dirigir para o Interior. E essa inclinação não é exclusiva do pensamento arquitetural: está por toda parte. Bachelard 15 analisa longamente essa espécie de valorização intuitiva e onipresente do interior e que seria, s~gundo ele, uma das características do espírito pré-científico para o qual o interior de uma coisa é sua essência, sua verdade, sua natureza e seu destino últimos. E tentase mesmo justificar esse ponto de vista recorrendo-se por vezes a analogias que se querem, estas, científicas: a verdade do homem não estaria em seu interior, em sua "alma", ou em seu incons:.:iente enfim, em algo que está lá dentro? Na verdade, a analogia não se sustenta, e o pensa[ijento "interiorista" é antes um pensamento místico, um pensamento mágico, um pensamento do misterioso: o interior é, desde o surgimento do homem, a sede de mistérios insondáveis, impenetráveis e mesmo aterrorizantes. Bachelard fala das formas sob as quais esse medo do interior (e por conseguinte sua valorização, ou vice-versa) continua a persistir e se manifestar: a atração receosa pela gaveta, cofres, armá-
rios ou, o que interessa para a arquitetura, pelos porões das ,casas (depósito de fantàsmas, alucinações e culpas - a literatura policial abunda em "mistérios de porão") e pelos cantos. :É possível mesmo encontrar na colocação psicológica de Bachelard a explicação das razões (senão a explicação) do enfoque que consiste em considerar a arquitetura como manipulação do Espaço Interior: ... todo canto numa casa, todo ç.arito num quarto, todo espaço reduzido onde gostamos de nos agachar, de nos voltarmos sobre nós mesmos é, para a imaginação, uma solidão, i. e., o germe de um quarto, o ge rm e de um a casa 16 (o grifo é meu).
... o canto é um refúgio que nos a ssegura um primeiro valor do ser: a imobilidade 17.
Conhecemos a seqüência: enquanto refúgio, imobilidade, tranqüilidade, o canto (i. e., a casa) é a reprodução do primeiro abrigo humano, o útero materno, e por conseguinte a arquitetura, expressão perfeita da imobilidade, se decidiria por uma das pontas do eixo: o Interior. E assim tem sido efetivamente através dos séculos: desde a concepção de uma casa egípcia (não de um templo egípcio) da xx dinastia (aprox. 1198 a.C.), passando pela casa pompeana (79 d.C.), até o período românico (séculos XI, XII) obedeceu-se a essa orientação de manipular por excelência um Espaço' Interior concebido cOmo oposição ao Exterior e com o qual se procurava uma proteção necessária - quem vê o muro liso e exterior (anônimo, agressivo) de uma casa pompeana é incapaz de imaginar a tranqüilidade, a intimidade (a imobilidade) interior. Mas, o "misticismo interiorista" já foi identificado, combatido e superado pelo menos na filosofia, depois do longo período de obscurantismo platônico e escolástico: paraf raseando Lenin, por exemplo (que não estava fazendo um mero jogo de palavras, embora por certo tinha em mente uma intenção jocosa) é inquestionável que a aparência é essencial, ao mesmo tempo em que o essencial aparece 18. Fato que começa a se manifestar na arquitetura a partir do Gótico, quando o exterior de uma catedral é um reflexo fif 'l de seu in16. BACHELARD,p. 30. 17. Idem, p. 131. 18. Em termos de arquitetura, Le Corbusler diria que "o exterior é sempre um outro Interior".
terior, o que não aconteceu nem no Românico, nem na arquitetura grega e tampouco na construção monumental egípda, nas· quais impera ou uma acentuada diferença entre Exterior e Interior (na primeira) ou mesmo uma disparidade gritante (nas outras duas). Essa tendência, que vem à tona e simultaneamente atinge o auge no Gótico, ainda se verifica (em grau menor) na Renascença e no Barroco (momentos em que se coloca de maneira nítida o problema da "fachada"), quando cOmeça a declinar para, salvo momentos isolados (alguma art l1ouveall , produções dos grandes nomes como Le Corbusier ou Lloyd Wright COm seu exemplar Museu Guggenheim de New York, mais um caso de identidade perfeita entre Exterior e Interior), ser atualmente substituída por uma arquitetura essencialmente "de Exterior", seja o que for que pretendam dizer os adeptos da teoria Forma X Função (ver capítulo seguinte), ou seja, uma arquitetura que se dedica de maneira específica à "fachada" e que coloca em segundo plano o pensamento do interior ou onde, de qualquer forma, inexiste a identif icação Exterior-Interior, rompida em privilégio do primeiro. Como se coloca afinal a arquitetura em relação ao eixo Espaço Exterior X Espaço Interior, qual o Espaço que efetivamente define, aqui, o pensamento arquitetural? :É necessário, de início, repelir as proposições dos que se recusam a tomar conhecimento do problema afirmando que é impossível determinar-se, situar-se em relação a esses termos por se tratar de noções relativas, e duplamente relativas. Relativos um em relação ao outro (não pode haver interior sem exterior, diz Boudon 19, e se a arquitetura é interior, como pode continuar a ser arquitetura sem um exterior?) e relativos conforme o observador se coloque no plano da casa ou da cidade: aqui, com efeito, a fachada (elemento exterior da casa) é na verdade elemento interno (inerente) à casa, só podendo ser considerado exterior à casa aquilo que está afastado dela, i.e., a praça, a rua, o espaço coletivo. Essa objeção se supera através da utilização, de início, dos próprios termos de sua colocação: de fato, não há exterior sem interior e vice-versa. Quando comparados um em relação ao outro, se deveria falar antes em complementação: são como as duas faces de uma moeda, e se faltar uma a moeda não pode existir. Mas
a oposlçao mencionada· continua existindo, e só pode ser superada (quer se trate 'de uma casa, quando se f a la em interior enquanto oposto à fachada, quer se trate da oposição casa =interior versus não-casa (rua, etc.) = exterior através de um jogo dialético entre esses aspectos. Não uma dialética concebida enquanto conf lito simples, mas enquanto jogo combinatório consistente em partir simultaneamente de uma e outra dessas duas noções para superá-Ias ao mesmo tempo. Na verdade, se dirá que, seja como for, a arquitetura é o domÍnio da imobilidade real, e que se vê mal como é possível combiná-Ia com o jogo dialético, dinâmico por natureza e adequado aos processos humanos: este é um problema de peso, mas pode ser contornado, ou pode ter um começo de solução através de uma concepção que não mais receba esses limites (o do Interior e o do Exterior) como barreiras, marcos definitivos 20. E com isto se repele também a segunda parte da ob jeção levantada, referente à relatividade do ponto de vista (casa ou cidade): a oposição dialética também aqui deve ser, com toda evidência, posta em prática e abolidas as barreiras definitivas entre a casa e a cidade. Entenda-se bem: abolir muitas das barreiras, porém não todas elas; não há dúvida nenhuma sobre a validade da afirmação segundo a qual, psicológica e biologicamente, o homem 21 precisa gozar de uma intimidade, de um isolamento dos outros por um certo número de horas diárias, e sob esse aspecto a casa enquanto refúgió é uma necessidade - por outro lado, igualmente não resta dúvida que o estado democrático (supondo que não ha ja aqui uma contradição nos próprios termos) só pode se implantar quando (não apenas nesse momento, evidentemente: mas aí as condições para essa implantação serão amplamente f avoráveis) se abolir o caráter discricionário com que se reveste o uso dos Espaços Interiores e Exteriores, uso que continua a existir ainda sob muitas formas idênticas ou assemelhadas às postas em prática nas sociedades ditas "primitivas" antes mencionadas. E a respeito da dialética casa x cidade é necessário observar ainda um ponto: até quando se suportará a distinção arquitetura e urbanismo? Conhece-se a história: no começo as faculdades eram só de arquitetura, 20. Algumas possibilidades de execução desta alternativa são discutidas mais adiante, na análise dos demais eixos propostos. 21. Particularmente o ocidental médio.
estudando-se também urbanismo; a seguir transf ormaram-se em f ac~ldades de arquitetura e urbanismo, f ormando-se arqUItetos de um lado e urbanistas do outro i.e., especialistas, peritos. Ora, a especialização não s~ admite aqui, pelo que se acabou de dizer mais acima: a. s~paração d~s conhecimentos só pode conduzir à oposlçao casa x Cidade que se tem de evitar a todo custo. A solução? Há já alguns anos Bruno Zevi fala numa nova disciplina (ou, pelo menos, num novo termo), a Urbatetura. O nome é f eio, por certo (seguramente f oi escolhido por exclusão: algo como "arquibanismo" seria realmente intolerável!), mas a denominação de fato pouco importa: o que interessa mesmo é percorrer todo o caminho de volta até a Renascença e tentar contar de novo com homens que pensem a cidade sem se esquecer que ela é feita de casas, e que proponham casas integradas à malha coletiva - tal COmopropunha um nome talvez já desconhecido pelos arquitetos Michelângelo. '
Tão ou ainda mais importante do que ser capaz d.e_identif i~ar, formular e resolver o problema da opos~çao Intenor X Exterior é conhecer o significado preCISOdessas noções, sem o que aliás esse equacionamento é impossível ou inadequado. . Qual o significado que se atribui ao Espaço Inte. nor e ao Espaço Exterior ou, em outras palavras, como se percebe um Espaço Interior e um Espaço Exterior? Os primeiros ~a~os. vêm outra vez da antropologia cultural e de dISCiplInas que dela se alimentam, como .a pr oxêmica (definida por Hall22 como o conjunto das observações e teorias ref erentes ao uso que o homem faz ~o. espaço enquanto produto cultural especí fi co) e a ek .lstl ~a (termo proposto pelo arquiteto grego C. A. DoxIadls para designar o estudo dos modos de estabelecimento humanos). ~ primeira noção da importância f undamental que se extrai desses estudos é a que diz respeito aos diferentes usos que se f az de um certo espaço e aos dif erentes sentidos que se atribuem a esses espaços conf orme a cultura (o grupo social em questão) e a época. Uma mesma dis-
posição espacial, interior, o~ ~xterior, pode ser recebida de modos inteiramente dlStlOtOS (e mesmo opostos) por dois indivíduos de culturas diferentes, noção que se deve ter sempre em mente e que ainda uma vez vem lembrar o fato (pois lamentavelmente parece ser sempre .e continuamente necessário fazê-Io) de que cabe ao arqUiteto e ao urbanista a pesquisa precisa dos sentidos do espaço reconhecidos em seu país ou ~ultura. antes d.e propor sugestões arquitetônico-urbanístlcas seJ~m qua,ls forem. Por mais óbvia que seja esta observaçao (e ela o é sob mais de um aspecto), ela não é seguida nem de longe pela maioria dos praticantes de arquitetura, não só os de hoje como os de quase to~os os tempo,s: a cultura itálica propõe uma forma aqUltet~ral no ,seculo XVI e dois séculos mais tarde se tenta Implanta-Ia (e se implanta) na França ou nos Estados l!nidos; a arq~itetura inglesa é transplantada para o Egito; as soluçoes americanas são seguidas ao pé da letra u~ pouco por toda parte atualmente - sem que o, arqUIteto nem a.o menos se dê conta das profundas diferenças cultur~IS entre o modelo que está seguindo (por moda, comodiSmo etc.) e a realidade sobre .a qual tentará i~po: ess~ modelo (e freqüentemente aSSim age de modo mgenu.o e sem segundas intenções - se existisse isso em S?~lOlogia) provocando normalmente nã? ~penas. modificações espúrias e equívocas em sua propna socled~de (no modo de comportamento, nas :xpres.sõe~ ~ulturaIs etc.) como inclusive sérias perturbaçoes pSlcologlcas nos .usuarios desses espaços. Alguns poucos casos compilados por Hall confirmam amplamente esses contrastes culturais que devem necessariamente ser levados em conta: basta pensar, por exemplo, que na ca~a .ocidental em geral a disposição interna das paredes e fIxa, e~quanto que na morada japonesa (p.elo menos na tradiCional) as divisões são sempre semlfIxas. Ou q~e normalmen~e não se ocupa o centro de um aposento mterno no .OCIdente (salvo simbolicamente, com um pequeno objeto, preferindo-se dispor os móveis s~bretudo ao :ongo dds paredes), enquanto qu~ no J apao a ocupaçao de u.:n espaço interno começa Justamente pelo .centro - .raza~ pela qual a um j?ponês u~a sala OCidental 'parecera essencialmente vazia por maiS atulhada que esteja. E as dif erenças persistem mesmo considerando-se uma única cultura em épocas distintas: na França até o século XVIII os cômodos de uma casa não tinham fun-
ções absolutamente fixas (isto, naturalmente, nas casas das camadas mais abastadas onde a multiplicidade de aposentos era possível) com a conseqüência f undamental de que os membros de uma família não podiam isolar-se individualmente, como hoje. Funções como comer ou d ormir não eram exercidas necessariamente no mesmo lugar, continuamente, e as pessoas estranhas à casa atravessavam normalmente "salas de comer" ou "quartos de dormir" (com ou sem ocupantes) sem maiores cerimônias. Isso é visível num caso máximo, o Palácio de Versailles, onde os aposentos se sucedem em linha reta sem corredor que leve de um a outro (que, por conseguinte, isolasse um do outro): para passar do aposento n. 1 ao de n. 3 não há outro caminho a não ser através do, pelo meio do n. 2, a menos que se dê a volta no prédio e se entre pelo outro lado, quando então, para chegar ao m esmo n. 3, é incontornável a travessia do n. 4 e tc.! E se é f ato que rei e rainha possuíam aposentos especiais, separados de uma ala mais "pública", não é menos verdade que também estes se dispõem da mesma f orma, por um lado, e que por outro lado os aposentos "não-reais" se sucediam sem ordem f uncional, de forma que para se chegar a uma ala de recepção era necessário atravessar uma biblioteca ou mesmo um quarto "de dormir" de algum eventual hóspede real. Aliás, esse caráter de "publicidade" dos aposentos internos de uma morada é magnif i camente bem ilustrado por Rosselini em seu f ilme sobre o Rei-Sol (A t o mada do pod er por Luís X I V) onde se vê (com base em exaustivas pesquisas históricas), por exemplo, a criada d e quarto dormindo e fet ivamente no quarto do rei (daí a denominação "criada d e quarto") que só tinha a separá-Io (e a sua companheira de cama) da criada o 'tecido circundante do leito, à guisa de cortina; ou o despertar das figuras reais sendo presenciado (assistido na extensão do termo, como se assiste a um filme) por pessoas da corte que penetram na câmara e vêem as primeiras abluções do rei, etc. Será apenas a partir do século XVIII que os cômodos (especialmente os quartos) passarão a se dispor ao longo de um corredor para o qual abrem suas portas, COmo as casas em relação à rua. Nesse momento efetivamente se pode dizer, com Bachelard, que o c anto é o germe de um quarto, que é o germe de uma casa: até essa época, o imaginário da solidão e do recolhimento era essencialmente diferente, e
se poderia dizer apenas que o çanto era o germe da casa, sem a etapa intermediária. Esse aspecto de "publicidade" no interior de uma casa pode realmente ser constatado em mais de um caso na história da arquitetura: as casas pompeanas, por exemplo, têm "quartos" sem porta alguma, e embora não se tenha de atravessá-Ios para passar de uma peça a outra (a circulação se faz por uma "ala" exterior aos quartos, normalmente contornando em quadrilátero o jardim central), seus ocupantes ficavam inteiramente expostos à visitação dos estranhos à casa e dos outros membros da família. Estas constatações impõem que se reconheça um outro eixo f undamental de organização do Espaço na arquitetura, decorrente do primeiro e que deve ter seus sentidos especificamente determinados conf orme a cultura e a época: o eixo Espaço Pr ixado X Espaço Comum (ou Espaço Individual X Espaço Social, embora a primeira denominação seja mais genérica e portanto deva ser a preferida). Para o arquiteto o problema que se coloca aqui, de modo especí fico, é o de saber como, numa dada cultura, se percebe um Espaço como sendo Privado e como se percebe um outro Espaço como sendo Comum, i.e., quais os limites de um e outro, até que ponto um espaço pode ser estendido sem se ferir os Espaços Privados, até que ponto estes aceitam e permitem aqueles. Considerando-se por um lado que o homem ocidental, de modo particular, valoriza ainda hoje, em termos genéricos, a possibilidade de recolhimento individual, de isolamento (periódico e delimitado, porém isolamento) e, por outro lado, os desequilíbrios psíquicos resultantes da convivência forçada e da promiscuidade, é fácil compreender a importância desse eixo para a prática da arquitetura. Os exemplos de Hall poderiam ser repetidos à exaustão: o alemão valoriza particularmente o cômodo fechado (por conseguinte, valoriza a porta fechada e, essencialmente, a existência da porta), enquanto o americano se sente à vontade num cômodo aberto ou, pelo menos, não se perturba por estar nessa situação (neste caso, admite a porta aberta ou, essencialmente, a ausência de porta), num conflito que parece ser particularmente sentido nas filiais americanas de companhias alemãs ou nas filiais alemãs de companhias americanas. O alemão necessita da porta fechada para sentir-se à vontade, para se concentrar e produzir enquanto para o americano essa não é uma necessidade imperio-
sa, do que resulta para o alemão que se movimenta em ambientes de portas abertas a sensação de uma atmosfera "pouco séria" e, para o americano forçado a viver a portas fechadas, a impressão de um alheamento à sua pessoa, de uma esnobação ou mesmo de uma "conspiração" contra ele. Não é difícil agora entender o sucesso ou a aceitação do famoso edifício de escritórios de F. Lloyd Wright, o The LarkinBuilding (Bufallo, New York, 1904), onde estes "escritórios" não são mais do que mesas que se dispõem à volta de um poço interno na forma de um quadrilátero central, numa sucessão de andares não vedados por paredes, de tal f orma que todos se vêem não só num mesmo andar (a visão é livre não só para os espaços imediatamente próximos como tamb~m para as mesas situadas nos outros lados do quadrilatero) como em todos os andares (três ou quatro), poden~o todos serem vistos ao mesmo tempo por um supervI~or, se for o caso. Um projeto desse tipo seria repelido de modo natural não só na Alemanha como na Inglaterra - repelido pelo menos pelos usuários dos escritórios; mas, como é um projeto com uma conotação .ideologicamente lamentável pois nele o princípio que Impera é claramente o da vigilância ("supervisão" é o termo moderno), receberia todo o apoio dos interessados num controle absoluto do rendimento do trabalho humano. Por outro lado, tudo indica que essa disposição não seria em princípio recusada pela cultura italiana, onde os indivíduos não apenas se expõem mais à apreensão visual dos outros como não se importam que estes se apropriem de suas opiniões e pontos de vista: o tom de voz utilizado em qualquer conversa é consideravelmente .ele':,ado, exatamente o oposto, por exemplo, do costume mgles e de dominar a voz para que ela alcance apenas e tão-somente o interlocutor específico (o mumbling, considerado mesmo, na Inglaterra, indício de boa educação). Poderia igualmente ser recebido como projeto absolutamente "normal" na República Popular da China onde a noção do Espaço Comum predomina amplamente sobre a de Espaço Privado - e de forma muito mais acentuada ainda. Interessante ressaltar a respeito da China - para evidenciar a importância do modo de disposição e uso do Espaço na formação de uma cultura e uma ideologia - um dado normalmente não levado em consideração pelos analistas políticos e cu ja
inobservância dá margem a uma série de equí vocos sérios e lamentáveis: se uma ideologia como a marxista pôde ser posta em prática na China foi porque ela já encontrou nessa cultura um conjunto de elementos de natureza semelhante aos por ela defendidos e contra os quais ela não teve de entrar em conflito. E a maior parte desses elementos estão justamente no modo de organização e utilização do Espaço, possivelmente um dos primeiros traços a determinar o tom geral de uma cultura. Efetivamente, na China sempre foi comum, em todos os tempos anteriores ao aparecimento de Mao, um modo de vida do tipo, em tudo e por tudo, coletivo: desde a organização do trabalho no campo, passando pelos modos de usufruir o tempo livre nas representações teatrais ou nas tavernas, até o costume de dormir em conjunto, membros de uma família ou não, não só no mesmo aposento como sob a mesma coberta, a norma (o ".normal") é a vivência num espaço comum (não só na China, aliás, como no Japão e, de modo geral, em todo o Oriente). Não é de se estranhar portanto, pelo contrário, que as comunidades familiares de trabalho ou lazer hoje postas em prática na China tenham sido rapidamente aceitas: elas não se chocavam com a cultura tradicional do povo e, antes, encontraram na prática comunista um reflexo organizado e diretivo desse padrão de comportamento. Já o mesmo não parece ter-se verificado na Rússia, onde o fracasso mais ou menos profundo ôe certas diretivas comunistas iniciais (como atesta o aparecimento, em larga escala, dos incentivos ao trabalho, com o ressurgimento de distinções econômicas e sociais entre os membros da classe social: um dirigente ganha substancialmente mais do que um operário qualificado e pode possuir "seu" carro; um operário que produz mais recebe mais do que outro e pode traduzir esse mais na posse de objetos cuja função é nitidamente a de individualizar seu possuidor, etc., todas elas práticas enfim do chama· do mundo ocidental e burguês) indica claramente que o papel do "comum" na sociedade russa pré-revolucionária não era nem de longe o mesmo existente na China anterior à década de 40, e que essa sociedade russa inclinava-se acentuadamente na direção do "privado". Estas observações sobre o segundo eixo definidor do Espaço arquitetural coloca o arquiteto-urbanista diante de um duplo problema: primeiro, o de determinar as signif icações que assumem para os membros de uma
cultura cada um dos terminais do eixo (Espaço Privado e Espaço Comum) e saber na direção de qual deles "tende" a prática ~ocial desse grupo. Em segundo lugar, resolver essa opOSição do mesmo modo como se resolve a primeira e todas as que se seguirão, i.e., através de um jogo dialético entre Comum e Privado. Se foi dito mais acima que a manipulação dessa oposição é fundam~ntal para evitar-se, por exemplo, desequilí b rio psí de espaços íntimos (desequi~ll1?OS resultantes d a falta hbnos que parecem aumentar com a sempre maior explosão demográfica e a resultante diminuição de 4rea e volume para 3S pessoas), não resta a menor dúvida, como já concluíram disciplinas como a sociologi<1e a psicologia ~ocial, de que as possibilidades de uma sociedade melh~r residem justamente na demolição pelo menos parCial dos redutos de individualismo excessivo que ~in?a regem as relações humanas. Esta modificação ~uahtatIv~, no entanto,)amais poderá ser posta em prátlca atraves de concepçoes "abstratas" (como as leis) ou nunca poderá ser levada às últimas conseqüências se não for seguida por uma modificação análoga no modo de relacionamento dos homens entre si e dos homens com o espaço (na verdade, dos homens entre si através do espaço), o que cabe a práticas como a arquitetura-urbanística. O modo de disposição e de atribuição de significados ao espaço é na verdade um dos elementos da infra-estrutura do comportamento humano, e nenhuma modificação efetiva na superestrutura (ideologia, etc.) pode ocorrer se não contar com mudança equivalente no primeiro nível. Contraditoriamente à situação criada pela exI-'los~o demográf~ca, as sociedades humanas em geral contmuam a cammhar para o isolamento cada vez maior ~os h?mens entre si (continuam a aspirar ao ideal indiv.ld~ahsta) e, por conseguinte, para uma contínua oposlçao entre esses homens, em todos os ní veis de suas atividades. O arquiteto tem uma responsabilidade enor~e nessa situação. P7 nse-se por exemplo no que significa a passagem da Vida em uma casa para a vida em apartamento. Para os ingênuos, essa modif icação seria acompanhada por uma maior intensidade nas trocas humanas, pois se aboliriam os espaços entre as moradas e se aproximariam os indivíduos. Na realidade, no e?t~nto, oc..?rre~ exatamente o contrário, e por uma sene de razoes nao todas elas determinadas: para muitos,
a proximidade aparente dos vizinhos (f reqüentemente nada aparente, pois o vizinho penetra no e~paço do outro com o som de seu aparelho de TV, su~ vitrola o~ mesmo sua voz através de paredes excessivamente f mas e sem isolam~nto acústico, por indesculpáveis razões de rendimento econômico - e o canal sonoro é justamente aquele pelo qual mais se sente a }nva~ão de um estranho, pois o homem não pode controla-l~ a sua vontade como faz com a visão, por exemplo) leva Justamente a proc~rar um afastamento em relação a eles. Para outros, a Sl~pIes visão da porta "do o~tro" já constitui. uma barreira que se estabelece automaticamente: a respeito, ~~chel~r~ observa que só um indivíduo extremamente loglco dlra que uma maçaneta serve ~an~opara fechar como para abrir, e isto porque para a malOna das pessoas uma maçaneta "naturalmente" abre muito mais do que fecha, do mesmo modo como uma chave fecha muito mais do que abre; que dizer, neste caso, da visão de uma. po.rt.a.com uma única maçaneta e as várias f echaduras mdlClms de medo, insegurança, vontade de proteção e afastamento? O único problema com esta observação de Bachelard (justificada sob mais de um asp~cto) é saber as culturas para as quais uma maçaneta mms abre do qu~ fecha ..E!e não se interroga especificamente sobre o sentldo da .vlsao de uma porta, de interesse particular para .0 a~qUlteto: uma porta fechada normalmente detém um mgles, que a recebe como barreira a não ser transposta salvo se expressamente convidado a fazê-lo - mas uma porta fe~h~da (sem estar fechada à chave, obviamente) ~ã~ constltUl de modo nenhum um impedimento para um itahano. Q~an~ do um italiano deseja isolar-se (o que de resto nao e norma) ele deve girar a chave, ao passo que para um inglês, entre ingleses, basta fechar a P?rta sem ,cha.ve: ele sabe que outro inglês não se abnra sem pre-avlso. Outras comunidades e culturas ressentem ainda mais - até ao repúdio - a passagem da vida em casas para a vida em apartamentos: por exem~lo, as com~nidades negras dos bairros pobres em mais de uma. CIdade americana. Querendo acabar com os slums, mUltos órgãos administrativos norte-a~ericanos resolveram construir e entregar a essas comumdades enormes blocos de apartamentos, que no entanto logo se ~~ansf ormaram em novos slums , como em toda parte ahas, po:-qu: os novOs moradores simplesmente não tinham (e nao tem) como prover para a manutenção desses prédios, e as
pref eituras não o f azem igualmente: rapidamente os revestimentos se deterioram, a iluminação desaparece, a sujeira toma conta de halls e escadas, e corredores e elevadores (quando f uncionam) se transformam em locais prediletos para crimes ou em latrinas. Os grupos atingidos por essas medidas (e "atingidos" é bem o termo) logo recusaram a vida nessas torres inf ernais, porém não especificamente pela ausência e impossibilidade de manutenção e insegurança dos moradores mas por uma razão mais simples e ainda mais f undamental: recusaram-nos porque tiveram a consciência imediata de que a vida em apartamentos (i. e., em caixas ou gaiolas isoladas e muradas por todos os lados) estava simplesmente matando um modo de vida, suf ocando uma cultura, uma maneira de sentir o espaço e os outros, aquela que se desenrola em lugares abertos e na horizontal. Escadas, elevadores, paredes, portas significavam, para eles, e com razão, a destruição de um espírito comunitário, de um sentimento de identificação e de pertencer a um grupo que só poderia se manif estar em espaços como os f ornecidos por casas ou sucessão de casas, onde os espaços abertos se multiplicam escondendo as portas f echadas (quando o estão, pois normalmente as portas de entrada da casa ficam abertas, f echando-se apenas a dos cômodos, ao contrário do que se tem no apartamento). Evidentemente, trata-se aqui de um resquí cio cultural, da memória d e uma realidade na verdade nunca sentida (plenamente, pelo menos) pelos membros dessas comunidades mas que ainda se impõe fortemente a eles, a memória de uma aldeia africana remota no tempo onde todos os abrigos se voltavam para uma zona central comum e onde não há nunca portas, f echadas ou abertas. Todos estes sentidos básicos devem ser pesquisados pelo arquiteto antes da proposição de um pro jeto, com base especificamente nos dados f ornecidos pela antropologia. No entanto, é necessário que o arquiteto tenha aqui noção de um problema grave e suas conseqüências. A saber: a esmagadora maioria (para não dizer a quase totalidade) dos estudos antropológicos costuma deixar de lado em suas análises (voluntariamente ou por simples desconhecimento) a dimensão sócio-econômica das culturas abordadas, o que normalmente provoca mais de uma séria distorção. Vejamos um caso em Hall: relacionando as culturas americana e árabe, Hall procura mostrar como a norma na cultura árabe é a participação
efetiva na vida comum (na vlda "dos outros"), em oposição à cultura americana onde o "não é da minha (ou da sua) conta" é a regra (o que se conf irma, entre outros, por inúmeros casos de estupro e / ou assassinato, praticados nos EUA em corredores ou halls de prédios a que todos têm acesso físico e auditivo, sem que ninguém acorra em auxí lio da ví tima, embora ela grite e peça ajuda por longas dezenas de minutos, como num caso célebre transformado em peça de teatro). E dá como signo exterior dessa maior participação o fato de os árabes se amontoarem nas filas (que, logicamente, deixam de sê-Io) empurrando-se com o corpo e os cotovelos. Para Hnll, assim como os l imites do "ego" de um europeu estão na sua pele (e na epiderme, à f lor da pele literalmente, de tal forma que tocar na pele é tocar no "eu", é confirmar - se se trata de estranhos - uma invasão indesejada do território privado), para os árabes o ego está no "interior" do corpo, de modo que tocar a pele não é invadir o eu. Assim, como a regra é a participação ativa na vida em grupo, nada mais normal do que a existência de aglomerações e empurrões, que não seriam ressentidos como invasões, ao contrário do que acont~ce . com o europeu, o norte-americano e mesmo muitas culturas sul-americanas para as quais essas situações são relativa ou totalmente intoleráveis. No entanto, se é fato que a vida comum é mais intensa no Oriente Médio do que nos EUA, nã o é verdade que a aglomeração de pess·oas nas filas, a disputa por um lugar etc. sejam fatos "naturais" nessa cultura. Uma colocação deste tipo implica que ou HalI nunca visitou um país do Oriente Médio ou Próximo ou não soube identificar e interpretar adequadamente, pela falta de uma análise de natureza sociológica, os f atos presenciados - e a primeira alternativa não é verdadeira. De f ato, vejamos um caso concreto: o Egito. Realmente, desembarcar no Egito e passar pela alf ândega ou trocar dinheiro num banco central do Cairo é uma proeza na qual sucumbe mais de um ingênuo europeu ou indivíduo de cultura assemelhada. As filas realmente nunca chegam a se formar, substituídas por aglomerações onde todos se espremem poderosamente (sem reclamações por parte dos árabes, é certo) para chegar ao guichê ou à "autoridade" em questão. Mas antes das "aglomerações" há duas outras realidades: a burocracia e os privilégios (pode a primeira existir sem os segundos, e
vice-versa?). E a burocracia é, ali, qualquer coisa de es~antosa: desembarcando de um navio, não é possí vel SaIr do porto sem passar por uma média de 7 "autoridades", num espaço de tempo não inferior a três horas' para se trocar dinheiro, um estrangeiro não pode dispen~ sar a passagem por outras tantas sete ou oito pessoas, enquanto se desespera numa agência bancária que é uma ver~ad;ir~ antevisão ~o. caos, com centenas de pessoas (nao e f Igura de retonca) aglomeradas diante de todos os guichês, enquanto outras se sentam em banc0s com~ num hospital ou consultório médico (os ban;;os funcIOnam ~rês horas diárias, em média, para o público). A burocraCIa em parte se explica: ainda em 1975 o Egito era um paí s praticamente em estado de guerra, e toda forn:a. de controle nos portos de desembarque era necessana; por outro lado, as operações de câmbio são for~alment~, controladas de modo rí gido pelo governo: a fl.m de eVItar as evasões. Mas a burocracia se estende mUito além desses limites e faz surgir um outro f enômeno que a revolução de Nasser (talvez já em vias de esqU:~I.m~,nto?) nã~ co.nseguiu ~ufocar: os privilégios. A fila. para a vIstona na aIfandega é continuamente desrespeItada por alguma "autoridade" que acintosamente. apresenta ao encarregado alguém que deve ser atendIdo na hora - e tudo é feito às vistas de todos o qu~ é pio.r ainda pois aparentemente não se teme ev~ntuaIs queIxas dos interessados. Da mesma f orma no câmbi<:, há sempre um passaporte extra trazido pelo ;hcf e da seçao e que deve ser anotado e atendido na hora antes dos demais. Nestas circunstâncias, não é de s~ est!anhar que os ~gí pcios se aglomerem diante dos guic~es tentando pedIr (não raro aos berros) ao funcionáno que atenda seu caso em particular, seja qual for sua eventual posição. numa f ila que, de f ato, não serve para nada. E para eVItar que o vizinho seja atendido antes o outro igual~ente disputa o lugar COm todo o peso 'de seu corpo, literalmente. Donde, as aglomerações e C('toveladas mencionadas por HalI. Estes f at~s não sign"ifi~am, no entanto, um comportamento e~pacIal e p~oxemIco (o suposto "gosto" pelas aglom.eraç.oes) mas SIm o ref lexo de uma situação social onele mexIste o respeito pelo direito alheio - o que se cumprova da observação de uma série de outros fatos. Por exemplo, o absoluto desrespeito dos pedestres por parte dos automobilistas, que investem sobre eles decidi-
damente, sem brecar, fora ou dentro das faixas de segurança; o c ontínuo desrespeito ao sinal vermel~o ~tc. A realidade é que, apesar da queda de Farouk, ha vI~te anos, o Egito continua a ser uma terra onde o conf l~to de classes é intensamente sentido e onde o desrespeito aos direitos do economicamente fraco (e não raro dos economicamente "semelhantes") é uma constante, donde o estado de contínua luta real por um direito qualquer, do qual resultam as aglomerações. Por certo, essa situação se reflete e se implanta na estrutura do comportamento social do egí pcio, de tal.form_a qu~ el~ assim tenderá a agir mesmo quando a slluaçao nao e, com toda evidência, a mesma: em "território europeu", um egípcio tentará "normalmente" furar uma f ila para comprar uma ficha de café ainda que a sua f rente esteja~ apenas três pessoas e que, com toda certeza, ele sena atendido rapidamente. Mas será inteiramente inadequado, a partir da observação deste fato ocorrido em "território europeu", concluir por um comportamento espacial "natural" do egí pcio: não se trata de um comportamento derivado de uma estrutura primeira e fundamental de uma dada cultura, mas sim de um comportamento oriundo de uma situação eventual (o desrespeito aos direito sociais) que, mudando, pode mudar aquele comportamento inicial. Toda investigação antropológica no sentido do espaço só pode ser assim efetivamente operacional se'validada e corrigida pela análise histórica do momento social. Mesmo uma afirmação feita mais acima, segundo a qual o comportamento básico e tradicional do chinês é a vida em coletividade, precisa ser corrigi da com a anOtação de que obviamente era comum encontrar entre as classes abastadas uma prática bem mais acentuada do espaço privado do que nas classes inferiores, res~ltante obviamente das possibilidades econômicas e polítIcas de poder gozar de espaços exclusivamente particulares 23. É 23. Uma análise histórico-social é aquilo que efetivamente falta a obras como a de Hall e sob mais de um aspecto. Chamam a atenção, justamente, as ob~ervações que Hall faz sobre a "dimer;são auditiva" e os modos de percepção do relacionamento atraves da voz. Hall observa, por exemplo, que sob esse aspecto as culturas árabe e americana opõ~m-se abertamente na medida em que para o árabe é perfeitamente comum um tom bastante elevado na conversação enquanto que para o americano o que prevalece é um tom acentuadamente baixo (em relação ao árabe), do que surgem. problemas para InterlOcutores dessas culturas um~ ,:ez que o ara1?e tenderia a considerar o tom baixo como a.usencla de convlCçao daquele que o emprega ou mesmo como autêntico Indício de mentira. Da mesma forma, um Inglês f alaria bem mais baixo do que um Italiano, e assim por diante. No entanto, se tais observa-
fácil observar, de resto, que esta é uma constante na história de todas as culturas em todos os momentos: o usufruto de um Espaço Privado é conseqüência de uma situação sócio-econômica privilegiada, de tal forma que a preferência pelo Espaço Privado ou pelo Comum não é uma determinante absoluta de determinada cultura mas, sim, decorrência de outros fatores - embora naquelas sociedades onde inexistem desní veis econômicos entre seus componentes, como as sociedades primitivas, a tendência seja para uma utilização bem mais acentuada do Espaço Comum. E a conseqüência, para o arquiteto, do problema que é a falta de análises históricas e sociais na determinação. dos sentido~ da manipulação do espaço pode ser enunciada. da segumte forma: não basta operar a partir de determllladas noções espaciais que se propõem como dados primeiros de uma cultura (i.e., como estruturas fund,a~entais a. serem observadas e respeitadas); é necessano, a p ar t lr desses dados, p ro p o r organizações espaciais que f uncionem como inf ormadoras e f ormadoras (educadoras) dos usuários na direção de uma mudança d~ comportamento qu~ po~sa ser considerada como aperfelçoadora das relaçoes mter-humanas e motrizes do pleno desenvolvimento individual (sendo certo que um ções podem ser consideradas como justas em sua essência elas devem se! corrigidas necessariamente sob pena de cair-se e~ general1zaçoes amplas demaIS e apressadas. Assim, não se deve esquecer, por exemplo, as Influências exercldas até hoje, em seus desdobramentos, por uma obra como O cor tesão , do renascentlsta Baltazar Castlgl10ne (e códigos de etiqueta semelhantes). Na Renascença, Castlgllone escreveu esse tratado para mostrar aos prí ncipes, nobres e burgueses como se comportar numa sociedade segundo ele educada. Def endeu não só o uso de roupas que t~ndessem ace~tuadamente para as cores escuras, se não pretas (tal como se usava na corte de Espapha, c,?nslderada como modelo) como inclusive, e e.~peclfica.mente,propos o tom moderado na conversação e a abollçao das risadas, substituídas de pref erência pelo sorriso; gritar, f alar alto e gargalhar eram manif estações "vulgares" a serem evitadas p~los nobres (pelos "superiores"), capazes de autodomínio e contençao. Da mesma f orma, para o inglês "educado" falar alto é indlce .de má educação, de rompimento de um código de etiqueta - mas e preciso ressaItar que essa prática não é assim recebida por um. inglês pertencente às classes econõmlcas não privilegiadas. O mesmo vale para qualquer outra cultura: o Ital1ano "sofisticado" não ~az do f alar alto um valor positivo, pelo contrário; idem em relaçao ao argentino, ao brasileiro e Inclusive ao próprio árabe de condição cultural e sócio-econõmlca elevada. Ou seja, há diferenças qual1tatlvas e quantitativas, marcantes dentro de um mesmo grupo social a respeito do comportamento espacial (sonoro, gestual etc.) , das quais só se pode dar conta através das análises de correção de cunho histórico, pslcossoclal e econômico. Isto não significa uma Invalldação de proposições como "o árabe fala mais alto que o americano ou se aproxima mais de seus semelhantes, corporalmente" mas apenas que este dado central deve ser necessariamente corrigido. Seria possível responder a esta ob jeção dizendo que na verdade todo aquele que foge das coordenadas de um modelo básico (por exemplo, f alar alto) está mesmo escapando à própria cultura em
ob jetivo não pode ser plenamente alcançado sem que o outro também o se ja, ao mesmo tempo), Conhecer o significado preciso que uma ordenação espacial assume para determinado grupo social é efetivamente fundamental; porém, fazer dessa observação um molde rigoroso da prática arquitetural é, via de regra, contribuir para a fixação de modos do comportamento a clamar freqüentemente por radicais transformações. Daí a necessidade de o arquiteto, informado por uma ideologia, propor novas concepções de utilização desse espaço com base na combinação dialética entre privado e comum: nem o privado deve ser o objeto único das preocupações de arquitetura, nem a imposiçãO do comum deve erigir-se em programa de ação absoluto. Éimportante, sim, ter em mente a função de formação que só pode ser exercida através do novo e do confronto bipolar que o instaura. E, de qualquer modo, observar que toda modificação geral na sociedade só é efetiva se acompanhada por essas mudanças (atribuição de novos sentidos aos relacionamentos espaciais) ao ní vel das inf ra-estruturas. I. 3.3.
3.° eixo: Espaço Construído X Espaço NãoConstruído .
Assim como o primeiro eixo definidor da estrutura fundamental da linguagem arquitetural (Interior x Exque se originou, pertencendo antes a uma outra cultura de adoção. Neste caso, um árabe que f ala baixo ou que mantém uma dIstância corporal acentuada em relação a terceiros é, de f ato, um europeu (e neste caso, o privlleglamento do privado sobre o comum não é mais do que uma valorização do "refúgio", do "interior", do "centro", que procura escapar a um universo ressentido como hostil, perigoso ou Indese jável, o universo da "ausência da boa educação" mas também da miséria, do conf llto etc.) , podendo ser assim descrito segundo os moldes desta segunda cultura. No entanto, nem mesmo esta objeção pode ser aceita nesta formulação porque, de acordo com o que foi observado, esse árabe antes de pertencer à cultura européia pertence a uma classe sócio-econômica que apresenta os mesmos traços gerais em todas as culturas, sendo a identif icação assim em termos sócio-econômicos e não culturais. As classes sócio-econômicas privilegiadas não têm fronteiras; são, no mundo atual, uma classe Internacional com interesses e aspiraçôes idênticos. Sob este aSpecto, também as classes Inferiores,. particularmente as que estão realmente na base da pirâmide socia.l, podem apresentar um quadro de comportamento proxêmico de caráter internaclonalista., embora se jam just"mente, por uma. série de razões (menor exposição aos meios de propaganda. de massa como a TV, etc.), as depositárias dos traços nacionais dlferenciadores. Não será inadequado concluir assim quê um itallano subtraldo do mundo da. etiqueta e da "boa. educa.çãO"fale tão a.lto quanto um americano ou árabe nas mesma.s condições --, embora, como se reconheceu, se possa propor que o modo g er a ! de comunicação oral do árabe seja f eito num tom mais elevado do que o do a.mericano, igualmente considerado em termos genérlco,s. Apenas é f undamental não perder de vista a análise s6clo-economica, evitando-se o privlleglamento dos dados antropológicos puros.
terior) propõe de imediato e de modo inelutável o eixo Privado X Comum, da mesma forma este leva à determinação do terceiro eixo da estrutura central dessa linguagem, constituído pelas significações geradas pela oposição entre o Espaço Construíd o X Espaço NãoC onstruído. Estas implicações são na verdade tão intimamente relacionadas e se colocam numa f unção tão estreita que se torna extremamente difí cil discorrer sobre os eixos numa seqüência de tópicos ao invés de falar deles puma única unidade de análise - e, de qualquer forma, abordar um é tratar simultaneamente dos anteriores e a eles retomar, sob um outro aspecto. O fato de a oposição Construí do X Não-Construído decorrer do eixo Privado X Comum (e, por conseqüência, do eixo Interior X Exterior) seria na verdade mais evidente desde logo se tivessem sido abordados os dois termos que se pode constatar aqui e ali nos ensaios sobre arquitetura e nas traduções para a dimensão verbal que os indiví duos cóstumam fazer de suas experiências com o espaço arquitetural: Espaço Ocupado e Espaço Livre. Para mais de uma teoria da arquitetura, como se viu (se é que se pode chamar de teoria as manifestações e reflexões pessoais mais ou menos organizadas dos arquitetos e que constituem, até aqui, a base habitual do pensamento arquitetural), um dos traços definidores da arquitetura é a "ocupação do espaço": é o caso por exemplo, como citado, de Le Corbusier. Por outro lado, .é constante e maciça a menção a espaços livres ("enorme espaço livre", "carência de espaços livres") tanto nesses mesmOs estudos quanto nos fragmentos das conversações quotidianas. Por que, então, não dar preferência a esta terminologia "consagrada"? E qual seu sentido, em contraposição aos termos aqui escolhidos? Uma razão já foi dada para o afastamento do conceito de "ocupação": arquitetura é ordenação, disposição do espaço, que pode ou não implicar uma ocupação. Esta não é necessária e, portanto, não é pertinente para a definição de uma linguagem da arquitetura. E, em segundo lugar, o conceito de ocupação está demasiadamente ligado, com toda evidência, ao conceito de privado, de propriedade particular. Ocupação, ainda atualmente, implica uma apropriação exclusiva, i.e., uma posse de exclusão: a ocupação, nesse sentido, é de uns cont r a outros, e o levantamento de paredes (na forma de casas, por exemplo) tem exatamente esse sen-
tido - e embora esse ato tenha seus aspectos positivos (proteção, recolhimento, e tC.), sua conotação é essencialmente a de privação de outros. E como a ocupação pode ser feita por todos e não apenas por um, o "cons truído" é, assim, um conceito que supera o "ocupado", ao mesmo tempo em que é mais genérico do que este e o abrange. Por outro lado, a insistência na utilização de expressões como "Espaço Livre" pode continuar a ref orçar a intuição (amplamente difundida hoje, e com razão) de que o resultado da ação arquitetural apresenta sempre aspectos preponderantemente negativos para o homem - intuição aliás que está longe, e muito, de ser inf undada. De fato, por que certos espaços são percebidos como "livres", o que equivale a dizer que outros, os construídos, são recebidos como "espaços presos" ou espaços de prisão? Antes de mais nada, é óbvio que quando se f ala num "espaço livre", o objeto real desse "livre" é o próprio sujeito falante e não o declarado "espaço". Não há a menor necessidade de demonstrar a validade dessa colocação, ela é visível no comportamento das pessoas que se mostram satisfeitas, despreocupadas (alegres?) quando se movimentam por espaços abertos, alvo primeiro dos momentos de lazer, dos fins de semana. Não há como negar: o "espaço livre" é o lugar da libertação do homem, um espaço de festa. Por certo há um sentimento de qúe o espaço ocupado, construído, é um lugar onde também o próprio espaço é aprisionado, mas com o aprisionamento deste continente o que é ef etivamente atingido é seu conteúdo, o homem. A arquitetura como prisão, o espaço construído como universo concentracionário? .É indubitável que ele é assim percebido atualmente (mais que em outras épocas?) e, mesmo, que ele é praticado com esse ob jetivo, freqüentemente. O conceito de "prisão" inere~te à noção de espaço construído é de fato um dos proprios conceitos institucionais do espaço, o lado oposto, a oposição ao conceito de "proteção, abrigo". O útero materno é um abrigo - mas é ao mesmo tempo uma cerca a impedir a autonomia, a livre movimentação .(o livre arbítrio, se se quiser) do indivíduo em formação, que dele tem necessariamente de f ugir. Diz-se normalmente que o parto é a primeira violência cometida contra o indiví duo, b que pode não ser discu-
tí vel, mas ao mesmo tempo se deveria ressaltar que o parto é igualmente a necessária libertação desse indiví duo. Como todo ato de libertação - fí s ica ou psíquica - o parto é necessariamente doloroso e traumático para o próprio indivíduo, e se ele pudesse ter plena consciência dessa sua "saída" ou "emergência" poderia por certo oscilar diante do caminho a tomar, como sugere a psicologia: permanecer - mudar, abrigar-se - expor-se. O conf lito dialético é manifesto e se reflete inteiramente na concepção da casa, da construção do espaço construí do: proteção - prisão. Aliás, o isolamento dos que não se submetem às normas da sociedade não é justificado exatamente nesses mesmos termos? A prisão do indivíduo num espaço construído (e reduzido: nunca se manteve presos os indivíduos em espaços amplos ou abertos) é apresentada não apenas como medida necessária à proteção da sociedade mas igualmente como medida de proteção do pr ópr io cr iminoso, protegido de si próprio e do mundo que o chama para o crime! A prisão como proteção: slogan hipócrita que custa a morrer. Resta o fato de que todo espaço construí do, quer o indivíduo se coloque nele contra sua vontade ou pela sua "livre escolha" é recebido como prisão, opressão. É de estranhar, com as áreas permitidas aos indivíduos pelas "soluções" arquitetõnicas de ho je? De forma alguma. E não se pode aceitar, para essas "soluções", as atenuantes da chamada explosão demográf ica, que existe mas ocupa uma posição totalmente secundária diante da especulação imobiliária e da ignorância "simpIes", por parte dos arquitetos, das necessidades espaciais do homem. Com conseqüências desastrosas. Diz-se, por exemplo, que o f rancês médio (especialmente o parisiense) conduz sua vida social nos "cafés": ele "recebe" no café . O espaço de que dispõe em sua "casa", mínimo, deve ser compartilhado com os membros da família e praticamente não mode ser estendido a terceiros. Atualmente, 1975, um apartamento de aproximadamente 50 m2 (um deux-pieces: cozinha, banheiro, quarto e sala) é considerado moradia de classe média relativamente folgada (aluguel entre 2.000 e 2.500 cruzeiros, fora água, luz, telefone) e deve normalmente abrigar uma família de quatro membros, numa área média por indivíduo claramente insatisfatória (ainda mais se se considerar que as áreas do banheiro, da
cozinha e de um eventual corredor não podem ser consideradas como áreas de vivência). Por conseguinte, o francês sai para a rua e o apartamento é tido como uma espécie de último recurso, como uma necessidade imperiosa à qual é forçoso submeter-se, e não como um centro de abrigo, proteção e aconchego onde é possível sentir-se bem. Se se diz normalmente que o francês "recebe" no caf é é porque de certa f o rma ele tem a "sorte" de, na França, a prática do café ser uma instituição solidamente f irmada. E se de outros povos não se diz que também "recebem" nos caf és é simplesmente porque não existem esses lugares onde é possível conversar sentado, com uma xí cara de café apenas, por um par de horas - mas nem por isso deixam de sentir suas "casas" como gaiolas sufocantes 24. Como superar esta situação? A observância do jogo constante entre espaços construí dos e espaços nãoconstruídos é sem dúvida f undamental. Ao nível do Espaço Interior Privado, por exemplo, é f ácil constatar, através da história da arquitetura, que essa oposição é um dos valores mais constantes: a casa egí pcia da história pré-cristã, mas também a casa pompeana e a renascentista etc. assim se organizam. Ao invés da concepção do apartamento (um espaço inteiramente cercado, totalmente construído), um confronto entre o aberto e o fechado, não porém no sentido de casa + quintal (casa na frente e o quintal no espaço posterior, como unidades separadas uma da outra), mas no sentido de um espaço construído envolvendo um espaço não-construí do (que por conseguinte penetra no espaço construído do qual não se isola e é antes uma continuação) como na casa pompeana ou nas moradas renascentistas de Veneza - ou mesmo um espaço não-construído envolvendo um espaço construído que por sua vez envolve outro espaço não-construído. Nestas condições, não há prisão: o corpo e a imaginação do homem se expandem elasticamente. 24. Se é possí vel afirmar que a situação criada por essa prática arqultetural (ou. na verdade. arquiteto-financeira) não visa especificamente aprisionar e Isolar os indlviduos, o mesmo não se pode dizer a respeito de certas soluções arquitetõnicas de massa, praticadas em escala Internacional, através das quals se extermi s, favelas e se propõem aos interessados (que nam slums, bido nv i ll e outra escolha não têm) "conjuntos habltacionals" a se constituir em óbvios universos concentraclonárlos de afastamento e Isolamento desses grupos das áreas que antes ocupavam e dos nÚGleossociais em que estavam Installldos. .
objeção habitual: "é necessano ser realista e a.dmitir que nas condições atuais (densidade demográfica, custo etc.) essas estruturas propostas são impossíveis", responde-se re jeitando, primeiramente, a noção de realista enquanto sinônimo de conformist a (como é normalmente entendido) e, em segundo lugar, dizendo que a construção em andares, onde ela se revela realmente inevitável, não é absolutamente incompatí vel com essa oposição, como já começam a demonstrar alguns projetos da vanguarda arquitetural européia 25, infeli~me~te ainda tímidos e destinados a uma pequena mmona: a construção na f orma de pirâmide em degraus ou patamares abertos (formando enormes balcões suspensos) não é realmente o sistema que mais lucros oferece ao construtor, pois o espaço é efetivamente "desperdiçado" - mas aceita inteiramente a coexistência de espaços construídos e não-construí dos numa escala admissí v el para as necessidades humanas. E assim como se fala num eixo Espaço Construído-Espaço Não-Construído ao n ível do Espaço Interior Privado (observando-se que as mesmas colocações acima valem para um Espaço Interior Comum: edif ícios públicos, industriais, escolares etc.), é possível discorrer sobre a importância dessa oposição para o próprio Espaço Exterior, o Espaço Comum e, num segundo momento, para o Espaço Exterior Comum. E aqui se verificará que o modelo de estrutura do espaço segundo o eixo Espaço Construí do-Espaço NãoConstruído varia acentuadamente através dos momentos históricos, ao contrário do que aconteceu durante longo tempo com o ní vel do Espaço Interior Privado: é que neste a orientação é dada essencialmente pelas necessidades biológicas e psíquicas fundamentais do homem, enquanto que em relação ao Espaço Comum o que se segue são antes diretrizes de ordem sociológica (distinções em virtude do conflito de classes etc.), por conseguinte mais sujeitas a modificações. Por exemplo, nas sociedades egípcias arcaicas e na Grécia antiga, o lugar do povo, do coletivo, é sempre do lado de for a, o exterior. No interior de um templo egípcio só se admitiam os membros da corte (ministros, oficiais), os sacerdotes e o faraó, e dentro dos templos há mesmo zonas nas quais os nobres não penetram e outras nas À
25. Ver, mais adiante, a seção reservada às proposições de H;undertwl'Isser(cap. 3).
quais nem mesmo os sacerdotes, reservadas estas ao f araó (representante do deus' na terra) e eventualmente ao sumo-sacerdote. De igual modo, o povo grego permanecia fora dos ofícios religiosos, praticados dentro dos templos. a lugar do coletivo era assim o exterior não-construído. Já em Roma ocorre uma inversão significativa: o lugar do coletivo passa a ser um lugar construído. A basílicia era um edifício onde se reuniam os cidadãos romanos (por certo, nem todos os habitantes da cidade eram cidadãos do império) para discutir, conversar, encontrar-se. Mais tarde a religião cristã irá oficiar seus cultos dentro dessas basílicas, cujo nome adota para designar seus templos, e o povo é (ou permanece) admitido dentro do "construído", numa passagem que irá persistir através das épocas seguintes: a catedral românica (por volta do primeiro milênio d.C.) é por excelência o lugar de reunião pública, e o mesmo se dá na catedral gótica, a partir de 1100 d.C. aproximadamente. E as ágoras gregas e praças romanas só irão, a rigor, reaparecer com a Renascença: a Idade Média l essenci~lmente o domínio do fechado, do cercado, do estreIto (o estado de insegurança constante das populações, expostas a sucessivas invasões, explica essa disposição), numa situação onde espaços como os ocupados pelas feiras (espaços relativamente amplos dentro da escala dessas cidades-fortalezas) não podem ser considerados, rigorosamente, como abertos: vejam-se ,as cid.a~~s ~e estrutura medieval que ainda se mantem utllIzavels, como San Gimignano na Itália. Só a partir da Renascença o espaço aberto será novamente proposto em toda sua extensão, sendo agora ocupado por um su jeito coletivo, por um povo que não mais é obrigado a ficar de fora (pelo menos os templos lhe são abertos) nem constrangido a se fechar atrás de muros. Estas constatações interessam na medida em que se indaga da validade, por exemplo, das afirmações de um Giedeon em seu Space , Time and Architectur e ( 1947), segundo o qual a arquitetura grega era uma arquitetura concebida a partir do exterior, enquanto a romana o era a partir do interior e a do nosso tempo procuraria um compromisso entre uma e outra. Suas proposições parecem partir de uma ilusão, a mesma que a classe dirigente grega impunha ao povo grego: este de fato ficava do lado de fora do templo, contemplando-
o, mas o verdadeiro objetivo dessa arquitetura era a proteção do interior, do templo, sua ocultação dos olhos do povo e, por conseguinte, a preser vação desse espaço, onde S y refletia o centro decisório da cidade (o mito da democracia grega já f oi suficientemente demolido para se insistir nesse ponto). Só se pode falar de uma arquitetura grega feit a a partir do exterior (e do espaço comum, por conseguinte) se se adota o ponto de vista dessa ilusão: o exterior de templos, palácios, era apenas a casca, a isca que se entregava ao povo. a mesmo acontecia com o templo e a arquitetura egípcia em geral: o faraó se recolhia à parte central do templo e emergia para o povo dizendo que o deus o havia confirmado em seus poderes terrestres e que tais eram as palavras de ordem: mais uma vez o que prevalece é uma arquitetura de exclusão; o espaço comum, o espaço do sujeito coletivo é o do lado d e fora , o espaço não-construído. Por outro lado, se se pode aceitar sem maiores ob jeções a tese de que a arquitetura é efetivamente uma arquitetura elaborada a partir do interior, que se volta para o interior tanto porém quanto para o exterior (como a gótica, que sob este aspecto atinge realmente um grau de plena identidade entre os dois planos, Exterior e Interior - pelo menos na catedral) e que visa proporcionar não só uma experiência do Espaço Privado Construído como também do Espaço Comum Construído, não é tão tranqüila a afirmação de que a arquitetura de hoje procura um equilíbrio entre interior e exterior, particularmente no que diz respeito ao eixo construído-n&o-construído e ao Espaço Comum. De modo cada vez mais acentuado, o que se constata é uma proposição maciça de Espaços Comuns Construídos, especialmente sob a forma de estádios ou clubes esportivos. A praça como experiência de livres encontros humanos é de uma inexistência praticamente total, especialmente nas cidades "modernas". Ela não existe pelo menos no sentido de praça enquanto lugar aberto ao homem para um momento de tranqüilidade, como a Praça São Marcos em Veneza ou a ágora grega. E mesmo nas cidades menos modernas a praça está em desaparecimento. A razão desse procedimento estará sem dúvida não apenas na destruição das cidades para abrir-se caminho ao carro mas, especialmente, na tendência cada vez mais acentuada para o confinamento,
para o construído - para q construí do enquanto cer':' ceamento. É muito signifiCativo, por exemplo, que quando dos tumultos e choques de rua em Paris, 196.8, se tenha f alado, com um certo horror em nada dISf arçado em "tomada das ruas pelo povo", numa tentativa de reedição da Comuna de 1871. Por que "tomada das ruas pelo povo" se esse povo não estivesse justamente sendo afastado das ruas e praças, se seus momentos de lazer não fossem coordenados e orientados para lugares fechados, delimitados, onde inclusive não se pode f alar numa atividade comum, mas sim numa multiplicidade de atividade particulares que não chegam a unir-se num todo? Não, não parece haver, em nossa época~ o adequado jogo entre Espaços Comuns e Espaços Nao-Construídos; mas sem aprofundar a a~álise. do ~ignifica?o desse procedimento (o que se f ara maI~ ~dI~nte), Interessa aqui, de imediato, ressaltar a eXIstencIa de um quarto eixo de significaçõ~s .referent.e _ à linguage:n espacial, proposto pela propna oposIçao ConstrUIdoNão-Construído: o eixo Es paço Ar ti fical X E spaço Nat ural.
Oposição constante, sempre presente. no p:ns~mento arquiteural, este eixo assume uma ImportancIa que a esta altura, com a intensida?e d~s ;rozes q~e se fazem ouvir em favor da ecologia, nao e necessario evidenciar. A análise se limitará assim a alguns aspectos sob os quais é esse eix? particularm~nte importante para o projeto arqUItetural, espeCIalmente quando levado em co~sideração sob o _aspecto d~ oposição Espaço ConstrUIdo - Espaço N ao-ConstrUIdo. De início, uma possível objeção deve ser a~astada: se Arquitetura é construção de um Espaço (l.e., elaboração e proposição feitas pelo homem, por co~seguinte um produto não existente na natureza), na? seria por um lado tautológico falar ?um espaço arqUItetural artificial e, por outro lado, Inadequado e contraditório propor a noção de espaço arquitetural natural? Não: primeiro porque antes de ser construção de um espaço, a arquitetura é uma disposição, organização de um espaço, que pode tanto ser um espaço por ela
criado como um espaço que a e l a s e oferece como dado inicial e já pronto. Que se pense na excepcional Casa da çascata (F allingwater s) de F. L. Wright: pelo fat,o de as ~ochas se disporem com as paredes, ou de a agua pratIcamente atravessar a casa deixa esse edif í- cio de ser uma obra, isto é, uma prdposta, uma cons~ruçã? de Llo~d AW~ight~Ou são esses f a tos tais que lI~vahdam a eXlstencla, aI, de uma operação arquitetônIca? Por certo não. Lloyd Wright dispôs um espaço artificialmente criado com um espaço que se lhe oferecia de imediato, com um dado: fez arquitetura. Em segundo lugar, porque é inadequado o conceito que o homem ocidental faz da natureza e do espaço natural: para ~le, só é realmente natural aquilo que permanece quase Intocado pela mão do homem, algo assim como uma floresta virgem onde o que prevalece é o desordenado, o livre. Esta concepção pode constituir-se efetivamente numa espécie de ideal do espaço natural, de noção perf eita de natureza - mas como tal, ela se reveste de um caráter de inoperabilidade que a torna totalmente inútil para o homem, que nesse caso ou renuncia a esse espaço natural ou tenta submetê-Io a si mesmo de tal modo que o desnaturaliza inteiramente (que se pense nos chamados " jardins franceses"), sendo igualo resultado nas duas operações, isto é, inexistência de espaço natural para o homem. A esse respeito, o oriental, e o japonês em particular, tem uma visão ao mesmo tempo mais prática e mais adequada à operação arquitetura!. Antes de mais nada, para ele aquele punhado de cascalho, as duas ou três pedras em seu jardim e uma ou outra planta não são "amostras" da natureza (reduções do natural) com as quais ele tenta de alguma forma se consolar mas, sim . ". ' sao a pr o pna nature za , a proporcIOnar-lhe todas as sensações de que tem necessidade em relação ao espaço natural. Para o ocidental, pelo contrário, as plantas e outros elementos do natural só estão presentes em seu jardim na qualidade de "lembranças", ou seja, não enquanto coisas reais mas justamente (por perderem sua função própria) enquanto engenhos artificiais, exata~ mente aquilo a ser evitado quando ele construiu seu jardim. Dessa oposição origina-se uma série de mal-entendidos, desde os que relevam do simples mau gosto, passando pelas aberrações maiores como os jardins à francesa e chegando àqueles que provocam mesmo per-
turbações psí quicas (ou i~pedem o eq~ilí b rio psicológico do indivíduo) e que produzem ate esse pesadelo do mundo natural, essa aberração pavorosamente monstruosa que é a f lor ou a folha de 'plá~tico! É just~mente porque o homem ocidental (~ o c.ltadmo, em partlcul~r) considera as plantas de seu Jardim ou vaso ~o~o S l :n- ples signos de uma coisa e não como a propna COIsa (que estaria além, num ideal 9-ualquer), é exatamente por isso que ele é capaz de aceitar sem ?~n~utr.t- es~a?to a inacreditável flor de plástico! Consequencla mevItavel do comportamento do ocidental em relação ao "natural", a planta de plástico é hoje apenas um dos e~eme~tos do enorme arsenal dos erzat s da natureza que mc1m a grama de plástico, e pedra de plástico e, para os mais "sofisticados" que exigem não só o mundo vegetal mas ~ambém o animal, aquários com falsa água e falsos peixes. Dentro de seu vício básico, que é considerar a pequena quantidade de plantas num pequeno jardim apenas ~o~o amostr a da natureza e não como um pedaço da propna natureza, o pensamento desse consu~idor é lógi~o: se a flor que eu tinha antes não era maIS que um_ Signo .d.a flor real, se era por isso mesmo falsa, ~or que nao a?~ltIr logo o falso elevado à perfeição q~e e a f~or de plastIco, com tantas vantagens: não seca, nao precisa ser tratada, é definitiva (nada melhor que as coisas definitivas, para esse homem) etc. etc.?!!! Por outro lado, o plástico é a expressão perfeita do racionalismo humano, do racionalismo imposto ao natural e do qual os jardins à francesa são um dos exemplos mais aberrantes e notáveis: "o contato com a natureza é fundamental, mas a natureza é desordenada e isto causa problemas, portanto é necessário que ela se porte e se comporte assim e assim". E tem-se com? resultado essas construções vegetais, aparadas e condIcionadas em formas geométricas de disposição e cor de gosto duvidoso (ou mesmo mau gosto), a se repetirem monotanamente num espetáculo em tudo e por tudo tedioso. Não existe em Versalhes, o diálogo artif icial X natural: tudo ali é artificial. O ponto de vista do oriental é não apenas mais "prático" como realmente (est~ sim) mais. r~~io?~l ~ mais adequado à operação arqmtetu:?l. Mais pratIco porque é impossível (e mesmo mdeseJavel ) conviver com
num jardim não é signo da f l or de um campo, mas é ela mesma e realmente uma flor, devendo assim ser encarada: o mundo e:l'c essivamente semantizado (mas erroneamente semantizado) é talvez um dos responsáveis pelo comportamento inadequado do homem, para quem de tanto uma f lor ser signo do amor, da paz, da esperança e c?isas do ~ênero, ela acaba sendo, mesmo quando real, SIgno de SI mesma, numa operação mental injustificável. Gertrud Stein precisaria escrever outra vez seu "uma rosa é uma rosa é uma rosa" e talvez acrescentar "e mais nada mesmo" para os que ainda não entenderam. E m~is adequado à operação arquitetural porque para o onental a natureza sem algum arranjo, sem alguma disposição do homem (e não uma disposição humana excessiva) não tem muito signif icado. Ou, para não radicalizar demais a afirmação: esse modo de pensar é mais adequado à arquitetura porque a natureza admite sem deixar de ser natureza, alguma intervenção huma~ na. Era justamente este um dos aspectos que interessava ressaltar aqui: a concepção de um espaço arquitetural ~atural que pod~ constituir-se não apenas pela natureza hvre como tambem por elementos da natureza dispostos pela ação do arquiteto - sem os excessos, por exemplo dos jardins à f rancesa. ' Um outro aspecto relativo a este eixo é o que diz respeito aos espaços arquiteturais não-construídos sob suas duas formas possíveis, exatamente a artificial e a natural. Exemplo excelente de Espaço Não-Construído Artif icial: a Praça São Marcos, em Veneza. Espaço Não-Construído Natural: Hyde Park, Londres. O espaço não-construído f ormado pela Praça São Marcos é efetivamente um espaço artificial: resulta de uma construção quadrilátera com um dos lados abertos, porém fechado por outra construção independente da primeira (a catedral) e comportando uma saída lateral, para o mar. E o solo é calçado: o espaço é inteiramente artificial. Em relação a Hyde Park, trata-se de um natural apenas ligeiramente misturado com algumas poucas obras humanas (alguns caminhos internos, uma ou outra casa) . E o que interessa ressaltar aqui é que em princípio não se pode privilegiar um desses Espaços em detrimento do outro, como muita ecologia apressada poderia fazer optando pelo espaço natural de Hyáe Park. Se por um lado s e poderia pensar que a solução ideal estaria num
Jor outro é preciso reconhece~, por exemplo, que um esJaço simples e totalmente artificial po?e ser de todo sa~isfatório, na dependência de determmados fatores .. :B ) que acontece com a Praça São Marcos, reconhecida :le modo praticamente unânime como ~odelo de p~aça 'perf eita", i.e., humana. Impossível deixar de sentir-~e Jem em São Marcos, conclusão comum. E emb~ra haJa ~ertos aspectos não levados em c~mta pelos anah~tas (o Eatode a Praça São Marcos ser um lugar excepclOnal e quase fantástico na medida em qu~, tomada por bandos je turistas e despreocupados praticamente o ano todo (numa realidade com seus aspectos inconvenientes, por certo), se volta ela quase totalment.e para ,0 lazer, numa atividade e num clima realmente Imposslvel de se encontrar em outro lugar: o trabalho q~e se desenrola ~a praça, por parte dos moradores da cldad~, passa facilmente despercebido, prevalecendo um ~hma ge~al de lazer e ociosidade acentuado pelas correnas de cnanças e pombos, pela presença da água e pelas músicas (decadentes e mal executadas mas, enfim, músicas .. ,) dos conjuntos que se revezam o dia todo nos bares da praça. Tudo isso e mais a própria disposição dos elementos arquiteturais da praça realmente proporciona esse inusitado prazer de convivência com a construção: o espaço é amplo sem o ser demasiado, a visã? do céu é .aberta mas a praça é fechada - não hermeticamente, po~suma grande saída se abre para a água e para_u~a paisagem mais além. E, importante, o homem nao e esmagado pela verticilidade das construções, quer por parte do grande bloco quase quadrilátero" quer por parte ?a c~tedral (não mais alta que o PalaclO do~ Doges? Isto e, sem as proporções "normais" das ~atedrais), ou amda pOr parte do campanário, de altura afmal relativamente modesta e que, de qualquer forma, se integra totalm~nte no cenário por sua situação ~ conformação. E a PalS!gem é uniforme sem ser monotona: a grande construçao lateral é por certo rítmica, mas a catedral rompe sua.ve porém decididamente o tédio possível. ~ esta 'perfeita oposição dialética entre os ex~remos (hon~ontahda?e X verticalidade, abertura X abngo, harmoma X vanedade), e levando-se em consideração que a ~ra~a -: c~mo toda Veneza - pertence ao homem e nao a maquma, ao carro (materialização moderna da mítica ágora?),
no entanto, os espaços não-construídos artif iciais' são geralmente uma catástrofe: que se pense numa Place de Ia Concorde em ,Paris, a não passar mais quase de uma imensidão esmagadora e de uma pista de velocidade para os automóveis, ou numa Trafalgar Square londrina onde, se o espaço é menor que o de Paris, não é menor a exposição aos carros acumulados em toda sua volta num congestionamento contínuo.- Ou na Praça da Libertação, no Cairo, antevisão do caos automobilístico. Ou na ridiculamente pequena Times Square (pequena em relação a seu trânsito humano) . Nestas circunstâncias, o Espaço Não-Construído Natural apresenta-se normalmente como de mais fácil realização quando se visa oferecer ao indivíduo um lugar agradável: Hyde Park, Palermo em Buenos Aires, Central Park em New York (não fosse, claro, o problema da criminalidade incontrolável) - mas não, por exemplo, o Bois de Boulogne, transformado nos fins de semana, com suas ruas asfaltadas que o cortam em todos os sentidos e a pouca distância uma das outras, em cópia do inferno citadino parisiense com seus milhares de veículos. "Mais fácil", esse Espaço Não-Construído Natural, na medida em que se oferece como síntese imediata e pronta do caos urbanístico e arquitetural que esmaga o indivíduo na maior parte do dia, da semana, do mês, do ano, de sua vida. Contudo, a solução mais adequada ainda seria aquela onde esse espaço exterior não-construído (artificial ou natural) seja tal que se integr e no tecido ur bano , como acontece com São Marcos, e não se destaque dele acentuadamente (como acontece com a esmagadora maioria dos parques atuais), tal como se propunha nas ideais cidades-jardim derivadas das teorias de Owen e Fourier, no século XIX, ou nas reais experiências da vanguardeira Lyon do século XX; esses projetos de integração artificial-natural não são, de fato, de todo irrealizáveis: na China Continental, após a revolução comunista, a população, num trabalho lento mascontínuo, plantou milhões e milhões de árvores nas grandes cidades, obtendo por resultado prático a diminuição de dois graus na temperatura média no verão e uma estabilização dessa mesma temperatura durante o inverno - resultado sem dúvida notável, ao alcance de qualquer municipalidade realmente interessada no bem-estar
1.3.5.
5.° eixo: Espaço Amplo X Espaço Restrito
Não será demais repetir a todo instante que o necessário, para esta análise, é superar os simples problemas da descrição (como sugere Bachelard) no qual se atolam a maioria dos estudos sobre a arquitetura, sejam historiográficos ou outros. E esta superação é particularmente requerida quando se tenta uma abordagem das signif icações possíveis obtidas através do espaço entendido como área ou volume. Antes de mais nada, uma colocação: é certo não ser pací fi co que se possa f alar do espaço indiferentemente ou simultaneamente como área e / ou volume. Cada um desses aspectos apresenta caracteres próprios a exigir apreciações e soluções especí ficas. Mas aqui se postulará que não só o pensamento que está na base da colocação desses problemas é o mesmo para ambos (do lado do manipulador do espaço) como se conf undem os dois, essencialmente, num mesmo aspecto, para aquele que os recebe, que os vive enquanto usuário. E isto se pode intuir facilmente quando se percebe que uma área restrita é compensada por um volume acentuado ou vice-versa - sem se falar nas relações entre a percepção de áreas e volumes em relação a f ormas dif erentes. Para a análise aqui desenvolvida, portanto (que deixa inteiramente de lado os aspectos da descrição), não só se justif ica essa fusão entre esses dois aspectos do espaço como ela é, mesmo, f undamental. De início, a constatação primeira que vem à mente é a de que o Espaço Amplo está intimamente associado com o Espaço Exterior (o espaço amplo conduz para o exterior) e que o Espaço Restrito relaciona-se de modo particular com o Espaço Interior (e igualmente com o Espaço Privado e o Comum). Uns versos de Pierre Albert-Birot, citados por Bachelard 26, resumem essa e outras sensações do espaço: À porta de casa quem virá bater?
Uma porta aberta: entro Uma porta f echada: antro O mundo bate do outro lado de minha porta.
Aqui, de um lado, a noção do espaço f echado como um espaço íntimo e um espaço de mistério, a se opor, 26
BACHELARD P
é tique
23 No ori inal,
ã
de outra parte, ao mundo aberto, ao mundo exterior ou, simplesmente, ao mundo. E a questão colocada por esses versos, e que deve ser colocada quando se aborda este eixo, é: até que ponio se pode identificar a experiência do Espaço Restrito (especialmente em relação ao Espaço Interior, mas também em relação ao Exterior) como o espaço da intimidade, da proteção (do bem-estar) e, inversamente, a do Espaço Amplo com a do espaço comum não protetor e, mesmo, hostil, E: até que ponto o Espaço Restrito é necessário? A determinação do modo de sentir essa oposição é tão mais imprescindível quanto hoje a área e o volume atribuídos à esmagadora maioria das populações são extremamente reduzidos e tendem a sê-lo cada vez mais - ao mesmo tempo em que se apresenta esses espaços, em todos os tipos de publicações, como traduções de "aconchego" de "praticidade", etc. A respeito da área / volume de que goza (se é que este termo cabe) cada indivíduo, é possível mesmo constatar que em muitos lugares a proporção se mantém estacionária há já bem uns dois séculos (pelo menos) enquanto que em outros ela diminui nitidamente. Veneza, por exemplo, considerada por Le Corbusier a única cidade moderna (e que o é, de fato, sob mais de um aspecto): nenhuma modificação mais acentuada nos últimos quatro séculos. Paris: se a área particular de que dispõe cada habitante é, em geral e em média, a mesma de há 200 anos, o volume diminuiu consideravelmente (rebaixamento do pé-direito nas construções modernas, em relação ao Espaço Interior) e com ele todo o espaço em que se move o indivíduo (em Paris diminuíram ainda, nitidamente, as áreas verdes e as áreas livres: praças, etc.) Mesmo nas regiões subdesenvolvidas, um suposto avanço nas condições de higiene habitacional (substituição de casebres de pau-a-pique, madeira ou restos vários de materiais por moradias de ti jolo) é via de regra acompanhado por uma diminuição sensível da área / volume real de que dispunham os indivíduos. Que significação adquire enfim para o homem a oposição Amplo X Restrito, que valores atribuir a um em relação ao outro, ou a um em oposição ao outro? Discorrendo livremente sobre a poética d a casa, Bachelard of erece uma pista para essa decifração ré pis a emba alhad ditóri Bach lard
da psicanálise: a imaginação constrói muros - com as ilusões, os sonhos, as sombras. Isto é, a imagina~ão protege o indivíduo, seu f oro interno ou sua última ligação consigo mesmo. Por outro lado, nenhum muro verdadeiro, nenhuma sólida muralha, por mais grossa e dura que se ja, impede a imaginação de tremer de medo, de suspeitar, de sentir-se ao aberto, exposta, insegura. Neste caso, o canto e a casa são não só o primeiro e grande útero a envolver o homem despois do par~o mas também seu universo. Um cosmo. E na acepçao integral do termo, insiste Bachelard - o que in~lu~.0 desconhecido, o incerto e o temor. Uma dessas slgmbcações predomina sobre a outra? Como já foi mencionado aqui mesmo, existe toda uma mitologia do fechado, do estreito do escuro a conduzir à s categorias do íntimo, do se~reto e do mistério, e que é possivelmente bem mais extensa do que uma mitologia do amplo, do vasto, da imensidão. E talvez essa mitologia do restrito seja de qualquer modo bem mais praticada ao nível do real do que a da imensidão. Como vai reconhecer o mesmo Bachelard, a imensidão é uma categoria f ilosófica da atividade onírica. Sonha-se com a imensidão, mas pratica-se o restrito. E nem sempre por impossibilidades econômicas ou materiais. Éo homem, e especialmente o homem ocidental, que receia a imensidão 27 e se refugia no pequeno: a grandeza parece destinada a ser apenas contemplada e não vivida. Realidade que se pode constatar em toda a história da arquitetura. PO( exemplo, a residência vêneta do Papa Clemente XIII, Ca' Rezonnico. Passando-se um pequeno átrio de entrada, sobe-se uma escada portentosa que conduz a um considerável 27. Esta condição se reflete de modo claro na maneira de acupação dos espaços Internos atravé3 da acumulação de objetos. O ocidental tem horror às paredes vazias e lisas, ref lexos do vazio maior e universal: por isso ele as ocupa não s6 com quadros como procura ocultá-Ias sob um acúmulo de m6vels. Por essa razão Jamais haverá um canto vazio numa casa-tipo ocidental: um canto deve ser sempre ocupado por um objeto, e proliferam as meslnhas, vasos, espelhos, "cantoneiras", etc. E, de modo geral, todo o espaço disponível, se ja qual f or, deve ser sempre ocupado, o que provoca uma densidade "objétlca" incrivelmente alta, reduzmdo acentuadamente o espaço destinado Inicialmente ao Indlvíd~o (redução a 1 / 3, 1 / 4 ou ainda menos). Inversamente~ no Japao, por exemplo o que se prlvllegla é justamente a noçao de mt er valo , de vazl~ entre dois pontos, duas ref erências esp.acial~ - e Isto ~e verifica desde no famoso "arranjo f loral" japones ate a dlsposlçao dos elementos num Jardim, passado pela mobilia dos aposentos. Uma "sala" não terá mais que uma pequena mesa e um ou outro objeto (f icando os demais ocultos em armãrlos embutidos) assim como um Jardim se faz com uma ou duas pedras espaçadas e relacionadas com não maior número de plantas Pode-se objeta r que
~alão do qual. saem salões menores mas ainda grandes: e a parte "social", a parte da casa para ser exibida vista contemplada, para impressionar. Mas há uma parte ínti~ ma da ~asa, os aposentos pessoais do cavaleir o e papa Rezonmco, e todos eles evoluem em torno da dimensão do pequ~no, do f echado. Desde seu quarto de dormir, c0':l o leIto enc~str.ado numa concavidade apenas pouco maIOr que a propna cama, até os outros aposentos se.cundários, saletas com não mais que 6 m2, às vezes nem ISSO.O mesmo acontece, para ficar em Veneza no Paláci~ dos Doges, uma construção "pública" e, p~r consegumte, com salas monumentais, de vão livres imensos. Ou Versalhes e sua galeria dos espelhos - a aumentar ainda mais a sensação de enormidade do espaço e a atrair de preferência o turista (o ccntemplador por excelência). Ou ~s templos e pirâmides no Egito, que f ez da monumentabdade esmagadora um princípio auxiliar do governo político. Ou, vindo para os tempos atuais, uma Praça Vermelha de Moscou, lugar de demonstrações, de exibições - e portanto de contemplações mas não de existência. ' . A amplidão exibe o poder de seu possuidor. E atemorIZa. É o mesmo terror que o homem sente diante ~o Vazi~ -:- do Universo, do Inf inito. Algo que escapa a sua medIa: que ele não domina porque não pode preencher.
lentee o espaço restr lent estrito ito que que se .pr prop opõe õe como domínio de valores do onirismo" valo onirismo" como suger sugere Bachelard achelard,, mas tam am-éro o espaço .amplo amplo.. A im imen enssidão le leva vada da às úl últimas onseqüênc seqüênciias é o espaç espaço do Univ Univer ersso, o Cosmo - e ão é exatamen xatamente te as asssim qu quee Ba Bacchelard con once ceitu ituaa a casa, , í ntimo? ntimo? Haveráá por cer Haver ertto di disstinções entre o fasc fascínio / / ttemor :xerccido pel :xer pela im imen enssidão e aquel aquelee pro provo vocad cadoo pelo re ressrito ri to - a prime rimeiira das quais con onssist stee just ustaamente em lue o rest restrito é de qual qualquer f orma rma,, e eventua ventuallment ente, e, ta tann;ível, enq enqua uanto nto a vertigem provocada provocada pel pelaa ime imens nsiidão é .bssoluta, defini .b definittiv ivaa e em na nada apre apreens ensível ível.. O que co connluz à conclu onclussão da ma maio iorr pr prati atica cabili biliddade da mi mitolog tologia ia io rest restrrito (de qu quee são indí cios cios as as ma mais is vari riad adas as f ormas ormas Ie su suaa mani manife fessta tação ção:: casa asa,, can cantto, cof re, gaveta veta,, enve velo lope pe - mas tamb ambéém as caix caixas mágicas, a de Pa Pandor doraa, e as :arrtola :a tolass mágicas - e ai ainnda su suas as mú múlltip ipla lass ap apar ariiçõe õess 10 dom domíni ínioo do sexual, etc.) em compa comparação com a da Impplidão Im lidão,, for form mador adoraa de vaga gass id idééias gerais logo aban an-fonad fon adas as ou re reves vesttidas de expli explicações qu quee o homem facilnente nen te ace aceita ita - par paraa del delas as se livr livrar ar não men menos os rap rapida ida-nente.. Ao me nente mesm smoo te tem mpo em que nun nunca ca con conseg segue ue libertar ibertar--se inte nteira iramen mente te do mistér mistério e da da at atra raçã çãoo de um ••imp mples les ba baú f echa echado. As Asssim, uma das gra grande ndess man manif if estaçõe õess (ou a mai maior) do f ascín scínio io da imensi imensiddão, mit itif if ica icada e de imedia iato to post postaa de lado, lado, é sem dúvi vida da a do Univers rsoo, de sua "cri riaç ação" ão",, de seu "fim fim"" e su suaa fi final nalidade idade e da si sittuação do ho homem em rela elação ção a ele. Co Como mo é es essse f ascínio ascínio ex exor orci cizad zadoo pe pelo lo homem omem,, e conti continuamente? Segundo um umaa formulação reto etomad madaa por Freud Freud 28 com a f inaliidade de es nal estab tabele elecer cer um par paral alel eloo en entr tree o compor omporta ta-men ento to neuró eurótico tico e o de civ civiliz ilizaações primi primiti tivvas as,, a huma humaninidad adee te teri riaa co conhe nheci ciddo em sua história tória,, suces ucesssiv ivam ameente nte,, trêss sis trê sistem temaas int ntel electuais ectuais,, três grande grandess con onccep epçõ ções es do mundo: conc onceepç pçãão ani animis mista, ta, con concep cepçção reli eligiosa giosa e concepç epção ão cient ntí í fica. fica. Em to toddas el elas as se trat trataa po porr certo de uma tent entaati tivva de ex explica plicaçção do mundo nat atuural al,, ma mass devvede e-sse sube ubente ntende nderr uma inquieta inquietação ção prof ofun unda da cOm o probllema pri prob prime meiiro do Univers Universoo. A concepçã concepção an aniimist mistaa (a mai maiss "c "completa ompleta"" e "exausti xaustivva" den dentro tro do doss lim imiites do do círccul cír uloo vicioso que ela mesma se impõ impõe) parti partiaa do prespressuppos su ostto de que que tu tudo do er eraa an anim imad adoo ta tall co como mo o homem homem,, tendoo po tend porr co cons nseg egui uint ntee o me messmo compo comportam rtameent ntoo e as
mes~a ~ass ex expl plic icaç açõe ões; s; e toda toda es esta ta coloc colocaação se base baseav ava, a, este e o po ponto nto f u~d~I? ~I?eental, nu num dad dadoo ant anteeri rioor segundo o <;lua luallpara o pn pnmI mIttIvo a persi ersisstência da vid ida, a, a imortalIda dadde, er eraa .uma cois coisaa inte nteiirame ramennte na nattural. (Não é De~s .aquel aquelee Ju Just stam ameent ntee qu quee nunca tev tevee come meço ço e não ter~~ fIm ter fIm?) ?) Tudo / pare parece indica indicarr de fa fatto qu quee a rep reprresenta~a~ ta~ a~ ~a mo morrte so se form formoou ta tardi rdiamen amentte no esp spír írit itoo do p;ImItIvvo,. qu p;ImItI qu~~ nun nuncca a acei aceito touu a nã nãoo ser com consid consider:vel ~esI sIta taççao - de modo modo ex expplicáv cável, el, por ce certo rto.. Se naoo ha m~rt~, _nãohá pr na propri riament amentee um começo começo,, as coisas s~~pre e~I e~Is~I s~I~~aoe como tais tais são "no "norm rmaais" - e a imen men-sIdao,, o In sIdao Inf f InIt InIto, o, o vazio vazio é catalog catalogaado co como mo corriquei corriqueiro ro porttant por antoo é afas afasta taddo. • Segundo a concepção Segundo concepção relig religiosa iosa,, há diferenças entre ~ homem e o mundo circunda circundannte te,, a natur atureeza de um não e a mesma do outro e a constat constataç açãão de dess ssaa diferenç diferençaa leva ao reco reconheci nheciment mentoo de uma ignorância ignorância do homem homem. Sugere-se rese ent então ão que o princípi princípioo das coisas coisas est estáá nos esp espír írito itoss (oss deuses (o deuses)) qu quee tud tudoo coma mand ndam am e tud tudoo sabe abem m: não há com co m que se preo preocu cupa parr po port rtan anto to,, o co cosmo é uma uma ent ntiidadee perfeitamente clara e intelig dad inteligível para a mente pelo menoss do meno doss es espí píri rito tos. s. Afas Afastta-se igua igualment lmentee o pr probl obleema ?o / .Co Cosm smo. o. E na te terc rcei eira ra co conc ncep epçã ção, o, o home homem m aceita a IdeI Id eIaa de se seuu pe pequ quen enoo pa pape pell no Un Uniiverso erso,, renuncia aos prolem prole mas de explicaç plicaçãão do Cos osm mo e procu ocurra ante tess se Interessa ressarr pelos modos de oper operar sobr sobre el elee - e a ques es-tão é no nova vame ment ntee el elud udid ida. a. De aco acorrdo com o ex exemplo emplo.. de Freu eud, d, na pr prim imei eira ra f ase se que quero ro que cho chova va,, dev evee b~star que eu f~ç~ algo que se assemelhe à chuva, ou ou que a Invoq Invoqu~ u~ (arum (arumIsmo Ismo)). Numa segunda fa fasse, org organi anizzo uma mamf mamf est~ e st~~ã ~ã?? em f rente a um í dolo dolo (danças (danças,, etc etc..) ou man mando do dlf dlflgI lgIrr ora oraçõe çõess (rogo rogos) s) aos deu deuses ses.. Num ter ercceiro mome moment ntoo, en enfi fim m, procu procuro ro sabe saberr que ações ações so sobre bre a / at atmosfer mosferaa podem f azer azer co com m qu quee chova hova.. Ma Mass se ao n~ve n~ vell de um ex exem empl ploo re refe fere rent ntee a um fa fato to co comu mum m a dIf erença erença entre as três co concepçõe ncepçõess é sen sensív sível el ao níve nívell da tentati te ntati..va de ex expl plic icaç ação ão do am ampl ploo, do Co Co~m ~mo, o, a po posstura dIa dIannte de desse sse probl problem emaa é a me mesm smaa: nas tr três ele ele é possto de ~ad po ~adoo. Ef etivamente, etivamente, di dian ante te da ve vert rtig igeem do amplo am plo,, .do II?enso, II?enso, o homem se recolhe para trás dos dos muro~~ d~ Ima ro Imagmaç~o ou tenta preencher preencher esse vazio com os pnmeIr pnm eIros os con conceI ceIto toss à mão. mão. S~ S~uu fas fasccí nio pe pelo lo re rest stri ritto, no entanto entanto,, leva leva--o para o domímo da ação prática, prática , ainda q e assal~ado po por temor temores Af inal é sua di dime mens nsão ão E
espaço pr predom edomiinanteme nantemennte d~st stri rito to,, co comp mpen ensa sado do pe pela lass ocasiion ocas onaais aber ertu tura rass da dass pr praç aças as e ca camp mpos os qu quee nu nunc ncaa ultrap ult rapass assam am as f ronte onteiiras do mensu mensurá rávvel el)) fa fazz dela dela uma uma cida ci dade de à dimen dimensã sãoo do homem homem,, en enqu quan anto to qu quee o de Los Los Angele Ang eless (ba (basea seado do em eixos amplame amplamente nte ras rasgad gados os par paraa darr pa da passa ssage gem m ao au auto tomó móve vel) l) é senti sentido do co como mo po possitivamentee inuma ment inumanno: op opre resso ssorr. Ass Assim im com comoo ten tenta ta opr oprimi imirr, espa spanta ntarr par paraa dom domina inarr, a proposta proposta fasci fascista sta confi configurad guradaa no Vale dos Caídos, na Espan Espanha, ou os rest restos os da arquiarquitetura tet ura fas fascis cistta da It Itál ália ia,, co como mo a Es Esta taçção Cen enttra rall de Milão.. Ta Milão Tall co como mo se seri riaa in inum uman anoo o es espa paço ço de Brasí Brasíli liaa. Comoo det Com determ ermina inarr e medir medir na prática prática as dimen dimenssões reais, rea is, f í í sicas, sicas, dess dessee espaço humano que se identi identifica ante ntess com o espaço reduzido do que com o amplo - mas que nãoo po nã pode de de desc scer er ab abai aixo xo de cert certos os li limi mite tess so sobb pena pena de igualmente torn ornarar-se se inu inuman mano? o? Qua Quall é o optimum arquitetural tetur al em re rellaç ação ão ao eixo eixo área / volume ume?? Os japon aponeeses sempr se mpree considerar raraam o tatame, tatame, ess essaa es esppéc éciie de es este teir iraa de palh alhaa de di dimensõe mensõess fix fixaas, como um módulo de determiinaç term ação ão sen enão ão da área / volume pelo me menos da áre rea, a, de tal modo que que um apose aposennto é um umaa f unçã unçãoo de de determi mi-nado nú núm mero de tatames. Le Corbu Corbusi sier er pro ropô pôss igua uallmente me nte seu disc iscuti utido do e criticad criticadoo mód módulo ulo for formul mulado ado,, no entanto,, sob a pers entanto perspec pectiv tivaa lúc lúcida ida e pratic praticam ament entee re revvoluci lu cion onár ária ia pa para ra a ép époc ocaa se segu gund ndoo a qu qual al ca cada da cu cult ltur uraa propõe pro põe um módulo módulo de dime dimensões diferentes iferentes.. Ma Mass long ngee está es tá de basta bastarr o po pont ntoo de parti partida da ba base sead adoo no famos famosoo home ho mem m de braço braçoss es este tend ndid idos os (p (por or su suaa ve vezz ca calc lcad adoo na figura,, de Leo figura Leonnar ardo do,, do hom homeem re rena nassce cenntis istta inscrito no círc círcul ulo) o),, o qu quee eq equi uiva valle a con consside iderrar com comoo módul duloo a altur alturaa do homem. homem. Os jap apone onesses têm um umaa altura média, e os sue sueco coss outra outra,, mas a difer ferenç ençaa ent ntre re uns e ' É outross não se limit outro imitaa a esse asp spec ectto is isoola lado do.. nece ne cesssárioo part ri rtir ir de noçõ çõees de módul duloo be bem m ma mais is co com mple lexas, xas, como por exe exempl mploo um umaa noçã oçãoo de "bolh lha" a" senso ensorria iall hu hu-mana ma na de deri riva vada da da "bo bollha olf ativa ativa"" pr prop opos osta ta po porr Ha Hall ll em relaç laçãão a u ma ma es esfe ferra de odor própr própriio que cerca o indi in diví vídu duoo e que es esttabel belec ecee um umaa es espé péccie de fronte fronteir iraa a demarc dem arcar ar seu seuss lim limite itess últ último imoss, resp respeeit itaados em certa ertass culturas cultur as ou normalment rmalmentee vio violad lados os em outr outras (enqu quaanto o am amer eric ican anoo pr proc ocur uraa ma mannter er-s -see fo forra do rai raio de aç ação ão doss od do odor ores es pe pessso soai ais, s, não se apro proxxima imanndo de dema masi siado ado de seu interlocut nterlocutoor - não a ún única ca,, ma mass se segu gurra-
to frenétic frenéticoo dos mais variad variados os tipos de desod sodoora rant ntes es nos EUA EU A: bu buca cal, l, para as axilas, etc. etc. etc etc.., - pa parra o árab árabe esse conta tatto com o od odor é não só indife ndiferent rentee como até mesmo procurado curado). ). Rea ealm lmeente nte,, não há por que li limit mitaar ao canal do do.. olfato ~ .noção .noção de "bolha bolha"" humana e com ela a do .m,o. ,o.dulomInlmo dulomInlmo de de individual individualiidade dade.. Esse f ato ato (,as pos possIb sIbIlI IlIdad dades es de toque inter inter-hum -humaano) deve partIcula~ cula~een~ n~ee ser lev levad adoo em co cons nsid ideera raçã çãoo e Com Com ele e dete eterrmma mmaça çaoo de um ti tipo de "espaço vita vitall" indiv individua iduall e cul ultu tural ral qu quee o homem rese reserr~a só pa parra si e cuja viola iolaçã çãoo - sa sallvo, por por.. certo certo,, em oc ocasi asiões ões específica pecíficass - é bastanbastante mal rece cebid bida. a. (Que se pens pense nas ex expe peri riêênci ncias as for for-çad adas as ao ~e ~omar ~omar u~ u~ elev evado adorr lotado lotado;; ef eti tivvamente amente,, o homem na nao e um anImal de de acumula acumulaçção ão,, co como mo as mo morrsa~,,,,ee o ~s sa~ ~sttabelecim cimeento de de uma distâ distância interindividual mInlma e realm realment entee de ririgor gor.) .) , ~e ~esm smoo a am ampplia iaçã çãoo e a su suplemen ementaçã taçãoo do conce conceito ito g:nenco. da "b "bolha' olha':: ?U do módulo módulo human humanoo, no entan entantto, nao sera sera nunc nuncaa ,sufIcIente 29, e isto porque não só as as di~erenç nç..ass assee m~ m~nnIf est estam ao nível dos gru grupos sociai sociais como lllclu lcluss.IVeao nIvel nIvel de um e mesmo indiví duo duo ao lo longo de sua Vida da,, de um ano ou mes esm mo de um di dia. Sob esse fixa ç ç ~ ~o o aspecto asp ecto,, _a de um mó módu dulo lo,, se seja ja qu qual al fo forr, e a ~o?struç ~o ?struçaao a. a.partIr partIr dess desse módulo fix fixo serão sempre insu nsu-f~cI_entes f~c I_entes..~e ~eJa Ja qual for o crité critério que se ado adote te,, a proposlçao da~ da~ areas e volu volum mes de um espaço só pod odee atender a~~__deseJo a~~ deseJo~~do homem se for feito ao redor de uma diadialetI tIcca contInu contInuaa entre amplo X reduzido duzido,, a qual é viáv ável el e pode me mesmo basear-se basear-se de desde logo ogo,, e ma mais is uma vez no m_odu~ _odu~ood~ casa tradi tradicciona onall jap japone onesa sa,, on onde de as divi divi~ões ~ões nao s~o fixas, fixas, pod pod~n? ~n?~-s ~-see ter uma sal salão ão amplo com o recolhiment ecolhimentoo das dlv dlvlso lsoes es ent entre re tr três ês ou quatr quatro ap apos osen en-toss modes to modesto tos, s, ou um ca cant ntoo particularmente í ntimo ntimo co com m o e~t~n e~t~n--quea~en quea~en__tom tomúlt últipl iploo de um mes mesmo mo apo pose sent nto. o. E as UnIcas UnIcas o~Jeçoe o ~Jeçoess a ess ssee proje projeto to,, de ordem eco econnômica (ou de rendiment rendimentoo do capital do negociante negociante imobi imobiliári liárioo parr.a em~regar a ex pa expres presssão ade adequ quaada) não se sustenta~ maIS, se e qu quee.alguma vez se justificaram: justificaram: as pared paredes não suste~t~m mais a constru construção e pode podem m per perfei feitam tament entee ser sUbSt[t sUb St[tUld~ Uld~ss (pelo meno menoss as inter interna nas) s) po porr el elem emen ento toss soltos sol tos fac facIlm Ilmeent ntee re remo movvív ívei eis. s. E o pr prob oble lema ma d . I o ISO at . d' 'd menn o In IVI me IVI ual al,, em part partic icul ular ar so sobb o aspec pecto to do iso isolala-
~nto sonoro, sonoro, pod podee ser atualment almentee de todo res resol~ ol~ido ido os mat ateeri riaais que combina comb inam m a lev evez ezaa c,om a capacl capacldda. de isola isolaçã çãoo ac acús ústica. tica. Mais uma uma vez ez,, e uma fa fa~~ha da aginaçã agi naçãoo arquitetura quiteturall (ou a ausê au sên~ n~ia. ia. p,ura e sImples sImples ssa imaginaçã imaginação) o) qu quee su subm bmet etee os mdlv mdlv lduo duoss a exp exp~:nciias desnecessária :nc desnecessáriass e nocivas nocivas. Se sempre sempre s.eco econnst strruIU term ermoos do f ix (fixxa-se o espaç espa ço amplo amplo,, fl flxa-~e xa-~e :' e~ix o o (fi .çoo restr .ç triito to,, estabelecendo estabelecendo--se entre el eles es uma uma distanc istancia ia rans anspon ponív ível el)) po porr qu quee mud mudar? in inda daga ga o bu':.oc ocr~ta r~ta da qui uitetur teturaa. O qu quee é bom bom p~ p~r~ r~ ~ Europ Europaa nao e bo bom m ra o Br Bras asiil, ou par araa a Nl Nlgg~na? . O ~ue val~u no culo XVIII po porr qu quee nã nãoo va vale lena na hO hOJe Je,, amd amdaa ma maiiS qu quee modelo vem vem glorif glorif icado icado pelo peso do tempo?! tempo? ! E co co..m ;;0 a arquite rquitettur uraa se re revvela com comoo. ~ma _das _das pou ou,,ca ca~~ dISplinas plin as qu quee nã nãoo reg regis istra tram m mo modl dlf f Icaçoes .sen .sensl slvAe vAellsao .ng ngoo do doss temp tempos os - e ist istoo quan quando do p~ p~d~ d~nn a f az~-lo az~-lo le le-tima ti mame ment nte, e, se sem m se en entr treegar ao fas fascml cmlO O gratUlt atUltoo do vo pel peloo nov novoo . Todas as di dissci ciplin plinas as h~man ~manas as muda mudam m rque mu mudda o homem ..-:- m~nos m~nos a ~r9Ul ~r9Ultetu etura: ra: os conconitos de propo pr oposi siçção, utlhza zaça çaoo e f rUlç rUlçao do e~paço ~onnuam nua m es esssen enci cialment almentee os mesmos mesmos 30. O arqU qUIIte teto to aInda umaa esp um spéécie de de di dita tado dorr ao qua qual o usu usuár ário io se su subbmete ter erm mos absoluto absolutoss e definitivo definitivos: s: ele nada nada pode con contra tra o pro projet jeto". o". No enta entant nto, o, o esp espaç~ vive, respir respi ra - e i~so uer dizer que eX eXige muda mudannça çass ~l: l:ee., ~ home homem m as eXIg eXIge -ara ele e atr atravé avéss dele)! dele)! A modlf modlflca lcaçao çao do espaço deve deve er uma uma nec neceessidad ssidadee; el elaa é um umaa po poss ssiibilid ilidaade e segu segurá rá-llen lentte nã nãoo é um luxo. f i
:.3 :. 3.6.
Horizonta izontall 6.° eixo: Espaço Vertical X Espaço Hor
Nadaa de mais Nad mais natura natural que a arq arqui uite tetu tura ra evolu olu~~ ao edor da noç edor noção de horiz horizon onta tall e seu seu op opos osto to,, o ve verrtI tIcal cal.. as o espant espanto in inic icia iall po podde se serr gra grand ndee qu quand andoo Bache ache-ard 31 af irm rmaa qu quee "a ca casa sa é imagina imaginadd.a como u. u.m m ser rertical ertical"". Qu Quee ela ela se eleva; se diferenCI diferenCIaa no sentIdo sentIdo de ma verticalidade. A questão que surg surgee de desde sde logo logo é: e a horizontalidade da de da casa? casa? Di Dian antte da prop opoosiçã içãoo de Bache Bachelar lardd nos jam amos os co cont ntaa de qu q ue: 1) ou não pe pens nsaamo moss em te term rmoos :ie horizont horizontal e ver verttic ical al qua quand ndoo pe pennsa sam mos numa numa casa casa;; ou 2) pens pensamos amos qu quee uma casa com um só andar andar, o térre térreoo,
é um umaa ca cassa na ho hori rizon zonta tal, l, e um uma casa com com dOISou maIS anddares é um an umaa casa com com exi xist stêênci nciaa na ve vert rtic ical al.. Co Com mo funciionam as no func noçõ ções es de ho riz izon onta tall e ve vert rtiical para o homem,, qu homem quee si sign gnifi ificcam? Bacheelard anali Bach nalisa sa a questão de um pon ponto de vi vista basta tant ntee pa parrti ticcular, talve vezz de dema masia siaddo su subj bjeetivo ivo.. Para ele, a ver erttica icall ida idade da cas asaa é uma real realid idaade as asssegu gurrada pella po pe pollarida dade de en enttre o po porã rãoo e o sótão ão,, a pr prop opoor um umaa opos op osiç ição ão (q (que ue ele diz "ime imeddia iata ta"" e "sem comen comenttários ios") ") enttre a raciona en onall ida id ade do teto e a ir irrrac acio ionnalid lidaade do porã po rãoo. O tet etoo diria de imedi imediaato su suaa ra razã zãoo de ser: ser: cobrir br ir,, pro rottege gerr o homem (é, por porttant ntoo, ra racional) cional).. Quanto ao porã orãoo, seri eriaa poss ossí í vel vel descobri descobrir par paraa ele uma sé séri riee de utiliidades, mas par util paraa Bach achela elard rd ele é fundament fundamentaalmen lmente te o "ser obs obsccuro" da ca cassa, um ser qu quee pa part rtic icip ipaa do doss poderres pode es,, da irrac racion ionali alidad dadee da dass profund profundeezas. Par Paraa ele ele,, o que interess interessa as assi sim m é con consid sidera erarr a casa como como um jogo jogo entr en tree ra racciona onallidade e mis mistic ticism ismoo que se desenr desenrola ola na verrtic ve tical al (e na vertical ape apena nas) s) ent entre re um umaa par parte te sup super erior ior e ou outtra infer inferio ior. r. Nã Nãoo falt faltar ariiam ele elemen menttos para comprovar essa colo coloccaçã ção, o, se segu gundo ndo Bachel Bachelaard. As const constrruçõe õess para o alto alto,, par araa a pa parrte superi uperioor, são "edif icadas" cadas",, i.e., const stru ruíd ídas as ra raccion onal alme ment nte, e, pe pens nsad adas as,, el elab abor orad adas as,, enquanto a parte inferior é simplesmente cav cavad ada, a, sem plano prév pr évio io,, de modo modo apaixonado apaixonado,, e conforme conforme as inclina inclinaççõe õess do cav avaado dorr (d (doo coveir oveiroo?). Além do mais mais,, no sótã tãoo tu tudo do é cl claro, aro, nítido nítido,, simples simples,, enqu enquanto anto no porã rãoo tu tudo do é mi missterioso, ten tenebr ebroso oso:: o mal é seu hab habiitan antte, lá ond ondee nunc nuncaa há lu luz, z, de noite ou de de di dia. a. Onde prevalec revaleceem as sombra sombrass. Onde se come comete tem m os ato atoss pro proiibi bido doss na inf ânc nciia o u os os crim imees do doss adulto adultoss: os drama amass, as alu aluccinações inações.. A litera literaturra polic tu policial e f antás antásti ticca confir confirmar maria ia iss issoo: os crimes são semp mprre comet metido idoss no noss por porões ões,, os mon onsstro ross (c (coomo o de Frankenst Franke nsteein) lá sur surgem gem.. Bac Bache hellard fo foii mesmo mesmo ca capa pazz de encontra encontrarr em Jung Jung uma passag passageem que o conf onfirm irmaa em suas colocações colocações (ou qu que as motiv motivou?) ou?),, seg segun undo do a qua quall o conscien conscientte está para o inconsciente as a ssim como como o porão par araa o sótão sótão,, na me medi dida da em que o consc conscie ienn te se comcomport ortaa como o homem que, que , ouvi ouvindo ndo um barulho susp suspeito eito vindo vin do do porão, porão, corr rree pa para ra o sótão sótão on onde de,, na nada da en enco conn trando, trand o, se tranq tranqüüil iliz izaa - se sem m te ter-s r-see av aven entu turad radoo a des desce cerr ao por porão ão.. Quer dizer, no sót só tão mesmo quando há medo med o estee se ra est raci cion onal aliiza fa faccilm ilmen ente te,, enqua uannto isso ou não
Desta proposição ini inicial, cial, Bachela Bachelard rd parte para uma uma análise da existê existência nos prédi prédios de apa apartamentos rtamentos,, onde a vida é sem encant encantos po porqu rquee sem mi mist stéérios rios,, já que não há po porã rãoo e a polari polariddade bá bási sicca ins instau taurado radora ra do homem homem (e que se refle reflete te na ca casa sa)) foi rom rompi pida da.. A "casa" "casa" assim propos oposta ta não tem mais raíze raízess, é um simp simples les buraco buraco con con-vencio ven cional nal no meio meio de caixas caixas supe superpo rposta stass onde a altura altura é xt t erior - onde só e x onde,, enfim enfim,, a casa casa se torno tornouu uma sim simple pless horizontal idade.
Antess de ver Ante ver a qu quee po pode dem m co cond nduz uzir ir es esta tass co colo loca ca-ções çõ es,, há um fa fato to in inte tere ress ssan ante te a ob obse serv rvar ar:: em embo bora ra vi vi-vend ve ndoo em Par Paris, is, Ba Bach chel elar ardd par parec ecee nã nãoo se dar dar co cont ntaa de um aspecto da vida em edifícios edifícios que ele poder poderia ia te terr ex ex-plicadoo facil plicad facilm mente nte,, ch cheg egan ando do on onde de ch cheg egou ou,, e de modo inteirament inteir amentee or oriigin ginaal: o fato é que os edifícios em Paris têm porões cavee! Num porões,, cada ap apaarta rtamen mento to tem sua cav Numaa áre áreaa comum com um,, si situ tuad adaa nor norma malm lmen ente te no su subso bsolo lo,, se sucede sucedem, m, num esp spaç açoo da mais comp comple leta ta esc escur urid idão ão,, um umaa sé séri riee de minicave icavess parti ticul culares ares.. Es Este tess po porõe rõess de ap apar arta tame menntos poderiam ser fa facilm cilmen ente te ex expl plicados icados por um tec ecnoc nocra ratta com co mo simpl imples es med mediida de eco economi miaa (de re rendi ndimento mento do capital):: ao invés de "desperd capital) "desperdiça içar" r" espa espaço ço nos andares com co m a destin destinaç ação ão de uma ár área ea em cada cada ap apar arta tame ment ntoo para pa ra se serv rvir ir de "despensa" despensa",, "qu quar arto to de de desp spej ejoo", colocam--se to locam toda dass el elas as jun junta tass no subsolo, "racionalizando-se" -s e" a co cons nstr truç ução ão,, ec econ onom omiz izan ando do es espa paço ço e ma mate teri rial al.. Pouco importa se não é muito prático morar num quinto anda an darr e ter ter de desce descerr e su subi birr (à (àss ve veze zess se sem m el elev evaador) para pa ra apanha apanharr um obj bjeeto qualquer. qualquer. De res resto to,, os paris parisienses na verd verdaade pouco se importa importam m com isso; pelo pelo contrário io,, fa fazzem questã stãoo de sua sua cave, de sua cave "lá emb embaiaixo". xo ". Por que, se não é prátic práticoo, ne nem m se serv rvee pa para ra mu muit itaa coiisa? Ba co Bacchelar lardd pode poderia ria ter explica explicado do,, de modo modo origic~v ve é col nal e in inéédito, que a c~ coloca ocada da nos edi edifí fí cios não porr um po umaa pr pros osai aica ca qu ques estã tãoo de econo econom mia de cap capit ital al ma mass porquee se tra porqu t ratta de um resquício da cave, do porã porão verdadeirro, aquele da dei das casas, casas, que o parisie parisiense nse ain ainda da exi exige ge,, de modoo mais ou men mod menos os con consci scient ente, e, e que con contin tinuua a lhe ser da daddo, de mo modo do ma maiis ou me meno noss co connsciente ciente.. Se o porão é, co com mo Bac Bachel helard ard afir firma, ma, um ele elemen mento to fund fundaamental na vida do francê francês, seria norma normall enc encont ontrar rar (co (como mo se enco encontra ntra)) uma for forma ma de sobrevivê sobrevivênci nciaa nas caves dos edifíc edi fícios. ios. Ba Bacche hela lard rd na nada da diz a respe respeit itoo - e ele não
ascende à sua própria cons onsci ciên ênccia? ou por que não não se sente seguro de suas expli explica caçções? Sejaa com Sej comoo for sua suass obse observaç rvações ões são int intere eressan ssantes tes,, partic articularme ularmente nte o conce conceiito de que a vi vida da em apartamento é uma ex exist istên ênci ciaa só exter exterio iorm rmen ente te ve vert rtic ical al e essenessencialmente cialme nte horizo horizontal ntal.. ' Mas e as outr outras as teo teoria riass a respeito respeito da vertic verticali alidade dade?? N a hi hist stór ória ia da ar arqu quit itet etura ura,, o con concei ceito to de verticaverticalida idade de lev levaa de imediat imediato, o, e de iní início cio,, ao Gótic Gótico. o. Gót Gótico ico não é só vertic vertical alid idad ade, e, po porr ce cert rto, o, ma mass nã nãoo se exag exager eraa em demasi demasiaa ao propor propor um termo termo co como mo eq equi uiva vale lent ntee do outro tro.. Como é vista essa vertic verticali alidad dadee típ típica ica do Gót Gótico ico inspi nspirad radora ora de outra outrass em outr outras as épo épocas cas?? Ela é encar encarad~ ad~ f reqüentement reqüentementee como racionali racionalidade dade,, tal justament justamentee como propõe Bachela Bachelard rd,, emb embora ora por outros mot motivo ivoss. De fato, essa racional racional idade da arquit arquitetura etura gótica está diretamente diretamente za a arquitetõnica, tal como este ligada ao con conceito de clare z se impôs aos espíritos espíritos rac racion ionali alista stass (ou "racional "racionalis isttas" s")) do sécu século XIX, XIX, Vi ViooIl Ilet-leet-le-Duc Duc em parti particcul ular ar,, e dev evee ser enteen~ida ?e modo mu ent muito ito específico como como "eq "equiv uivaalência entree mteno entr mtenorr e exterior rior"". No Gótic icoo, es estta é a tese tese,, se teriaa fi teri finnalmen lmente te uma forma de comp mpoosição on ondde o exteri erior or dei deixxa tr tran anspa spare rece cerr o in inte teri rior or (d (dond ondee o concei conceito to de "tran "transpar sparênc ência ia arq arquuite tetô tôni nica ca") ");; on onde de o interi interior or nã nãoo ocultad tadoo pel peloo ext exteri erior; or; onde o indivíduo indivíduo,, con contem templa planné ocul do a obra do exterior, não é enganado qu quan anto to ao que que o espera espe ra no interior interior e vice vice-ve -versa rsa.. Em outras outras pal palavr avras as,, um estiloo (conce estil (conceito ito escorre escorregadio gadio,, mas enfi enfim m ... ) onde de certa forma não existe uma fachada, algo que separa uma cois co isaa da ou outr traa (i (int nteerior do exte teri rioor), qu quee fech fechaa, que desune. desun e. A ar arqui quite tetu tura ra gót ótica ica seri seriaa ant ntes es um co conj njun untto orgââni org nico co en entr tree in inte teri rior or e ext exterior erior,, ao con contr tráário do qu q ue se teve teve na arq arquit uitetu etura ra gr greega ou românti romântica ca ond ondee, a rigor, rigor, se trat tratava ava de dois modos modos dif difeeren ente tess de plas plasma marr o mat material ri al e dispo disporr o espaç espaço. o. Mesmo depois do Gótico dif icil cil-mente se pod pode co const nstat atar ar a prát prátic icaa de desssa transpa transparênci rência: a: se a arquite arquitetura tura renasce renascentista ntista não chega a rompe romperr sempre e totalmente com essa identificação dentificação,, não é menos certo que nela nela o problema problema da f achada se impõe sobremaneira sobremaneira.. E de lá aos tempo temposs atu atuais ais ess essaa identid identidade ade,, enc encaarad radaa sob o aspecto aspecto par partic ticula ularr aqui em disc discussã ussãoo, só se verificará na prod produç ução ão (e em alguma prod produçã ução) o) de alguns alguns nomes nomes isola solados: dos: se a Sagrada Sagrada Fam Famíli íliaa de Gaudí Gaudí est estive ivesse sse termiterminada ela se nte ia "de trans ênc ência" ia" (de fat
)ropo oposição sição bas basead adaa no gótic óticoo?); a~ a~gu guma mass propos roposttas ~a C lrt lrt nouv nouveeau també também m se enquadr quadraanam nessa colocaça caçaoo (e el el~~também se liga ao Gó. Gó.tico) e out utrr~s de esco escolas las ou lome mess isolado soladoss do Moder oderni nissmo (especia peciallmente as da da "Iinha geom eomét étric rica" a",, co com mo a de Le Corbusier, Corbusier, ou o 'próprio Gropi Gropius us,, Mies, etc etc..). Ma Mass em te term rmos os.. ge ger~ r~ls ls,, o Góti Gó tico co teria sido sido o grand grandee momen momento to dessa raclOnahdad raclOnahdadee entendiida como tra entend transpa parê rênc ncia ia in inte terrior X exterior exterior. Contudo,, se se di Contudo disse sse em qu quee co cons nsis iste te es essa sa racionalida nal idade de esp espeecí f fica, i ca, não se disse como ela se propõe propõe,, a partirr de que parti que pont pontoo de vi vist staa el elaa é as assi sim m co cons nsid ide~ e~ad ada. a. Essse co Es conc ncei eito to de raci aciona onalid lidade ade ou de clar clareza arq arqU Uiteturall do Góti ra tico co se deve em sua ma maio iorr pa parrte te'' às teoria teoriass de Panof sky exp expres ressas sas em seu seu A arquitetura gótica e o penpensam ameent o escolásti scolástico, co, tí títu tulo lo qu quee já re reve vela la o co cont nteú eúdo do da análise.. Seg análise Segund undoo Pan Panofs ofsky, ky, não só existir existiria ia um para paralelismo entre a arqu arquitetura gót ótic icaa e o modo de pensa ensam mento pressão ressão esc scolá olásti stico co com comoo inc incllusi sive ve a prime primeir iraa seria a ex p matterial do ma do segu egunndo do,, na pl plena ena acep acepçã çãoo des esse se term rmoo. Assim como como o pens ensame amento nto esc escolá olásti stico co é um mod mod~ de exexpossiçã po içãoo e de arg argum umeenta taçção ão,, rigid rigidament amentee orgam orgamzado, zado, a .arqu .a rquite itetur turaa gótic icaa não só seria també também m forte fortemente mente estruturada como se or organi ganizzaria se seggundo essas mesmas regras regras.. E Pano nofs fsky ky en enco cont ntra ra na arqui arquitetu teturra tod odos os ess ssees elemenelementos de de equivalênc uivalênciia: os mesm esmos os tipos de relações entre as mesmass parte mesma partess (no di disc scur urso so es esco colá lást stic icoo e no di disc scur urso so arquitetônico), arquitetônic o), um tipo de "argume "argumenta ntação ção"" arq arquit uitetu etural ral baseado nos mesmos princ princípios des desse pensament pensamento, o, a mesmesma di divi visã sãoo do di disc scur urso so nu num m ce cert rtoo nú núme mero ro de pa part rtes es . (" ("vi vide detu turr qu quod od;; se sedd contr contra; a; re resp spon onde deoo di dice cend ndum um"" ou "tese,, ant "tese antí í tese se,, sí sínt ntes ese" e"). ). E por por se segu guir ir toda todass ess ssas as regrass de uma forma gra forma de pensamen pensamento to est estabe abele~ le~iido, a arq'! rq'!iitetu te tura ra gó góttica se manifest manifestari ariaa com comoo arq arqUIt UItetu etura ra raclOnalista.. nalista
Ora, at Ora, atéé qu quee ponto ponto es essa sa coloc colocaç ação ão é váli válida da?? Um Umaa crít cr ític icaa qu quee normalm rmalmeente se fa faz a Panofsky 32 .é qu~ a arqquitet ar uitetuura gó góti tica ca só é racional racionalis ista ta (e tã tãoo raclO lOnabsta nabsta quan antto ele de dese j jaa) na me medida em que se subm submeete à expli ex plica caçã ção, o, ao mo mode dello, est stee si sim m. racio ionnal aliista, do própri rioo Pano anofs fsky ky,, isto é, a arquit iteetu tura ra ,g~t g~tic icaa , expl explica icadda com omoo ex exppre ress ssão ão do pens pensam amen ento to escolastlc lastlcoo e uma ar ar-quit uiteetur turaa raciona racionalliz izad ad a e ~ão rac raci~~ ~~aalis~ lis~a. a. A questão questão__ é que para para Panofs Panofskky a ar arqUi qUittetur eturaa gotlca e um uma expr expressa essaoo perfeitta d o pe perfei pens nsam ameento que a fez - ma mass sob est este as-
pecto, qua pecto, quall arquit arquitetu etura ra ou outra f orm orma de arte não o é iguualm ig lmeente? A arq rquuitetura neo eoclássi clássicca é expre expresssão do modo de pensa pensam mento da so soccied edad adee ( ent entend enda-s a-se: e: das clas cl asse sess de onde em eman anav avam am as ord ordeens para co cons nsttrui ruirr, das cla lass sses es dom omin inaante ntess enf im) m),, tal como o Ba Barroc rrocoo é expre resssão do pensame ament ntoo da Contr Contraa-R Refo forma rma.. O qu quee Pannof Pa ofsky sky nã nãoo le leva va em con consid sideeração é que tod todaa f orma de arte (e, mai maiss gene enerrica icam ment ntee, toda produ roduçção) é necessaria ssariam ment ntee ex expres pressã sãoo do doss valores da ideolog deologiia das classes so soci ciaais que Ihe Ihess der eram am ori origgem - e não pod podem em deiixar de de de sêsê-IIo. E o fato de uma del;l ;lss ser essa expressão de de mod modoo mai aiss rig rigida idam men ente te or orga ganniz izad adoo qu quee ou outtra ra,, eventu ventuaalmente (ou que pelo me menos assim par pareece dadas as excelênci lênciaas do model modeloo ut util ilizad izadoo na aná análise lise,, da per persp spiicácia do anali analist staa) não sign signif if ica ica que ela será racionalist racionalista e a outra não. Repita ita--se: tod odaas são manife manifestaçõ stações es de um mod odoo de pensar pensar,, de uma razã razão. Por out outro la lado do,, se se encar encaraa o termo "racionalista racionalista"" so sobb uma pe perrsp speectiv tivaa mais rígida ígida,, ne nem m a ar arqu quit itet etur uraa gó góti ticca e tampouco o pensa pen samen mento to esc escolá olásstico pode ser con onssiderado "rac racion ionaalista"" um lista umaa ve vezz qu q ue estão am ambos eiv eivado adoss de elemento elementoss místiico míst coss (o (oss pr prooblema mass da fé, fé, a arg argum ument entaç ação ão pe pela la per persuasã sua sãoo emoc emocio iona nall - qu quee é aq aquuilo a que especificamente se pro proppõe uma catedral catedral gó góttica ica)) a imped mpedii-Ios totalmente se serem co como mo tai taiss considerado deradoss. Mesmo Me smo que se deixass deixassee de lado o pro problema blema de um umaa arquitet itetuura rac raciionali alissta co como mo express expressão ão de uma f orma orma de pe pennsam samento ento pa parra se consi consider deráá-Ia rac aciionalist istaa em razão razão de sua "clare areza" za" (tran ranssparê parênc nciia exterior-inter or-interiior, como em Vi VioIl oIlet et-le -le--Duc) uc),, a desig designaçã naçãoo não se just ustiifi ficca dad adoo que ue,, como já f oi oi vis isto to aqui, o asp specto ecto in interi rioor X exte exterior é apen penaas um dos vár ário ioss envol olvi vidos dos no pr probl obleema arqui rquittetural etural,, e sobr sobre ele apenas não pode re repous pousar ar a possibil sibilidade idade de consi considderar uma arquit arquitet etur uraa co com mo racionali alista sta ou ou não ão.. Há outr utros os modos de de se en enccara ararr a ve verrticalidade ticalidade,, e esta mes mesma vertic erticaalidade do Gó Góti tico co?? Si Sim, m, e pare parece cem m bem ma mais is ad adeq equuados ados:: um deles deles base baseia ia-s -see nu numa ma co conncepç ce pção ão (defendid defendidaa por Hauser) Hauser) se segundo gundo a qual o verticali ca lissmo góti ticco é, pel pelo contr ontráário rio,, manifesta manifestaçção do mi mistici icissmo humano. Nu Num ma cate catedral dral gót gótica ica se teria de tudo, tudo, menos raci racional aliism smoo: nessa "nav navee il ilum umin inad adaa a ca cami minh nhoo do pa paraí raí so" se mistu mistura ram m a pr preeten tensão são irr irraci aciona onall de eleele-
exterior da construção) .. Internamente, prevalece lma atmosfera também igualmente mística, onde além lo~antos, da música, do incenso, proliferam (e no ~xterior também) as figuras mais irracionais (monstros, leformações) que a humanidade da época conhecia. [udo isto formando um con junto que, como já se disse, isava antes convencer pelos sentidos do que através de ma verdadeira argumentação lógica e racional. Arqui:etura mí stica, portanto, e não racionalista; antes, talvez Imais irracionalista de todas, mais mesmo que o próprio arroco, igualmente destinado à persuasão emocional. O mesmo ponto d e vista é endossado por Zevi 33, lue compara o misticismo da arquitetura gótica com a Jfodução do Oitocentos, com uma única dif erença (no 'undo não tão acentuada assim): o misticismo religioso S substituído pela f é no dinheiro. A catedral de Stras)urgo, o Mont Saint-Michel são exemplos de exaltação jo transcendentalismo mí s tico da época em que foram :onstruídos aos quais correspondem, na era moderna, ~ntre outros, a Torre Eiffel e o modelo de arranha-céu ;urgido nos EUA, culminando no irracionalismo absoluto que foi a proposta do "The Illinois", o edifício de lIma milha de altura pensado por Lloyd Wright! Zevi poderia igualmente ter citado como exemplos de irracionalismo as torres absolutamente sem função alguma que as f amí lias italianas abastadas tinham o hábito de mandar erigir para maior glória própria, glória que variava segundo a altura da torre (veja-se a cidade medieval de San Gimignano, eriçada delas). Ainda irracional é o propósito de um Le Corbusier desembarcando em New York pela primeira vez e declarando que lá os edifícios eram irracionais porque pequenos (nota: o Empire State já existia) devendo ser bem maiores! Os aspectos da vertical idade aqui abordados são eminentemente metaf óricos: é metafórico o sentido da proposição de Bachelard segundo a qual a casa é um ser vertical e que sua parte superior ("a mais vertical") é o lugar do racionalismo. É metafórica a colocação de Panofsky sobre o racionalismo da vertical idade gótica, assim como é metafórico o sentido através do qual se aponta essa mesma arquitetura como manifestação de um misticismo. Isto é, nenhuma destas análises procura apanhar a arquitetura e verificar como ela atua 10
sobre o homem no aspecto horizontal x vertical sob uma perspectiva material, real, f uncional: todas procuram ver quais as manif estações segundas implícitas nesse tipo de configuração. E esse lado do efeito prático da verticalidade ou da horizontalidade sobre o homem precisa com toda evidência ser determinado. Seria possível falar, sob esse aspecto, da insensatez que constituem os edif ícios modernos altíssimos que já se constroem ho je e que continuam a ser programados para amanhã; só a respeito do problema dos incêndios já se teria muito o que dizer. Mas deixando de lado aspectos como este e o referente ao conflito sótão x porão = racionalismo x irracionalismo, bastante poético e interessante mas de discutível validade, as obser. vações de Bachelard sobre o viver em apartamento (que ele considera na realidade viver na horizontal) poderiam servir de base para uma determir.:Ição efetiva dos significados psicológicos e sociais do eixo Espaço Vertical Espaço Horizontal. Por exemplo, o "ter um espaço à sua volta" mencionado por Bachelard é sem dúvida um aspecto particularmente importante do "morar na vertical" (na casa). Essa dimensão parece ser impossível, nas condições atuais, para o viver no espaço vertical de hoje, nos edif ícios; se é um valor, no entanto, ela indica que mais do que na simples horizontalidade dos apartamentos, o problema está no f ato de que essa horizontalidade é limitada, fechada - e a residência na vertical é assim condenada não apenas porque é vertical. Algumas casas das quais se diz que o morar atingiu nelas um ponto ótimo são construções essencialmente na horizontal, como a casa pompeana (se ela tem às vezes um porão ou equivalente, não tem sótão). Embora as discussões sobre os signif icados possíveis da verticalidade e horizontalidade (racionalismo, irracionalismo, etc.) sejam necessárias, as observações de Bachelard devem ser encaradas antes como uma advertência relativa à paisage m e à "topograf ia" excessivamente tediosas que prevalecem nos espaços atuais quer internos ou externos: ou horizontal, ou vertical. A esse maniqueí smo geométrico, a que escapam por certo algumas propostas destinadas a pequeníssima parcela da população, se deve opor um espaço criativo, combinatório de formas e planos no qual o indivíduo possa movimentar-se livrent e nã d lizar ord nad mente
~rente de trânsito. Os planos do percurso humano ) dois e sempre dois em conjunto: horizontal e vera!. E é através de uma proposta desse gênero que se d $ pôr em prática um dos elementos programáticos ldamentais da arquitetura moderna (mas não só dela), 'em porali zação do espaço. Criar um jogo de permu;ões entre horizontal e vertical, i.e., propor desníveis, necessidade de subir ou descer para ir de um lugar a tro (seja num espaço aberto exterior ou num espaço erior) é bem um meio - e bastante adequado - de nporalizar o espaço: romper sua monotonia, deixar lado um espaço que se vê para adotar um espaço que ~tivamente se percorre, um espaço onde o movimento lão só possível como exigido, um espaço enfim vivido. Os espaços atuais não são vividos, são espaços ;tos. Se se estivesse no teatro seria possível justificar n espaço apenas visto: o termo "teatro" provém de easthai que em grego signif icava justamente ver. É esmo certo que grande parte da tendência polí tico-so11 de hoje caminha no sentido de tornar os indivíduos eros espectadores passivos se ja em que domínio for, da te (ou "artes" como a televisão) à decisão política. E ainda correto que as propostas arquiteturais atuais prendem tornar o habitar (uma cidade ou uma casa) um ero ato de visão: eu vejo a cidade mas não a uso; os lbitantes de um periferia se deslocam nos fins de se:ana para ver o centro da cidade, ou um bairro "boto", mas não para vivê-io (são os turistas residentes, como turista sua f unção é essa: ver); o morador de na casa vê sua sala mas não a usa, ela é quase sem"e um quadro que ele apenas vê e conserva para os utros verem. Mas a vida não é um teatro - pelo menos io sempre, e o ver precisa ser substituído pelo viver, ~Io sentir, e que em arquitetura se define pelo experilentar, tocar, percorrer, modif icar: numa palavra, ação. o espaço estático deve ser dinamizado. O espaço :m tempo, sempre igual a si mesmo, exige ser tempoLlizado,isto é, modificado. Se é possível dizer com jus:za que o tempo só se def ine pelo espaço (agora é aqui, ; foi ontem ou será amanhã), não é muito aceitável lle o espaço seja encarado sem o tempo, mutilado do :mpo. E se esse espaço não pode ser constantemente odificado pela própria natureza do pro jeto arquitetural, lo menos e modifi de
"promenade architecturale". Ora, isso não existe hoje - mas existia nos burgos italianos medievais, por exempIo: desní veis entre as ruas, pontes múltiplas, passarelas freqüentes, praças quebrando a monotonia das ruas. Em Veneza isso existia e existe, ela é talvez um dos casos mais perf e itos de temporalização do espaço: a prova disso se tem não só andando pela cidade, por certo, como - para confirmar esse aspecto, se fosse necessário - relacionando rapidamente, sem pretensões de exaustividade, os termos utilizados para a designação dos espaços: stretto , r amo , calle , rioterà, crosera, sali zada, fondamenta, ruga, corte, sottoportego , cam po , sacca , campiello, pia zza, piazzeta, ponte. Não se trata
de proliferação gratuita de nomes : é que efetivamente um stretto não é um ramo, nenhum deles é uma calle embora todos sejam algum tipo de rua. Mas as dif eren~ ças entre u~ tipo e outro, para o veneziano, são importantes e grItantes, e p ortanto é necessário apontá-Ias: quando alguém diz para um veneziano a palavra "f ondamenta" a imagem que se f orma em sua mente , o . lOterpr~tante formado é "rua ao longo de um canal", totalmente diferente de um "ramo", viela de uns dez metros de comprimento por um de largura. E um cam po não é uma piazza. Em outras cidades, como São Paulo n.ão só.h~ es~a vari~dade de nomes como ela nem pre~ cIsa eXIstIr: e tudo Igual, e neste caso três termos, basicamente (rua, avenida e praça) são mais que suf iciente. E este caso de monotonia atinge seus limites máximos, os ~a neurose geométrica, na cidade onde o espaço é o maIS absolutamente possível atemporal, onde o espaço nem mesmo existe a rigor: New York - Manhattan particularmente. Lá, só duas realidades urbanística~ existe~: a ~tr eet e a avenue, e uma st r eet é rigorosamente IdentIca a outra, tal como uma avenue vale qualquer outra, nas dimensões e aspectos. Nesse tabuleiro não é de espantar que umpré-embrião de liberdade ur~ baní stica como liBroadway seja ressentida como verdadeiro monstro louco solto pela malha ordeira da cidade. Ela não só se propõe como um caminho amplo (a broad wa y) como, horror final, corta obliquamente o tabuleiro ortogonal! Decididamente, alguns milênios serão necessários para que New York atinja o ní vel de desenvolvimento urbanístico de Veneza - mas tudo indica A
~neziano (canal aterrado) obrig a a uma eurva aqui conduz a um campo, cujo acesso se faz atravessando a PQnte de degrau e subindo uma plataforma - que Jnduz :-Uma miríade de calles, ramos, croseras. Numa ea global minúscula, as possibilidades de combinação o praticamente ilimitadas: é preciso tempo para cohecer a cidade, enquanto New York se oferece inteinha ao menor toque de botão num painel luminoso. or ter tempo, Veneza vive ainda - e não morrerá. f e w York é uma ficção e um inferno: já se começou abandoná-Ia há muito tempo. Temporalizar o espaço: propor um espaço que se lOdifica pela possibilidade de vivê-Io realmente, de ercorrê-Io. Quando Zevi fala dessa questão 34, ele ublinha o valor do aspecto dinâmico e estático dos es,aços. Diz, adequadamente aliás, que quem concebe corredor com paredes paralelas, tal um prisma esí tico, não entende o abc da arquitetura. Mas não llostra extensivamente como se pode praticar essa tempoalização, embora cite exemplos corretos como o Gug:enheim Museum e a Casa da Cascata, ambos de Lloyd ~right. E não fala nada sobre a temporalização do spaço urbano, imperdoável para um italiano que tem /eneza exatamente ao lado. A ação sobre o eixo verical-horizontal, com uma proposta de ambos os planos ,imultaneamente, na casa e na cidade, é um dos instrunentos básicos contra o tédio e a opressão arquitetôni:os. Do outro se f alará a seguir. f i
[ . 3 .7 .
7.o eixo: Espaço Geométrico X Espaço Não-Geométrico
Qual o papel real da geometria no pensamento e na prática da arquitetura? Até que ponto a geometria é inerente ou mesmo essencial para a arquitetura? Esta questão ainda é freqüentemente recebida com um ar de espanto por muitos, aqueles para os quais a ligação entre uma e outra coisa é tão estreita que a pergunta é mesmo impensável e soa ingênua. No entanto, esse é justamente o problema: o fato de não se pensar néle. Ve jamos primeiro uma parte da questão: o relacionamento entre a geometria e o pensamento arquitetural que exige a análise, inicialmente, da relação
entre geometria e pensamento, simplesmente. Aqui é possível perceber um certo acordo geral entre os analistas quanto ao fato de ser a geometria u m d os instrumentos fundamentais do pensamento científico - e mesmo do pensamento filosófico, se se pretender uma distinção entre um e outro. Para Bachelard, por exemplo, a geometrização da análise, isto é, um ordenamento seriado dos fatos estudados e mesmo o desenho deles, é a primeira tarefa exigida do espírito científico e aquela na qual ele se af irma como tal. A lógica assume esse procedimento, e a química, e a semiologia, etc., etc. A razão é óbvia: a esquematização geométrica favorece um esclarecimento dos aspectos visados, um tornar mais claro, mais imediato uma determinada realidade. Sob esse aspecto, na condição em que estamos em termos de pensamento científico é impossível negar esse papel à geometria. Mas esta mesma colocação necessária já torna evidente o primeiro transtorno que a g eometria inelutavelmente trás ao pensamento científico em geral e a ~lguns de seus tipos em particular: a geometrização normalmente só é capaz de dar contas dos aspectos mais superficiais dos fenôlÍlenos - e tanto que em alguns casos ela não só transfigura o objeto de estudo como é mesmo de todo impossível de ser aplicada dada a complexidade do fenômeno. Assim, por exemplo, vêse mal como pode a representação geométrica dar contas de uma realidade dialética. Em suas próprias essência!, diaiética e geometria são duas entidades que se opoem e se excluem mutuamente: é possível representar geometricamente que "A é A e não é B, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto". Mas não é possível a geometrização de· "A é A mas também é B na tendência para C, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto". A representação geométrica está ligada essencialmente ao pensamento que se estrutura segundo as ~o~mas da lógica aristotélica (isto é, a esmagadora maiOna dos pensamentos em operação - mas quantidade não é sinal de validade) e para este pensamento a g eometrização é mesmo necessária. ~estes termo~ seria mais adequado propor um outro tIpo de relaCiOnamento entre geometria e pensamento que fosse em princípio aceitável não só enquanto esse mesmo simples relacionamento e enquanto relacio-
m enquanto relacionamento ~om o pensamento. dito :ético. Seria possível dizer que, aceitando uma práa evidente, a geometria pode ser um intermediário ão necessário) entre o concreto e o abstrato. Ou ~ um dado pode ser assimilado pelo pensamento 'avés de uma geometrização (para ser a seguir evenalmente devolvido ao concreto). Mas obviamente nem pensamento (o abstrato) é geométrico e tampouco o o concreto, o objeto: geométrico é apenas o modo : análise, se ja qual for o cas o e a hipótese, e nada ais. E ainda assim com as restrições do parágrafo Iterior. Sob esse aspecto, o pensamento arquitetural >de manter relações co m a esquematização geométriI, criando assim uma representação de seu objeto, que o Espaço Real. Agora, a segunda parte da questão: o papel da :ometria .na prática da arquitetura. E desde logo se )de fazer uma colocação que elucida amplamente o 'Oblema: a prática da arquitetura e da urbaní stica tem do tal (não só hoje, porém hoje mais que nunca) Ie o s arquitetos confundem o concreto com o absato, confundem o pensamento sobre o espaço com o róprio espaço e acabam por impor um es paço de 'pr esentação (o resultante da geometria possível do ;paço, do pensamento sobre o espaço) ao invés de rapor um es paço real. Esta é a grande falha (que não de todo ingênua, como se verá) da prática arquite'lral e que se revela especialmente nesta disciplina pela rópria especificidade de sua matéria: um alf aiate (mas 1mbém um quí mico, um antropólogo) pode esquemazar geometricamente seu objeto (o plano desse ob je)) mas não imporá essa representação ao objeto final. 1m psicólogo pode representar geometricamente um stado mental mas não esperará que a vida psíquica de ~us pacientes se produza na prática com o rigor e forma de seu modelo. Ao contrário, o arquiteto re,resenta um espaço ( pensa um espaço) e acha a coisa lais natural do mundo que seu modelo, sua repreentação, se comporte e seja aceita na prática tal orno ele a representou. Lamentável e trágico engano. O próprio Bachelard enuncia de modo claro: "é lecessário que nos livremos de toda intuição de f initiva - e o geometrismo registra intuições def initivas - se i udácia d t
está falando de literatura e menciona mesmo um estado de "cancerização geométrica" do tecido lingüístico - mas podemos falar de arquitetura, da mesma necessidade de nos livrarmos dessas intuições definitivas e do mesmo fenômeno de cancerização geométrica do tecido espacial. Alguma dúvida de que as casas e as cidades d~ hoje sofrem de geometrice crônic a e aguda? Não. O ângulo reto, as paralelas e perpendiculares, as f ormas "regulares" predominam em toda parte - são mesmo sinônimos, tidos por pací ficos, de modernidade; progresso, avanço, desenvolvimento, tudo isso se mede com e se equivale ao ângulo reto. Qual o verdadeiro signif i cado dessa situação, n o entanto? A Teoria da Inf ormação 35 pode respondê-lo de imediato: resumindo, toda forma regular (as figuras geométricas, mas também a reta, paralelas, ângulos, etc.) são facilmente previsíveis, por conseguinte contêm menos informação, não mudam compor ta mentos. Nada modificam, não instauram mudanças, servem para manter apenas, para segurar - como informação, valem pouco e mesmo nada. É o que diz Zevi com outras palavras, que mere-
cem ser citadas:
Por centenas de milênios, a comunidade paleolítica ignora a geometria. Mas assim que se estabilizam as bases do neolítiro, e os caçadores-criadores são sujeitados a um chef e de tribo, surg e o tabuleiro de xadrez. Todos os absolutismos polí ticos geometrizam, organizam o cenário urbano com eixos e depois outros eixos paralelos e ortogonais. Todas as casernas, as prisões, llS instalações militares são rigidamente geométricas. Não é permitido a um cidad&o virar à direita ou à esquerda com um movimento orgânico, seguindo uma curva: deve girar a 90 graus, como uma marionete (os grif os são meus).
Este curto trecho resume praticamente toda a problemática que a geometrização do espaço trás consigo e a visão dos que se opõem a ela: o geométrico (a marionete) se impõe à vida (o orgânico), o artificial ao natural, o condicionamento à liberdade. Ilustra também, por exemplo, a divergência estabelecida entre Frank Lloyd Wright e Le Corbusier: o arquiteto americano propugnava uma arquitetura "orgânica" em oposição declarada
geometrismo do suíço, acusado de artificialismo como (embora, é necessário frisar, Lloyd Wright não 1 sido tão informal ou não-geométrico assim).
'Ê o interessante aqui é que justamente Le Corbu-
. foi um dos grandes defensores manifestos e conos do geometrismo, ele tão freqüentemente acusado ser contra a ordem, isto é, acusado de subversão. a-se por exemplo seu catecismo de arquite tura (que tem estrutura e dimensões para ser mesmo mais isso) Quand les cathé dr ales étaint blanches 36. Sua ologia dessa época é bem clara cl,~sdeo título do calo que ele consagra a essa questão: "As ruas são ogonais e o espírito vê-se liberto" 37 (falando de New rk). Sua crença no ortogonal, no geometrismo mais do, é expressa em termos definitivos: "Este signo +, é, uma reta cortando outra reta formando quatro ulos retos, este signo que é o próprio ges to da consncia humana, este signo que traçamos instintivamengráfico simbólico do espí rito humano: um ordena" 38. Para quem f oi taxado de materialista í mpio, preendente o misticismo que transcende dessas lias: a alusão ao sinal da cruz cristão, ao gesto da ção (que "põe ordem") não pode ser mera coinência. Mas deixando este aspecto de lado, bem como o aprofundando a discussão desse traçar "instinti" (nada menos instintivo, na realidade, do que as ncepções geométricas - e toda a história do conheento humano está aí para confirmá-lo), vejamos que consiste as supostas excelências, para Le Corsier, do traçado ortogonal. Para Jeanneret, que se porta nessa sua primeira viagem aos EUA como verdadeiro í n dio maravilhado e deslumbrado que sembarca na Metrópole Absoluta (deixando de o uma série de aspectos no mínimo discutíveis e fendendo absurdos de caráter sociológico - como ando elogia a servilidade, a submissão forçada poassumida e a falta de consciência social e de coosncia dos próprios direitos dos empregados negros dos ns americanos, e que ele confunde escandalosamencom bonomia, para não citar outros exemplos ma linguagem ufanista que cansa desde a segunda lia, porque a primeira já começa com um "I AM AN
AMERICAN", assim mesmo em inglês, numa demonstração inequívoca de, no mínimo, mau gosto) o fundamental da concepção ortogonal é que a movimentação nesse espaço torna-se simples, direta, f ácil. Quer ir a tal lugar? Basta virar três quarteirões à esquerda e depois dois à direita - ao que Le Corbusier contrapõe aquilo que ele chama de caos sufocante, de romântico e inadequado reino da "desordem" e que são os traçados das cidades européias em sua quase totalidade. Para Le Corbusier, o ortogonal é exemplar porque nele ninguém se perde, e o estrangeiro se sente desde logo tão em casa quanto o morador antigo. Além do mais, o traçado geométrico organizado deixa a cidade livre: nada de igre ja numa das portas da cidade e um castelo na outra, você atravessa a cidade livremente de uma ponta à outra, sem obstáculos: você é livre e a cidade também. E se lança numa diatribe contra as cidades "torcidas" antigas e as que f oram propositalmente asssim construídas na modernidade, crucificando Camillo Sitte pela propagação dessa idéia (por ter Sitte concluído que "o tumulto é o belo, e a retidão, a infâmia") quando ele pouco ou nada teve a ver com isso. É possível
deixar passar sua afirmação de que a orientação num tabuleiro ortogonal é mais fácil (e com efeito um erro num traçado tortuoso tende em princí pio a se agravar cada vez mais), pode-se mesmo deixar de mostrar que a Teoria da Informação conf irma que se o tortuoso, a desordem não são em si todo o belo, são altamente importantes para sua obtenção. O que não se deve aceitar é sua tese, freqüentemente retomada, mesmo atualmente (ou em particular atualmente) de que o ortogonal é o espírito da liberdade, que com o ortogonal a cidade é livre , e o indivíduo também. Enorme absurdo, pois é justamente () contrário! Le Corbusier parece desconhecer o u deixar de lado um fato da história da arquitetura e da urbanística francesas (que no entanto ele deveria conhecer perfeitamente) que foi as reformas produzidas por Haussmann no tecido e na fisionomia parisiense. A modif icação fundamental por ele introduzida em Paris f oi justamente a de rasgar a cidade de uma extremidade à outra com uma série de eixos geometricamente proje-
; tortas e estreitas que o povo parisiense conhecia tão m e que representaram papel f undamental todas as zes que a população da capital francesa resolveu se lor à opressão monárquica e ditatorial, como aconteu na tomada da Bastilha e na Comuna de Paris. Com novos eixos, amplos e extensos (os boulevar ds , as andes· avenidas) o conhecimento da cidade tornavamais f ácil e com ele o seu domínio, o cerceamento : sua liberdade, pois as tropas do poder podiam ser cilmente deslocadas de um lado para outro da cidade m serem passí veis de detenção pelas eventuais barriIdas, inúteis quando a largura da via é desmesurada quando ao mesmo tempo há acentuado desní vel nos mamentos de ambos os lados. Ortogonal = liberda:? Absurdo total! E m t odos o s momentos da históa da urbanística mesmo antes de Haussmann (no ImSrio Romano ou nas colônias da Espanha) a imposiio de um traçado geométrico rígido para a malha viáa sempre teve por objetivo reduzir ou eliminar a li~rdade do indivíduo, f acilitando seu controle, e não rotegê-Io do exterior ou mesmo libertá-Io (pois o outro lme dessa faca é que a cidade ficava simultaneamente Jerta à invasão exterior: seriam necessários muitos hotens e muito tempo para ocupar def initivamente Ve;:za caso seus moradores se opusessem a essa tomada - e essa é uma das razões fundamentais para a "tordo" das cidades medievais - mas bem poucos para ominar mesmo uma cidade no entanto tão ampla uanto New York). Analisando por exemplo a orgaização das cidades construídas pelos espanhóis na ,mérica Latina, não é outra a conclusão a que chega lenri Lef ebvre 39: as "Ordenações de descoberta e ovoação" de 1573 são específicas quanto ao ordenalento da malha d a cidade através de lotes quadrados u retangulares que se dispõem n u m relacionamento eométrico com a f unção especí fi ca de facilitar, como z Lefebvre, a extorsão e a p ilhagem em f avor da aetrópole européia. Tudo é previsto, nada é deixado ao caso, o que signif ica que as necessidades orgânicas (a berdade) são eliminadas: o dirigismo é total. Analiando todos esses exemplos históricos, só mesmo uma nente delirante é capaz de considerar o traçado geoméico como ocasião de abertura e libertação para o inlivíduo (Zevi f ala mesmo em acabar com a prática
da régua "T" para o estudante de arquitetura a fim de q ue ele não se deixe tentar pela facilidade do geometrismo e aprend a a deixar já o próprio traço em liberdade!) . Isto sem mencionar que é justamente o "tortuoso" um dos elementos f undamentais para a animação de um espaço, para sua vitalização, para a eliminação do tédio do "habitar". Se se está num monstro lógico que é uma avenida em linha reta com 15 km de extensão (e mais ainda quando essas avenidas são dez, cortadas por 200 ruas paralelas e igualmente retas, COmo em Manhattan) não há o que esperar da cidade, não há surpresas, não há reconhecimentos, não há intimidades: tudo já está visto e sabido. Pelo contrário, em Veneza, Roma ou mesmo Paris (Haussmann não conseguiu acabar com a cidade) há sempre um quar t ier e , um quar tier que é o nosso, que se encaixa harmoniosamente no arrond issement ou no sestier e (por conseguinte, na cidade toda) mas mantendo sua diversidade própria graças às suas ruas próprias e dif ere~tes, às vielas imprevistas que defendem esse quartier 40 dos desconhecidos, dos "intrusos". E por outro lado, há sempre algo a conhecer, a descobrir, a viver, porque os outros quartier s são igualmenk dif erentes. E s e o estrangeiro, o turista não consegue orientar-se nessa malha tão f acilmente como o faz em sua própria "casa", nada a estranhar nisso: em primeiro lugar, a sensação de "estranhamento" é fundamental para o turista e, em segundo lugar, é necessário abrir para as visitas boa parte da casa mas não necessariamente toda a casa. :É preciso constatar também que o princí pio de propor intencionalmente o "tortuoso" como modo de def e sa contra o intruso e COmo marca identificatória e distintiva é ainda atualmente prática universal emr,ora reservada a pequena parcela da população, geralmente a privilegiada. Assim, um bairro como o Pacaer'lhu é projetado sob um traçado tortuoso justamente para dif icultar o trânsito de "estranhos", para impedir a devassa pelos automóveis, para garantir a "residencialidade" do local. Visto como prática de classe esse recurso pode ser até detestável; generalizado, só tem a apresentar aspectos positivos. Realmente, por que en40. Na vlvê~cla urbaní stica
braslleíra não existe o
quarti er,
~gar a cidade inteira ao tráfego dos carros, desordeIdo e tumultuoso? Por que não procurar defender seu llor residencial (valor de uso) em detrimento do llor de passagem, isto é, de consumo? É realmente impossível aceitar raciocínios como os ~ Corbusier e que continuam a ser defendidos em )me de "ideais" como "aproveitamento do solo", "renmento" etc. Esses são mais um retrocesso no modo ~ vida das populações. Retrocesso porque já na ~eascença era comum na prática dos ~andes .urb~n~slS (como Michelângelo) a observaçao da. dlsp.oslça? rgânica do espaço nas cidades e o respeito (1st? e, reconhecimento) por esse valor nos novas projetos _ e com isto se descarta o elemento "desordem" do )rtuoso ou do não-geométrico, pois o torcido, o ineserado, o inf ormal era mesmo projetado nessa época, ou elo menOs pensado: deixava-se lugar para que ele corresse. O informal é efetivamente elemento fundalental para a respiração do espa~o e po~ conse~inte o indivíduo, já que junto com o eixo vertIcal / honzonaI é um dos motores da temporalização do espaço. )bviamente, o informal absoluto não é praticável m arquitetura - mas que se o entenda pelo ~enos .omo oposição ao "sempre reto", às paredes contmu"as, 10 corredor imenso nos cruzamentos sempre em an~lo reto. Seja o que for, mas sempre em oposição 10 geométrico. .' Há uma passagem de Le Corbusler antenor ao )uand les cat héd rales. .. (que é de 1937) onde ele ;stá bem longe de sua defesa do ortogonal: Criou-se cidades de f orma geométrica porque a geometria_ é rópria dos homens. Vou mostrar-lhes como surge a sensaçao crquitetural: em reação às coisas geométricas 41.
Embora insistindo aqui nessa inadequação que é dentif icar o homem com o geométrico, seu propó;ito final (que evidentemente ele não se~uiu. a não ser, ~m parte, em sua obra tardia como a Igreja .d~ Ron::hamp) é lúcido e imperativo, e merece ser er!gldo e~ bandeira, como tantas outras de suas colocaçoes efetivamente valiosas: A sensação arquitetural surge em reação às coisas geométricas 42-43. 41. SegundO Boudon
Sur L' esp ac e
Procurou-se determinar e analisar, assim, os eixos em torno dos quais se organiza o discurso arquitetural e que se revelaram em número de sete: Espaço Interior X Espaço Exterior, Espaço Privado X Comum, Espaço Construído X Não-Construído, Espaço Artificial X Natural, Espaço Amplo X Restrito, Espaço Horizontal X Vertical, Espaço Geométrico X Informal. Tal como foram colocados, parecem ser em número necessário e suficiente, excluindo quaisquer outros em que se possa pensar - ou, o que vem a ser o mesmo, todos os outros possí veis e imagináveis podem e devem ser reduzidos à forma de um desses sete, que deste modo se apresentam como o esqueleto simultaneamente mínimo, essencial e bastante da linguagem e da prática arquiteturais. É necessário ressaltar um ponto, no entanto: se a dete~minação dos. eixos foi feita de modo a poder ser considerada a maiS ampla necessária, a leituro. ou análise desses mesmos eixos a que aqui se procedeu não quer se apresentar como e nem pode ser considerada exaustiva. Naturalmente, ela procurou apreender aqueles aspectos que podem ser considerados fundamentais dentro de cada eixo, mas que não se apresentam como os ú?icos possíveis. É relativamente fácil pensar, para os eiXOS,em todo um elenco de aspectos possí veis e post?, e que decorre da preocupação geometrlzante e da. não dlstlnçao entre um simples Instrumento de operaçáo. a geometria. e a operação efetiva em s1 mesma) não é por certo fenômeno da atualldade. Pelo contrário. ela tem sólldas raizes históricas, precursores .serisslmos. Sua árvore genealóglca remonta sem dúvida à Antiguidade, mas o momento cruclal para a história da arquitetura ocidental moderna e contemporânea, sob esse aspecto, é o Rena:sclmento com sua mania pela perspectiva. É o estudo da matematica e a redescoberta da geometria (depois de bem mais de um mllênlo de real "treva clentifiC1lo")que leva ao perspectlvlsm,? desenfreado do século XVI (e mesmo XVII e XVIII) ou é a sublta descoberta do elemento prof undamente lúdlco (para uma época soterrada sob o bldlmenslonallsmo da pintura) da perspectiva que promove um estudo f urioso da geometria? Não Interessa aqui essa discussão. mesmo porque seguramente se trata de ambas as coisas ao mesmo tempo. Seja como for, a perspecto-manla, a vontade e a necessidade de cavar uma outra dimensão na pintura. e sobretudo no teatro. e de tornar essa dimensão realmente vlsivel na arquitetura será de qualquer modo a responsável pela geometrlzação do universo renascentlsta marcando especificamente sua arquitetura e, com ela. todas ~s demais dos séculos seguintes. Incluindo, bem entendido. a nossa. Praticar a.t:qultetura passou a ser especificamente praticar geometria; g e o metr a se tornou sinônimo de ar q uit e to e a geometria ecllpsou totalmente todas as outras dlsclpllnas que compõem o corpo da arquitetura, numa Inversão brutal de va.lores. A arquitetura, que era uma a.rte. e apenas uma arte (que se apresentava, em virtude dessa postura por certo Igualmente extrema.. com aspectos a. corrigir) passou a ser dlsclpllna exata, racional - donde os males que nos afligem.
Jrováveis, mas a leitura de todos é tarefa que este es:udo intencionalmente não se coloca. E isto resulta do róprio objetivo d,e iní cio declarado: proceder a uma leitura do discurso arquitetural, o que implica de imeiato uma semiologia da arquitetura - mas ao invés de se seguir o caminho até aqui trilhado por essa semiologia (e que se tem revelado absolutamente inrutífera, mero exercício - muitas vezes inadequado - de lógica, mas não de arquitetura) se propunha organizar o discurso arquitetural num sistema (os eixos) e investigar as referências (os significados, se se quiser - mas, melhor, os interpretantes) livremente, a artir do ponto de vista exigido mais imediatamente ela natureza de cada eixo. F: a esse aspecto, que constitui uma dif iculdade (&e não uma impossibilidade) para todo trabalho que se pretenda exaustivo deve ser acrescentado que se partiu igualmente, para a leitura desses interpretantes, da distinção estabelecida por 15 a,C" Leon Battista Alberti publica seu D e re a e d i fi c a to ria , espécie de seleção comentada dos textos do grande mestre, Foi o começo da "corrida", da nova moda, Em 1486, pouco mais de 40 anos depois da invenção da imprensa, surge a primeira edição dos textos do próprio Vitrúvio, a cargo de Sulpicio de Veroli, e nos anos seguintes (a atestar a fome que se sentia por esses escritos) há pelo menos mais uma edição importante de Vitrúvio a citar, a de 1513,por Fra Giocondo. A partir dai vem uma verdadeira enxurrada de tratados sobre arquitetura, perspectiva e geometria, e essas três coisas se vêem intimamente relacionadas (a Fundação Cini, em Veneza, é um verdadeiro arsenal deles), Os titu10s são os mais variados possíveis, mas a preocupação uma só, Há mesmo coisas extremamente saborosas, num claro indicio da importãncia e interesse do assunto, como o livro de Giulio Troill (por apelido "U Paradosso") publicado em 1672sob o título Paradossi per p raticar e la p ros p et ti v a senz a s a - p e r la ! E no entanto, é obra séria, onde o autor apenas dava modelos, regras já prontas para "perspectivar" sem a necessidade de elaborar-se todo o processo, Mas o que ef etivamente interessa aqui é mencionar uma obra (já importante na época) que !lustra com seu próprio título a situação em que se tinha metido a arquitetura e da qual ela ainda não saiu: trata-se de um llvro de l"erdinando GalllBibiena (particularmente importante cenógrafo da época) publicado em 1711, A a r qu i te tu ra civil elaborada a parti r da g eomet r ia e r edu z ida à p e r sp e ctiva. O título é claro, preciso e eloqüente: nada mais precisa ser dito, Resta esperar que assim como a filosofia foi posta a andar novamente sobre seus pés por um certo sr. Marx, ela que andava plantando bananeira, também a arquitetura deixe brevemente essa posição tão pouco cõmoda em que se mantém, no minimo, desde o século XVI. Já não é sem tempo: só em relação à filosof ia ela já. está. com mais de um século de atraso, 43. A reação ao traçado geométrico não se llmita apenas ao pro jeto urbaní stico. Mesmo no sentido mais tradicional da prática arquitetural (a proposição da "casa") ela é igualmente uma necessidade, uma possibilidade e uma realldade - tanto em relação ao Espaço Interior quanto Exterior, Um pro jeto de Frederick John Kiesler é, sob esse aspecto, exemplar. Kiesler propõe um "arranha céu" abrigando escritórios salões etc e uma série de pe
Peirce 44 entre sentido, significado e significação. Signif icado: aquilo que é inicialmente pretendido com um signo. Sentido: a impressão feita ou que normalmente deve ser feita por esse signo. Significação: o resultado real produzido pelo signo 45. Fica claro agora porque esta análise (e análise alguma) não pode pretender a exaustividade. É possível, eventualmente, analisar de modo exaustivo os signif icados desses eixos, é mesmo viável traçar um quadro geral, e bastante indicativo dos sentidos,' mas será absolutamente impraticável levantar um plano de todas as significações, particularmente num trabalho que se pretende teórico, isto é, geral, abrangente. É viável ainda, por exemplo, analisar perfeitamente os significados, sentidos e significações produzidos por um d ado discurso arquitetural sobre uma determinada população, grupo de indivíduos delimitado ou um indivíduo (um pequeno bairro operário, ou um parque residencial médio-burguês ou um único indivíduo, isolado). A análise geral, no entanto, não pode nem pensar em considerar a proposição de objeto semelhante. O que ela pode, e este foi o objetivo aqui, é exemplif icar as leituras possí veis (para outros trabalhos de ref lexão sobre arquitetura) e possí veis linhas de ação (para a prática de: arquitetura).
salas. que são encerradas numa construção absolutamente nãog!l0metnca e que se assemelha a uma pera deitada, com superficie desigual e irregular; b) todos os corpos do con junto deveriam ser construídos de tal modo que o material da construção e o revestimento deveriam ser praticamente jogados sobre a estrutura e não modelados de forma linear. Este caso não é único: basta pensar nos pro jetos dos expressionistas. A Torre Einstein (Mendelsohn, 1920-1924)em Potsdam é igualmente um exercício em a-geometrismo, tal como sua "Arquitetura das dunas" 1920), um titulo de todo eloqüente: movimento variação. (Ver ilustração n.o I, 2 e 3). ' 44. Ch. S. PEIRCE, C ol le cted Pap e r s of Ch . S. P e irc e , Cambridge, 1962. 45 . Se ntido foi aqui também consí derado sob uma outra perspectiva (da qual resultou o título da obra), a partir de um co~celto mais genérico" mais extenso (e que não conf llta propnamente ~om o de PelrCe) tomado à teoria de Hjelmslev, para quem se n t 'd o designa aquele fa t or comu m existente sob todos os sistemas lIngüístlcos. O s ent id o é aqui o "pensamento mesmo" subjacente a várias f ormas de éxpres~ão, por mais diferentes que s,!" jam, Por exemplo, I do no t k n ow, t e ne s a is p a s e
n'! f : Pro jeto de teatro de Frederick John Kiesler, exemplo de reação ao traçado geométrico. Trata-se de um arranha-céu que se ergue sobre um teatro principal, abrigando uma série de outras pequenas salas com capacIdade entre 120 e 330 lugares. Ao lado do corpo principal, uma estrutura irregular em forma de pêra comporta uma outra sala. Sendo previsto um revestimento em cimento aparente, o arquiteto propõe que o material seja quase livremente jogado sobre as f ormas,
I !ustraçüo
n
I lust ração
I
3: Torre Eios\ J em Postdam (1920-1924). B'I' j é exemplo de recusa elo geoml'~~ / outros, por Gaudí . ' ~ ~ i
Ilust ra ção n9
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~ : jJMm~elsohn,
construída \ ~!~JqU1tetura das dunas", 1'l'1ltticadaigualmente, entre \1 ' /
n9 3: Torre Einstein, de E. Mendelsohn, construí da em Postdam (1920-1924). Baseada na "Arquitetura das dunas", é exemplo de recusa do geometrismo, praticada igualmente, entre outros, por Gaudí .
I lustração
Quando se fala na necessidade que sente o homem ocidental de ocupar um espaço, de não deixar um espaço vazio; ou quando se diz que a verticalidade é percebida como forma de misticismo; mesmo quando se propõe que o espaço pode ser temporalizado ou quando se apresenta o espaço geométrico como o espaço da prisão do espírito (e não só dele), está-se falando numa dimensão específica da arquitetura: a dimensão d o imaginário (e não uma dimensão imaginária). O que se deve entender por imaginário, em arte ou arquitetura? Seguramente não uma forma de alucinação, fantasia ou irrealismo. Num conceito comum e vulgar da palavra, imaginário é sem dúvida tudo isso (além de produto dos sonhos, ficção, etc.), COmum
acresclmo especí fico: banalidade, coisa desprezí vel e mesmo perniciosa. E o mais grave é que esse conceito totalmente inadequado de imaginário acaba deslizando e infiltrando-se mesmo no campo da teoria da arte e da arquitetura (onde adquire condição semelhante à desfrutada pelas sempre presentes e absurdas teorias da "inutilidade" da arte), sendo aqui usado para emascular a prática artística do homem, ceifando aquilo que ela tem talvez de mais importante. De fato, se é verdade que pelo menos em estética o conceito de imaginário começa atualmente a ser, pelo menos em parte, reivindicado (embora confundido e distorcido, de modo extremo até), da arquitetura ele foi (e está) inteiramente afastado - se é que alguma vez foi, nela, devidamente considerado. A perspectiva que prevalece aqui é a de que a arquitetura é urna disciplina que lida com o real e o útil, e nada tem ô ver com o imaginário. Monumental engano, e nem sempre inocente. E que se procurou desfazer aqui através da análise dos sete eixos em torno dos quais se organiza a atividade arquitetural: os componentes desses eixos f oram quase sempre vistos, corno se procurou mostrar mais acima, na qualidade de pertencentes à dimensão do imaginário na arquitetura.
Este conceito de imaginário assim descrito, no entanto, chama atenção para um outro conceito, e uma outra atividade, sem a' qual o imaginário, a obra de arte e mesmo toda atividade não-artística do homem' é inviável: o conceito de ideologia e a prática ideológ~c~. Inviável porque não há significado, sentido e signIficação, na obra de arte ou na vida "comum", sem a presença de ambas essas atividades, simultaneamente. Mas o que se deve entender por ideologia?
Mas, como pode ser então descrito o imaginário de um modo adequado à recuperação que aqui se tenta f a zer desse conceito, libertando-o de uma série de detritos intelectuais de suspeita inspiração? Não como fantasia, alucinação, mas como o universo de um modo de relacionamento da consciência individual com objetos reais ou virtuais. Este conceito, que partiu da noção sartreana de imagem (modo que a consciência tem de se dar um objeto) tem sua especificidade no fato de ser um modo não organizado, não ordenado, não racionalizado de relacionamento entre essa consciência e um objeto qualquer que lhe é interior ou exterior pelo que o imaginário se distingue, por exemplo, do modo de relacionamento científico de uma consciência com esse objeto (modo ordenado, organizado). Esta descrição do imaginário (que pode e deve ser complementada dizendo-se que outra caracterí stica fundamental desse modo de relacionamento é o fato de que ele é f eito a partir de múltiplos pontos de vista utilizados simultaneamente, enquanto o modo de relacionamento cientí f ico deve usar, a cada vez, apenas um
Seria possível utilizar um conceito vulgar e muito empregado, segundo o qual uma ideologia é um sistema ou mero conjunto (conforme seja rí gida ou frouxamente organizado, respectivamente) de valores dos mais ~ariados tipos (polí ticos, religiosos, estéticos, etc.) utilIzados para a explicação de uma realidade. Não se pode dizer que est~ descrição da ideologia se ja equí~oca, mas outras eXIstem que são mais adequadas. particularmente a um trabalho àesta natureza. Pode-se di::er, assim, 9ue a ideologia é uma representação (isto e, um relaclOnament~ consciência-ob jeto) produzida pelos homens a respeito das relações por eles mantidas com suas condições reais de existência. Este conceito está mui~o próxi~o do conceito de imaginário, já que ambos vem descntos como modos de relacionamento entre a ~onsciência e seu objeto. Qual a dif erença? P~r~ mUltas, ~enhuma. Estes (que entendem o imaginar~o_como ~a~ sendo nada mais que alucinação, suposlçao. f ~ntastlca) ~ons~deram simplesmente que a l?~ologla. ~ uma expllcaçao destorcida (por razões pohtlco-soclals, normalmente) da realidade que se opõe
ú?ico p~nto de vista para a análise de seu ob jeto) não so permite (e mes~? torna obrigatória) sua presença em todo est.udo teoflCO sobre arte e arquitetura, recuperando assim toda urna parte vital da experiência estética humana, corno possibilita um entendimento da ?bra de .a~te (entre as quais a arquitetura) em seu Justo pOslclOnamento de t opos real onde esse universo ima~i~ário se constrói através de elementos reais' (a matena), formando com este universo um objeto novo diferente ao mesmo tempo daquele mundo de rela~ cionamentos não organizados e sub jetivos e do mundo "objetivo" que se mostra ou opaco ao olhar da c~nsc~ência ?u que se revela de modo ordenado (mas fno, lmpasslvel) segundo a apreensão cinetí fica.
aos dados "indiscutí veis" f orneGidos pelo entendimento "cientí fico". Quando assim f ormulam sua posição, estão querendo que se aceite a idéia de que a realidade humana é constituída por uma única verdade natural que tem de ser descoberta e com a qual não se pode discutir. Por exemplo, seria da ordem "natural" das coisas o fato de existir uma entidade supra-humana a que se denomina "deus", tal como se deveria atribuir a existência, por exemplo, de uma rígida distinção entre as classes sociais a essa mesma ordem "natural" - contra a qual nada se poderia. Ora, não cabe aqui mostrar que não existe nenhuma explicação única da realidade (humana ou material) que seria "natural" (isto é, irretorquível) e que geraria o conhecimento de tipo "cientí fi co": vários trabalhos de valor indiscutível já o demonstraram. As teorias de Einstein, por exemplo, comprovaram que não existe uma verdade única e imutável, mas que toda noção tem um valor variável e relativo. Duzentos e cinqüenta anos antes de Einstein, Newton formulou uma teoria da mecânica celeste que f oi contrariada pela teoria da relatividade geral proposta pelo irrequieto e pouco convencional cientista moderno. Isto significa que a teoria de Newton é, portanto, f alsa ou equívoca? Como af i rmá-Ia, se continua a s e r utilizada pelos astrônomos e se delas se servem, sob todos os aspectos, os atualí ssimos astronautas? Mas se as idéias de Newton são usadas ainda, neste caso os trabalhos de Einstein é que são enganosos. Proposição igualmente falsa. O f a to é que sob um -determinado ponto de vista a teoria de Newton é inadequada: ela não é adequada quando se trata de analisar ob jetos cuja velocidade se aproxima da velocidade da luz. Isto significa que também no campo da chamada "ciência" tudo está na dependência de um determinado relacionamento, de um modo de posicionamento entre a consciência investigadora e seu objeto. Em outras palavras, tudo depende de um ponto de vista. Tal como no imaginário. Com a dif erença, no entanto, de que a representação que a ideologia fornece aos homens das relações que estes mantêm com suas condições de existência é uma representação de alguma forma organizad a e não é subjetiva, mas, quase necessariamente, transubjetiva, isto é , partilhada por um grupo ou grupos.
Ao lado dessa primeira concepção de ideologia aqui combatida ( a d e que a ideologia difere do conhecimento científ ico por ser uma explicação alu::inada, falsa, antinatural) existe uma outra que também deve ser posta de lado: aquela segundo a qual a ideologia é uma argumentação que, enquanto escolhe uma das possíveis seleções circunstanciais de explicações possí veis, oculta o fato de que existem outras premissas contraditórias ou complementares que levam a uma conclusão diferente ou mesmo contraditória daquela por ela sugerida. Assim, se alguém af irmar que a teoria de Newton explic a a mecânica celeste segundo tais e tais princípios, sem revelar que existe outras teorias (como a de Einstein) que sob determinados pontos de vista permitem conclusões contraditórias às de Newton, esse alguém estará utilizando uma argumentação ideológica e não científica. Esta concepção também deve ser corrigida: não é pelo fato de expor sua parcialidade (isto é, de mostrar que existem premissas contraditórias àquelas que se escolheu) que um discurso qualquer deixará de ser ideológico. Ele continua a ser ideológico na medida em que é uma representação da realidade, e uma representação das re· lações entre os homens e essa realidade, que f o i escolhida pelos homens, por uma série de razões, como sendo a mais ad equada e conveniente. Eu afirmo tal coisa, não escondo que existem posições contrárias mas defendo a validade de minha posição: estou executando uma atividade ideológica. Se a esta altura f o r perguntado como pode ser situado o conhecimento científico em relação ao conhecimento ideológico, e em que um se distingue do outro, é possí vel responder que os pontos comuns a ambos são muitos, que não existe oposição absoluta entre um e outro e que o conhecimento chamado científico é mesmo uma espécie do conhecimento ideológico, não podendo ser entendido de outra forma. Com efeito, basta lembrar que ciência só existe enquanto pode ser negada: a única coisa que não pode ser negada é o dogma, e o dogma não é assunto de ciência nem conduz ao conhecimento científico. A grande dif erença existente entre a ideologia e o conhecimento cientí fico (se é que chega a ser diferença) é que uma ideologia é f e ita também por conhecimentos científicos (neste caso o conhecimento científico é uma parte do
todo que é a ideologia) e, pOl: esta razão, o conhecimento cientí f ico é um corpo de noções rigidamente organizadas em torno de um único ponto de vista, enquanto a ideologia será composta necessariamente por uma apreensão da realidade baseada numa multiplicidade de pontos de vista (o aspecto político, o aspecto religioso, o aspecto estético, etc.) - diferenciandose do imaginário já que o modo de relacionamento consciência / objeto é aqui inteiramente não-organizado, enquanto na ideologia alguma organização há. Além do mais, deve-se entender que a ideologia é uma prática normativa da atividade entre os homens (segundo critérios de justiça, adequação aos objetivos sociais, etc.) que se preocupa com o dever-ser do universo humano, enquanto o chamado conhecimento científico, voltado para o estudo do ser, daquilo que efetivamente é, agora, é um instrumento para essa atuação. Não há, portanto, como separar o imaginário do ideológico - embora não se deva confundir um com o outro. Fez-se aqui esta resumida introdução a uma teoria do imaginário e do ideológico para melhor situar o leitor quanto a alguns aspectos dos eixos propostos e discutidos. E se por alguma razão deu-se a . impressão de que o nível mais presente nas discussões do primeiro capítulo foi o do imaginário (embora a dimensão do ideológico sempre estivesse presente, ainda que de forma menos evidente) procede-se a seguir a uma análise específica da presença da ideologia na arquitetura (isto é, da representação que certos homens se fazem - e tentam impor aos outros - das relações por eles mantidas com a realidade arquitetural, por razões de variado interesse político-social) em três casos particulares. Esta análise deve mostrar como atua a ideologia na arquitetura, de que modo a arquitetura é ideologizada e ideologizante, qual o signifi cado' ideológico de certas proposições arquiteturais - e isto em três aspectos da teoria da arquitetura, e da teoria da linguagem e da significação na arquitetura particularmente, passí veis de verificação em alguns ou mesmo todos os sete eixos propostos. Por certo, tratase aqui de análises exemplificativas que se contentam com serem tais e que não ostentam a mesma ambição e generalidade de que se reveste a primeira parte deste trabalho.
2.
TMS CASOS PARTICULARES DO IDEOLÓGICO NA ARQUITETURA
A partir da segunda metade do século XIX a arquitetura tinha uma nova palavra de ordem: funcionalismo. Que acabou se tornando uma panacéia e uma etiqueta . em nome da qual se procura desculpar verdadeiros crimes contra a arquitetura - 'se não fossem, antes, contra o homem. A f órmula mágica F or ma , E strutura e Funç ão, tal como é proposta por Nervi, surgia para resolver os problemas da arquitetura, definindo-a e atribuindo-lhe um domínio específico para, ao final, justificá-Ia. As razões para esta nova concepção pareciam múltiplas aos olhos dos teóricos do século XIX: a torre proposta
por Eiffel em 1889, por exemplo' (como todas as pontes de f erro; mas ela f o i o signo mais em evidência) levantava a questão referente à forma que se deveria dar às novas construções feitas com um novo material, o ferro - e o f erro aparente. A teoria da ar t impliqué (arte implícita) estava sendo f ormulada: cada tipo de material traz em si (ou exige) uma nova forma que está implícita nele (entenda-se: e que não foi usada antes). O ferro, e depois o concreto, tornaram-se elementos da vida comum da arquitetura: que fazer com eles, continuar a revesti-los com as f ormas do Clássico, do Gótico, continuar a propor sopas de restos arquitetõnicos, delírios artí stico-sociais a que se batizava pomposamente de Ecletismo, como a Opéra de Garnier em Paris? Continuar a propor "neos"? Mas neo-o-quê, a essa altura? Já havia um neoclássico, e um neogótico: propor o que agora, o neobizantino, o neof araõnico, ou neo-neo-gótico (como é, de certa f orma, o art noveau)? Evidentemente, há um limite para tudo, mesmo para a desrazão e o péssimo gosto. Propõe-se então que cada novo material deve ter uma nova forma, ditada pela f unção que exerce, não mais sendo, portanto, gratuita. Vai-se tentar unir, então, f orma e f unção (a esses dois termos pode ser reduzida a equação de Nervi, sem prejuí zos) e passar a propor pro jetos f uncionais. Mas quando se insiste muito sobre a necessidade de união entre dois elementos e na apresentação de soluções onde essa ligação é conseguida, é porque talvez esses elementos se jam irreconciliáveis, e a ligação, neste ou naquele caso, inexistente. As primeiras formas "f uncionais" na verdade não o são, mas foram tomadas como tal na época e até ho je continuam a sê-lo. São enormes mentiras funcionais. A própria Torre Eiffel, por exemplo. Os quatro enormes, volumosos e maciços arcos que se vêem entre seus quatro pilares funcionam psicologicamente para o espectador como os sustentáculos de toda aquela enorme massa de ferro, que parece repousar em suas "costas". Nada mais falso, porém. Não têm nenhuma f unção de sustentação, que fica inteiramente a cargo dos próprios pilares. Mas f oram postos lá para dar essa impressão: por quê? Por que f icava "mais estético"? Para assegurar o público quanto à f irmeza da obra? Impossibilidade de romper com a tradição hstórica do arco? Talvez as três coisas ao mesmo tempo. O que interessa é que não são funcionais ,
.1ão cumprem função alguma, são gratuitos. Onde está o funcionalismo? E a Torre Eiffel não é um caso hola· do, pelo contrário: é uma amostra, a ponta do iceberg. O que interessa então indagar é: o que está por trás do conceito de funcionalismo? Que sign jfica f unção e o que significa f or ma? Qual a ideologia que está por trás desses conceitos? Qual a possibilidade efetiva de unir um e outro desses elementos? Um excelente princípio de resposta é f ornecido por Baudrillard 1. Forma e f unção seriam dois valores antitéticos e irreconciliáveis porque ref lexos e portadores de duas ideologias em conf lito absoluto: a aristocrata e a burguesa. Para a determinação do campo desses conceitos remonta-se à Grécia: sua aristocracia f az do não-trabalho pessoal uma norma absoluta de vida. O trabalho (particularmente o trabalho manual, porém todo trabalho) degrada, e a ele só se entregam as pessoas de extração inferior, os escravos, os prisioneiros de guerra; ao aristocrata é reservada a operação intelectual: a supervisão, a administração (mesmo na arte o pintor, trabalhador manual, é um degradado em relação ao poeta, ao rapsodo). Sua existência é a da ausência de esforços, de excessos, a existência da ostentação, do inútil. Isto é, da forma - da forma pura que se propõe não para cumprir uma necessidade, um trabalho qualquer mas como oferecimento gratuito, como ocasião de deleite livre, despreocupado. Para o burguês, que não pode contar com o recurso do parentesco com os deuses ou do sangue azul, a única maneira de ascensão (pelo menos de alguma ascensão) está no dinheiro, que ele só obtém num primeiro momento com o esf orço próprio e, apenas a seguir, com o trabalho dos outros. Mas mesmo enriquecendo e eventualmente sendo admitido no mundo nobre, o burguês continua marcado por um pecado original: a impossibilidade de apreciar algo a não ser por aquilo que esse algo produz, por aquilo que ele vale como instrumento para algo mais - por sua função, enf im. "A arte é muito bonita, muito bem, mas sozinha não interessa. O que pode fazer, como pode ser útil? Decorando uma taça? Ah, ótimo, neste caso sim, pois a taça é realmente útil." Colocação simplista? É possível. Mas a ideologia 1. J. BEAUDRILLARD, Perspectiva, 1973.
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sist em a
d os obj et os .
São
Paulo.
burguesa, nessa época particularmente, é relativamente simplista. Assim, é possível montar uma equação onde à aristocracia corresponde a forma e à burguesia, a função. Mas aristocracia e burguesia são duas coisas irreconciliáveis ou, de qualquer modo, inf usíveis. Na Europa, a burguesia terá de esperar desde a a ntiguidade grega até a segunda metade do século XVIII para ter sua revanche; e nesse tempo todo, nada mais houve entre as duas classes do que conf lito constante entremeado de ocasionais alianças (contra outras classes, contra o perigo externo). Mas f usão, não. E, correspondentemente, impossibilidade de união entre forma e f unção. De tal modo que seria impossível a existência de um pro jeto que proclame a união perfeita entre uma e outra coisa: a predominância de uma delas será sempre uma constante. Não é argumento afirmar que essa união, no entanto, pode ser conseguida e só é conseguida pelos grandes nomes, pelos mestres, enquanto que para os demais, os arquitetos "de serviço", o fracasso é a herança inevitável. De acordo com a argumentação, essa imbricação seria pura e simplesmente impossível, e neste caso aquilo que estamos habituados a chamar de "perfeita união entre forma e f unção" nas grandes obras será simples ilusão: quando estas são citadas, estamos dando como exemplo algo que não existe. Será correta essa colocação? Se realmente o equilíbrio não é possível, de que lado pende a balança? Seria . possí vel pensar que a própria denominação da teoria já nos daria uma pista: pende para o lado da função. Realmente, parece que ninguém se deteve para indagar porque uma teoria que pretende unir f orma e f unção se apresenta sob o rótulo exclusivo de f uncionalismo. Deveria chamar-se simplesmente "Teoria da Forma-Função". Mas não: todos a reconhecem sob seu nome de registro "funcionalismo", embora def inindo-a especif icamente como uma prática arquitetural que procura estabelecer uma relação biunívoca entre uma f unção qualquer e uma forma qualquer. Mas por que chamá-Ia de f uncionalismo? Por que não se escolheu formalismo? Não será necessária uma psicanálise de seus formuladores e praticantes para descobrir o motivo oculto, o f antasma impulsionador, o desejo inconf essável? Não, porque o aparente grande mistério torna-se bem claro
quando se verifica que não é a função que predomina nos projetos mas justamente a forma. Isto é bem visível: basta pensar, por exemplo, nos edifícios de vidro a revelar uma forma perfeita, cuidada, mas que, quando instalados nos trópicos, demonstram-se de todo inadequados frente ao calor reinante (sem falar no problema dos incêndios) . A denominação de funcionalismo assim teria sido feita apenas para mascarar as forças às quais se sucumbe, as do formalismo. O mistério realmente não é tão misterioso assim. Vejamos de início o momento histórico de f ormação dessa teoria: é o período do lançamento dasbases da sociedade industrial moderna, aquilo que Banham 2 chama de segunda era da máquina. Uma realidade com vários aspectos: sociedade industrial, sociedade de massa, capitalismo avançado, organização financeira multitentacular, imperialismo econômico, concentração da produção e da renda, direção do consumo das massas. Todos fenômenos que por certo só vão atingir o auge no século XX mas que já estão lá quando se começa a falar em funcionalismo. E com eles alguns outros aspectos que precisam ser apontados: racionalização da produção, produção em série, giro rápido do capital com um mí nimo de custo e um máximo de rendimento, etc. É nesse momento que se começa a falar em funcionalismo. Inicia-se falando por exemplo a respeito de certas máquinas com formas "inúteis", que não influem na produção, não rendem: máquinas com cilindros exteriores sob a forma de colunas gregas, tornos industriais com decoração barroca, etc. Em nome do bom gosto, da pureza de formas, da forma "moderna", eliminam-se as colunas e a linha curva, substituindo-as pelas formas retas. A seguir fala-se na funcionalidade do produto, isto é, da funcionalidade para o consumidor: as maçanetas com tais e tais formas são mais funcionais (adaptam-se melhor à mão) e ao mesmo tempo mais bonitas. Um prédio de apartamentos com sacadas sem grades de ferro trabalhadas (ou mesmo sem sacadas) é mais funcional, porque a manutenção é mais barata, e ao mesmo tempo mais bonito: suas formas enquadram-se no gosto. É nisso que se pretende fazer o consumidor acreditar. O problema no entanto é que todo esse funcionalismo, que se diz voltado para as necessidades do con-
sumidor, é na verdade um funcionalismo pensado par a o um funcionalismo que sé encaixa naquela polí tica de rendimento máximo do capital. A linha reta e simples é adotada porque é mais barata de produzir, as grades de ferro são retiradas (e depois a sacada) porque se barateia o custo e aumentam os lucros; os elementos de construção tomam-se "mais leves, mais "funcionais" pela mesma razão e assim até o infinito. Não pode haver a menor sombra de dúvidas de que o funcionalismo é voltado para o produtor, dando-se a forma para o consumidor como legí tima e verdadeira isca. É extremamente significativo que um arquiteto e professor de arquitetura como Boudon, ao elencar o tipo de função que se relaciona com uma forma qualquer, tenha dito que a f unção será "construtiva, econômica, de programa ou outra" 3. Trata-se inquestionavelmente de um lapso. Ele não precisava exemplificar (confessar) quais funções se propõe o funcionalismo (de resto, não dá nenhum exemplo referente às possíveis formas) mas o f a z e só cita funções d e produção: nada no gênero função habitar, função lazer, função trabalho, etc.4• Para o consumidor, só a forma. Digamos então que a teoria pende mesmo para o lado do funcionalismo - mas funcionalismo do e para o produtor. Ou melho, a teoria deveria chamar-se "Teoria do funcionalismo para o produtor e do formalismo para o consumidor" - que é a única coisa realmente que ele consome. E que nem vale o preço que se paga: formas exteriores de péssimo gosto (resultante da inexistente formação artística de arquitetos e designer s), manipulação claudicante da forma espacial (pelo desconhecimento das necessidades do corpo humano), de tudo isso resultando um universo sufocante (pelo desconhecimento do abc da Sociologia, Psicologia, Antropologia: são os arquitetos antibecedários 5). Isto quando o arquiteto, embora "desconf ie" de tudo isso, mesmo assim se dobra ao funcionalismo do produtor.
produt or,
3.
BOUDON, op. cit . , p. 30.
4. Não é argumento declarar que diminuindo os custos de produção se diminuem os custos para o comprador. pois é quotidiana a constatação de que uma coisa nada tem a ver com a outra. A tendência é uma s6: reduzir o custo e aumentar (ou p 10 menos manter) o preço para o comprador. Não há, pois, nonhuma. real função econômica pa ra o co n s u m idor . 5. Num certo sentido, Isto poderia ser até elogio: aqueles '111! recusam o abc, a cartllha comum e primária., pelo tratado. M~t1 nll.o: trata-se realmente daqueles que nunca chegaram nem 11I"tIIHO
a manipular o abc.
Seja como for, o que se constata é efetivamente a impossibilidade prática atual de unir realmente f orma e f unção - pelo menos a partir de um ponto de vista unitário e específ ico, que deveria ser o obrigatório, o do consumidor. Não se pode considerar como união aquilo que resulta de um elemento bicomposto que volta cada uma de suas partes para um ponto de fuga dif erente. A conexão é impossível, efetivamente, embora não pelas razões talvez demasiado "ideologizantes" de Baudrillard - e embora de qualquer forma a prática da função aqui apontada se ja, como ele coloca, uma prática do rendimento, da produtividade econômica. Mas há uma outra ressalva a ser feita a respeito de sua tese: para Baudrillard, forma e função s ã o eternamente irreconciliáveis porque o são igualmente as duas classes sociais correspondentes. Baudrillard não diz portanto qual a solução do problema - embora se pudesse esperar que ele o fizesse, pois para o conf lito aristocracia X burguesia existe uma solução. De acordo com a própria ideologia de que parte Baudrillard, o conflito aristocracia X burguesia se transforma historicamente em oposição aristocracia/burguesia X proletariado, e depois simplesmente em burguesia X proletariado, o qual deveria ser surerado com a afirmação do segundo oponente que a seguir deveria igualmente desaparecer para restar apenas uma ausência de conflitos ou, se se pref erir, um estado de concordânCia geral. De acordo com a base implí cita de seu ponto de partida, o:ue deverí amos ter para o problema. da forma X funçCo? Qual é o terceiro elemento que corresponderia, no esquema anterior, ao proletariado? Um formofuncionalismo? Um funcioformalismo, ou qualquer outro - mas· qual? E se a forma está presente de algum modo nesse terceiro elemento (niio pode deixar de estar), que f orma pode produzir o proletariado pois, como f oi visto por Trotsky, o proletariado não tem condições para propor essa forma nova e nem d ever ia ter tempo para fazê-Io pois deveria desaparecer rapidamente como classe? Qual a solução, neste caso? Melhor realmente abandonar sua proposição (retida apenas como mola de outras, como feito aqui) nos termos em que está colocada, para sugerir que se essa união é atualmente impossível, ela pode deixar de sê-Io eventualmente quando as posições do produtor e do consumidor forem a mesma, partirem de um mesmo
ponto para chegar a um objetivQ comum: propor uma arquitetura capaz de of erecer a melhor existência humana possível. O que nos leva ao esclarecimento de uma questão levantada mais acima, referente a uma possível ilusão de união entre forma e f unção, mesmo nas obras dos grandes nomes. E se verifica que nesses casos isolados a comunhão entre ambas é realmente possível, especialmente (e infelizmente, se deveria dizer) quando do projeto de casas particulares: não há, aqui, nenhuma oposição entre produtor e consumidor: aquele que solicita o projeto tem os meios para a construção e reúne em si mesmo produtor e consumidor: neste caso é possível encontrar uma forma exprimindo uma função, uma adaptando-se à outra (o que no entanto recoloca o problema da arquitetura, pelo menos a arquitetura-optimum , como uma prática de classe ... )
mento ou é proposto pelo próprio interessado ou pelo menos por ele discutido ponto por ponto. f: necessário insisitir que para a arquitetura o que deve interessar é o usuário (para não repetir consumidor, termo carregado de conotações negativas), e só a partir dele pode ela ser definida. O mito da forma X função em arquitetura (pois é exatamente nisso que ele se transformou ou que sempre foi) surge assim na verdade como mais um rebento do pensamento tecnocrata que não se sustenta e não se justifica. Não seria mesmo demais propor seu afastamento do campo da arquitetura e substituiçao por noções que a definam melhor; qualquer rápido pasticho das definições históricas da arquitetura é capaz de propor pontos mais sólidos, como espaço / homem, ou mesmo belo / comodidade/ humanidade, etc. etc.
Aliás, essa identidade por um momento parece surgir em outros casos históricos embora amputada de uma parte: ao invés de forma e f unção ótimas para produtor e consumidor ao mesmo tempo, f orma e f unção voltadas ambas para o mesmo ponto, o do produtor. Que se pense na arquitetura barroca, especialmente na arquitetura religiosa barroca. Produto da Contra-Reforma na luta contra o protestantismo, surge quando a Igre ja Católica encomenda especif icamente uma arquitetura com uma forma determinada para uma função específica, ambas destinadas a ela mesma, Igreja: tratava-se de dar formas de encantamento, de sufocação sinestésica calculadas para fazer retomar à sede católica os antigos adeptos desviados pela nova adversária e ao mesmo tempo conquistar novos simpatizantes. E sob o ponto de vista da Igreja, do produtor, a combinação existiu pois deu resultados. Todavia, não é possível aceitar esse exemplo como demonstração de união perfeita de forma e função uma vez que não foram levadas em consideração as necessidades e os desejos reais e profundos do consumidor dessa arquitetura, que se portou diante dela de modo passivo, guiado. Não foi ele que solicitou do arquiteto um lugar deste ou daquele tipo para a prática da religião, e mesmo que se tenha verificado a hipótese de um verdadeiro contrato de adesão (ao contrato já feito ele adere com sua aquiescência) não é possível considerar a arquitetura religiosa barroca um caso de união forma-função. Um contrato de adesão é visceralmente distinto de outro em que cada ele-
Produzir um espaço, particularmente na arquitetura "pública" e em urbaní stica, não é apenas determinar formas, dispor elementos numa representação desse espaço para a seguir executá-Ia numa prática efetiva. Esse é um dos aspectos da produção do espaço, m% está longe de def ini-Ia inteiramente, e para conhecer a extensão desse conceito é necessário indagar de iní cio - coisa que não se costuma f azer na prática da arquitetura _ o que vem a ser efetivamente um sistema d e produção. Essa determinação só pode partir de uma disciplina fundamental para a arquitetura mas que é, no entanto, desprezada - por razões óbvias - na formação do arquiteto: a Economia Polí tica 6. Dentro da estrutura proposta por esta disciplina, um sistema de produção apresenta quatro fases necessárias das quais a primeira, chamada de Produção propriamente dita, é aquela que normalmente o define embora seja apenas parte dele e não possa ser levada em consideração sem as três restantes sob pena de distorcer-se a visão do sistema em sua globalidade. . Produção propr iamente dit a significa apropriar-se dos produtos da natureza e dar-Ihes urna forma adequada às necessidades humanas. E a produção arquitetura I 6. E as noções a.qul propostas devem servir para a constltulçáo de outra disciplina particularmente Importante, uma Economia. Politlca do Espaço.
é a apropriação do espaço e sua. enf ormação adequado às necessidades do homem; os formuladores desses conceitos, em particular Marx, obviamente não tinham em mente a arquitetura quando os propuseram e no entanto nada melhor para uma def inição inteiramente aceitável da prática arquitetura!. A segunda fase do sistema é a d istr ibuição, onde se determina a proporção em que os indivíduos participam dos resultados dessa produção inicial, de acordo com as leis sociais, se jam quais f orem. A troca, terceira f ase, configura uma distribuição ulterior ~aquilo. qu.e. já ~oi distribuí do de acordo com as necessidades mdlVlduals; é a troca que traz aos indivíduos os produtos particulares de que carecem. E a quarta e última ~ ~ consumo: os produtos tornam-se objetos de uso e frUlçao, de apropriação individual; nesta f ase, .os pr~dutos saem fo~a do movimento social (donde a aflrmaçao de que a sociedade de consumo, aquela em que o único valor é justamente esse, é eminentemente anti-social). Para ver como a teoria da produção funciona em arquitetura analisemos uma prática específ ica, a arquitetura teatral (e dentro dela um caso particular) que permita conclusões mais amplas sobre a formulação de uma arquitetura realmente humana. A análise se concentrará assim num tipo de espaço teatral (entenda-se por isso a conf iguração e organização interna do edifício teatral em sua relação Cena-Público, e não apenas do palco) configurado numa série de salas-padrão através dos séculos. É o espaço do Teatro San Samuele de Veneza (século XVII), Drury Lane de Londres (século XVII), Scala de Milão (século XVIII), La Fenice de Veneza (século XVIII), Covent Garden de L ondres (século XIX), Opéra de Paris (século XIX), Madison Square de New York (século XIX) ou mesmo os mais recentes Municipais do Rio e São Paulo. Enfim, trata-se de um tipo de espaço teatral que subsistiu e subsiste ainda em vários lugares e que se mantém com a mesma estrutura (por razões que se tornarão evidentes mais além). Esta estrutura obedece ao seguinte esquema: um palco no f u ndo de uma sala defrontando uma cavea dividida numa seção horizontal (normalmente designada plat éia: filas de cadeiras individuais) e numa seção vertical (de dois a seis "andares") comportando "camarotes", f ilas de cadeiras ou simples . arquibancadas (cabendo aos primeiros os andares mais
baixos e aos outros os demais, nessa ordem) dispostos ao longo da cavea sob f orma de U, ferradura ou sino. O que interessa aqui é: por que essa organização, esse tipo de divisão do espaço reservado ao público e como se verifica aí a teoria da redução do espaço? 7 O tipo de teatro aqui analisado, denominado também teatro à loges (teatro de camarotes) vai surgir quando, com a Renascença, o teatro passa a ser espetáculo senão de massa pelo menos espetáculo público, saindo dos palácios e casas senhoriais - momento em que aparece, como os próprios arquitetos da época declaram expressamente em suas obras, a necessidade de dispor a sala de tal modo que as "pessoas de classe elevada não se vejam obrigadas a se misturar com os de baixa extração social". Para aqueles que podem pagar reservam-se camarotes (lugares mais í ntimos, com poltronas); para outros, cadeiras comuns em boa posição (platéia), ou lugares menos convenientes (nos andares inferiores) ou de todo inconvenientes (hoje denominados "galerias" ou "anfiteatros") colocados na parte mais alta da sala, junto ao teto, e onde· nem a visão, nem a audição podem ser exercidas plenamente. Esta é a razão histórica, especí fica e declarada do nascimento do tipo de teatro em análise. Como fica, nele, a teoria da produção do espaço? Em princí pio, parece não existir nesse tipo d'~ teatro, no Scala, no Madison Square, no Municipal, uma produção do .espaço. Por quê? Porque aí não parecem existir pelo menos duas das fases de um processo de produção, a troca e o consumo. Vejamos: temos um produto já acabado, o espetáculo teatral, e tem-se um problema de produção (intimamente associado ao anterior) que consiste em organizar o espaço de modo a que o primeiro produto chegue ao consumidor, ao especta7. Esse modo de organização do espaço teatral não fOI por certo o único na história dO teatro. Antes dele existiram pelo menos três grandes tipos, em resumo: a) O teatro de tipo grego clássico, onde os espectadores se dispunham numa arquibancada em f orma de semicí rculo, composta por fileiras de assentos unidos e sem diferenciação; b) o teatro de tipo "informal" da Idade Média, onde não há edifício teatral propriamente dito (servindo, para a ação, uma igreja, um átrio, uma praça públlca) e onde os espectadores se misturam livremente à ação dos atores (no máxímo, e eventualmente, um ou outro palanque servia para abrí g·ar nobres e "autoridades"); c) o teatro privado e senhorial da Renascença, onde numa sala sem divisões colocavam-se atores e espectadores, sem palco, e na qual os espectadores se espalhavam llvremente, sentando-se em cadeiras esparsas ou f lcando em pé. Esta descrição e esta tlpologla foram enormemente slmpllf lcadas, por certo, mas são o suf iciente para o que interessa aquI.
dor, que deverá fruir não só um espaço físico (organizado pelo teatro) como o produto-espetáculo. Pode-se dizer assim que nesse tipo de teatro há uma produção (o espetáculo está lá, um espaço foi organizado, apropriado) e pode-se eventualmente afirmar que há até mesmo uma distribuição: a determinação da ptoporção da participação de cada um nos resultados da produção (de acordo com a posição de cada um: camarote, poltrona, galeria, etc.). Mas não haveria troca, nem consumo: que significado têm essas duas operações para quem fica sentado lá em cima no último andar, ~sprimido contra o teto, e que não pode sentar se qUIser ver pelo menos parte da ação, já que ver o palco todo é realmente impossível? Ou, se consegue ver a ação, não po.de distinguir o jogo facial dos atores, ou mesmo gestos 111teiros? Éóbvio que para estes não há nem consumo do espaço teatral (pois f icam separados num canto à parte) e muito menos consumo da produção teatral: não se , apropriam daquilo que se desenrola no palco, não podem usufruir, não podem gozar de um gesto, de uma fala, de um rápido piscar de olhos dirigidos à plat éi a (no sentido específico do termo: ao lugar plano, na horizontal, diante dos atores), de um contato mais í ntimo com os atores. E se isto não é possível para esses, se não podem consumir mais longamente um ou outro aspecto da produção que desejariam, não há essa poss~bilida~e de distribuição ulterior (a troca) nem a mampulaçao específica pelo indivíduo (o consumo). A rigor, essas pessoas nem ao menos participam, ainda que remotamente, da produção teatral de que fruem os esp..:ctaclores da platéia e dos camarotes. Vislumbram apenas alguma coisa de vago, de indistintCl, de longínquo. Participam de uma outra experiência: uma pseudo-expcriéncia de teatro, uma antiexperiência teatral. Há nesse tipo de teatro a produção de um espaço compatível com um determinado objetivo, a produção e o consumo de um espetáculo teatral? Não, apenas uma falsa produção. Mas não se po~e falar numa pura e simples inexistência de um processo de produção, pois o que se poderia ob jetar a esta tese é o seguinte: se se levar em consideração apenas os privilegiados, as pessoas da platéia e dos camarotes, existe aí um sistema e um processo de produção perfeito e acabado: há uma produção e uma organização espacial tal que se determina a proporção da participação de cada um, COmuma distri-
buição ulterior segundo as necessidades individuais e uma apropriação desses produtos, pelo menos para aquelas pessoas consideradas 8. Na realidade, em princípio não é possível deixar de çoncordar com esta argumentação. O conceito de distribuição não implica de fato em que os indivíduos participem da produção de acordo com as leis sociais? Ora, se estas estabelecem uma gradação (ou degradação, na verdade) na posição econômica de cada um na sociedade, esse tipo de produção espacial do teatro não faz mais do que reproduzi-Ia e atender, com isso, aos imperativos dessa lei. E neste caso, o máximo que se pode dizer é que essa prática arquitetural é nitidamente uma prática ideológica (uma prática defensora de certos valores ligados a determinadas classes) a surgir de modo nítido quando é analisada sob os ângulos dessa teoria da produção do espaço. Outra seria essa prática arquitetura I e a ideológica por ela revestida se se tratasse de um teatro organizado, por exemplo, como o teatro grego clássico (como, em parte, o Teatro Olímpico de Vicenza, por Palladio, século XVI - trata-se de teatro coberto, donde a diferença com o modelo antigo) onde todos os espectadores têm a mesma possibilidade de se apropriar como bem entenderem daquilo' que é produzido em cena 9. Ou num teatro do tipo arena. Ressalte-se: não é que nestes dois tipos a prática arquitetural seja não-ideológica, isto não existe: trata-se apenas (mas não é nada "apenas") de uma produção de espaço (,llde se atende às necessi'dades de todos que nele penetram. N este caso, a produção do espaço é uma autêntica produção, uma produção completa, que se verifica em todas suas fases. Daí poder-se afirmar que embora haja produção do espaço naqueles teatros não só essa produção espacial é de um tipo ideológico bem definido como na verdade não chega a ser uma verdadeira produção arquitetural: claudica, não perfaz um todo orgânico e coerente, mesmo se se leva em conta que desde a fase do projeto ela pretendesse realmente, de modo intencional, não atender 8. Do mesmo modo, na Renascença os cenários em pe,rspectlva eram pintados ou construidos no palco de tal maneira que apenas de um lugar específico da platéia, aquele reservado para o príncipe, se tinha uma visão perfeita da cena perspétlca, que se deformava se o observador se colocasse em qualquer outro ponto da sala. A produção teatral, nesse caso, tinha um e apenas um consumidor. 9. Com a ressalva do "privilégio perspétlco" posto em prática justamente na fase áurea desse teatro, privilégio no ent1l,nto resultant\, não da produção do espaço teatral em si mas do modo de produção do cenário.
todas as necessidades de todos' os espectadores. Como produção espacial estruturada ela permanece um fracasso mesmo assim: há nela espaços mortos, excrecências, buracos sem nenhuma ligação com a prática espacial do lugar e com o produto teatral (como os "anf iteatros" e "galerias") e que são propostos apenas como isca, como demonstração de uma "boa consciência" ("até o sem recursos pode assistir, pagando pouco") que não engana ninguém. Muito mais completa do que ela é a produção espacial dos "teatros" nobres do século XV, pois neles só se admite um tipo de pessoa, o "nobre", e desse modo a participação é a mesma para todos, não havendo "vazios" na produção (a ideologia é aqui mais coerente com a produção real do espaço: desde o início se trata de excluir certas pessoas da produção e elas nem são admitidas na sala). Os problemas aqui, no entanto, além da exclusão social que se faz da maior parte dos possí veis espectadores, é que a imensa maioria desses "teatros" não pode na verdade aparecer sob a rubrica de pr odução arquit et ônica teat r al ou produção do es paço t eatral já que não passam de salas comuns de palácios e casas senhoriais mais ou menos adaptadas para a função teatr o - e não se pode considerar a adapt ação como um caso de produção arquitetural rigorosamente considerada: o pro jeto, por mais maleável que seja, deve ser especí f ico. Desta discussão resulta claro um ponto que é, de resto, evidente: as possibilidades de 'uma produção arquitetural estão na dependência direta da ideologia global que orienta o grupo social em que essa prática se insere. Neste caso, a ideologia desse grupo pode-se refletir na prática arquitetural determinando a manipulação dos espaços. É, aliás, o elo bem claro no conceito de dist ribuição, onde já s e afirma que a p articipação dos indiví duos no produto inicial é feita de acordo com as leis sociais. E se ja qual for o regime político, se ja seja qual f or a ideologia da sociedade essas leis existirão. Isso não signif ica, no entanto - nem remotamente que t od a prática arquitetural deva ser necessariamente um reflexo da ideologia social em vigor, que ela tenha de se conf ormar com esses valores do grupo. Em graus maiores o u menOres ela pode af astar-se bastante da ideologia da sociedade em que se encontra e pode mesmo contrariá-Ia aberta e absolutamente. É sob este aspecto que a análise de uma prática arquitetural a
partir do ângulo de uma teoria básica da produção do espaço (na verdade, um dos pontos dessa teoria) tal como foi aqui exposta, é particularmente útil: se toda produção do espaço f osse mero reflexo da ideologia soc.ialnão haveria necessidade de nenhuma teoria (ideo!ogla) ?a produção do espaço, bastaria ver qual é essa Ideologia para ver automaticamente a ideologia correspondente dessa arquitetura 10. Como não é e sse o caso, esta análise permite verificar não só qual a ideologia de uma prática arquitetural como verificar seu grau de plenitude, de realização (i.e., verificar se se ~rata d~ uma produção que, mesmo a partir de sua Ideologia, se completa, perfaz um todo orgânico ou não em termos estritamente arquiteturais: organização d~ espaço e seu uso pelo homem. . Esta teoria da produção pode ser aplicada na anál~se d~ ,qu~lquer fato. da prática arquitetural e urbanístIC~"~ Ob~lO.:no pro jeto de uma praça pública, de um edIf IclOPUb~IcOe mesmo na análise do projeto de toda uma co~umdade (quando ela se desenvolve a partir de um proJet~) ou de uma situação urbana (quando esse desenvolVImento se processa de modo mais ou menos o~gâ?ico). A verif icação da tr oca possí vel nos lugares publIcos (pra~as, ~entros comerciais e de diversões, etc.) 1 . ,: . , a determmaçao do grau de acesso efetivo e de f ruiçao desses lugares (c()nsumo) determina f acilmente o g~a~ de perfeição d? produção espacial em questão sua 10gIcae sua ideologia. Surgiriam muitas meras confi~mações e mesmo muitas surpresas - como uma análise de Brasí lia, por exemplo. 2.3.
Semanti zação e d essemanti zação d o espaço
Como u m espaço ganha ou perde significados sentidos e significações? Como muda seu conteúdo? H á espaços não-significantes? . 10. Allás, aquilo que se denomina sob o conceito de ideologia so adquire realmente uma plena materialldade ao intervir no espaço social, ist.<>é, ao intervir no espaço existente ou ao criar um espaço especlf lco. É possiveI mesmo indagar se a questão ideológica náo se resume af lnal na questão da manipulação e ocupação do esp~ço - e uma breve análiEe da história dos grupos sociais revelarIa que se os conflltos ideológicos não se resumem apenas no confllto pelo espaço (exclusão de pessoas de um dado espaço segregação num determinado espaço, reservar certos espaços par~ tais e tais classes, afastá-Ias ou reuni-Ias conforme o caso privar de espaços, etc.) ela é, no f undo, essenc1aImente isso. '
De início, um espaço é semantizado, recebe referências através e a partir do corpo humano. f:, inquestionavelmente, a partir do corpo que se vive um espaço, que se produz um espaço - isto é, que um espaço recebe uma carga semântica qualquer. Esta é a operação mínima, necessária e i ndispensável para a investidura de um léxico sobre um tecido espacial. A primeira atribuição semântica a um espaço se faz assim a partir de uma prát ica do espaço. Mas em conseqüência do que já foi dito sobre os modos de signif icação do espaço é necessário bipartir o conceito de prática do espaço em dois ramos bem precisos e delimitados que no entanto freqüentem ente (senão sempre) se apresentam indissoluvelmente ligados na quotidianeidade: uma prática física do espaço e uma prática imaginária. Todo texto sobre o espaço ou sobre arquitetura se detém na análise (quando chegam a f azê-Ia) dessa prática física, muito embora quase nunca igualmente se preocupem com determinar essa prática a partir da unidade mínima imprescindível que é o corpo humano Il.Isso não basta, contudo, pois se o espaço mantém um relacionamento direto com o corpo do indivíduo adquirindo em conseqüência uma significação precisa, ele alimenta igualmente uma relação não menos direta com o imaginário desse indivíduo, através do qual esse espaço se semantiza de modo freqüentem ente de todo diverso do que ocorre no primeiro caso, e de modo nem sempre definido, distinto (já que neste caso a semantização se opera particularmente ao ní v el do subconsciente ou mesmo do inconsciente) porém não menos certo e determinável. Como no exemplo de Bachelard, um "porão" se relacionará de modo imediato com o corpo do indiví duo num nível que se pode dizer utilitarista ou funcionalista (a pessoa o perceberá como "frio", "escuro", "prático" ou mesmo "seguro") e ao mesmo tempo assumirá para esse indivíduo uma carga semântica que releva do imaginário (a sensação, nem sempre clara, de um "mundo fantástico" ou mesmo de um mundus immundus). Saindl) da poética
de Bachelard, seria possível simplesmente lembrar a carga afetiva "simples" inerente a toda convivência com um espaço - uma carga inerente a toda vivência. São os dois modos iniciais de semantização do espaço, e por certo dependem de uma ideologia e/ou produzem uma ideologia: sua significação dependerá das relações sociais nele examinadas 12 (das quais se pode secretar uma ideologia), de um lado e, do outro, da produção do indivíduo elaborada por ele isoladamente e a partir de sua relação com os demais. Obviamente essa semantização - e suas relações com essa ideologia só pode ser isolada através da análise especí f ica de cada momento histórico. A partir desta primeira semantização do espaço pode ele experimentar mudanças ou acréscimos semânticos - e às vezes se colocam camadas sobre camadas de signif icados sobre a carga inicial. Se as simples modif icações semânticas são f áceis de detectar e analisar quando se opera a partir da prática f ísica do espaço (quando por exemplo se transf orma um centenário moinho industrial em centro coletivo de lazer), as transformações ao nível da prática do imaginário e as sobressignificações atribuídas e a um espaço (a proposição de espaços sobressignif icantes) são de detecção e compreensão (portanto revelação) mais trabalhosa, particularmente para o usuário-tipo do espaço. E os espaços sobressignificantes, que interessam aqui de modo particular, normalmente se revestem de um cunho especialmente ideológico ao adCl~lrirem essas dotações semânticas extras através de um d iscurso sobre o espaço. f: o que se pode verificar, por exemplo, na simples leitura das publicidades das companhias construtoras e corretoras de imóveis, topos privilegiados desses espaços sobressignificantes. Um apartamento (e com ele o edifício) não se esgota na semântica de um tradicional "morar" "abrigar", nem mesmo num "habitar com conforto" ~ que já seria uma signif icação segunda. Os espaços que ali se têm, ou melhor, as conotações sucessivamente empilhadas sobre a denotação inicial, tal como se empilham miseravelmente as "caixas de morar" umas sobre as outras, variam conforme a fantasia do redator e a condição do imóvel - mas se encaixam todas na mes-
Il. Renri Lefebvre, no entanto (que não é um arqult, t.o) tem noção dessa.lmperlosidade, embora não se detenha em sua' nálise. Ver PToduc t~ o n l 'es pac e, op . c i to
12. Um espaço não s6 pode como deve ser analisado a partir das relações sociais que nele se desenvolvem, assim como estas podem ser apreendidas através de suas projeções sobre o espaço.
Em princlplO é possível encarar a questão da semantização / dessemantização do espaço sob dois ângulos distintos e f undamentais: o discur so sobre o espaço e a pr á tica do espaço.
ma ideologia do consumo e do. supérfluo com que se fascinam as massas. Assim, sobre um espaço do morar tem-se um espaço do "todo conforto", do "moderno" (ou do "clássico" - enf im, um espaço do "estilo"), do "luxo" e assim sucessivamente até os espaços mais "atmosf éricos" como o da "felicidade", do "poder", etc. tudo claramente exposto e corroborado por descrições minuciosas da organização do espaço, da localização, dos materiais empregados e da parafernália de gadgets que se tornaram aparentemente imprescindíveis à vida modema -- e que num edif íc io francês recentemente inaugurado num hameau exclusivo do exclusivíssimo 16 eme. ar ro ndissement parisiense vai desde um mecanismo que trava e destrava automaticamente as entradas do apartamento até um sofisticado sistema de iluminação do parque do prédio, que acende suas luzes com uma ~ntensidade gradativa correspondente à diminuição da luz na·· tural de tal forma que não se sente o cair da noite nem se é "chocado" com a "brutal" irrupção instantânea da luz elétrica! 13 Os exemplos dessa operação de suprassemantização do espaço (ou de conotatividade sucessiva) não são poucos e não se restringem às "casas" particulares: estendem-se às ruas (Fif th Ave., New York; Via Veneto, Roma; Rue du Faubourg Saint-Honoré, Paris), às praças, a cidades inteiras e ilhas e países (visando especialmente o turismo: Saint Tropez, Majorca, os "trópicos" - assim indeterminado é ainda mais significativo - ou o "Oriente"). Éóbvio, por outro lado, que a suprassemantização de um espaço iniciada por um discurso sobre esse espaço pode ser eventualmente acompanhada por um comportamento prático no mesmo sentido. Épossível inclusive que todo o processo se inicie originalmente ao nível da prática de um espaço, por exemplo, quando determinada classe social passa a abandonar certos bairros e instalar-se num outro, que é a seguir suprassemantizado por um discurso sobre ele. Seja como for, a operação que efetivamente ancora essas duas semantizações e a põem em f uncionamento ef etivo parece ser sempre a realizada por um discurso sobre o espaço. E assim como um espaço é semantizado e supersemantizado, pode ser dessemantizado. Na prática efetiva do espaço ou no discurso sobre ele? Tal como no caso
anterior, o processo de dessemantização pode-se verificar tanto ao nível da prática efetiva do espaço (f ísica ou imaginária) como em conseqüência de um discurso sobre ele. O "porão" de Bachelard f oi dessemantizado na concepção das "casas" empilhadas propostas pelos edifícios modernos: tornou-se irrealizável no campo prático e perdeu sua significação para o imaginário. Um espaço pode ser igualmente dessemantizado não por "impossibilidade" (seja qual for a razão, econômica ou outra) de construção mas pelo desaparecimento da função: a partir do momento em que os f umantes (e os fabricantes de tabaco) conseguiram convencer a humanidade de que os direitos estão todos do lado deles, fumantes, e que os não-f umantes devem conformar-se com um consumo passivo e obrigatório do fumo dos outros através da f umaça (ou que se mudem), o "salão de fumar" foi dessemantizado: alguns sobraram, com novas f unções, a maioria simplesmente desapareceu, principalmente dos edifícios públicos, meios de transporte, restaurantes, etc. - o que é sem dúvida uma lamentável perda para as sociedades. Mesmo a cave dos modernos edifícios f r anceses não deixa de ser, como resquí cio do porão (mas não com todas suas dimensões e funções), um exemplo de espaço dessemantizado. Esse processo pode também ser desencadeado por um discurso sobre o espaço. Mas raramente ocorre que proponham, os discursos, diretamente essa dessemantização. Esta ocorre mais como conseqüência da suprassemantização de outros espaços (da qual é operação inseparável) e igualmente da suprassemantização inicial do próprio espaço agora dessemantizado. Que se pense por exemplo no fenômeno tí pico das grandes cidades americanas: o abandono de certas zonas da cidade por parte de seus moradores brancos ante a constatação de que os pretos estão para lá se mudando (não importando se a condição econômica dos· novos moradores é igual à dos antigos). Dessemantização social e ideológica: os negros, através de um lento processo, conseguem reunir as condições econômicas para uma mudança para zonas outrora valorizadas, e quando o f azem os antigos habitantes desaparecem. Seria possível dizer: neste caso há suprassemantização para uns (os negros) e dessemantização para os outros. O que no entanto não corresponde à inteira verdade porque muitas dessas novas
comunidades ressentem o processo efetivamente como de dessemantização (a valorização daquele espaço em que eles também inicialmente acreditaram não pode deixar de levar à constatação da desvalorização que os brancos impõem agora, razão pela qual muitos radicais negros acabam por sugerir não só a criação de zonas especificamente negras desde o início como a própria se·· paração completa entre as raças). De igual modo, a invasão de uma zona pela indústria, pelo comércio ou por um aumento da circulação viária pode dar origem a um processo de dessemantização que pode de iní cio não ser especificamente e intencionalmente promovido - mas dificilmente deixará de estar ligado a uma anterior ou simultânea valorização de outr os espaços. Surge aqui uma questão interessante: se o processo de semantização e de suprassemantização de um espaço parece indeterminado e amplo, sendo sempre possível acrescentar um novo signif icado a um certo espaço de tal modo que não se pode legitimamente prever seu ponto culminante, o processo de dessemantização tem um ponto máximo possí vel além do qual não pode prosseguir e que é o ponto onde esse espaço perde todo significado, sentido ou significação, propondo-se como um espaço vazio, não-signif icante. Uma situação possível - é, porém, provável e real? Numa conferência publicada pela revista italiana Op . c it o n. 10, Roland Barthes sugere que a cidade não' é composta por elementos iguais mas por elementos fortes e elementos neutros, isto é, elementos sígnicos e elementos não-sígnicos. E que se atribui uma importância cada vez maior ao significado vazio, ao lugar carente de significado - dizendo de passagem que o centro das cidades atuais é uma espécie de núcleos não-duros, de "foco" vazio da imagem que a coletividade faz do centro e que é necessária para a organização do resto da cidade 14. Que a cidade (como toda manipulação do espaço) tem elementos com variado valor de significado e signi14. Do que lança mão Zevl, em seu Linguaggio m o d e rno para concluir apressadamente que os elementos não-signlcos são aqueles que def inem a atividade arqultetural, Isto é, os elementos vazios que ele identif ica aluclnantemente com o espaço, numa concepção absurda a mostrar que ele na verdade ignora totalmente o signif icado e a signif icação real de espaço. A noção de espaço como ausência, como buraco, ausência de construção, não pode ser própria à mente do teórico da arquitetura; insiste-se, espaço é não apenas o não-construido como igualmente o construido.
dell' ar ch i te ttura
ficação, é a bsolutamente certo: esta é uma realidade praticamente inelutável. Mas a afirmação de que a cidade tem elementos neutros que devem ser entendidos como elementos de significado vazio, carentes de significado, configura uma proposição não só de todo discutível como, parece, de todo impossível (e a força deste argumento deveria fazer mesmo com que a discutibilidade da proposição não fosse sequer mencionada). Esta colocação é fruto sem dúvida de uma mente habituada à análise lingüística, como a de Barthes, e acostumada a tentar analisar todo aspecto da atividade humana a partir do modelo lingüístico rigorosamente entendido. Se na linguagem propriamente dita é possível constatar a presença de elementos "fortes" e de elementos "neutros" (no caso destes: d e, por, e , etc., além de cada um dos fonemas a, b , c, d ... x, v, z ) não existe na linguagem arquitetural nenhum elemento que se possa dizer assemelhado a esses seja sob que aspecto f or. O discurso arquitetural não é um discurso meramente f ormal (ou meramente artístico), o que significa que está violentamente carregado com uma pesada trama de signif icados vividos que torna praticamente impossí vel a constatação de um elemento sequer que seja "vazio". Vazio para quem, afinal? Partí culas como de, por, e, são neutras para todos os manipuladores desse código - mas o código da arquitetura está longe de se apresentar comu uma entidade entendida, recebida e praticada por todos da mesma forma. Em segundo lugar, o caráter de vivido é enormemente mais acentuado em códigos como o da arquitetura do que possivelmente em qualquer outro que se possa imaginar, e ao nível do vivido na cidade será sempre possível encontrar não só indivíduos como grupos a atribuir signif icados a eleIP~ntos do tecido urbano que aparecem para outros como destituí d os de qualquer significado ou sentido (outros grupos de outras partes da cidade, turistas, grupos de gerações dif erentes, etc.). Não é possí vel supor assim sob que aspecto se possa declarar um elemento urbano como vazio ou neutro: esta proposição parece, ela sim, vazia. O que se pode dizer é que esses elementos, eventualmente e no máximo, se poderiam declarar como dessemantizados (e ainda assim relativamente dessemantizados, isto é, dessemantizados em relação a algum significado mas não em relação a outro) ou, melhor ainda, em processo de dessemantização. Mas não inteiramente dessemantizados: os
lugares que assim se apresentam, nJieconomia que rege a vida das comunas de hoje, são simplesmente eliminados do tecido arquitetural para dar lugar a outros f ortemente semantizados. E excluída a hipótese de que espaço vazio é elemento vazio, sem significado (pois não existe tal coisa: o espaço é construído ou não, e se não o é ele significa por oposição direta ao construído a sua volta, especialmente na cidade - mas sempre há "alguma coisa" "em cima" deie, numa linguagem grosseira, e portanto nunca é vazio) não há pois como considerar a existência de espaços neutros na cidade. Sob esse aspecto, quando Barthes fala que o centro das cidades atuais é "vazio", ele não se distancia muito da verdade mas acaba por deixar escapá-Ia por f alta justamente de um modelo como o aqui proposto (prática fí sica do espaço e prática do imaginário - e não prática imaginária - do espaço). Para poder ser recebida, sua proposição deve ser encarada apenas metaforicamente. A solução pode ser indicada através de uma indagação não sobre o que é o centro da cidade mas sobre o que era o centro das cidades. Esse centro era fundamentalmente o lugar d o poder polí tico, do poder econômico e do poder espiritual. Isto significava a presença f í sica da administração (os edifícios "públicos": a pref eitura, o tribunal, a escola) a presença f ís ica da riqueza (o comércio e suas lojas) e a presença do templo. Era o lugar de onde emanava não só a vida, a animação da cidade (pois ao redor da igre ja e na praça se desenrolavam atividades f undamentais como o teatro, o carnaval, as execuções dos condenados - que Foucault mostra serem verdadeiras festas 15) como, e especialmente, a ordem, justa ou injusta, que mantinha a cidade. Uma vida e uma ordem visíveis. Como estão esses centros atualmente, especialmente nas grandes cidades modernas? Não é muito exagerado dizer que, em muitos lugares, foram praticamente desertados por todos os três poderes, os três f ocos. O poder político se afastou, ou tende a af astar-se do centro (com a subdivisão de suas f unções) e mesmo a quase se retirar para fora da cidade, em alguns casos. O comércio, particularmente o "grande" comércio, aquele com foros de "nobreza", este se afasta decididamente do centro. E o
poder religioso, mesmo ainda se mantendo fisicamente na praça, vem sendo acentuadamente desertado pelo povo, de tal forma que os atos por ele praticados não configuram mais, nem de longe, os antigos "acontecimentos". Tampouco existe mais a "vida social pública": as f estas tornam-se raras ou são levadas para os recintos fechados, assim como é nestes que acontecem os teatros, cinemas, etc. Sob esse ângulo, o centro da cidade se esvaziou um pouco. Mas - e este é o ponto f undamental - para os moradores da cidade continua a haver um centr o que, mal ou bem, sob um aspecto ou outro (histórico, sentimental) ainda é sentido (vivido) como foco organizador e instaurador da cidade. Há um centro, as pessoas se orientam em relação a ele e o recebem com~ ~centuadam~nte signif icativo apesar de todas as pOSS}VeIs. degrada~oes que possa ter experimentado. E ele e aSSlIllpercebIdo não só pelos moradores da cidade como pelos "de fora", turistas ou não. Todas as cidades modernas ou antigas, ostentam em suas entradas rodo~ viárias imensos e sempre renovados cartazes com a inscrição CENTRO que leva o estranho, placa por placa, cruzamento por cruzamento, ao lugar desejado, ao lugar que ele tem de ir, quer se ja dia da semana ou um feriado ou domingo onde o centro está "fechado" e morto. f:. fundamental que ele vá até o centro , tal como o . VIajante de um transatlântico quer visitar as máquinas - onde? - no "centro" do navio. Se ele não vir esse centro, do navio e da cidade, sente-se COmose não os tivesse de fato conhecido, ao navio e à cidade, recebidos como ~Igo que se lhes escapou. Mesmo que após o reconhecImento dessa localização específica se ja possível ouvir declarações de desapontamento: "Mas é isso o centro?" E tanto a ânsia pelo centro como o desencanto eventual diante de sua visão demostram claramente uma coisa: por mais esvaziado que possa estar no plano físico, f uncional efetivo, continua a subsistir inteiramente na prática do imaginário das pessoas, COm quase a mesma çarga signifcativa de antes. E é necessário reconhecer: embora ha ja cidades onde o centro é literalmente abandonado nos dias feriados , numa indicação clara de que fora de sua eventual funcionalidade e de algum eventual valor histórico ele não representa realmente muita coisa para os habitantes em termos de vivência humana (como São
Paulo, New York) há mais de um caso, bem mais, onde o centro da cidade 'Continua a ser pólo agIutinadar e vivo do tecido urbano. Em Paris (onde aliás Barthes tem uma de suas duas residências: ele deveria portanto sentir esse estado de coisas), o marco zero da cidade é Notre-Dame.' Ora, a que momento do dia, de qualquer dia, esse lugar e a área ,vizinha, se vê vazia, vazia de f uncionalidade, de vivência, de um significado qualquer? Quando ela "morre"? Ou, para os que colocam o centro de Paris nos ChampsElysés: é vazia essa zona, neutra? Se for a zona da Opera: neutra, não-significante? Obviamente não. O que se vê assim é que o centro da cidade pode ter-se diluído às vezes, pode ter sido desmembrado - mas não se neutralizou, não se "esvaziou". Processos de dessemantização por certo ocorreram e ocorrem: a dessemantização funcional, por exemplo, é quase sempre evidente. Pode igualmente ter sofrido alguma dessemantização, em alguns lugares particulares, na prática de seu imaginário. É mesmo possível conceder que a imagem que a coletividade se faz do centro, como quer Barthes, tenha sido assim um pouco esvaziada. Mas o centro não é, nem de longe, o lugar do vazio, um lugar não-significante. Não é possível considerar assim a existência de espaços dessemantizados em grau absoluto, e muito menos propor que tais espaços sejam ne::essários para a organização da cidade. O tecido urbano só contém elementos fortes, elementos menos ou mais f ortes, se se quiser, mas nada além disso; o espaço neutro, quando chega a existir, é imediatamente morto pela cidade e substituído (mal ou bem, por razões de especulação econômica ou não) por outro. A af irmação de que a cidade é feita por elementos fortes e vazios seria equivalente a uma que dissesse. a mesma coisa do corpo humano: tem nosso corpo um centro vazio necessário para a organização do resto? A imagem é ridí cula. Não há nele elementos não-sígúicus ( no n todos são elementos fortes: alguns serão segnat i) , mais fortes (os pulmões), outros menos (as unhas) ·mas o neutro nele não tem lugar. Idêntica argumentação vale para a cidade. Mesmo num& cidade como Veneza alguns espaços que passam a maior parte do tempo desertos e inúteis (como igrejas abandona-
das, ou a zona do Mulino Stucky ou a dos ex-Cantieri N avali, só utilizadas para ocasionais eventos culturais) não chegam nem por um momento a se transformar em elementos não-significantes. É possível af irmar que no discurso do espaço não há lugar para o carente de significado; a semiose ~esse texto, o processo de formação da significação, e um processo aberto e que se desenvolve numa única dire.ção, na direção do significativo: um espaço é semantIzado, pode ser suprassemantizado eventualmente e pode degenerar num processo de dessemantização - o qual no entanto nunca atinge a quota zero - como numa assÍntota. Quando isso acont~ce, esse espaço é retirado do tecido arquitetural, nao permanece nele como elemento neutro; para que permaneça enquanto vazio, é necessário que a cida~e morra co~ ~l~ -:- e no entanto mesmo Pompéia e toda ela sIgmf lcatIva: funcionalmente, esvaziou-se mas a prática significativa do imaginário só morr~ com o interpretante do diSo::ursoarquitetural, o homem.
II.
o DISCURSO
ESTf:TICO DA ARQUITETURA
Em princípio se diria que esses dois termos são absolutamente incompatíveis um com o outro: se se trata de um discurso, não é estético, e se é estético, não é discurso. Uma certa tradição ainda quer que o domínio do estético seja o do emocional e o do sensorial. De fato, o "choque" que sinto ao penetrar em Santa Sofia é uma experiência de iní cio pun~mente ao ní v el dos sentidos e da emoção: estático, aquele espaço no entanto me transporta e a perambulação vagabunda por aquele lugar, sem nenhum ob jetivo "científico" de cOJlhecer as coisas e registrá-Ias na câmera ou no caderno, é fundamentalmente
uma viagem ao prazer indizí vel. Mesmo depois, saindo de lá, o pensamento racional não encontra com muita facilidade (ou com facilidade nenhuma) as razões daquelas sensações, o motivo de eu ter percebido de imediato (ao menos para minha particular experiência) que Santa Sofia era realmente não só única como se impunha sobre todas as outras construções do gênero existentes no Ocidente. Tudo isto é correto e ocorre a todo momento diante de um quadro, de um f ilme: a recepção das formas de arte dispensa a intelecção racional e é mesmo grande a tentação de declarar que o juí zo é mesmo prejudicial à percepção estética. Mas - e embora não caiba aqui discutir extensamente ou demonstrar a validade deste ponto - a recepção racional da obra de arte não só é possível e existe como será mesmo f undamental par a a plena percepção dessa obra, intervindo num segundo momento após os sentidos terem sido saciados. E esta abordagem racional cabe e é necessária mesmo porque é ela um instrumento fundamental do artista: o pintor renascentista joga de maneira particular com a perspectiva, proposição racional que deve ser racionalmente colocada e resolvida sob pena de perecimento da obra. O impressionista parte de uma proposição de todo racional sobre a composição da luz e da cor. Por outro lado, quantas proposições estéticas existem que são mais racionais que a do cubismo? Ou que a do concretismo de Mondrian? Seria talvez possível discutir, e longamente, sobre a irracionalidade de Pollock, mas s e ele parte de uma proposição dara (fazer arte) e se domina com toda evidência uma determinada t écnica, não cabe propor uma irracionalidade absoluta para sua produção. Existe assim de f ato um discurso da obra de arte, existem mesmo vários discursos estéticos, entendendo-se o discurso como um enunciado (e uma enunciação) organizado de acordo com normas claramente fixadas e manipuladas tanto quanto possível conscientemente. E sob esse aspecto, quando se fala da arquitetura a expressão "discurso estético" é ainda mais cabí vel do que nas outras artes uma vez que esse discurso é muito mais rígido, formal e racional do que o da pintura, escultura, etc. As normas de como fazer arquitetura e, especialmente, de como fazer o
belo em arquitetura, perf azem um código rígido ou, no máximo, vários códigos rí gidos que se manifestam totalmente formalizados desde as descrições de Vitrúvia até os dias de hoje, passando por todos os variados movimentos e e!>colas. E são tão f ormalizados que não é difícil atribuir à arquitetura a etiqueta da arte mais conservadora e mesmo mais retrógrada e reacionári~ (no sentido específico daquilo que se opõe a uma açao) dentre todas as outras. Sem muito exagero, seria mesmo possível dizer que no chamado mundo ocidental europeu a arquitetura não mudou na~a desd~ as matrizes gregas. Zevi, por exemplo, não he~lta mUlto em dizer que quase toda a arquitetura OCidental. depois do século XVI é uma arquitetura renascentIsta - e, sendo justo, não é exagero algum defender tal proposição. Em parte, é correto atribuir essa rigidez do discurso arquitetural a um aspecto que deve estar nec~ssari.amente presente na arquitetura e que é a f un - c:onalLdad e. ~or outro lado, é óbvio que essa questao opera mais cama des-culpa para o imobilismo do discurso estético, e uma desculpa que não é tanto fruto da culpa exclusiva, da incompetência ou da falta de criatividade dos arquitetos como da vontade de facilitar a construção, diminuindo-se os custos e au~entando-se os lucros. Se ja como f or, é fácil apontar (Justamente por sua forte formalização) os eixos em torno dos quais tem-se organizado o discurso estético arquitetural: ritmo , harmonia , medida, composição. ~ão há a~quiteto. ou teórico da arquitetura que conscl.ente ou mconSClentemente deixe de organizar seu discurso em torno desses eixos e os reconheça como absolutamente "naturais" à arquitetura. Mas muito poucos são os que, reconhecendo e defendendo esses eixos, reconhecem neles a própria definição da Renascença. Que é Renascença? É ritmo. Ou harmonia. E harmonia. E / ou medida. E / ou composição. Quer dizer então que a Renascença é o mal absol to, o inimigo a combater e destruir, o pecado original do qual a arquitetura moderna tem de livrar-se a todo custo? Essa tese, defendida mais ou menos com as mesmas palavras por muito arquiteto "revolucionário", está evidentemente mal colocada. Uma herança cultural não só não se renega impunemente
como simplesmente não pode .ser renegada, pon!o final. A questão está em. identif~car uma d~t~rnl1nada prática com uma determmada epoca, localIza-Ias, saber qual a relação que se estabeleceu entre ambas e indagar se tal modelo de prática é válido p~ra outra época ou não. É necessário ressaltar que nao se trata nem mesmo de defender a Renascença (ou qualquer outro período ou movimento) como manifestação adequada a sua época, e tampouco. de propor .a necessidade de modificações pela necessIdade de onginalidade: é preciso ter sempre em mente que a bu~ca desesperada do nOvo está longe ~e ser u~~ J?atnz imperiosa, absoluta e constante, se ja na histona do mundo ocidental, se ja n a história de todos os povos. Se é verdade que na China, por exemplo, se deu valor àqueles pintores que de alguma forma romperam com determinados modos de expressão, propondo "estilos" novos, não é menos verdade que se atribuía idêntico valor (e às vezes mesmo maior valor) àquele que era "simplesmente" capaz de pintar tão bem quanto pi~tavam todos os demais. O valor de uma obra nao estava n a personalidade (no personalismo) e menos ainda na originalidade: residia na capacidade de enunciar uma certa mensagem. Se esta era bem dita pouco importava que o modo, a maneira de fazê-Io fosse idêntica à de tantos outros. ~smo nas ~ocieda@s ocidentais a febre da originalidade só VaI atacar o homem bem recentemente, a partir do século XVIII - e, a rigor, no começo do século XX: o Tinto!-"ettod.a -- Escola de S. Rocco em Veneza não faz mUlto mais que se colocar nos moldes de Michelângelo, e muito pintor romântico ou barr~o. é igual ~ tantos o~tros pintores barrocos ou romantlcOs. Se~a? n : aus pmtores apenas por essa razão? Não; a ongmalIdade absoluta não era para eles um absoluto valor. Na verdade, a originalidade como meta última é freqüenteme.nte tão lamentável quanto a cópia fiel. Trata-se aSSIm, para a arquitetura, de ser adequada a um momento _e não de renegar por princípio esta ou aquela soluçao histórica ou praticar tais soluções ,como norma imperativa se ja de maneira consciente ou, pior - e é o que acontece na arquitetura atual. onde l?revalecem as noções clássicas de ritmo, harmoma, medIda e composição - de modo inconsciente.
A análise se voltará assim para esses elementos fundamentais do discurso estético da arquitetura a fim de detectar as armadilhas que estendem à prática arquitetural e as brechas que se pode produzir na ideologia de que se revestem, com a possibilidade ulterior dl', propor, também para o discurso estético da arquitetura, alguns eixos de oposições passí veis de orientar essa prática na direção de metas mais adequadas ao homem atual e sua prática arquitetônica. II . 2 .
O ritmo
Que se pode entender por ritmo? Um conceito primeiro de ritmo, bastante difundido, é aquele que o identifica com a noção de ordem 1. Ordem como? A Teoria da Informação propõe qu e a noção de ritmo deva ser entendida como baseada na repetição de um mesmo. elemento a iguais intervalos de tempo, e é sob esse aspecto que ele é entendido e praticado em arquitetura. Com que finalidade se procede a tal repetição, além de pôr uma ordem no objeto de trabalho? (Ou: que tipo de ordem se pretende obter com essa repetição?) Com a finalidade de pôr em p rática ,três princípios muito caros ao pensamento renascentista (do qual, aliás, a própria definição de ritmo já é claro indí cio): princípio do equilíbrio, princípio da continuidade e priooí pio da passagem do todo para as partes. Com que ef eito prático para o receptor da obra? P. A. Michelis faz, a respeito, uma colocação exemplar sem, no entanto, perceber o alcance e a verdadeira significação dela: O ritmo permite-nos ad ivinhar que vai seguir-se um golpe rítmico ou urna certa série de golpes, assim corno mais ou menos o ef eito segue a causa. Antes portanto que o golpe se produza nós já o esperamos, e quando ele acontece segue-se em nós urna sensação muito rápida de satisfação.
O que leva Spencer a referir-se ao ritmo como sc.1do a "economia da atenção". Como se pode ler essas concepções tradicionais e qual a reorientação que se pode dar à prática arquitetural a partir delas? 1. Ver P. A. MICHELIS, L'esthétique de l 'a TchitectuTe. Paris, 1974,p. 71. Para Mlchells, trata-se Inclusive de descobrir a. "ordem existente objetivamente" numa coisa. Ora, não existe uma ordem ob jetiva, como se procurou demonstrar na. discussão sobre o pensamento clentiflco e o ideológico.
Antes de mais nada, está· claro que essa concepção instauradora do ritmo nada mais é ,d? q~~ a definição do mód ulo. Módulo, conceito maglco Ja na Renascença e ainda hoje; a grande preocupação do arquiteto atualmente de fato parece ser a de encontrar o módulo, a p artir do qual todos seus problemas parecem se revolver como por encanto 2. O que se faz com um módulo? Repete-se-o. Na Renascença determinava-se um módulo, por exemplo, para uma janela de um palácio: a fachada seria a repetição de tantos e quantos desse módulo. Ou determinava-se que o módulo a ser reproduzido infinitamente é o composto por uma janela e uma porta, ou janela e sacada; e a própria porta é modulada, pois seria composta de tantas ou quantas "almofadas" deste ou daquele tipo 3. Que se faz hoje num edifício moderno, num "espigão", numa "torre"? Encontrado o módulo (normalmente a janela), o edif ício está em pé4. E o pensamento modular está de tal maneira arraigado no pensamento do espaço que parece impossível pensar de outra maneira. E àqueles que se opõem à prática modular costuma-se lembrar que toda a arquitetura sempre foi modular, desde a Grécia e passando-se pelo românico, barroco, etc. Se a ausência do módulo é realmente a exceção, não é menos certo que as eventuais arquiteturas não-modulares, quando se apresentam, deslumbram o homem pelas suas possibilidades: o Mummers Theater de J. Johansen 5, composto por "caixas" não repetitivas que se combinam; a própria Torre Einstein 6, de Mendelsohn, ou ainda a casa que Le Corbusier fez para Ozanfant em Paris 7. Contudo, todos os exemplos de "não-modulismo" que se possa encontrar realmente f icam soterrados diante da prolif eração esmagadora do pensamento modular (a tal ponto que hoje não moramos mais em casas ou apartamentos mas sim em módulos) - mas a simples prática histórica não é argumento válido' para justif icar uma proposição. 2. Necessário ressaltar, de resto, que o pensamento modular se espalha hoje por todas as áreas da aLlvldade ref lexiva e prática do homem, desde o d es ign - com seus móveis modulados - até a prática semiológica, baseada na Identlf icaçáo das unidades mlnlmas e na constância de sua repetição. 3. Ilustmção n.O 4. 4. Ilustração n." 5. 5. Ilustração n.o 6. 6. Ilustração n.o 7. 7. Ilustração n.o 3.
,,9 . 4: ~xeJ?plo de construção modulada na Re~ascença. A Jlustraçao e um croquis do Palazzo Pitti de FiIhppo. ~run~lIeschi (1440), em Florença. O pro jeto bas~ia-se na repetIçao !Jtmada de alguns poucos elementos (módulos): uma f orma d e Janela, uma forma de arco.
Ilust r ação
n ç > 5: Croquis do Anexo da Biblioteca Nacional, de H. Roux-Spitz. Normalmente apresentado como projeto Jípico da reação moderna à arquitetura dos excessos (a que mistura, na fachada, corbelhas de flores de gesso com colunas dóricas, etc.), o trabalho de Roux-Spitz é bom exemplo na verdade da construção modulada da atualidade, baseada nos mesmos moldes dos da arquitetura renascentista: obediência aos ditames c1ássimos da harmonia, composição e ritmo, obtidos através da repetição de um módulo.
Ilustração
11~ 6: Nummers Theater, de John Johansen, em Oklah~ma Clty (1971). R:clIsa da arquitetura do módu)o, da repellç
I lusJ raçiio
Por que ser contra o módulo, contra o ritmo? Porque ele cria no homem a neurose da certeza e da tranqüilidade, de que o homem tanto necessita e que ao mesmo tempo aniquila toda sua vida intelectual, de início, e p osteriormente toda sua vida, em todos os sentidos. Como pode ser isso? Voltemos à concepção intuitiva de Michelis (intuitiva porque não baseada na Teoria da Inf ormação); o ritmo permite prever o q u e se vai oferecer aos olhos, a esta previsão de sensação satisfaz. O.ritmo portanto agrada ao homem. Mas a Teoria da Inf ormação mostra que a previsibilidade é apenas uma das facetas de qualquer tipo de comuniçação, estética ou não. A outra, necessária, é a imprevisibilidade. E o processo de comunicação se desenvolve a par~ir de um jogo contínuo com esses dois elementos. E por que a imprevisibilidade é imprescindível? Porque se ef etivamente a sensação do conhecido (do previsí vel) reconforta o homem, assegura-o em suas certezas não o submetendo ao inédito (as crianças só tiram prazer de histórias que já conhecem e reclamam quando se lhes tenta contar uma história nova: já sabem o que vai acontecer, querem receber novamente aquele mesmo esquema, já gozam por antecipação o eventual castigo do malvado e a boa fortuna do herói - ess e é o esquema, de resto, das histórias em quadrinhos ou das novelas, e a razão mesma de seus sucessos) a partir de um determinado momento o receptor f ugí r á dessa mensagem porque já a conhece - f ugirá consciente ou inconscientemente. N o primeiro caso, em razão, por exemplo, do desenvolvimento de suas exigências estéticas; no segundo, em virtude simplesmente da acumulação daquela mensagem em sua mente , d a repetição a que ela esteve submetida e que a partir de um determinado momento "fecha" sua receptividade para aquele tipo de mensagem.
I lustração n9 7: Casa-ate\ier do pintor Ozenfant em Paris, pro jeto por Le Corbusier (1922): au~ên.cia de módulos. repetidos, de preocupação com as regras classlcas da harmoma e composição.
Por esta razão se joga simultaneamente cOm previsibilidade e imprevisibilidade: o conhecido é dado para não af asta~ (assustar) o receptor desde o i ní cio, ao mesmo tempo em que se o tempera com o desconhecido para evita r o af astamento do receptor para longe da mensagem 8.
É duplamente
inadequado a6sim continuar a propor o r itmo como um dos pilares da estética arqui[dural: primeiro, por se tratar essa noção de um elemento que sobreviveu a um sistema estético não mais necessariamente em vigor (o sistema renascentista); segundo, por ser inadequada a construção de uma mensagem estética baseada tão f ortemente nessa noção de ritmo, de módulo, de repetição, pois a única coisa que se tem nesse caso é uma mensagem suicida, uma mensagem que s e constrói apenas para ser posta de lado tão logo completada. É isso aliás o que se tem no cenário arquitetural de hoje: uma série de nadas que se sobrepõem num magrna indiferençado. A estética da arquitetura não pode, com toda evidência, abandonar pura e simplesmente a noção de ritmo como alguns (Zevi, entre eles) insistem que se f aça, 'pois r itmo é uma das faces da moeda: se se tirar essa face, a moeda não existe mais. Essa estética, no entanto, vai apoiar-se aqui também num eixo de opostos onde o ritm o é contrabalançado por uma noção como a de elenco (a outra face), proposta pelo mesmo Zevi. Que se deve entender por elenco? Pense-se na elaboração de uma fachada: o arquiteto renascentista (quer tenha vivido no século ~VI ou atualmente) determinará uma forma-padrão de janela e a repetirá sem alterações em todos os andares dá construção, visando conseguir o "obrigatório" efeito unitário. Se se adotar o procedimento do elenco, o trabalho do arquiteto não apenas será inteiramente dif e rente como bem mais árduo (assim como tomará mais complexa a construção efetiva do prédio - mas não necessariamente mais custosa) porém os resultados estarão não só à altura da época como à altura do homem (o homem deve ser o padrão das coisas, e não as coisas se colocarem como padrão para o homem): lista-se as formas possíveis e adequadas que as janelas podem eventualmente assumir nas variadas posições que ocuparão no prédio, e a seguir reúne-se essas formas numa espécie de assemblage. Assim, ao invés de uma sucessão de janelas retangulares que se empilham umas sobre as outras na vertical e que se sucedem monotonamente na horizontal, tem-se uma sucessão de formas diferenciadas que, quase literalmente, movimentam-se pela superfície considerada.
Uma janela pode ser redonda, ou ovalada, ou triangular, ou retangular, e nada impede que uma janela redonda seja colocada ao lado de outra que compõe um retângulo na horizontal (nada a não ser a combinação estética desses elementos). O canto esquerdo do andar térreo da construção necessita de uma janela redonda: que seja redonda. O andar de cima necessita de uma janela que permita à luz entrar no aposento em toda sua extensão, mas não é necessária uma grande vidraça que se estenda de uma parede à outra: pois então se rasga uma abertura retangular de lado a lado. Que conviverá com a abertura redonda de baixo e com uma outra quadrada que, em cima da segunda, está disposta ao final de uma saliência na superfície da fachada, saliência que permite ao observador uma visão para o lado do edif í c io (sem ter de debruçar-se para f ora de uma janela e virar o pescoço) 9. Enf im, lista-se, elabora-se o elenco das formas utilizáveis e das f unções exigidas e combinam-se esses elementos se jam quais forem. Não se trata de propor o caos total (a entropia máxima, ou desorganização máxima da mensagem, afasta o receptor tanto quanto a o rdem total - previsibilidade total) pois alguma ordem sempre haverá: simplesmente não se escolhe a alternativa mais cômoda: a repetição de um módulo (que não apenas cansará o receptor, em termos de percepção de f o rmas, como não será obviamente adequada às variadas necessidades que surgem dentro de uma construção). A técnica do elenco não será aplicada por certo apenas à elaboração da f achada: todo o corp(l Oll construção pode ser determinado por esse processo e nesse caso nem mesmo se falará mais no corpo da construção mas sim nos corpos dessa construção). Assim, ao invés de determinar como módulo de moradia as "caixas de sapato" superpostas monotonamente em sua retangularidade, determina-se para este canto um corpo na forma de um pentágono que se combina com uma semi-esfera deitada no chão à qual se superpõe uma baixa caixa retangular encimada por sua vez por um cilindrv deitado 10, etc. O procedimento de listagem-combinação é inclusive, como se percebe, um
dos métodos para a obtenção da temporalização do espaço: os espaços diferem, o modo de se passar do primeiro para o segundo não é o mesm o que se emprega para ir do terceiro ao q uarto, etc. Exemplos de procedimento por elenco são, até certo ponto, o Habitat de Montreal (1977) e o mesmo Mummers Theater de Oklahoma City (1971) 11. O primeiro eixo do discurso estético da arquitetura não deve ser assim, a o lado da harmonia, medida e composição, o eixo do ritmo isoladamente considerado mas sim o eixo Ritmo X E lenco.
As noções de harmonia, medida e composlçao não podem ser abordadas isoladamente da noção de ritmo da qual são, na verdade, um desdobramento de fato, a análise começou aqui com a c onsideração do ritmo mas podia perfeitamente ter principiado com o estudo d a harmonia, por exemplo, da qual se diria que comanda as· noções de ritmo e composição que dela derivam, o u então começar pela medida, etc. : todas estão intimamente relacionadas e não se pode dizer que uma pre~ede a outra, assim como n a verdade não se pode dizer, a não ser talvez por razões metodológicas, que uma d ifere da outra. Diz-se por exemplo que o ritmo comanda os momentos de t hesis e arsis, isto é, intensidade e relaxamento da atenção. Mas onde é que esses momentos ocorrem de fato a não ser na composição, ou na harmonia, ou na medida? Como podem ser avaliados se não for através dessas outras três noções? Quando Michelis 12 reafirma a doutrina segundo a qual os três princípios do ritmo são o princípio da continuidade, o princípio da passagem do todo às partes e o princípio do eq Jilí brio na verdade ele não está dizendo outra coisa se não que os princí p ios do ritmo são a harmonia, a composição e a medida. Como é que do todo eu passo às partes a não ser através da composição e da harmonia? Por outro lado, "equilí brio" não é "composição", que por sua vez não é "harmonia"? A continuidade também não se mede pela harmonia, etc.? O próprio
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n{J 8: Exe,mp!o dado por Bruno Zevi para a ar uit~tura de elenco:. ao mves de repetir um mesmo elemento qreP ~~~~e~:~eá~rmm~dtO, (01arquiteto pes
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Michelis, pagmas adiante, acaba dizendo, sem se dar conta talvez, que harmonia é simetria, que por sua vez é a exteriorização de um equilíbrio 13. Diz também que através dos princípios da "classificação" e da "subordinação" se estabelecem a!>relações entre o todo e as partes e entre as próprias partes de modo a predominar a "unidade n a diversidade" que ddine, enfim, a harmonia 14. Não há, portanto, e realmente, nenhuma razão para se falar do ritmo, da harmonia, da composição e da medida como se fossem coisas independentes: estão tão intimamente associados que na verdade não se pode identif icar com efetividade aquilo que é um ou outro desses elementos. Essa estrita associação (exigida aliás pela moldura maior em que se encaixa o tipo de est~tica que se def ine por esses quatro elementos, moldura essa que é novamente a do pensamento renas;::entista) só pode ser cindida por razões metodológicas mas, mesmo assim, essa divisão não deve assumir a forma de quatro entidades singulares como normalmente se propõe (ritmo isoladamente, harmonia isoladamente, composição isoladamente, medida isoladamente) mas sim, se se pref erir manter a distinção, a forma de eixos bipolares. Mas antes de propor um eixo de l)poStos referente à harmonia, ve jamos como a estética tradicional da arquitetura a entende.
9: Exemeplo ainda de B. Z~vi, agora. referente ao processo de elenco dos volumes: .não mais o empl1h~mento de caixas geométricas formando aqUIlo ~ue se co~venclOnou chamar de "apartamento", mas sim a hvre pesq~1Sa ~e. volumes que se combinam em oposição às regras do classlclsmo moderno".
Ilustração n'l
A noção fundamental que a estética tradicional propõe para harmonia· é a de simetria: disposição de elementos idênticos (em, forma e número) em ambos os lados criad(lS de uma superfície separados por um eixo imaginário. Esse é o conceito mais elementar que se tem de harmonia ou, se preferir, esse é o conceito da harmonia elementar. Não se pense que esta noção (ao mesmo tempo válida para a de equilíbrio) por ser elementar não é muito utilizada ou é uma noção constante e intensamente praticada ao longo quitetos ou pintores menos significativos. Não: é uma noção constante e intensamente praticada ao longo de toda a h i stória da arte e da arquitetura. Um número considerável de telas (senão todas) da Baixa 13. 14.
Idem, p. 96. Idem, p. 98.
Renascença pode ser dividida ao meio no sentido vertical por um eixo imaginário, e se constata que se do lado direito existem 20 figuras humanas, do lado esquerdo haverá um número equivalente; se essas f iguras formam uma seção onde predomina a cor azul, no outro lado, cOmo se se tratasse de um espelho, se verá idêntico grupo azul; se as pessoas do lado direito estão dispostas segundo a forma de um semi-cí rculo, a mesma conf iguração se constatará do outro lado. Esta harmonia, isto é, este equilí b rio baseado na idéia de repetição é apenas, como se pode ver claramente, um outro aspecto da noção de ritmo e de módulo, no qual o ritmo se baseia, e contra ela se pode levantar as mesmas objeções já f eitas com relação ao ritmo: previsibilidade, monotonia, etc. A ela se poderia opor o pólo da dissonância, da assimetria, justificando-se cOm os mesmos argumentos já utilizados quando se falou no eixo geométrico/I:ão-geométrico. Mas há uma outra maneira segundo a qual a estética tradicional julga se uma proposição é harmônica ou não. Embora reconhecendo a existência de elementos sub jetivos pa avaliação de a lgo como harmônico ou não - elementos nunca suficientemente determinados, e confundidos com o princí pio da simpatia ou empatia estética (sentir com ; fazer u m com o objeto) formulado pela Einf ühlungstheorie, essa estética acaba por matematizar esse juízo do harmônico, estabelecendo fórmulas para sua verificação que acabam por afundar as possibilidades de uma sub jetividade estética sob o manto dourado (mas f also) de uma chamada ob jetividade harmônica. Como s e f ormula essa outra maneira de julgar harmônica uma proposição, em que se baseia essa ptetensa objetividade harmônica? Volta-se novamente a Michelis, representante-tipo dessa estética (aliás, a única normalmente propagada) : Se estudarmus agora as obras de arquitetura n:CO,IIlCCIO,,' (como harmônicas, .:umo grandes obras) veremos que elas se inscrevem geralmente em f ormas geométricas cujos lados mantêm entre si a relação 1 : ou 2 : 3 ... (e) as mais f amosas apresentam a relação do número de ouro, aproximadamente 3 : 515.
Há, neste juízo-padrão, dois grandes momentos ~e erro que compõem a teoria da mistif icação estética q~e vem se !mpondo à humanidade de geração em geraçao a partIr ?a .Renascença (se não a partir dos ~regos) .. 0 pnmelro momento é aquele em que se. af trma se mscreverem as obras em formas geométncas; o segundo, que essa inscrição se f az segundo as norm~s do. número de ouro. Isto signif ica considerar a eXlstencla de uma idéia-padrão inata e impressa ~a me?te do hOmem segundo a qual as formas estéticas (I. e., as formas "boas") são, primeiro, aquelas que se reduzem aos elementos da geometria e, segundo, não a qualquer tipo de elemento mas a elementos qu~ se ordenam segundo uma proporção específica _ delx~ndo de ~ec?nhecer que essa med ida (uma certa medIda geo~~tnca) surgiu apenas num segundo momento da atIVIdade do homem - não sendo inata ou primordial. - e se impôs apenas por uma questão de educaçao do gosto, isto é, de hábito, de con-formação, de moldagem das pref erências. Dever-se-ia dizer, ?a verdade, que a partir de um dado período (Rena~c~mento) o homem passou a julgar estéticas (harmom::as) as formas que se apresentassem desse determinado modo, e que esse modo de julgar é apenas um modo, resultante de uma maneira de pensar. E, portanto, que há outras maneiras, de outras épocas, de outros lugares. Mas não: apresenta-se essa medida como se ela f osse universal, e eterna: harmônico é tudo aquilo que está na proporção áurea - sem se levar em consideração que ela foi apenas a consolidação de uma certa maneira de gostar num determinad~ mo~ento. Ainda que esse modo de ~entir predomIne hOJe, por uma questão de herança cultural, de transmissão de um modo de encarar as formas, isso naturalmente não significa que se deve considerar como harmônicas essas e somente essas formas. Muitos sucumbiram a essa ingenuidade, no entanto; Fechner 16 por exemplo tentou pôr em prática uma maneira de exp~rimentalmente determinar o gosto estético predommante sem partir, julgava ele, de nenhuma teorização. prévia. E através de uma série de testes práticos aphcados aos entrevistados, chegou à conclusão de A
que realmente se devia ratificar a estética do número de ouro, pois não apenas as' pessoas demonstravam gostar das formas geométricas como preferiam, acima de todas, uma determinada forma geométrica, a do retângulo, e um tipo de retângulo, justamente aquele cujos lados mantinham entre si a relação do número de ouro. a "pequeno" detalhe de que Fechner, inacreditavelmente, não se deu conta era que a humanidade, no momento de suas experiê ncias, estava há 300 anos (pelo menos) sob o império de uma lei estética, consagrada no Quinhentismo, que justamente mandava gostar de formas geométricas desta ou daquela maneira f ormadas, e que nesse caso suas entrevistas nada mais faziam que recolhe r aquilo inculcado por todo um sistema de educação na mente das pessoas. Dizia que sua estética era a estética "por baixo", em oposição ao que chamava de estética "do alto", a emanada da teorização dos artistas: não sabia que a sua era ainda muito mais "do alto" do que as que julgava combater. a próprio Michelis, é fato, rejeita as conclusões de Fechner, em parte, ao lembrar que basta o retângulo de ouro, por exemplo, apresentar-se desenhado não apoiado sobre um de seus lados menores ("assentado" sobre um plano horizontal imaginário) mas sim sobre um de seus vértices (permanecendo assim num "equilíbrio instável" 17 para que deixe de constituir-se em forma preferida. Do mesmo modo como em determinadas ocasiões se prefere o quadrado ou o triângulo, etc. Mas argumenta, para repudiar as noções de Fechner, de um lado com a existência de elementos subjetivos da harmonia (nunca definidos) e do outro com proposições inteiramente vagas segundo as quais o belo, a empatia estética, o prazer estético se atualizam porque o "ritmo d iferencia e conduz à quantidade, à extensão, e a harmonia int egra e conduz à intensidade, ao estilo de alta qualidade que predomina em cada sistema" 18. Antes de mais nada, o ritmo não dif erencia, pelo contrário: torna tudo equivalente. Mas isto já foi comentado: o que interessa é saber como a harmonia "integra" e conduz à intensidade, que é essa integração e em que consiste essa intensidade, que é esse estilo de alta qualidade, como é obtido e porque pre-
domina em cada sistema. Isso. não é dito, nem em seu estudo nem em todos os demais que se propõem essa mesma linha de abordagem. O fato é que para Michelis, seja como for, todos os elementos de apreciação do valor estético acabam sendo mesmo dominados pelos elementos objetivos identif icados f undamentalmente com a proporção áurea (sectio aur ea para da Vinci ou mesmo proportio divina, para Paccioli) cu jo existência encontra amparo na noção de analogia formulada por Aristóteles e exposta em sua Poética 18: "Entendo por relação de analogia todos os casos em que o segundo termo está para o primeiro assim como o quarto está para o terceiro ... " e que encontra sua forma a b ótima na expressão - = -(a/b = c / b daria apenas b a+b similitud e de formas, enquanto o máximo de unidade se tem quando a +b = c, ocasião em que se tem a "síntese ideal dos contrastes" 19). Para Michelis - e este é o grande mal dessa estética tradicional, sua grande mistif icação - tal demonstração matemática, "essa estrita lógica das matemáticas coincid e com a exigência psicológica do sentimento sub jetivo de harmonia" e "nos persuad e (os grifos são meus) que a harmonia não pode resultar apenas de dois elementos" sendo necessário um terceiro, "e este terceiro elemento é o todo - a unidade dos dois do qual estes se isolam" 20. É necessário insistir: a lógica das matemáticas não coincid e com a exigência psicológica (como se, coincidindo, ela viesse provar a justeza da apreciação geométrica do fato estético) e não pode nos persuadir de nada. Essa proporção (e outras mais), esse raciocí nio são meras constr uções , proposições do homem, datadas e localizadas e que podem inclusive ser aceitas como inteiramente válidas mas tanto e apenas tanto quanto qualquer outra. Não se pode fazer dela a norma única da prática da arte ou da arquitetura. Choisy (que Michelis cita e cita mal pois não avalia o alcance de sua proposição) reconhece que a Renascença (não mais, segundo ele, do que a Antiguidade ou a Idade Média) nunca aceitou o sen18. PARIS, Les Belles Le tt res, 1969, p. 62. 19. A respeito, ver, como o próprio Mlchells Indica, a obra de
M. GHYKA,
L'es t hé tiq ue de s proport io l ls les ar ts, Paris, Ga1l1mard, 1927. 20. MICHELIS, op . cit ., p. 109.
dans
Ia
na t ur e et d ans
timento puro (a subjetividade) como o único regulador do valor estético, propondo e admitindo como guias do juízo estético as relações numéricas e o traçado geométrico 21. :f: exatamente disso que se trata: uma determinada época r esolve aceitar como guia tais e tais padrões, nada mais que isso. Trata-se de um fato cultural (como tal, passível de ser circunscrito, datado e localizado) e não de uma tendência inata ao homem que precise ser corroborada pela análise matemática. E que nunca foi absoluta nem mesmo na Renascença. :f: o mesmo Choisy quem reconhece que essa época não se ateve de modo único a essas relações numéricas e geométricas, continuamente retificadas, em sua própria expressão (a prática corrigindo a teoria). Por que fazer, nesse caso, desse e de outros conceitos de harmonia a regra para a prática da arquitetura (digo da arquitetura porque as artes plásticas já a abandonaram há muito tempo, há pelos menos 70 anos) e, mais, por que falar mesmo de harmonia já que parece impossível desvincular seu conceito do conceito de equilí brio, integração entre as partes, passagem suave do todo às partes e vice-versa? Michelis teria uma resposta a esta última indagação: continua-se a falar em harmonia porque não se pode deixar a arte repousar inteiramente sobre o valor subjetivo do artista 22. Insiste na existência de "leis" da harmonia, leis f ormais que o artista, "pela graça da inspiração" (!) concretiza na prática. Por que tanto medo da liberdade de criação, por que o desespero no sentido de impor normas, estabelecer quadros fixos de onde não se pode sair? Já se sabe porquê: com a conformidade geométrica se manipula melhor o gosto das pessoas e por conseguinte, simplesmente, as pessoas. Armadilha em que o artista e o arquiteto não devem cair. O mesmo tipo de argumentação e de ob jeções vale numa análise dos outros dois elementos agora fundamentais da estética da arquitetura, a medida e a composição. E como eles não são, como já ressaltado, essencialmente dif erentes da harmonia e do ritmo não há muita razão para nos estendermos em sua apreciação. Fala-se na medida est ét ica porque há necessidade de se julgar, avaliar - o que só pode ser feito atra21. 22.
CHOISY, Hi stoi re de l' ar c hitec tu re , MICHELIS, op. c it ., p. 149.
n, p.
64.
vés de uma comparação que, por s).la vez, necessita de uma medida. E mais uma vez comparece o número de ouro como medida suprema, ou ainda a proposição do corpo humano como medida. Se discorresse sobre a medida com a f inalidade única de transcrever as experiências já feitas pelo homem, não haveria nada a censurar; mas se pretende impor uma ou algumas noções imperativas de medida, caímos no mesmo problema de mistificação do gosto estético já abordado. Nesta última hipótese, a reflexão sobre o estético em arte ou arquitetura pode perfeitamente dispensar essa noção de medida, como de resto pode dispensar também as noções de composição, tais como vêm sendo repetidas, por redundantes e inadequadas. Redundantes porque "composição" é apenas outro modo de se dizer "harmonia" (ver Michelis: a composição se obtém através das "leis da classificação e da subordinação tendo em vista realizar a unidade na dliversidade" 23; quando não é isto, se diz que a composição se define por: "a) uma dialética de seus elementos com uma idéia central e desta com o resto; b) a definição de uma idéia clara; c) a originalidade da definição", o que constitui uma colocação que não especifica absolutamente nada: o que é uma idéia clara. () que é uma originalidade? etc.). Inadequada porque seus princí pios são os propostos por uma época passada que não deve ser encarada como a única e obrigatória porta de saída para a humanidade. Essa época sem dúvida representou muito para todo o mundo ocidental, e sua força é inegável: basta que se olhe a nossa volta. Mas não se pode permitir que ela seja igualmente nosso túmulo, a tumba de nossa criatividade. Deve-se então, pura e simplesmente, jogar pela amurada todas essas noções de harmonia, medida, composição? Não propriamente: continuam f igurando dentro do pensamento estético, mas apenas como pólos de oposição. A elas se pode (e se deve) opor a dissonância (assimetria) e a decomposição, como lembra Zevi. Ao invés de proceder de acordo com o padrão simétrico, eu desloco os elementos elencados de suas posições habituais (dissonância). Ao invés de procurar integrar todos os corpos da construção numa unidade íntegra e perf e ita (composição) eu decomponho a construção numa série de corpos que se ligam, por certo,
mas que não procuram formar um bloco monolítico e f e chado (a decomposição). Exemplo de ambas as novas práticas se tem, mais uma vez, na Casa da Cascata 24 (Fallingwaters) de Lloyd Wright (1936-1939) e no projeto de Gropius para a Bauhaus em Dessau 25 (especialmente em relação à decomposição). O eixo que poderia agrupar essas oposições (e esse agrupamento se justif ica na medida em que, como observado, ritmo, harmonia, medida e composição não são quatro conceitos distintos mas apenas um único conceito do qual não constituem nem verdadeiras etapas) poderia se apresentar sob a denominação H armonia versus Sé rie. Série como, em que sentido? Série no sentido proposto por Pierre Boulez 26, um modo de pensar polivalente, uma reação ao conceito segundo o qual a f orma é sempre algo que preexiste e, ainda, para o qual uma forma sempre preexiste (a f or ma renascentista, na acepção ampla do termo, ainda hoje é dada COmo algo preexistente à atividade artística). A obra harmônica é uma obra f echada, terminada, acabada, que não se pode questionar, enquanto a obra serial é uma obra aberta, um "universo em perpétua expansão" como diz Boulez. Fundamental na obra serial é o fato de propor-se ela como uma constelação (conjunto de elementos frouxamente relacionados, conforme propõe a lingüística de Hjelmslev), COmouma assemblage livre, e não como uma ordenação absoluta de constantes (isto é, de elementos que têm necessariamente de aparecer, e de um determinado modo, a fim que apareçam igualmente outros elementos determinados: na constelação, a existência de um elemento não implica a. ~xi.stência de outro e assim se um dado plano é dlVldido em dois por um eixo imaginário, o fato de terse tais f iguras ou conformações num lado não implica que se terá as mesmas figuras no outro). E mais importante ainda é o fato de que a ideologia e a prática serial não pretendem regredir ao código gerativo primeiro (como acontece com o pensamento harmônico renascentista, para o qual trata-se sempre, ainda hoje, de retomar ao modelo original proposto no século XV e que remonta à Antiguidade) mas sim produ zir novos códigos. Função particularmente importante pois se é fato que o artista e o arquiteto não deve preocupar34. 25. 26.
Ilustração n.o 11. Ilustração n.o 12. P. BOULEZ, R e l évés d' app re n ti,
ParIs, seul!, 1966.
..
n9 11: "Fallingwaters" ou "Casa sobre a Cascata", de Frank L10yd Wright. em Bear ~~n, Pennsilvania _(1936-1939): arquitetura da qual não partIcIpa a preocupaçao pel? simétrico. Formas e volumes são combinados de modo ~ntlclássico. A composiçf:o não segue as norma~ do geometns~o classicista, podendo-se f alar assim em verdadeIra decompos!<' ao.
Ilust ração
n9 12: A Bauhaus de Dessau (1926), em que trabalharam Gropius e Mies van der Rohe. Blocos que se interpenetram, ausência de simetria clássica: decomposição arquitetura!.
Ilust ração
se com ser uma máquina de pt:üduzir novidades (que se transformam, normalmente, em falsas novidades) não é menos certo que sua tarefa é a de encontrar propostas que se adaptam a novas exigências humanas que são, estas, reais e indiscutí veis. E o pensamento serial constitui um pólo adequado para o eixo proposto na medida, primeiro, em que o elenco ou listagem não é nada mais que um procedimento de série (organizar numa seqüênCia um número de elementos livremente determinados, tal como f oi proposto para o conceito de elenco) e, segundo, por encaixar-se plenamente dentro do plane jamento serial a prática da assimetria e da decomposição. Quando eu construo por decomposição (quando componho por decomposição), e de modo assimétrico, estou elaborando uma série, não mais um "todo íntegro", quer dizer, fechado: na decomposição, na assimetria há sempre uma abertura, urna possibilidade de continuação exatampnte o que há na série, na serialidade, e que não e1:iste na harmonia renascentista com sua f obia da liberdade criativa (pelo menos tal como é defendida atualmente) 27. Este único eixo Harmonia X Série aqui. proposto para a organização do sentido no discurso estético da obra arquitetônica não vai def inir, só ele, toda a estrutura desse mesmo discurso, por certo. Todo um con junto importante de conceitos de estética da arquitetu~ ra não foi aqui analisado. Mas me parece que é sobre esse eixo que repousa todo o arcabouço dessa estética; sem ele, o resto não se sustenta, e se ele estiver mal posto, como continua a ser colocado pela estética tradicional, a obra que se constrói sobre ele será uma obra que, se existe, é em geral morta ou nula e no mí nimo, e na esmagadora maioria das vezes, irrelevante. E o novo eixo f ormulado pretende possibilitar (como propunha Paul Valéry também citado por Michelis, que n o entanto jamais conseguiria realizar tal projeto em seu sistema) que os edif íc ios da cidade deixem de ser mudos ou, quando f alam, deixem de balbuciar: que eles cantem, essa a norma. 27. Por certo se cria, na produção serlal, uma outra "harmonia" e em principio nada Impede que se continue a utlUzar o mesmo termo "harmonia" para a quaUtlcaçáo desse outro adequamento estético - desde que ele seja despido de suas conotaçõeB tradicionais.
lU.
DESCONSTRUÇÃO DO SENTIDO: ANTIARQUITETURA?
Muitos def ensorf1s de uma nebulosa e indefinida "antiarquitetura", diante dos sete eixos aqui propostos COmo organizadores da linguagem arquitetural, poderiam indagar se não lhes seria lícito utilizar este instrumental teórico e propor um eventual eixo Espaço Durável X Espaço Perecível que def endesse a idéia que ocasionalmente retoma a seus adeptos: a de uma arquitetura perecível, uma arquitetura transitória a oporse à arquitetura tradicional do estável. A tese, de iní cio, é tentadora, e poderia ser esta: o espaço durável não apenas "destemporaliza" a ar-
quitetura (mata-a) como impede que as formas do habitat evoluam (ou, pelo menos, se modifiquem), com isso fixando o homem num ambiente arquitetural e, conseqüentemente, fixando-o numa determinada condição social, psicológica, filosófica enfim I. Seria possível demonstrar a validade (ainda que relativa) dessa tese em alguns dos setores da prática arquitetural; vamos ficar com um deles, o da arquitetura teatral (onde esse confronto entre durabilidade e perecibilidade pode ser amplamente verificado e onde exerceu inf luências consideráveis e fáceis de constatar) a fim de avaliar as possíveis excelências de uma arquitetura perecível para, a seguir, considerar suas possibilidades na arquitetura comum do quotidiano.
;Uma sala excepcional para a história do teatro é se nenhuma dúvida o Teatro Olímpico de Vincenza, pro jetado por um nome particularmente importante na arquitetura renascentista, Andrea Palladio. Construí do entre 1580 e 1585 (terminado quando seu autor já havia morrido, mas rigorosamente de acordo com seus planos) o teatro chegou à atualidade -embora inteiramente construído em madeira. Na época de sua construção a madeira já tinha sido abandonada há muito tempo, pelo menOs para as grandes edificações como igrejas, palácios, edif ícios públicos: há pelo menos quatro séculos a norma já era a pedra, no todo ou em parte. Os teatros no entanto, via de regra, continuavam a ser feitos em madeira. A razão desse procedimento não é de f ácil determinação. Em toda a Idade Média os espetáculos teatrais nunca tiveram um lugar que se pudesse chamar de especí fico e próprio. Ou se desenrolavam no interior das igre jas e a sua volta (os "mistérios" litúrgicos iniciais) ou mesmo nas praças públicas - ou então nas salas privadas dos palácios. A transição para uni lugar próprio foi gradativa, bem lenta, mesmo porque não se sentia essa necessidade: ou o espetáculo era para o grande público 1. o que vem primeiro, um sistema de valores, do qual decorre um sistema de organização espa.clal, ou uma f orma espacial que possibilita determinados valores, Impedindo outros? Não Importa muito: na situação atual, é pref erivel - e necessário - partir da fórmula dos construtlvistas soviéticos (1920-1930),segundo os quais novas relações sociais eXigemum espaço novo, devendo-se portanto propor esse espaço novo para ajudar a permitir aquelas relações.
(e para isso bastavam as praças das cidades e as companhias itinerantes de atores com suas carroças) ou se tratava de um teatro "de elite" (usando telões pintados, maquinaria sofisticada) sustentado pelas cortes ou casas nobres locais às quais se agregava - e neste caso bastavam as imensas e múltiplas salas senhorias. Há um momento, no entanto, em que mesmo sem ser aberto ao "grande público" (é sempre uma pequena elite que o consome) começam a aparecer as salas ditas públicas, levantadas como edifícios separados. e próprios. Mas não se explica bem por que ess~s construções, embora ainda lugar de nobres e prí nCIpes e contando com "apo:o oficial" (como a de Palladio) ainda sejam feitas em madeira: a cena do Olímpico apresentava uma cena fixa em mármore, a mesma para todas as encenações, e a madeira tinha de ser pintada para imitar essa pedra. No caso dos teatros surgidos através dos esf orços de pequenas companhias, sem recursos, se entende que a madeira fosse praticamente a única solução possí vel. Mas nos outros. .. Não reconhecimento de uma utilidade maior para o teatro, ainda encarado como mera diversão e que de fato assim se apresentava? Não merecendo portanto o empenho de fortes somas? Nem mesmo o perigo das catástrofes levava à construção em pedra: f reqüentemente se empregavam em cena engenhos incendiários de razoáveis proporções (dragões vomitando f ogo real) ou se mostravam casas incendiando-se (realmente) em seguida a b atalhas. Mas nada: tudo era recebido na dimensão do fantástico, e o espectador não costumava pensar que aquele fogo (visto mas considerado eventualmente de fantasia, pois fazia parte da fábula) pudesse atingi-Ia. Seja qual tenha sido a razão específica desse proceder, a construção de madeira foi particularmente útil para o desenvolvimento de novas concepções no teatro, foi mesmo uma de suas especiais alavancas. Isto porque uma armação em madeira, naturalmente, se desfaz e refaz senão à vontade pelo menos com muito maior liberdade de ação do que num edifício em pedra. A cena se revela pouco prof unda num dado momento histórico? Aumenta-se-a, facilmente. As arquibancadas do público são muito extensas, atrapalham um espetáculo que tem de vir para a frente do palco? É f ácil reduzi-Ias. A boca de cena é muito alta ou
baixa? Isso não constitui granqe problema. Embora essas alterações não sejam freqüentes (podendo-se passar mais de uma dezena de anos sem. a ocorrência de quaisquer modificações) são inúmeros os teatros que acabam passando por profundas reformas, ao longo de um período razoável de tempo. Algumas delas motivadas por "simples" razões técnicas decorrentes das exigências dramatúrgicas, outras em seguida a incêndios, desabamentos ou degradação do material. O Teatro Schouwburg, de Amsterdã, assim se apresentava quando de sua inauguração, em 1638: sala para o público em forma de U, com dois lances de camarotes encimados por uma galeria em f orma de arquibancada; cavea 2 livre e uma cena situada numa extremidade da sala, sobre um elevado e com sua estrutura visível chegando até o teto (sem arco cênico, portanto). Em 1774, o nOvo Schouwburg é inteiramente diferente, não só na arquitetura quanto no conceito de teatro: a relação cenaespectador, que era bem mais livre no anterior (pois os espectadores da platéia não tinham onde sentar, ficando em pé e movimentando-se livremente de um lado para outro durante a encenação), agora se caracteriza pela separação, pela distância absoluta determinada particularmente por um arco cênico (outra mudança) que rebaixa o teto visível da cena; e embora os camarotes continuem, a cavea é agora ocupada por f ileiras contínuas de madeira à guisa de "cadeiras", como numa arquibancada. O The Royal Theatre of Drury Lane 3, Londres também tem uma história verificável. Quando de sua construção, em 1764, todo o pavimento do palco é ligeiramente inclinado, e o próprio palco se projeta sobre a platéia por uns cinco metros. Em 1696, ColJey Ciber, seu diretor, amputa o palco dessa plataforma para aumentar os espaços do público, empurrando a cena para o fundo da sala e rompendo a ligação mais imediata entre cena e espectador, possível no espaço antericr. No Drury Lane de 1775, o palco volta a ser maior, porém em largura e altura especif icamente, e outra mudança em 1808 vai de novo aumentar a sala: de 3, as galerias passam para 5. Em cada mudança, é todo um 2. Aquilo que hoje se chama p latéia, embora o sentido deste termo fosse de Iní cio bem diferente, pois designava um lugar diante da cena, um lugar plano ( pl ayne) a ser ocupado, também ele, pelos atores, colocando-se os espectadores apenas a lém dessa platéia. 3. Ver ALLARDYCENICOLL, Lo spazio "scenico , Roma, 1971.
conceito de prática teatral que se abandona e outra que se adota: o teatro vivo. A partir do século XIX, no entanto, as questões de segu~an~a ~om~çam a se impor: as preocupações com os lllcendlOS e constante (afinal Londres já tinha sido atacada gravemente pelo fogo p:lo menos em duas ocasiões). Para o teatro, chega-se a impor o uso de uma cortina metálica que separaria o palco da sala. Mas como sustentar uma cortina dessa espécie sem um ar~o cênico sólido? E o arco cênico, que tinha apareCido e desaparecido várias vezes, e de vários modos, vem para ficar. Por longo tempo. A separação entre cena e sala é então definitiva e como mostra A. NicolJ, o teatro entra numa fase de estabilidade em mais de um sentido: fixa-se, e vai começar a se Úbertar de novo praticamente apenas a partir da terceira década do século XX. O exemplo da arquitetura do teatro é como se vê particularmente eloqüente: uma função, a f unção teatro' se modificou e modificou seu espaço - porque est~ espaço e;a modificável facilmente, ela se modif icou; f ato posslvel talvez em virtude de uma certa anomia na história da arquitetura, isto é, a construção em madeira quando a regra já era a pedra, o definitivo. . ~ ~ácil perceber onde se quer chegar com esse raClOcmlO: que se poderia fazer com a função habitar se seu eSJ:aço fosse tão maleável assim? A idéia é que essa funçao, como todas as outras, não só muda como deve mudar através da história do homem. E para tanto ,0 material neJ? precisaria ser necessariamente pereclvel: o forneCimento de "paredes" internas facilmente removíveis e modificáveis seria um começo _ mas para a antiarquitetura isso não basta os limites exteriores sempre permaneceriam fixos. E ~omo o home~ .não v~ .necessidade de mudar algo que ainda esta firme, so1Jdo, sem uma perecibilidade total do esp.aço a tendência para a ausência de mutações tendena a manter-se. O sólido, o pesado, o eterno, argumenta-se eram comp.r~ensíveis numa época em que a tecnologia não pe~mltla outra solução: as construções em pedra, depOISem ferro e concreto armado f o ram ao mesmo tempo. a melhor e praticamente as únicas possíveis e viáveis sob o aspecto segurança, abrigo, economia. Atualmente, no entanto, uma variedade de novos materiais
poderiam perf eitamente substituir os antigos: são tão resistentes quanto eles - e são perecí veis, quer porque se acabam mais rapidamente, quer porque podem ser "jogados fora" sem muito prejuízo (ou sem pre juízo algum, se se pensasse nas despesas de conservação . necessária para as construções tradicionais a partir de um dado tempo). A casa descartável? Por que não? Muitos projetos já existem a respeito, essa idéia não seria em absoluto uma archit- fiction! De f ato, muitas das objeções à arquitetura perecível são de ordem econômica não defensável. O espaço durável em arquitetura é, ainda, privilegiado na verdade não por seus méritos eventuais intrínsecos mas pelo fato de que se transformou em objeto de propriedade e de propriedade lucrativa: "investir em pedra", sonho (até hoje) sem idade histórica e sem fonteiras. E que deixaria de ser possível (ou seria bem diminuído em suas proporções e conseqüências) quando a "';asa" só tiver seu real valor d e uso , e não um valor de troca e de perpetuação freqüentemente mantido de modo artificial. A casa descartável ao contrário do que acontece hoje com a casa durável, não seria a única coisa a se valorizar continuamente enquanto se desvaloriza sempre todo o resto, a começar do papel-moeda e d~ força de trabalho, limitada pela idade e sufocada pelo maquinismo e pela acentuada reprodução da espécie. Uma outra objeção que se poderia levantar a esse tipo de antiarquitetura não seria, de f ato, dif í c il de superar: a de que a prática do espaço perecível é prática consumista a querer se propor justamente quando a humanidade está atenta para os excessos do consum o e quando os indivíduos começam a reagir contra a ordem quase irretorquÍvel de consumir cada vez mais. Na verdade, tudo dependeria do sistema sócio-econômico em que essa prática se inserisse. No sistema atual, dif icilmente ela deixaria de fato de constituir em real alavanca do consumo; mas num sistema que deixasse de lado a corrida à acumulação de bens, a ostentação, a troca entre quantidades desiguais de trabalho e dinheiro, a sede do supérfluo, o espaço descartável seria uma simples necessidade como outra qualquer. Ninguém precisa de um guarda-roupa com 100 vestidos, 20 pares de sapatos. Mas tampouco pode alguém viver sempre com um único jogo de roupa, não só por-
que esta acaba chegando ao f im como porque a mudança pela mudança é necessária - pelo menos ao fim de um certo tempo, quando a anterior já tiver sido devidamente utilizada. Poderiam dizer também, contra essa "antiarquitetura", que talvez fosse mais simples mudar d e casa mas seria necessário mudar todo mundo de casa, e essas verdadeiras transmigrações humanas parecem pouco factÍveis. Em princípio, mais fácil seria realmente trocar a casa, substitUÍ-Ia por outra quando a primeira se consumiu. E este consumo da casa por certo evitaria outro aspecto sórdido do habitat moderno: a "degradação social" da casa. Um edifício começa abrigando determinada classe social; dez anos mais tarde, em média, já se degradou o suf iciente para af astar os antigos moradores e se of erecer a uma classe mais baixa; outro tanto, no máximo, e já se ~hega quase ao fim da escala social. Mas nesta altura a construção é um verdadeiro monturo (embora ainda em pé) indigno para a vida humana mas pelo qual ainda se cobram quantias injustificavelmente altas sejam quais f o rem seus montantes. Uma casa que realmente pereça não poderia ser recuperada. Por certo se dirá que uma modif icação social que acabe com as diferenças de classe acabaria com esse problema. Sem dúvida. Mas, novamente, o que vem primeiro: novas relações sociais ou nOvos espaços? Na dúvida, caberia realmente a indagação "antiarql1itetural": por que não f azer uma coisa e outra ou, se impossí vel, pelo menos uma delas, a mais fácil e a casa perecí vel seria a mais f ácil. Sob o ponto de vista psicológico, o espaço perecível também poderia ser defensável. Se parece inadmissível, atualmente, que alguém mude constantemente de espaço ambiental a ponto de desenraizar-se tanto que seu equilí brio psíquico seja rompido (e a necessidade de algum enraizamento parece evidente) por outro lado não se pode justificar que alguém passe toda uma vida num único espaço, ou em dois ou três apenas (e é enorme o número de pessoas que não chegam realmente a ultrapassar esse Índice): a monotonia, a repetição fecha-lhe não só os horizontes físicos como, e isto é mais grave, seus horizontes "espirituais". Se se quisesse levar a sério a temporalização do espaço, a hipótese do espaço perecí v el não poderia realmente ser descartada.
A argumentação exposta até aqm e em princí pio aceitável, e chama a atenção para um aspecto realmente importante da organização e uso do espaço. Mas não parece que se deva aceitá-Ia inteiramente e, a partir daí , propor a perecibilidade do espaço como norma operacional de preferência. Há algumas ob jeções que não se descartam tão facilmente. Uma delas diz respeito ao problema da consciência histórica dos gr:uPos. sociais. O "jogar fora", o "não conservar" eqmvalena a uma verdadeira operação de desenraizamento histórico. O que seria o mundo sem os museus, e sem as bibliotecas - sem as pirâmides, Versalhes, o castelo sforzesco, o castelo de Sant'Angelo? Não apenas insuportável como possivelmente inviável: assim como é somente a partir de um livro anterior que se escreve um novo livro, da visão de um quadro antigo que se faz um novo quadro, da mesma forma a arquitetura passada é o ponto de apoio para a nova arquitetura. Por certo existe em relação à conservação e consumo turístico dos monumentos arquitetônicos uma série de profundos mal-entendidos e distorções que não se consegue eliminar. Quando se visita uma pirâmide, por exemplo, costuma-se admirar o gênio de um povo, de uma época; fica-se extasiado diante da beleza ou da capacidade técnica. E esquece-se normalmente que na verdade uma pirâmide, ou o Partenon, ou o Coli&eu, não nos dá exatamente a medida da genialidade de um povo, nem o retrato de uma época - pelo menos, não diretamente, como se pensa. São no máximo indí cios da prática de uma pequena classe social. Onde está a arquitetura dos sem-história? Onde está a arquitetura dos sem-arquitetura? A arquitetura egí pcia que se vê hoje não era a arquitetura do povo egípcio, assim como a arquitetura grega que se estuda não é a arquitetura do povo grego da época. Da arquitetura desse povo nada ficou - talvez até nem merecesse ficar, mas de qualquer forma uma pirâmide não é a história desse povo. É, sim, uma história, mas ao contrário: percorrendo-se uma pirâmide se pode sentir que espécie de vida levaram os 100. 000 homens consumidos (na total acepção do termo) na sua edificação. De fato, todos os monumentos arquitetônicos considerados normalmente como expressões mais altas do humano podem ser, de f ato, isso mesmo - mas são também resultados e manifestações, indí c ios cla-
ros da opressão do homem pelo homem. Todos: qual a exceção? Isso não signif i ca que devam ser destruídos, esta seria uma idéia inadmissível; devem ser conservados desde que se ressalte o aspecto negativo de que se revestem. Mas não só estas edificações: também aquelas que caracterizam os s~m-história, os sem-arquitetura. Talvez assim, entre outras coisas, um dia se preenchesse essa monstruosa lacuna na história da arquitetura: a análise da arquitetura comum, do homem comum. Na História, até recentemente um relato e análise das idéias e f eitos de alguns indivíduos "notáveis", já se traçam as linhas de definição dos grupos humanos que antes só apareciam, nos textos eruditos, como sombras difusas, pano de fundo para a ação de alguns poucos indivíduos. Na História da Arquitetura só se vêem as "grandes obras", os "grandes nomes". E o r esto? Pode-se dizer: permanece apenas aquilo que é excepcional, o notável, o bom. Mas mesmo que seja realmente "o bom", ele nunca será adequadamente entendido se o outro, "o mau", não o for igualmente. Sob este aspecto, a descartabilidade do espaço não deveria ser praticada. Hoje já se consome e põe de lado muita coisa, e coisa importante para a memória do homem: não há nenhuma necessidade de que também a memória arquitetural do homem se perca. Ao contrário, a vida humana (do indivíduo e d o grupo) está baseada na recuperação e intelecção do passado. Há ainda uma outra grande ob jeção à perecibilidade dos espaços: o próprio desenvolvimento tecilOlógico permite atualmente mudar integralmente um espaço, na sua essência mesma, sem nada jogar fora, sem se arrasar estruturas, sem demolições e novas construções. Voltando ao exemplo da arquitetura teatral: atualmente não é mais necessário reformar, cortar, pôr abaixo basta o uso de máquinas e técnicas sofisticadas. Em Limoges, um novo teatro construído em 1963 tem um mecanismo que f az abaixar todo o teto (40 toneladas) de modo a esconder duas galerias, reduzir de um terço a capacidade de público e com isso permitir formas específicas de representação, com um contato mais direto entre cena e espectador do que quando o teto está levantado. Em Aalborg, um outro teatro tem paredes corrediças (pesando 70 toneladas) de modo a
aumentar ou diminuir a extensão de uma das salas: uma peça mais "intimista", e f echam-se as paredes; se grandes espaços são requeridos, são abertas - mas o teatro permanece o mesmo em seu conjunto geral. Com uma utilização bem menor dos mecanismos, o teatro da Universidade de Miami (1950) possui uma sala que rapidamente se transforma em 5 tipos básicos de palco e de relação cena-espectador, criando-se desde um skené segundo os moldes clássicos gregos até um teatro de arena com a cena totalmente cercada pelos espectadores, passando por uma cena elisabetana e um palco tradicional com o arco de proscênio. Esta perspectiva criada pela multiutilização de uma mesma estrutura básica, anterior às manifestações dos atuais "antiarquitetos", vai na verdade muito além da proposta pelo espaço perecível; é, mesmo, mais revolucionária; e mais econômica, mais prática, mais útil socialmente. Com ef eito, um suposto eixo Espaço Durável X Espaço Perecí vel pode ser reduzido aos casos de m~: nipulação do Espaço Interior nos termos em que Ja se falou mais atrás: proposição de divisões móveis, maior possibilidade de arranjos, etc. O espaço perecí vel não parece ser algo que a humanidade atualmente se pode permitir, ainda mais se se constata que os modos de ocupação do território (inevitáveis, pelo menos em algumas regiões de elevada densidade demográf i ca como na Europa) exigem o edi~ício ,de vá~ios andares, para os quais o espaço pereclvel e pratIcamente impossível, quando mais não seja, sob o aspe~to econômico. Mesmo porque a grande mudança espacial para o indivíduo seria realmente a mudança de lugar, da qual a perecibilidade do espaço seria um ersat z. A simples modificabilidade do espaço interno também, sem dúvida; mas surge como mais conveniente à escala do homem atual. A relação espaço durável/ espaço perecível vale talvez como exercício teórico: chama a atenção para uma série de contradições e mal-entendidos referentes ao espaço durável, praticamente não questionados. Mas sua transformação num eixo autônomo do discurso arqu;tetural equivaleria a pôr em prática mais uma dessas falsas revoluções, tão freqüentes, fáceis e comprometedoras na história da arquitetura.
HI.2.
Arquitetura não-racional, ar quitetura irracional , ar quit etura r adical
A LINHA RETA É lMPIA. Para Friedrich Hundertwasser, essa é uma certeza absoluta e inquestionável. E ele é duro, veemente: os proponentes e defensores da linha reta, da arquitetura racional não diferem em nada de carrascos e torturadores: são os Torquemadas sutis da civilização industrial. Hundertwasser vai direto à fonte, e à fonte certa: a desgraça do homem moderno, da arquitetura moderna começa com Adolf Loos. Sim, Loos, o puritano Loos, o opositor do liberalismo formal da art nouveau , o inspirador de Le Corbusier e, por conseguinte, de Niemayer e de quase tudo aquilo que se pratica hoje em arquitetura. Para Hundertwasser, não há dúvida alguma: Loos deveria ter substituído o ornamento estéril (como era o do movimento secessionista, ao qual se opunha) não pela linha reta mas pela vegetação viva. Mas Loos apostou no igual, no plano e no liso - e a linha reta é justamente a única linha não-criativa. Hundertwasser parece mesmo exagerar, mas sua análise é nada mais que precisa: a linha reta trabalha pela perdição da humanidade. Ele não consegue prever como será o fim do mundo, mas já consegue sentir um antegosto desse apocalipse: Em cada habitáculo de New York há de dez a vinte psiquiatras. As clí nicas estão lotadas de loucos que nelas não se podem curar, porque também as clínicas foram construídas conforme Loos.
Análise exagerada? Nem um pouco. Antes, uma severa crítica aos psiquiatras que, na ânsia de mergulhar no mundo interno do paciente, esquecem-se de seu mundo externo, que o condiciona, e desconhecem o que é arquitetura, o que é uma arquitetura humanamente positiva ou negativa. As doenças dos homens internados nos HLM 4 estéreis prosperam na mortal unif ormidade. Eles se fazem feridas, 4 . Habit atio n s à l oye r modéré: grandes conjuntos residenciais de aluguel médio, geralmente situados nas zonas afastadas dos subúrbios das grandes cidades européias. A palavra "Internados" é forte - mas corresponderla à realidade? Pelo menos sob um aspecto essas pessoas estão realmente isoladas: afastam-se, por f~rça. da grande cidade, onde geralmente trabalham mas da qual nao usufruem, em seu lazer, pois estão a quilômetros dela. Criam-se assim, junto a esse con juntos, centros artificiais para tentar satisfazer essas pessoas - na maioria das vezes, Inutilmente.
úlceras, çâncer e mortes estranhas. A reconvalescença é impossível nessas construções. Apesar da psíquiatria e da previdência social. Nas cidades-dormitórios 5 registra-se um número cada vez maior de suicídios e um número inf i nito de tentativas de suicídio. São as mulheres que não podem sair de casa durante o dia, como os homens. Podemos ficar falando durante horas e horas sobre a miséria que começou com Loo s.
o nii1ismo dos internados exprime-se no declínio da vontade de trabalhar, no dec1ínio da produtividade. Tenho certeza que os psiquiatras e a estatística me d1io razão. Pois também a aflição pode ser expressa em cifras em dinheiro. O prejuizo que a construção racional causa é incomparavelmente mais elevado que sua aparente economia. Essa é a prova de que os edifícios racionais tornam-se criminosos se os deixarmos em seu estado atual. Não sou tão contrário assim à produção em série. INFELIZMENTE AINDA PRECISAMOS DELA. Mas deixar as coisas fabricadas em série no estado em que as recebemos é demonstrar a própria captividade e aceitar ser escravo. Sua lucidez é perfeita, não há em seus propósitos traços de um romantismo desesperado ou de um revolucionismo inf antil. Ajudem-me a anular as leis criminosas que oprimem a liberdade de construir criativamente. Os homens nem mesmo sabem que têm todo o direito de modelar suas roupas e suas h abitações, interna e externamente, conforme seus gostos. Um arquiteto único ou único mandante não pode carregar a respon sabilidade por todo um bloco de casas, nem mesmo por um único prédio onde habitam várias famílias. Esta responsabilidade deve ser reconhecida a cada habitant~, quer seja arquiteto ' ou não.
A seguir, um pouco de anarquismo, sem dúvida. Mas não muito: TODAS AS LEIS DE SERVIÇOS URBANOS, QUE PROIBEM OU IMPEDEM AS TRANSFORMAÇõES INDIVIDUAIS DA CASA DEVEM SER ANULADAS. CONST ITUI MESMO UM DEVER DO ESTADO APOIAR E AJUDAR FINANCEIRAMENTE CADA CIDADÃO QUE DESEJA PROMOVER MUDANÇAS INDIVIDUAIS NO EXTERIOR OU INTERIOR DE SEU APARTAMENTO.
Mas esse problema ideal é logo trazido à terra, para reconforto dos que pensam nas normas de segurança social. O homem tem direito à própria pele arquitetural 6. Com uma única condiç1io: as vizinhanças e a estabilidade da casa 5. Justamente, esses HLMe seus centros pré-fabricados. McLuhan já nâo demonstrou que a casa é uma extensâo da pele? Neste caso, este direito deve alinhar-se realmente entre os mais sagrad06 do homem.
daquele que promove as transformações não devem oC r r tr n formações. Mas, para isso existem os técnicos que oll rn calcular tudo tão bem. Não apenas o proprietário do opor lamento MAS TAMBÉM O LOCATÁRIO DEVE TER A P SIBILIDADE DE MUDAR TODA A ARQUITETURA. O estado anterior da casa não deve ser restabelecido a menos que o locatário seguinte não esteja de acordo com as transf ormações da habitação. Mas é quase certo que as mudanças arquitetônicas, que de todo modo tendem para o humano, ser í :o benvindas ao próximo locatário.
SE A LEI SOBRE A MODIFICAÇÃO INDIVIDUAL DAS CONSTRUÇÕES não for retificada, a psicose de prisão dos internados {nesses prédios) irá aumentando até um final horrível. Para isso há diversas soluções:
Recusamos utilizar essas jaulas de escravos. Recusamos entrar nelas. Se formos convidados à casa de amigos ou a ir à polícia e essas casas forem uma .caixa estéril, corremos ao telefone mais próximo e rogamos a essas pessoas que venham para fora. 2. A TRANSFORMAÇÃO VISITANTE
ARQUITETÕNICA
PELO
Demonstrei isso pessoalmente, pela primeira vez, num alo jamento para estudantes. Entremos numa jaula de escravos apenas se pudermos modificar sua arquitetura. Quem é o responsável por esse estado de coisas? OS ARQUITETOS COVARDES, MARIONETES NAS MÃOS DE PROMOTORES DE VENDA INESCRUPULOSOS. Em todo caso, aqueles que fogem, se revoltam ou se suicidam são privilegiados. Todos os que não têm esses meios de escapar perdem suas almas, sua humanidade, seus bens mais preciosos e, do mesmo modo, todas as outras coisas 7.
Trata-se, aqui, de um dos manifestos mais lúcidos e mais apaixonados da história da arquitetura. Outros já discorreram sobre os males da arquitetura contemporânea: Hundertwasser nos faz viver essa situação; muitos já insinuaram reformas sensatas: Hundertwasser nos grita as soluções óbvias, possíveis e imediatas. Sua
6.
7. Extraído do catálogo da exposiçlí o de Hundertwasser no Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris, maio-julho de 1975.
declaração deveria ser entregue a todo estudante de arquitetura que entra na universidade. E no momento de graduar-se deveria lê-Io novamente, pois possivelmente o ensinamento recebido nesse tempo teria apagado esses princípios de sua mente. E em todo momento de sua atividade profissional essa declaração deveria imporse constantemente em seus projetos. Idealismo? Romantismo? Coisa de artista? Nada disso: Hundertwasser é nada mais que lúcido, e nada visionário. Não prega revoluções impossíveis (leia-se: economicamente impossíveis). Apenas mudar aqui e ali essas caixas estéreis a que chamam "apartamento" já seria um começo, um bom começo. Em 1973, Hundertwasser planta uma série de árvores grandes nas janelas de um edifício de apartamentos na Via Manzoni, em Milão: loucura, impossível? Por quê? Que critérios nos oràC'nam a respeitar a fachada agressiva e morta, de concreto ou de ignóbeis pastilhas anônimas? Só o medo. O medo à criatividade. Um medo que o espírito neo-renascentista nos incutiu (isso quando a Renascença f oi, ela, um movimento e um momento de intensa criação). Um medo que temos de nos libertar e que não atinge a Hundertwasser enquanto mostra que também na arquitetura a imaginação deve ter vôo absolutamente livre. Se as condições econômicas pennitem, Hundertwasser tem projetos mais completos, mais radicais: uma casa cujo teto está inteiramente coberto por um gramado, de fácil acesso a homens e animais que sobre ele andam livremente (construída na Austrália). Ou a casa "fenda de olho": implantada numa elevação, é praticamente uma casa subterrânea, encimada por árvores - a natureza não é ferida. Ou a "casa-fosso": à semelhança de antigas habitações orientais construídas nas paredes de grandes fossos cavados no chão, a casa-fosso é construída num enorme buraco ajardinado. Não atraem? Ele tem outros projetos: a casa dos prados elevados, um edifício piramidal com patamares que se estreitam à medida que se aproximam do "cume" e que formam tetos (para os apartamentos inferiores) cobertos com grama, árvores e mesmo mato onde se pode até soltar animais. Mas não só as casas se modif icam: os postos de gasolina ficam ocultos em bosques, as próprias auto-estradas não rasgam (no sentido pleno da palavra) mais os campos, assolando-os com suas faixas estéreis, mas ficam
completamente camuf ladas pela terra e pelas árvores. Por toda parte, nos projetos de Hundertwasser, os tetos, paredes e superfícies se transf ormam em f lorestas: para o artista, uma boa arquitetura é a que se vê o menos possível. Existe outro princípio mais revolucionário na história da arquitetura ocidental, onde desde a Renascença (passando pelo Barroco, art nouveau , etc.) o problema fundamental é o de ser vista (o problema da fachada) e não o de ser vivida (uma enorme contradição para a prática arquitetural, transformada em monumental exercício de pintura, de comunicação visual ao ar livre)? Nem mesmo o Gótico escapa do rótulo "arquitetura de fachada", e nem os romanos, tampouco os gregos. Por certo alguns poucos nomes, em alguns poucos de seus projetos, praticaram algo do gênero proposto por Hundertwasser: mais uma vez, por exemplo, que se pense em Lloyd Wright, COmsuas casas que são traços horizontais quase a se confundirem com o meio ambinete (mas não o Lloyd Wright do Guggenheim Museum). Mas nenhum tem talvez a força criativa e a audácia libertária de Hundertwasser, um artista que passou para a arquitetura, mas que não esqueceu sua própria origem ao encarar a arquitetura como sendo essencialmente uma arte (não esquecendo, ao mesmo tempo, que a arquitetura êm suas origens sempre esteve ligada à arte e que os primeiros arquitetos sempre foram, inicialmente e acima de tudo, artistas). Diante da teoria e da prática de Hundertwasser, as demais "antiarquiteturas" que grassam por aí não passam realmente de brincadeiras inconseqüenteS' que freqüentemente não provocam nem mesmo o riso e que são quase sempre inadmissíveis porque socialmente prejudiciais ou, no mínimo, inúteis. Que faz por exemplo a chamada "arquitetura irracional", com seus edifícios de fachada que descola (Richmond, EUA) ou suas fachadas que desabam numa cascata imóvel de tijolos (em Houston, EUA)? Nada mais são que proposições kitsch que se inserem totalmente na chamada arquitetura de fachada, uma arquitetura para ser vista unicamente e nada mais, uma falsa arquitetura, um grande painel visual, uma arquitetura publicitária - e mentirosa, gratuita. Chamar isso de antiarquitetura é por certo excesso de pretensão: não chega nem mesmo a ser arquitetura! .... Como também nada são os movimentos de "arquitetura radical" que proliferam na
Europa e EUA (sob nomes d~ ficção científica levados a sério por seus adeptos, o que piora ainda mais a situação: Ufo, Libidarch, Archizoom, 9999, etc.) e que se propõem projetos de uma arquitetura culturalmente impossível onde não interessaria mais o produto acabado mas sim as relações com as pessoas. Que o produto acabado deixe de ser o objetivo supremo do arquiteto, muito bem: mas qual a alternativa proposta? A que esses grupos propõem não tem sentido algum, são verdadeiras e monstruosas brincadeiras de criança. Em Milão, recentemente, desenvolveu-se um desses pro jetos da arquitetura radical: um grupo de pessoas promovem ações insólitas. Um se amarra fortemente a uma cadeira, um outro enfia braços e pernas numa espécie de comprida meia furada, um terceiro cobre o rosto com uma máscara: ação de uma suposta vanguarda artística numa bienal de arte qualquer? Não, dizem eles, arquitetura radical em processo estudando o uso do corpo. Em New York, na mostra "New Domestic Landscape" 8, um grupo de radicais italianos (eles gostam de intitular a si mesmos em inglês) montaram seu stand: uma sala inteiramente vazia preenchida apenas pela gra,'ação de uma voz de menina repetindo, numa cantilena: "bonito, este ambiente, a gente se sente muito bem aqui, que bonita sala grande", etc. etc. Numa outra mostra haverá, numa sala, apenas uma porta que marcará o limite entre luz e sombra num ambiente· neutro. Arquitetura? Antiarquitetura? Não, andaram se enganando de exposição. Ou inconseqüência. Outros adeptos da "arquitetura radical" são mais "sérios": não expõem nada porque nada constroem, o que lhes interessa é apenas estabelecer um pro j~to - que fica como simples idéia, não concretizada. Tudo isso envolto numa suposta capa teórica que se pretende revolunária: "O fim último da arquitetura é a eliminação da própria arquitetura". Ou: "A vanguarda (a arquitetura entre elas) tem por f u nção a destruição técnica da cultura". Frases vazias e inconseqüentes, mostrando enorme confusão de idéias: obviamente, os "radicais" querem opor-se à arquitetura tradicional, essa arquitetura supostamente racional, manipulada por técnicos da construção peritos no método de construir mais rapida-
mente com o maXlmo de lucros possí vel - sem nenhuma consideração pelo ocupante da construção. Até aí, tudo bem; e opondo-se a essa arquitetura técnica querem lembrar que a base da arquitetura é a arte. Ótimo. Mas em seu movimento de revolta (e não de revolução) vão longe demais e esquecem-se que arquitetura não é apenas arte e não pode seguir os camidesta de modo absoluto. A arte pode eventualmente tornar-se apenas uma arte conceitual, isto é, uma arte que alguém imagina em sua mente, sem concretizá-Ia e ãando-se por satisfeito com isso, numa atitude inteiramente legítima que ninguém contestará. Mas a arquitetura só existe enquanto construção efetiva, não como conceito. As pessoas precisam de um lugar para habitar, onde se proteger, onde se esconder se for o caso. Deixar de considerar esta finalidade última da arquite. tura (que em absoluto visa destruir uma cultura, mas apenas ajl,ldá-Ia a corrigir-se, a encaminhar-se a seus fins mais elevados) é praticar um desrespeito em relação aos grupos sociais, à cidade, à sociedade, àqueles homens, mais particularmente, que por suas condições educacionais e econômicas necessitam absolutamente do arquiteto. Assim como é um desrespeito à sociedade participar do Projeto de Reforma do Moinho Stucky de Veneza com propostas desse tipo de "vanguarda": em 1975, no quadro da Bienal de Veneza, pensou-se em abrir uma espécie de concurso para o reaproveitamento da' enorme estrutura do. moinho Stucky, construção feita à beira do canal da Giudecca em 1895 (projeto final) agora desocupada e inativa .e que a municipalidade pensou 'em reaproveitar para entregar aos cidadãos como área de lazer e cultura. Chamamse os arquitetos e os artistas - que se revelam um bando de marginais da arquitetura e da cult1Jra que nada mais fizeram do que desacreditar ainda mais tanto a arte como a arquitetura modernas aos olhos do leigo. Que lhes pediu um lugar humano. Quais foram suas respostas? Deixar o lugar ser tomado pela vegetação (a participação desse "arquiteto" resumia-se na apresentação de um desenho do enorme edifício tomado pelo mato). Uma estrutura vacilante em equilíbrio precário colocada em cima da antena do moinho, e que ficaria oscilando conforme o número de pessoas que estivessem em seu bojo (desenhos e fotomontagens). _ Um terceiro sugere cortar toda a fachada do moinho
e deitá-Ia na água do canal, à "f rente do edif ício, enquanto o lugar da antiga f achada seria ocupado por uma queda d'água: com isso haveria uma troca de papéis entre o meio ambiente e a construção. Um quarto argumenta que o papel do arquiteto (e de uma arquitetura íntegra) não é reformar edifícios que foram originalmente propostos para uma certa f inalidade, que essa operação é contrária aos propostos da arquitetura, e que portanto ele não f aria nada, projeto algum. Outro propõe que se transportasse o moinho Stucky para o lugar do palácio dos Doges e este para o lugar do moinho. Outro, considerando-se sem dúvida extremamente vanguardeiro, ocupa seu espaço na mostra com f otografias de Veneza às quais f oram superpostas imagens de grupos de chineses: seu trabalho se intitula "A invasão de Veneza pelos chineses", ou algo do gênero, e vêem-se chineses em poses heróicas junto à catedral de São Marcos, colhendo arroz nos canais, sobre as pontes, arando o campo diante da estação, etc. É preciso recordar: tratava-se de uma exposição de pro jetos para o reaproveitamente do moinho Stucky, com finalidades sociais. Que dizer não dessa antiarquitetura (como alguns pomposamente rotulam sua prática) mas sim dessa miséria da arquitetura? Nem rir deles não é possí vel: esses "arquitetos" e "artistas" assumiram uma posição nitidamente anti-social, tornaram-se marginais da arquitetura e da sociedade e só podem mereCer realmente o desprezo desse corpo social. Como realmente os repudiaram a esmagadora maioria do público, da imprensa especializada italiana e, especialmente, de maneira aberta, clara e f undamentada, os funcionários da própria bienal que lamentaram a covardia da organização da mostra ao deixarem de recusar as brincadeiras onanistas propostas. Pelo menos esses funcionários, que imprimiram sua revolta em cartazes espalhados por toda a cidade de Veneza, tiveram a coragem de manifestar-se pública e vigorosamente contra a empulhação das vanguardas, até aqui aceitas incondicionalmente (pelo menos na aparência) por medo de se assumir contra elas uma posição que muito f acilmente seria taxada de reacionária ou, pelo menos, de conservadora. No entanto, já está mais do que chegada realmente a hora de, sustentando vigorosamente as vanguardas legí timas (como mola essencial do desenvolvimento da
atividade humana), denunciar abertamente as "vanguardas" da aparência, as "vanguardas fáceis", as "vanguardas" da incapacidade, do anti-social, da verdadeira imbecilidade. As "vanguardas" que, estas sim, são o legítimo foco da reação, do conservadorismo, do status q uo , compostas (tal como já se disse a respeito dos radicais italianos) nada mais que por burguesinhos desesperados à cata de um álibi pessoal. Estas, e a "arquitetura irracional" dos edifícios-catástrofes ou a "arquitetura radical", não são antiarquitetura: não são coisa alguma. São, se se preferir, produtos de comunicação (ou incomunicação) visual de pessoas que se enganaram de profissão. E de forma alguma constituem uma vanguarda do pensamento da arquitetura, que só pode ser definida através das propostas de um Hundertwasser e daquelas outras que podem ser encaixadas dentro daquilo que Zevi chamou de "azeramento" arquitetural: um retorno às funções primitivas da arquitetura em sua condição de integração perf e ita entre o construído e o natural, entre o homem e o meio ambiente da natureza, entre a cidade e o território (a ur batetura), e que não receia, para f ormular suas propostas, buscar inspiração nas aldeias primitivas dos Malis da África Ocidental, ou nas aldeias neoIíticas da Rodésia, ou nas cidades medievais (todos estes exemplos de arquitetura orgânica, em íntimo contato com a natureza e com as necessidades básicas naturais do homem) ou ainda mesmo nos próprios elementos da natureza puramente considerada, como as dunas a partir de cujos modelos Mendelsohn trabalhou. Esta pode ser chamada, se quiserem, antiarquitetura. Mas para que esta denominação não se perca, ela também, entre as fórmulas mágicas e mistificadoras das vanguardas vazias é necessário ressaltar que por antiarquitetura nada mais se deve entender que uma reação à arquitetura contemporânea naquilo que ela tem de proposta visual (ao invés de uma proposta do const ru ir efetivo), de uniformidade massif icante, de monotonia batizada de racionalismo (a linha reta), de repetição, de asfixia do comportamento humano, de luta contra a natureza, de submissão dos interesses humanos aos interesses da economia, do lucro. Por antiarquitetura se deve entender nada mais (e já é muito) que um trabalho de ressemanti zação das funções e elementos da arquitetura: estes foram perdidos, ficaram
esquecidos no meio da transfmmação produzida pelo chamado progresso industrial e trata-se assim não propriamente de dar-lhes novos significados mas, simplesmente, de devolver-lhes, de repor-lhes os significados originais: abrigo, proteção, conforto, construção para o desenvolvimento das potencialidades humanas em harmonia necessária com o meio ambiente (agora sufocado pelo homem, que com isso sufoca a si mesmo), integração com o mundo. Os eixos aqui discutidos (com seus pares de opostos a chamar a atenção para o elemento atualmente não praticado) apresentam-se justamente como os elementos organizadores' dessa nova linguagem, dessa linguagem ressemantizada (dessa antiarquitetura se quiserem) que nada mais propõe além do abandono dos balbucios e grunhidos não-significativos emitidos por "arquitetos" comerciais e "antiarquitetos", substituídos que podem ser assim, esses sons horríveis, por um discurso ao mesmo tempo lógico e poético (e nada mais adequado à arquitetura do que o conceito de poesia, pois poesia e construção, recorde-se, eram designadas por um único e mesmo termo na antiguidade grega, foco central da arquitetura ocidental) ou, mais simplesmente, um discurso humano. Exigir essa linguagem consciente e livremente criativa é exigir o respeito ao direito à arquitetura, idêntico ao direito à própria pele.
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