Quem Conta um Conto? Ana Maria Machado; Cristina Porto; Flávio de Souza; Ruth Rocha; Sylvia Orthof
Quem conta um conto? Ana Maria Machado Ganhadora do mais importante prêmio internacional da literatura infantil, o Hans Christian Andersen, em 2000, é autora de mais de cem livros. Cristina orto Autora de livros para crian!as e "ovens, "ovens, foi tam#ém professora e editora. $l%vio de &ou'a Além de escritor de literatura para crian!as e "ovens, é roteirista, ator e diretor de teatro. (uth (ocha rec recur urso sora ra da liter literat atur ura a infa infant ntilil,, é auto autora ra de mais mais de )*0 )*0 livr livros os,, entr entre e did%ticos, paradid%ticos e fic!+o. &lvia -rthof Autora de diversas o#ras de literatura e de teatro para crian!as, foi tam#ém professora e diretora de teatro.
&um%rio ei"os m%/icos, Ana Maria Machado Marco e Apolo, Cristina orto A m+e da menina e a menina da m+e, $l%vio de &ou'a &ou'a - piueniue do Catapim#a, (uth (ocha - #isav1 e a dentadura, &lvia -rthof eueno /loss%rio do conto
ei!os Má"icos Ana Maria Machado anda tinha duas casas. uma, ela passava uase todos os fins de semana com a m+e. a outra, ela morava com o pai e a av3. Quem Quem pe/a pe/ava va and anda a no colé colé/i /io o e a leva levava va para para #rin #rinca carr e anda andarr de veloc4pede na pra!a era a av3. Mas uem acordava anda com #ei"inho, tomava tomava café com ela de manh+ e a levava para o colé/io era o pai. 5 tam#ém era ele uem de noite #otava anda para dormir, conversava um pouco, a"eitava as co#ertas, contava hist3ria, e dava #ei"o de #oa noite. As hist3rias muitas ve'es aca#avam com 6... e viveram feli'es para sempre6. anda /ostava. 5la sa#ia ue o pai e a m+e resolveram ue para serem feli'es para sempre era melhor n+o ficarem "untos. 5 tinha muita pena. Mas anda tam#ém sa#ia ue era feli' para sempre uando passava uns tempos com a m+e 7 ue a #otava no colo, fa'ia #rincadeira e tinha uns #ei"os m%/icos ue fa'iam passar ualuer dor de machucado. 5 anda tam#ém era feli' para sempre com o pai, nauele apartamento em ue os dois cuidavam um do outro. Muitas ve'es, parecia até ue ela era uma dauelas princesas das hist3rias ue o pai contava. ranca de eve, a"udando a cuidar da casa dos an8es. (apun'el, penteando os ca#elos para esperar o pr4ncipe. Cinderela, dan!ando a noite toda com o pr4ncipe, mas tendo ue ir deitar no melhor da festa. A ela Adormecida, acordando com #ei"o de pr4ncipe. 5 o pr4ncipe sempre era muito #onito e carinhoso, assim meio parecido com o pai dela. Com uem ela vivia feli' para sempre. Mas, depois, o pai foi come!ando a contar as hist3rias mais depressa, pulando peda!os. 5la reclamava9
7 Assim, n+o: ;ocê esueceu... 5le corri/ia, mas aca#ava r%pido. 5 apa/ava a lu' e sa4a do uarto. 5nt+o anda n+o dormia lo/o, como antes. Ainda ficava um pouco ouvindo os #arulhos da casa.
a tem, ela pensou. Mas n+o disse nada. &3 ficou olhando em volta e procurando a vassoura, ue n+o viu estacionada em lu/ar nenhum. Mas ficou espantada do pai n+o ter desco#erto uem e#el era. 5 ele n+o desco#ria mesmo. anda tentou avisar, mas ele n+o acreditou. &a4ram "untos muitas ve'es. $oram até "antar em casa de e#el um dia. endo numa panela ue era #em disfar!ada,
mas era num caldeir+o. uma co'inha cheia de vidrinhos, potes de plantas, ramos secos de ervas pendurados. anda n+o comeu, mas o pai até repetiu. ;ai ver ue era por isso ue estava encantado, devia ter tomado po!+o m%/ica. -u, ent+o, devia ser o #ei"o enfeiti!ado da e#el, porue os dois ficavam toda hora se dando #ei"inho. 5 uanto mais #ei"inho, mais o pai achava e#el maravilhosa. anda resolveu conversar com a m+e. Mas ela riu e disse ue auilo era #o#a/em, ue anda estava era com cimes porue o pai estava namorando a e#el. $alou mais coisas. $alou ue isso era muito #om, ue ela tam#ém tinha um namorado, e ue se ela se casasse eles iam morar num lu/ar maior, mais perto do colé/io de anda, ia dar para anda ter um uarto s3 dela e ficar muito tempo l%, se uisesse. 5 ue era 3timo se o pai tam#ém casasse de novo, porue a e#el ia poder a"udar a cuidar da anda. Quando ouviu a m+e di'er essas coisas, anda ficou achando ue, com toda a certe'a, a tal da e#el tinha dado uns #ei"os enfeiti!ados nela tam#ém. 5 passou a tomar o maior cuidado, para n+o /anhar #ei"o da e#el. Mas n+o adiantou muito. e#el enfeiti!ou o pai de anda, de tanto #ei"o. 5 aca#ou mesmo casando com ele e virando madrasta de verdade. Como, na mesma época, a m+e de anda tam#ém casou e mudou, chamou a filha para morar com ela e o marido. anda foi. Mas uando vinha passar fim de semana com o pai e a av3, n+o esuecia de ficar de olho em e#el. 5 no /ato da e#el, ue a/ora tam#ém morava com eles. avam9 andar de veloc4pede na
sala. anda aceitou. Andou sem parar, de um lado para o outro, a toda velocidade, #atendo nos m3veis, derru#ando coisas, e e#el nem li/ou. Até ue anda levou um tom#o, ralou o "oelho e #otou a #oca no mundo9 7 <%:::: e#el veio acudir, foi l% dentro pe/ar um dos vidrinhos dela, e passou um remédio ue nem ardeu. @epois, #otou anda no colo, fe' carinho no ca#elo dela, e a encheu de #ei"inho. er em /avetas, pe/ar uma maleta. um instante, o pai e e#el sa4ram. +o voltaram nem para dormir. o dia se/uinte, a av3 falou9 7 asceu seu irm+o'inho, anda. ;amos l% ver. 5las foram. 5 viram um neném muito peuenininho, de olhinhos fechados, dormindo. anda foi fa'er carinho nele, e o neném apertou o dedo dela, t+o /ostoso. 5nt+o o pai disse9 7 &enta aui no meu colo, ue eu ponho o neném no seu colo. orue a/ora você é a princesa de n3s dois. 5la achou /ra!a e foi. Mas ficou pensando assim9 7 ois sim, vocês é ue s+o meus pr4ncipes. 5 se eu sou princesa, vou é lhe dar um #ei"o m%/ico e você vai acordar do encanto ue essa #ru>a lhe fe'.
Mas primeiro pe/ou o irm+o. $icaram todos sorrindo, enuanto ela sentia auele calor'inho /ostoso entre os #ra!os. Como se um passarinho tivesse pousado na m+o dela. 5 fosse preciso, ao mesmo tempo, se/urar firme para ele n+o voar e fa'er carinho de leve para ele n+o se assustar. Mas talve' o neném tenha se assustado. orue, de repente, chorou9 7 hém: hém: a virar /ente de verdade, com uem até se pode ser feli' para sempre.
Quem é Ana Maria Machado Meu nome é Ana Maria Machado e eu vivo inventando hist3rias. Al/umas delas, eu escrevo. 5 dessas ue eu escrevo, al/umas andam virando livros. 5m sua maioria, livros infantis, uer di'er, livros ue crian!a tam#ém pode ler. Adoro meu tra#alho. Ainda #em, porue acho ue n+o ia conse/uir viver se n+o escrevesse. =anto assim ue "% fui professora, "% fui "ornalista "% fui até chefe de uns trinta "ornalistas ao mesmo tempoB, "% fi' pro/rama de r%dio e aca#ei tudo para s3 viver de livro9 escrevendo e cuidando da Malasartes, a minha livraria para crian!as. Coisas de ue eu /osto9 /ente, mar, sol, nature'a em /eral, msica, fruta,
salada, cavalo, dan!ar, carinho. Coisas ue n+o a/ento9 ualuer forma de in"usti!a ou pris+o e /ente ue uer cortar a ale/ria dos outros. Mas isso nem precisava di'er 7 é s3 ler meus livros ue todo mundo fica sa#endo. asci e me criei no (io. asci no morro de &anta =eresaB e me criei na praia de DpanemaB. o fim da adolescência, pouco antes de entrar para a faculdade onde comecei fa'endo Geo/rafia e aca#ei me formando em Eetras eolatinasB, comecei a estudar pintura, se/uindo o curso de Alo4sio Carv+o, maravilhoso, no Museu de Arte Moderna do (io, e desco#rindo, deslum#rada, ue podia me e>pressar sem racionalismos. intei durante anos, e até ho"e essa é uma atividade ue me fa' muito #em. Mas depois de me e>por em sal8es e /alerias, em individuais e coletivas, dei>ei de lado as pretens8es de me mostrar nessa %rea e entendi ue na palavra eu encontrava minha forma de e>press+o mais funda e verdadeira, sem a ual n+o conse/uiria se/uir adiante.
Marco e A#olo Cristina orto 5u so'inho: Minha m+e di' ue desde peueno eu sou assim. 7 5u so'inho: 7 5u consi/o: As primeiras frases ue conse/ui articular foram essas duas, ue, na verdade, uerem di'er a mesma coisa. astou perce#er ue podia pe/ar na colher de sopa e... 7 5u como so'inho: $icava todo lam#u'ado, metade da sopa ia fora, mas a outra metade eu conse/uia en/olir so'inho.
a hora de tomar #anho, conta minha m+e, era o maior sufoco. ra uma pessoa conse/uir lavar minhas orelhas, o pesco!o e os ca#elos, al/uém tinha ue ficar me distraindo, com um #aruinho de papel, de preferência. Quando en"oava da #rincadeira, n+o adiantava, eu s3 ficava uieto com a espon"a e o sa#onete nas m+os. $a'ia um mar de espuma, tinha ue ser en>a/uado por duas pessoas, de novo, mas insistia em en>u/ar o corpo sem a a"uda de nin/uém... ;estir a roupa? &o'inho, claro, mesmo uerendo p1r de tr%s pra frente, do avesso, as duas pernas no #uraco de uma s3, a ca#e!a no #uraco da man/a e o #ra!o no #uraco do pesco!o... Dsso sem falar no sapato de pé trocado. a hora de pentear o ca#elo ent+o, nem se fala: 5nuanto n+o me dei>avam se/urar o pente, eu n+o dava sosse/o. - m%>imo ue permitia era ue al/uém fi'esse a risca, o repartido do lado. @a4 eu ficava passando o pente, de um lado e de outro, alisava um pouco com a m+o e aca#ava dei>ando sempre um ninho de rato na parte de tr%s. Mas, mesmo assim, uando dava por terminado o tra#alho, anunciava, or/ulhoso9 7 5u penteei so'inho: 5 uando /anhei uma #icicleta? Eo/o de cara uis sair andando, so'inho, claro, e sem as rodinhas: &3 concordei com as ditas cu"as depois da primeira ralada no "oelho e do primeiro /alo na testa. rinuedos de montar e ue#raFca#e!as tam#ém eram a minha diferen!a. Minha m+e sempre comenta as #ri/as ue eu tinha com as pessoas ue ousavam me oferecer a"uda uando viam ue o dif4cil da situa!+o estava me dei>ando nervoso. 7 5u fa!o so'inho: 7 5u consi/o montar so'inho: 7 5u resolvo o ue#raFca#e!a so'inho: . =udo eu tinha ue conse/uir so'inho. &e n+o me dei>assem ao menos tentar, eu ficava mortificado. @esde ue me entendo por /ente, eu /osto muito, mas muito mesmo, de uma coisa, uero di'er, uma coisa ue eu acho ue mais parece /ente9 cachorro. 5, no meio deles, um, de cara achatada, ue a maioria das pessoas acha feio, mas eu acho lindo, maravilhoso9 o #3>er.
Ganhei o meu primeiro cachorro, um #3>er, claro, uando a /ente se mudou do apartamento para uma casa com "ardim e uintal. &3 assim, di'ia minha m+e, o cachorro poderia ter sua casinha de madeira e um #om peda!o de terra pra #rincar, comer /rama uando sentisse dor de #arri/a, fa'er >i>i e coc1 e enterrar seus ossos. 5u e Apolo, Apolo e eu. Companheiros pra tudo. 5ra o primeiro a me dar a lam#ida de #omFdia, a me acompanhar até o port+o na hora de ir pra escola, a me esperar no port+o na hora de voltar o relo/inho dele n+o falhavaB... @e tarde, a pata esuerda pedia pra passear. Comida ele n+o precisava pedir, porue sempre estava na sua vasilha, na hora certa. @e noite, outra lam#ida antes de ir pra casinha, no uintal. &3 uando eu tive catapora 7 e deu forte, com fe#re alta, minha m+e n+o se esuece 7, ele teve permiss+o pra dormir no meu uarto. Quero di'er, minha m+e teve ue ceder 7 disso é meu pai ue n+o se esuece 7, porue Apolo emperrou no tapetinho do lado da minha cama e rosnava pra uem amea!asse che/ar perto. 5le se ne/ou a comer, enuanto eu recusava comida, e ficou ali, me velando, dia e noite. Quando melhorei e conse/ui me levantar pela primeira ve', precisaram se/urar o Apolo, porue sen+o ele me derru#ava de tanto fa'er festa. @epois, esva'iou um prat+o fundo de comida e foi pra casinha dele, dormir o prolon/ado e sosse/ado sono dos "ustos. Ah, o meu Apolo... Quando a /ente sa4a pra passear ent+o, era o maior or/ulho: &e eu che/ava na pracinha e tinha /ente, era um sucesso: - Apolo se e>i#ia, fa'endo as coisas ue eu tinha ensinado, depois parece ue olhava pros outros, esperando o aplauso: 5 auela cara linda e achatada ficava ainda mais despencada, de tanto elo/io: 7 5sse Apolo é demais: 7 Além de inteli/ente, é muito simp%tico: 7 5 manso... Apesar de um pouco cismado, s ve'es, né, Apolo? ;erdade. Manso ele era. Mas cismado tam#ém. Quando n+o ia com a cara de al/uém, n+o ia mesmo: 5 sempre tinha um #om motivo. 5u sa#ia, porue aca#ava desco#rindo depois.
dar a not4cia. 5 nem precisava tudo auilo: Quando eu n+o vi o meu Apolo me esperando no port+o na volta da escola, /elei por dentro. Al/uma coisa /rave tinha acontecido. 7 Cadê o Apolo? 5st% doente? +o. &e n+o estava doente, tinha desaparecido. a certa, atr%s de al/uma namorada... 5u "% tinha perce#ido ue muitas cachorras da vi'inhan!a estavam no cio, e o Apolo, claro, tinha fare"ado isso #em antes de mim. =% certo. 5ra uma #oa ra'+o. Mas precisava ter fu/ido, Apolo? &e você achasse um "eito de me di'er isso, eu arrumava uma #oa namorada pra você. ... Mas o instinto tinha sido mais forte, claro. Cachorro n+o pensa. em o meu cachorro Apolo pensa: Mas sente. 5 sentiu mais vontade, uero di'er, mais necessidade de sair atr%s de uma namorada do ue de me esperar no port+o... Ah, Apolo, ue trai!+o: +o, desculpe. &ei ue você n+o fe' por mal. Claro ue n+o. 5u é ue penso, além de sentir, e ent+o, eu é ue devia ter sacado isso antes de você ter fu/ido. Mas eu n+o sauei. 5u, ue pensei conhecer o meu Apolo mais ue ele mesmo: 5u, ue pensei ser capa' de adivinhar seus dese"os, suas vontades, seus sentimentos... 5u n+o tinha conse/uido. 5 a/ora, sem o meu Apolo? - ue é ue eu ia fa'er sem ele, meu @eus? 5 como é ue eu ia conse/uir achar o Apolo... so'inho? &aindo atr%s dele, pelas ruas, /ritando seu nome, a esmo, sem sa#er ue dire!+o tomar? Até tentei, confesso, de noite, depois ue todo mundo foi dormir, mas no fim do se/undo uarteir+o fiuei com um pouuinho de medo, estava muito escuro, era noite de lua cheia, uma se>taFfeira, e eu, ue n+o sou supersticioso nem nada e ue adoro animais, aca#ei me assustando com o uivo de al/um cachorro e voltei pra casa correndo feito um doido: ois é... ela primeira ve' na minha vida eu tinha ue aceitar9 7 &o'inho eu n+o consi/o, n+o posso, n+o sou capa': 5 n+o era capa' de duas coisas9 de viver sem o meu Apolo, nem de desco#rir onde tinha ido parar o meu Apolo, isso sem falar na outra coisa, anterior a essas duas9 eu n+o tinha sido capa' de adivinhar a vontadeFnecessidade do meu Apolo. 5 a/ora?
+o sei uanto tempo fiuei so'inho, no escuro, me sentindo um cachorro sem dono, a casa no maior silêncio, todo mundo dormindo. I% devia ser mais de meiaFnoite e o desespero tomava conta de mim. Minha ca#e!a parecia ue ia estourar de tanto pensamento: 5 o meu cora!+o tam#ém, de tanto sentimento triste. Mas nem chorar eu conse/uia, pois um n3 amarrou minha /ar/anta, machucando feito espinha de pei>e, depois come!ou a me sufocar, estran/ular, uase n+o me dei>ando respirar direito. Corri até a co'inha, nervoso, e tomei um copo de %/ua com a!car. Minha av3 vive di'endo ue a"uda a acalmar. (espirei fundo, re'ando pra n+o morrer lon/e do meu Apolo, e o ar, finalmente, come!ou a entrar nos pulm8es outra ve'. Minhas preces foram ouvidas, acho ue por &+o (oue. 5u sempre ouvi di'er ue é ele o protetor dos cachorros. inho, depois um pouco mais alto, e mais alto, e mais alto, até /ritar com toda a for!a ue meus pulm8es voltaram a ter. @e repente, um latido, uase um uivo. 5u sa#ia: Apolo n+o ia me dei>ar na m+o: 5ra o latido dele... +o, "% n+o era latido, nem uivo, era mais um /emido de dor, de desespero: Coitado do meu Apolo: 7 Apolo: Apolo: -nde você est%? - ue est% acontecendo com você? $ale, Apolo, fale mais pra eu poder ir atr%s da sua vo': Comecei a correr, correr, correr, e a chorar, chorar, chorar, até ue... 7 Apolo: +o, n+o pule, Apolo: are: ;ocê n+o vai conse/uir: Apolo estava na #eira de um precip4cio, com a pata traseira machucada, a orelha ensan/entada, tentando pular pra vir ao meu encontro. 5 a/ora, meu @eus? 5 a/ora? 7 +o: +o, eu n+o consi/o, eu n+o vou conse/uir: 5u preciso de a"uda, Apolo: 5spere, ue eu vou #uscar a"uda: 7 Marco, meu filho, acorde: ;ocê est% tendo um pesadelo: A vo' da minha m+e, doce como caui #em maduro, che/ou aos meus
ouvidos feito um remédio, um #%lsamo. Que al4vio: =inha sido s3 um sonho, o sonho mais horr4vel de todos os ue eu "% tinha sonhado: 7 J m+e, eu... eu... eu n+o consi/o, m+e: $oi s3 o ue fui capa' de di'er, pois auele n3, de repente, desentalou e voou /ar/anta afora, me fa'endo desatar num choro convulsivo. Chorei, chorei, chorei sentido no colo da minha m+e, ue ia me di'endo palavras carinhosas, de conforto. @i'ia ue ia me a"udar a encontrar o Apolo, ue todos iam me a"udar, meu pai, minha irm+, os vi'inhos, os parentes, os ami/os, meus cole/as de escola, ue a /ente ia mandar colocar fai>as e carta'es na rua, nos "ornais e até no r%dio a /ente ia pedir pras pessoas a"udarem a achar o #3>er mais lindo e simp%tico do mundo: &e precisasse, arrematou minha m+e, a /ente ia até pra televis+o: Acho ue foi isso ue me acalmou de verdade, e me fe' adormecer outra ve', com a ca#e!a no colo da minha m+e, as pernas no colo do meu pai e a m+o a/arrada na m+o da minha irm+ mais velha, pois os dois tinham acordado tam#ém com o #arulho do meu choro. &3 lem#ro ue um #emFestar maravilhoso inundou meu cora!+o dolorido e minha ca#e!a confusa9 eu tinha conse/uido di'er ue n+o ia conse/uir so'inho. 5 a/ora, sim, com a a"uda de tanta /ente, tinha a certe'a de ue ia encontrar o meu Apolo: o dia se/uinte, lo/o cedo, come!ou a maratona. Minha irm+ saiu pra providenciar as fai>as ue a /ente ia mandar esparramar pelas redonde'as, minha m+e foi cuidar das notas nos "ornais e nas r%dios e meu pai foi mesmo tentar a televis+o: 5u fiuei fa'endo carta'es pra colocar em a!ou/ues, padarias, supermercados, farm%cias e na minha escola, ue n+o ficava lon/e de casa. Até dona Anita, a senhora ue vinha fa'er a fa>ina uma ve' por semana e ue /ostava muito do Apolo, fe' uma promessa pra &+o E%'aro e outra pra &+o $rancisco, ue, se/undo ela, tam#ém prote/em os animais, e acendeu uma vela /rossa, auela de sete dias, pra cada um deles. or falta de santo, de re'a e de promessa, de fai>as e carta'es, notas e not4cias é ue o Apolo n+o ia continuar desaparecido por muito mais tempo. Com
tantas providências a serem tomadas, o dia aca#ou passando depressa. Mas, na hora do "antar, uando comecei a olhar a escurid+o da noite, pela "anela, meu cora!+o ficou apertado de novo. As l%/rimas "% saltavam pelos olhos sem ue eu pudesse ou uisesse me controlar. Ainda #em, pois s3 o choro desmanchava auele n3 ue teimava em amarrar minha /ar/anta. @epois de en/olir um prato de sopa e uma >4cara de ch% de melissa, fui pro meu uarto. Achei ue fosse demorar pra dormir, mas me en/anei. $oi s3 deitar na cama ue o cansa!o causado por tanta emo!+o aca#ou me vencendo. $echei os olhos e pe/uei no sono antes de aca#ar de re'ar pra todos os santos ue /ostam de cachorros, como a dona Anita tinha me ensinado. - toue comprido da campainha me acordou na manh+ se/uinte. 5ra cedo, muito cedo, pois ainda n+o tinha clareado direito. ulei da cama e desci as escadas correndo, com o cora!+o pulando dentro do peito. A#ri a porta e sa#e com uem dei de cara, ou melhor, de focinho? Com o meu Apolo: - meu Apolo: 5u "% tinha pressentido ue era ele: 5m#rulhado em uma manta >adre', pois era "unho, )* de "unho, dia de &anto Ant1nio e do anivers%rio da minha ami/a &erafina, e estava fa'endo muito frio, o meu cachorro voltou inteiro, sem nenhum machucadinho, /ra!as a @eus: 5nuanto meu pai a/radecia e minha m+e servia um café uentinho pro senhor ue tinha vindo tra'er Apolo, eu s3 ueria sa#er de a#ra!ar o meu maior, melhor e mais uerido ami/o e companheiro, ue uase /astou a l4n/ua de tanta lam#ida ue me deu: edi licen!a pro seu $ontes, era esse o nome do salvador do Apolo, ou melhor, do meu salvador, depois de a/radecer tam#ém, claro, até dei um #ei"o no rosto dele, e levei o Apolo pro uentinho da minha cama. rimeiro eu ueria, eu precisava ficar so'inho com ele, matar a saudade, alisar seu pêlo macio, falar as coisas ue ele mais /ostava de ouvir... @epois, s3 depois, pediria a minha m+e ue me contasse toda a hist3ria ue estava ouvindo do seu $ontes, a pessoa ue, sem sa#er, tinha devolvido uma parte de mim mesmo. 5 ue, por isso mesmo, contaria com minha /ratid+o eterna. .&.9 assados uns dois meses, o seu $ontes apareceu em casa, de novo,
com um 6pacotinho6 nas m+os9 era um dos filhotes da @iana, cara e focinho do pai... - filho de Apolo e @iana foi #ati'ado de Au4les.
Quem é Cristina orto ;ocê me conhece como Cristina orto, mas talve' n+o sai#a ue nasci Maria Cristina Martins orto, na cidade de =ietê, interior do estado de &+o aulo, em )* de outu#ro de )KLK. ;im para a capital em )KK para fa'er o curso de Eetras, na ei o ma/istério para tra#alhar na editora A#ril, onde fiuei al/uns anos, sempre envolvida com revistas e livros infantis. u#liuei meu primeiro livro em )KN0 7 &e... &er%, &erafina?. 5m se/uida vieram - dicion%rio de &erafina, - sono da estrela, Ioana anana, Maria Céu na oca, Chico alito, A'ul+o, a cole!+o Crie O Conte e muitos outros t4tulos. 5m )KNP, passei a tra#alhar em minha casa, onde estou até ho"e, dedicandoFme uase ue e>clusivamente literatura. +o sou casada e n+o tenho filho, mas tenho uma so#rinha e afilhada, ue se chama Mariana. Moro so'inha em um peueno apartamento, onde tra#alho ouvindo msica cl%ssica, ve"o #ons filmes no v4deo, co'inho 7 fa!o meus p+es, como a &erafina 7 e rece#o os ami/os. &e n+o fosse escritora, /ostaria de ser cantora l4rica ou #ailarina. Mas, como sei escrever livros e adoro o ue fa!o, pretendo continuar nessa profiss+o até ficar #em velhinha. Ah, esueci de di'er ue, além de /ostar de escrever, de conhecer meus leitores e tudo o mais ue contei, tam#ém /osto muito de via"ar e de namorar: ara você, ue curte as hist3rias ue escrevo, um #ei"o muito carinhoso.
A M$e da Menina e a Menina da M$e $l%vio de &ou'a 5sta é a se/unda ve' ue eu tento escrever esta hist3ria. a primeira, n+o deu certo. dif4cil e>plicar com palavras as coisas ue vêm na ca#e!a da /ente. =em coisas ue a /ente s3 sente. -u n+o sa#e o nome. -u esuece, sa#e como é? a hora ue v+o sair da ca#e!a, vem outro pensamento e atrapalha. ronto: I% est% complicado de novo. 5nt+o eu vou tentar come!ar outra ve', come!ar de um "eito mais simples. 5u sou uma menina de sete anos de idade. 5u moro numa casa /rande, de dois andares. Adoro su#ir e descer a escada. Meus irm+os acham ue eu sou #o#a de /ostar tanto dessa escada. Mas eu /osto e pronto.
s ve'es ela di'ia ue tinha CDC- filhos, ue meu pai e minha av3 tam#ém eram filhos dela, e davam o mesmo tra#alho. 5n/ra!ado, eu adorava tomar conta das minhas #onecas. 65u podia ter vinte e sete filhos:6, eu pensava. 5nt+o, um dia, eu fi' a primeira desco#erta9 tudo o ue eu fa!o de #rincadeira, minha m+e tem de fa'er de verdade. Quando canso de trocar a roupa e dar comidinha pras minhas #onecas, /uardo no arm%rio. I% pensou se a minha m+e n+o uisesse mais #rincar e me enfiasse no /uardaFroupa? 5u contei a minha desco#erta pra ela, ue me olhou espantada e disse9 7 $oi você mesma ue teve esta idéia? -lha s3 como os adultos s+o: 5les ima/inam ue crian!a s3 pensa em /atinhos e #onecas e /an/orras e Svideo /amesS e panteras corFdeFrosa: 7 claro ue fui eu. 5 n+o éverdade? 7 +o 7 respondeu minha m+e 7, uer di'er, mais ou menos. 5u fico cansada, mas adoro ser m+e de vocês três... cinco. 5 eu reclamo por reclamar. ;ocê tam#ém reclama de ter ue ir escola todo dia, mas eu sei ue você adora: ;iu como é dif4cil? Como ue eu ia e>plicar pra minha m+e ue s ve'es n+o ueria mesmo ir escola? Que eu preferia ficar em casa #rincando de rainha? 5la n+o ia entender. =omara ue você este"a entendendo. 5la me disse pra parar de pensar nisso tudo, pra esuecer, era #o#a/em. Quando eu crescesse, ia entender. 5 completou9 7 ;ai #rincar, menina: Acontece ue eu n+o ueria entender s3 uando eu crescesse. 5 continuei pensando. 5nt+o, eu comecei a procurar pela casa al/uma coisa ue n+o sa#ia #em o ue era. Mas ue sa#ia ue e>istia, e ue ia me a"udar a entender auela coisa ue eu sentia a/ora, toda ve' ue olhava pra minha m+e. 5u a#ri o /uardaFroupa dela e me>i em todas as roupas. =inha umas ue eu conhecia, mas ue ela n+o usava mais. 5>perimentei os sapatos dela, as "3ias, fivelas e len!os. Me olhei no espelho, depois de vestir uma camisola dela, e uase ca4 no ch+o de ima/inar ue um dia eu ia usar uma roupa dauelas. 5 pela primeira ve', olhei #em pra mim mesma, l% no espelho, e me achei parecida com a minha
m+e. 5u continuei me>endo e reme>endo no /uardaFroupa. $oi ent+o ue achei umas foto/rafias amareladas numa cai>a. =inha umas da minha av3 com a cara lisinha, meu pai de uniforme, minha m+e de noiva... a4 eu achei umas ainda mais anti/as. uma delas, havia uma menina muito parecida comi/o. Mas o vestido era comprid+o, o sapato en/ra!ado. 5 esta foi a se/unda desco#erta9 minha m+e "% tinha sido crian!a antes: 5 claro ue eu sa#ia ue ia crescer e casar e ter filhos. Mas eu nunca tinha pensado ue a minha m+e tinha sido do meu tamanho. 5 #rincado de casinha: esse dia, de noite, eu fiuei olhando pra minha m+e enuanto ela assistia televis+o. 5stava passando um filme en/ra!ado ue depois ficou triste. 5u vi ela rir e uase chorar. 5nt+o, eu fi' a maior desco#erta de todas9 auela menina de vestido comprid+o e sapato en/ra!ado ainda e>istia. 5 morava l% dentro da minha m+e: e de pedir auilo: 5>i"a isso e mais isso: 5ste é o ue você uer, n+o é? T- ?6 - mais dif4cil é ue eu n+o conse/uia nem prestar aten!+o nas propa/andas. &3 pensava nas três desco#ertas ue tinha feito. 5nt+o, eu resolvi dar um presente para a minha m+e no @ia da Crian!a. Da ser diferente de dar um presente no @ia das M+es. 5u ia dar um presente para auela menina de vestido comprid+o e sapato en/ra!ado: =odo @ia das M+es eu fa'ia um desenho e dava pra ela. Minha m+e tem uma cole!+o deles9 peuenos, /randes, de l%pis de cor, de cera, com tinta, coloridos e pretoFeF#rancos. (esolvi ue este presente ia ser diferente. Da comprar um presente comprado com o dinheiro ue eu tinha "untado num cofrinho. 65ste vai ser diferente:6, pensei. auele dia, a /ente passou no supermercado depois da escola. Minha m+e entrou na fila da carne, e eu fin/i ue me perdi. Corri para a se!+o ue mais /ostava. Comprei um #loco de desenho, uma cai>a de l%pis de cera e uma folha de papel de
em#rulho. a/uei feito /ente /rande e fiuei do lado de fora, esperando com o presente escondido dentro da #lusa. $icou um #ico pra fora, mas eu fi' cara de uem estava supernormal, e minha m+e nem desconfiou. Che/ando em casa, em#rulhei o presente. $icou lindo: esta noite foi dif4cil pe/ar no sono. 5u ueria ue che/asse lo/o a hora de entre/ar o primeiro presente comprado ue eu ia dar na minha vida: Che/ou: Che/ou o @ia da Crian!a. Mas a hist3ria do presente n+o aca#ou lo/o assim, n+o. Eevou o dia inteiro para acontecer. @e manh+, eu tentei dar o presente, mas minha m+e saiu correndo pra comprar p3 de café. Quando voltou, eu "% tinha ido pra escola. Quando voltei, corri e vim com o presente escondido atr%s das costas. Mas a4 eu pensei9 6&er% ue ela vai achar ue eu estou dando um presente s3 pra ela me dar outro de volta?6 5 resolvi esperar, mas n+o /anhei nada. arecia ue ela tinha esuecido: =% certo ue @ia da Crian!a n+o é atal, nem anivers%rio, mas a /ente sempre /anha presente, ou acha ue vai /anhar... 5u vi minha m+e cochichando com meus irm+os. Quis sa#er o ue era, os três disfar!aram9 7 +o é nada n+o... 5u nem fiuei muito #rava, porue tam#ém tinha um se/redo. 5u n+o tinha contado pra eles do presente comprado. 5nt+o, ficou por isso mesmo. 5les n+o /anharam presente, nem eu. Mal sa#iam eles ue 5< é ue ia ser a presenteadeira: @e tarde eu tentei de novo dar o presente. 5 inventei um "eito ue ia ser uma #rincadeira. Da ser assim9 5< 7 =% #om ue eu era a m+e e você a filha? 5EA 7 =% #om: 5< 7 &a#e ue dia é ho"e? 5EA 7 +o... 5< 7 @ia da Crian!a: 5EA 7 mesmo:? 5< 7 -lha aui o seu presente... 5EA 7 -#a: Mas n+o deu. Minha m+e passou a tarde trancada no uarto dela. 5u até olhei pelo #uraco da fechadura e vi ue ela estava ocupada, fa'endo al/uma coisa.
5u #ati na porta. 5la disse ue n+o podia a#rir, ue estava ocupada. 5u desisti. - pacote "% estava meio amassado de tanto eu se/urar e levar de um lado pro outro. A4 tive a idéia de fa'er uma surpresa. 5u escrevi9 6$eli' @ia da Crian!a6, assinei o meu nome e pus o presente dentro da #olsa dela. ara ela achar assim... sem uerer. Che/ou a noite. 5u assisti televis+o, tomei #anho. Assisti mais televis+o, "antei. Assisti mais televis+o. =entei ser a mocinha na #rincadeira de mocinho e #andido dos meus irm+os, eles n+o dei>aram. 5nt+o eu assisti mais um pouco de televis+o, e fui para o meu uarto dormir. Mas n+o conse/ui. 5u fiuei esperando minha m+e a#rir o presente. 5 vir para o meu uarto me a#ra!ar, a/radecer, me #ei"ar... toda hora parecia ue a porta ia se a#rir e ela entrar. Mas nada: 5nt+o entrou um pensamento na minha ca#e!a. 5ntrou como uma flecha de 4ndio, 'um... p3f: - presente ue eu tinha comprado n+o servia pra minha m+e: 5u tinha comprado uma coisa ue eu é ue /ostaria de /anhar: 5u é ue /ostava de #loco e l%pis de cera. Minha m+e ia aca#ar me dando de volta, pra eu usar. 5u fiuei até uente de ver/onha. 5 desci correndo pra sala onde estava a #olsa dela para pe/ar o pacote. =arde demais: - presente n+o estava mais l%: 5u su#i correndo as escadas, com o cora!+o pulando. Queria me enfiar de#ai>o das co#ertas, virar pro lado da parede e fin/ir ue estava dormindo. 6Que dro/a:6, pensei. 65u estra/uei tudo:6 arecia ue, se eu me olhasse no espelho, ia ver as minhas #ochechas vermelhas. arecia ue elas iam pe/ar fo/o. 5u me arrependi de come!ar esta hist3ria toda do presente. Queria conse/uir dormir pra acordar no dia se/uinte e desco#rir ue tinha sido tudo um sonho ruim. 6Minha m+e vai achar ue eu acho ue ela é crian!a: 5 ue sou e/o4sta, s3 penso em mim: Que ve>ame:6, pensei. @eu tempo de pensar tanta coisa até che/ar no topo da escada: Mas assim ue che/uei l%, vi ue al/uém estava no meu uarto. 5ra minha m+e, sentada na cama. A#ra!ando o presente desem#rulhado e chorando feito crian!a...
5la estava mais parecida ue nunca com a menina de vestido comprid+o e sapato en/ra!ado. 5 eu fiuei ali parada, vendo ela chorar. @eu vontade de pe/ar no colo, como ela fa'ia comi/o. 5 di'er9 6Chora, chora pra desa#afar. Chora, ue "%, "% passa...6 A4, de repente, eu entrei e falei9 7 ;ocê n+o /ostou? Amanh+ eu compro outro. 5la chorou mais ainda. 5 me deu um em#rulho fininho. 5u achei ue ela estava chorando de sem /ra!a de o presente dela ser menor. 5u a#ri o pacote ue ela me deu. 5 desco#ri o ue ela tinha feito a tarde toda trancada no uarto dela. 5ra um desenho: 5stava meio tremido, até um pouco #orrado. Molhado de l%/rimas. Mas era o desenho mais #onito do mundo. - mais lindo ue eu "% tinha visto. 5u comecei a chorar tam#ém. A4 a /ente se olhou. arou de chorar. 5 sem di'er nada, conversou. -s olhos falam mais ue a #oca. 5 é t+o #onito uando eles conversam, porue olho n+o mente9 5< 7 5u achei ue você n+o ia /ostar... 5EA 7 5u adorei: 5 tam#ém achei ue você n+o ia /ostar do meu... 5< 7 5u adorei tam#ém o meu... eu... 5EA 7 5u... 5< 7 5u n+o sa#ia ue você /ostava de desenhar: 5EA 7 5u tam#ém n+o sa#ia: U& @
a#ra!ando duas pessoas.
Quem é $l%vio de &ou'a =ente desco#rir coisas so#re $l%vio de &ou'a, ue escreveu este conto ue você aca#a de ler9 ). asceu no ano de9 aB )K22 #B )KVV cB )KPP 2. autor de uma série para a televis+o ue se chama9 aB Mundo da Eua #B erdidos no espa!o cB Iornada nas estrelas *. 5ntre outros livros, escreveu tam#ém9 aB (eina!8es de ari'inho e Mem3rias da 5m4lia #B - rei'inho mand+o e - rei ue n+o sa#ia de nada cB A che/ada do invasor e r4ncipes e princesas, sapos e la/artos L. Além de escritor é tam#ém9 aB =elefonista e datil3/rafo #B Ator e diretor de teatro cB @omador de le8es e contorcionista
V. Come!ou sua carreira de escritor9 aB 5screvendo #ula para remédios #B =radu'indo hist3rias em uadrinhos do in/lês, tais como Eulu'inha e A pantera corFdeFrosa cB (edi/indo te>tos para em#ala/ens de flocos de milho e arro' . &e n+o fosse escritor, /ostaria de ser9 aB Cantor de 3pera #B =rape'ista cB Astro de cinema (espostas ). #B, 2. aB, *. #B, L. #B, V. #B, . aB #B e cB
O Pi%ueni%ue do Cata#im&a (uth (ocha Catapim#a resolveu or/ani'ar um piueniue #em divertido. Convidou a turma toda9 - Caloca, a Mariana, 5du, eto, Euciana, Armandinho, ;aldemar... 5 cada um convidou seus ami/os, e os ami/os dos ami/os. 5 por fim a rua toda ueria ir ao piueniue. 5 fi'eram uma /rande reuni+o, escondido da turma do assaFporFCima, ue é o time de fute#ol da rua de #ai>o, ue nin/uém ueria ne/3cio com eles. Com#inaram fa'er o piueniue na represa, porue n+o era lon/e e podiam ir a pé. 5 o dia escolhido foi o domin/o, porue nin/uém tinha aula. 7 5u levo a vara de pescar, a /ente pesca uns pei>es 7 disse o Caloca.
7 5u levo umas coisas #oas de comer 7 disse o atata, ue s3 pensa em comer. 7 5u levo espeto pra fa'er churrasco 7 disse Euciana. Mariana ueria fa'er uma lista9 7 ;amos tomar nota pra n+o esuecer de nada. 7 Ah, n+o precisa tomar nota, todo mundo sa#e 7 disse Ga#riela, ue ueria mais era "o/ar fute#ol. 5 o resto da turma, ue tam#ém estava louca pra "o/ar #ola, concordou lo/o. - dia do piueniue amanheceu de encomenda9 céu a'ul e sol #rilhante, vento fresuinho, /ostoso. &e encontraram na pracinha. 5 l% se foram contentes, carre/ados de pacotes, de sacolas, de cestinhas. @e ve' em uando um deles /ritava9 7 -lha uma #or#oleta a'ul... 5 todos corriam para apanhar a #or#oleta. 7 -lha uma taturana... =odo mundo corria de medo da taturana. 5 riam de ualuer coisa, ue uando a /ente est% "unto tudo parece #acana. Che/aram represa cansados e famintos. 7 Como é, pessoal, vamos a#rir os pacotes? 7 - ue é ue vocês trou>eram de #om? -s pacotes foram a#ertos, as sacolas esva'iadas. Iuntaram tudo o ue havia. 5 foi uma s3 risada. =inha rauetes sem #ola, tinha discos sem vitrola, tinha rolo de #ar#ante. =inha até uma viola, nin/uém sa#ia tocar. Al/uém trou>e uma cartola, nin/uém sa#ia pra uê. =inha a#ridor de /arrafa, mas /arrafas n+o havia. =inha pratos de papel, mas n+o tinha o ue comer. =inha copo de papel, mas n+o tinha o ue #e#er. =inha toalha >adre', lanterna tinha umas três. =inha espeto pra churrasco, mas carne n+o tinha n+o.
=inha toalha de m+o, mas nin/uém trou>e sa#+o. =inha lata de sardinha, tinha lata de palmito, tinha lata de salsicha, tinha tudo o ue era lata. Quem trou>e foi o atata. Mas n+o havia a#ridor. - runo trou>e a panelaW n+o tinha o ue co'inhar. =inha /arfo, tinha faca, mas n+o tinha o u e cortar. =inha vara de pescar, mas an'ol n+o tinha n+o. ;e"am ue situa!+o: @epois de muita risada veio a desanima!+o... A fome veio che/ando, n+o havia solu!+o. - atata "% sentia uma tremenda a/onia, ue ele mesmo n+o sa#ia se era est1ma/o ou #arri/a, ou se era do cora!+o... Ga#riela reclamava, e o Catapim#a "% achava ue era uma esculham#a!+o: 5 foi nauele momento ue sur/iu a solu!+o. A solu!+o foi o arri/a, #eueFcentral do assaFporFCima, ue apareceu, de repente, meio sem "eito com a /ente9 7 Al1, pessoal: =udo #em? A turma do Catapim#a n+o /ostava da turma do assaFporFCima9 nin/uém sa#ia direito por ue, mas todos sa#iam ue n+o /ostavam. - eto foi lo/o per/untando9 7 Que ue h%, hein? 7 ois é 7 disse o arri/a 7, n3s tam#ém estamos fa'endo um piueniue do outro lado do morrinho... &3 ue a /ente t% com uns pro#lemas... =emos carne pra churrasco, mas espeto n3s n+o temos. =emos #ola pra "o/ar, mas rauetes n+o trou>emos. - Iuca toca viola, mas esueceu de tra'er. =emos a#ridor de lata, mas n+o sei o ue vai ser, a /ente n+o trou>e as latasW n+o temos o ue comer. A Miriam trou>e a vitrola, mas discos nin/uém lem#rou. =em meia d'ia de an'3is, mas vara, nin/uém pe/ou. =em macarr+o pra fa'er, mas nin/uém trou>e panela... Guaran% temos #astante, uem trou>e foi Manuela.
Mas a#ridor de /arrafa nin/uém lem#rou de tra'er. A turma nem discutiu. Cada um foi pe/ando suas coisas e su#indo o morrinho. - arri/a ficou meio espantado, mas veio atr%s. A turma do assaFporFCima estava toda muito desanimada. A primeira pessoa ue perce#eu o ue estava acontecendo foi a Miriam, ue estava muito chateada sentada "unto da vitrolinha. 5la viu lo/o a Mariana com um mont+o de discos e veio correndo a"udar a carre/ar. - $lavi+o, ue tinha tra'ido os an'3is, en>er/ou lo/o a vara de pescar do Catapim#a e "% veio pro nosso lado, todo ale/re. - churrasco foi pro espeto, macarr+o foi pra panela. Iuca tocava viol+o, uem cantava era Manuela. - Catapim#a e o $lavi+o pescavam "unto cancela. As latas foram a#ertas. - /uaran% destampado. A mesa "% estava pronta, estava tudo arrumado. Io/o de rauete e #ola pulando pra todo lado. 5 ent+o a /ente pensou9 6em tudo é como parece. +o se pode n+o /ostar do ue a /ente nem conhece... Quem nunca comeu pipoca n+o sa#e se /osta ou n+o... Quem nunca provou mandioca n+o pode dar opini+o... Quem vê as coisas de lon/e nunca pode estar #em certo se auilo é #om ou se é mau. 5 assim é com as pessoas... Quando se che/a mais perto, a /ente vê ue afinal a turma l% da outra rua até ue é muito le/al:6
Quem é (uth (ocha 5ra uma ve' uma escritora ue s3 virou escritora porue /ostava 6de crian!a 7 crian!a, ue d% risada fora de hora, ue se impacienta uando /ente /rande fala demais e ue /rita ue o rei est% nu6. 5 mais, uma escritora ue no come!o s3 conse/uiu escrever ao resolver p1r no papel as hist3rias ue inventava toda noite, e ue sua filhinha tanto /ostava de ouviFla contar.
por isso ue essa escritora, a (uth, para uem escrever tem tudo a ver com /ostar, é t+o /ostada, t+o /ostosa de ler e é t+o amada por tantas crian!as deste pa4s. (uth (ocha come!ou a pu#licar hist3rias para crian!as na revista (ecreio, em K. @e l% para c%, lan!ou cento e muitosB tantos t4tulos, dos uais uase sete milh8es de e>emplares "% foram vendidos. 5m cada coisa ue escreve, h% ma/ia e li#erdade. H% fantasia, /enerosidade, ale/ria e satisfa!+o de viver. (uth escolheu escrever como uem entre/a se/redos s crian!as, como uem lhes revela ue tudo pelo ue #ri/am 7 #ri/a sofrida, s ve'es 7 pertence a elas, nin/uém tira: 5 (uth est% do lado delas. 5st%, sim: @a4, sa#em por ue as crian!as ue desco#rem (uth (ocha n+o lar/am mais? orue com (uth, e com suas hist3rias, desco#rem tam#ém ue n+o é imposs4vel fa'er o mundo em ue sonham viver. Eui' Antonio A/uiar
O isav' e a (entadura &lvia -rthof 5u ouvi esta hist3ria de uma ami/a, ue disse ue isso aconteceu, de verdade, em Montes Claros, Minas Gerais. ara contar a hist3ria, é preciso ima/inar uma velha fa'enda anti/a. @entro da fa'enda, uma vetusta socorro, ue palavr+o:B mesa colonial, muito comprida, de "acarand%, naturalmente. 5m volta da mesa, uma fam4lia mineira. or cima da mesa, tudo ue mineiro tem direito para um #om almo!o9 tutu, carne de porco, lin/i!a, fei"+oFtropeiro, torresminho, couve cortada #em fina... e eu nem posso descrever mais, porue "% estou com e>cesso de peso, s3 de pensar9 hum, ue del4cia: A fam4lia era enorme e comia reunida, em volta da toalha #ordada9 pai, m+e, av3, av1, filhos, netos, so#rinhos, afilhados, a comadre ue ficou viva, a solteirona
ue era irm+ da av3 da Mariuinha... e o #isav1 Aruimedes. - #isav1 Aruimedes usava dentadura. aturalmente, cada inte/rante tinha sua frente o seu sa#oroso prato de tutu, couve, torresmo, fei"+oFtropeiro, carninha de porco, lin/i!a, etc. e tal. 5 todos masti/avam e repetiam porue a fartura, ali, em Montes Claros, nauele tempo, era um espanto, de tanta: 5 cada um, evidentemente, tinha o seu copo. ois os copos e o #isav1 Aruimedes, diariamente, sofriam a se/uinte #rincadeira9 7 =oninho, ocê vai #e#er desse copo a4, na sua frente? -lha ue o #isav1 dei>ou a dentadura dele de molho, #em no seu copo, =oninho, na noite passada: 7 um foi no meu, n+o9 foi no copo da Maroca: - #isav1 dei>ou a dentadura dentro do copo da Marouinha: 7 U /ente, num #rinca assim ue eu fico cum no"o, uai: - velho #isav1 Aruimedes ouvia, sorria, mostrando a dentadura. Quando che/ava o doce de leite, o uei"inho, a /oia#ada e uma tal de so#remesa ue tem o nome de 6mineiroFdeF#otas6, ue tem uei"o derretido, #anana, canela, cravo, sei l% mais ue /ostosuras, o pessoal comia, comia. 5 depois de comer tanto doce, a sede vinha forte, e a chatea!+o come!ava, ou recome!ava, ou n+o terminava9 7 =ia &antinha, n+o #e#a do copo da dentadura do #isav1, cuidado: =enho certe'a de ue a dentadura ficou no seu copo, de molho, a noite inteira: - #isav1 ouvia e ia masti/ando, o olhinho malicioso, nem te li/o para a #rincadeira, comendo a /oia#adinha, o 6mineiroFdeF#otas6, o doce de leite, o uei"inho... e me>endo a dentadura pra l% e pra c%, pois a /en/iva era velha e a dentadura "% estava sem apoio. Mas o #isav1 tinha senso de humor... e falava pouco. - pessoal cochichava ue ele era mais surdo do ue uma porta. esta/em, porue se e>iste coisa ue n+o é surda, é porta9 mesmo fechada, dei>a passar cada coisa...
ue tudo fora #rincadeira, ue todos adoravam o velho Aruimedes, ue ele desculpasse. 7 =% desculpado, num tem importXncia. 5u "% tava me a#orrecendo com a hist3ria, mas t+o desculpados. Mas até ue t1 achando #om ficar #an/uela9 vou comer tutu e sopa... e doce de leite mole, ora: A fam4lia insistiu, pediu perd+o, mas o #isav1 #otou fim conversa, di'endo9 7 -cês num insistam. (esolvi e t% resolvido. - dia ue eu dei>ar de resolver, #oto a dentadura outra ve': 5 passaramFse v%rios dias. in/uém mais fa'ia a #rincadeira do copo. @e ve' em uando, o #isav1 lem#rava9 7 =1 sentindo falta... 7 @a dentadura, #isav1? 7 +o, da trauina/em de ocês... nin/uém t% com no"o de #e#er %/ua do copo, né? 7 -ra, o senhor n+o deve levar a mal, foi moleca/em, a /ente n+o fa' mais, pode usar a dentadura, #isav1.
Quem é &lvia -rthof &lvia -rthof nasceu no (io de Ianeiro. $e' parte da 5scola de Arte @ram%tica do =eatro do 5studante. Come!ou a atuar no teatro aos uin'e anos.
Morou dois anos em aris, onde, além de cursos de m4mica, desenho, pintura e arte dram%tica, fe' um curso de teatro, novidade na época, ue propunha aos alunos uma nova arte de representar. Ap3s dois anos, &lvia volta para o (io e se profissionali'a no teatro. =empos depois, mudaFse para &+o aulo e come!a a atuar no =eatro rasileiro de Comédia e na =; (ecord, ue, na época, apresentava telepe!as ao vivo. ovamente de mudan!a, dessa ve' para ova ;i!osa, sul da ahia, uma peuena aldeia de pescadores, desenvolve com as crian!as um teatro de #onecos, confeccionados com o meio de ue dispunha9 sa#u/o de milho. 5sse contato com as crian!as proporciona a &lvia a desco#erta do teatro infantil. @e ova ;i!osa, mudaF se para ras4lia. 5m ras4lia, leciona teatro na universidade, montando tam#ém um teatro universit%rio. &entindo falta de te>tos pu#licados, escreve pe!as para serem representadas.
eueno Gloss%rio do Conto ;ocê sa#e o ue é um conto? - ue é um contador de hist3rias? Qual a diferen!a entre o conto folcl3rico e o conto liter%rio? $i'emos uma sele!+o de palavrasFchave do universo do conto para ue você se sinta cada ve' mais vontade para ler, discutir e tentar contar por escrito as suas hist3rias. Eem#reFse de ue é muito importante consultar o dicion%rio para ue você compreenda melhor os te>tos e enriue!a o seu voca#ul%rio.
7C ColetXnea9 con"unto de te>tos ue "% foram pu#licados em outras o#ras. Contador de hist3rias9 auele ue narra hist3rias oralmente. Contista9 autor de contos liter%rios. Conto9 narra!+o falada ou escrita, em /eral pouco e>tensa e cu"a a!+o se concentra num nico ponto de interesse. Conto de fadas, conto maravilhoso ou conto da carochinha9 hist3ria popular para crian!as, #aseada em lendas e mitos. Conto fant%stico9 hist3ria ue apresenta fatos aparentemente a#surdos, mas ue s+o capa'es de /erar l3/ica ou sentido. Conto folcl3rico9 hist3ria criada coletivamente, ou se"a, ue n+o pertence a um nico criadorW apresenta mitos e crendices, lin/ua/em colouial ou re/ional. Conto liter%rio9 hist3ria criada artisticamente por um autorW caracteri'aFse como narrativa curta, em prosa. Conto policial9 auele ue tem como #ase uma cadeia de acontecimentos ue /eram suspense. Conto popular9 nascido da tradi!+o oral dos povos, uase sempre transmite ensinamentos morais. Anti/amente, era narrado por um contador da hist3ria na presen!a de espectadores. Conto psicol3/ico9 hist3ria em ue o contista revela o mundo interior das persona/ens, com muitos mon3lo/os e refle>8es. 75 5stilo9 maneira de e>pressarFse de um escritor, de um /rupo ou de uma /era!+o liter%ria. 7$ $ato liter%rio9 fra/mento da realidade, epis3dio fu/a', um dado e>traordin%rio ou até um 6fato ima/in%rio6, escolhido pelo escritor, a partir do ual é poss4vel construir um te>to. 7D