Faculdade de Direito Curso de Graduação – Programa de Interiorização – Macaé Disciplina: Filosofia do Direito Professor: Douglas Leite
Trabalho Apresentado a Disciplina de Filosofia do Direito: Fichamento Hans Kelsen: Teoria Pura do Direito, Capítulos 2 e 5.
Aluno: José Luiz Alves. Período: 3º Turno: Manhã
JOSÉ LUIZ ALVES.
Trabalho Apresentado a Disciplina de Filosofia do Direito: Fichamento Hans Kelsen: Teoria Pura do Direito, Capítulos 2 e 5.
Universidade Federal Fluminense Orientador: Douglas Leite Macaé – Julho de 2011
“O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeir o que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer 'isto é meu' e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: 'Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém.”
Jean-Jacques Rousseau.
Capitulo 2 – Direito e Moral
1. As normas morais como normas sociais Kelsen define norma como Direito, e o define como objeto da sua ciência jurídica. Diz ele também que as normas sociais, que ele chama de Moral, caminham ao lado das normas jurídicas. Ele afirma também que uma análoga a ciência jurídica para a norma é a Ética para a Moral e isso não pode ser confundido (Moral com Ética, norma com ciência jurídica e Direito). As normas morais regulam tanto condutas exteriores, em face do outro, como condutas interiores, em face de si mesmo, como visto na pág. 68 “Há ainda normas morais que prescrevem uma conduta do homem em face de si mesmo, como a norma que proíbe o suicídio ou as normas prescrevem a coragem ou a castidade.” Ele afirma também que essas normas só surgem na consciência pessoal de cada um quando se vive em sociedade, na pág. 68 “Para um individuo que vivesse isolado não teriam sentido”. 2. A moral como regulamentação da conduta interior Kelsen vem dizer: “A distinção entre a Moral e o Direito não pode referir-se à conduta a que obrigam os homens as normas de cada uma destas ordens sociais. O suicídio não pode ser apenas proibido pela Moral mas tem de o ser também pelo Direito; a coragem e a castidade não podem ser apenas deveres morais – são também deveres jurídicos.” Não se pode confundir apenas a Moral como um regulamento da conduta interna e o Direito como conduta externa. Kelsen se contrapões a alguns autores moralistas, que afirmam que a conduta interna regida por uma Moral não pode ser apenas o ato interno ou externo mas tem de ir contra sua própria vontade egoística, pois ele afirma que o dever de realizar uma determinada conduta subsiste ainda que vá contra os interesses egoísticos fazendo uma comparação com os deveres estatuídos através de normas jurídicas, demonstrando ainda que é inevitável que a ordem social vá contra alguns interesses egoísticos. Pág. 69 “Aquela ordem só tem sentido se os indivíduos se devem conduzir mesmo contra estas inclinações
ou interesses egoísticos.” A Moral para ser eficaz tem de conduzir a harmonia com a ordem social e se por aos interesses egoísticos que, na ausência daquela, atuariam. Uma conduta apenas pode ter valor moral quando não só o seu motivo determinante como também a própria conduta correspondam a uma norma moral. 3. A Moral como ordem positiva sem caráter coercitivo O título deste tópico resume bem sobre o que ele fala. Kelsen afirma que assim como o Direito as normas da Moral são criadas pelo costume ou por uma elaboração consciente. Pág. 70 “Neste sentido a Moral é como o direito, positiva”. O Direito se distingue da Moral por conceber uma ordem de coação socialmente organizada, a Moral não institui uma ordem de coação deste tipo; suas sanções consistem na aprovação ou desaprovação da conduta conforme suas normas. 4. O Direito como parte da Moral Estabeleceu-se que o Direito e a Moral são diferentes sistemas de normas, mas quais são suas relações? O Direito é por sua própria essência moral. Pág. 71 “Se uma ordem social prescreve uma conduta que a Moral proíbe, ou proíbe uma conduta que a Moral prescreve, essa ordem não é Direito porque não é justa.” Kelsen se contrapõe dizendo também que o Direito pode ser moral, justo, mas não tem necessariamente que ser. Pág. 71 e 72 “Que uma ordem social que não é moral, ou seja, justa, pode, no entanto, ser Direito, se bem que se admita a exigência de que o Direito deve ser moral, isto é, deve ser justo. A relação entre Direito e Moral se preocupa com o conteúdo do Direito e não com a sua forma. Existe uma Moral que é a única válida, uma Moral absoluta, pode ser considerada “Direito”; Pág. 72 “Parte-se de uma definição do Direito que o determina como parte da Moral, que identifica Direito e Justiça.” 5. Relatividade do Valor Moral
Em diversas épocas em diferentes povos, e até mesmo dentro de um mesmo povo, os valores morais podem ser divergentes em sistemas, relativizando o justo e injusto discutido. Então ao afirmar que as normas sociais devem ter um conteúdo moral, para ser considerado Direito, deve significar que essas normas devem conter “algo que seja comum a todos os sistemas de Moral enquanto sistemas de Justiça” (Pág. 73). Kelsen vem dizer nos parágrafos que se seguem essa relatividade do valor Moral, dizendo que até a guerra ou fazer mal a outrem (escravidão, por exemplo) pode ter um valor moral bom. “Quando se não pressupõe qualquer a priori como dado, isto é, quando se quer possibilidade de determinar o que é que tem de ser havido, em todas as circunstâncias, por bom e mau, justo e injusto” (pág. 73). O que é comum a todos os sistemas morais é a circunstância de eles serem normas sociais, estabelecerem certas diretrizes para as condutas; o dever ser. É acertado afirmar, então, que o Direito é por sua essência, moral, porque ele é norma e uma norma social que estabelece uma conduta humana (dever-ser). Estabelece-se aí esse sentido relativo de que todo o Direito possui caráter moral, valor moral; Pág. 74 “A questão das relações entre o Direito e a Moral não é uma questão sobre o conteúdo do Direito, mas uma questão sobre sua forma. Não poderá então dizer, como por vezes se diz, que o Direito não é apenas norma, mas também constitui ou corporiza um valor.” Isso não quer dizer que o Direito para ser aceito como regra coercitiva (norma) tem que ter algum mínimo valor moral. 6. Separação do Direito e da Moral Se o Direito é pode ser considerado em sua essência, moral, então a exigência de que o Direito deva ser moral é pífia. Essa exigência só é validade se partir do pressuposto de que exista um Direito mau, imoral. O conceito de bom não é outro senão o “que deve ser”, o que corresponde a uma norma, que é a definidora do Direito, portanto a pretensão de distinguir Direito e Moral, Direito e Justiça, sob o pressuposto de uma teoria relativa dos valores, significa que, “quando uma ordem jurídica é valorada como moral ou imoral, justa ou injusta, isso traduz a relação entre a ordem
jurídica e um dos vários sistemas de Moral e não a relação entre aquela e “a” Moral. Desta forma é enunciado um juízo de valor relativo e não um juízo de valor absoluto. Ora, isto significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente da sua concordância ou discordância com qualquer sistema de Moral” (pág. 75 e 76). Temos, portanto, que não há qualquer valor absoluto, mas apenas relativos, que não existe uma Justiça absoluta, mas uma relativa, que certos valores baseados em nossos juízos de valor não podem excluir a possibilidade de valores opostos. É evidenciado, portanto, que uma Moral, relativa, não pode fornecer uma medida ou padrão absoluto para valoração de uma ordem jurídica positiva, ou em uma via de conhecimento científica, isso não exclui que não haja padrão, mas define que qualquer sistema pode servir como padrão, contanto que seja válido para qualquer outro sistema análogo (moral). 7. Justificação do Direito pela Moral “Uma justificação do Direito positivo pela Moral apenas é possível quando entre as normas da Moral as do Direito possa existir contraposição, quando possa existir um Direito moralmente bom e um Direito moralmente mau” (pág. 76). Se não há nada que seja injusto, não há nada que seja justo. Kelsen vem dizer depois que a necessidade de distinguir o Direito da Moral e a Ciência jurídica da Ética significa que, a legitimação do conhecimento científico por uma ordem moral distinta é irrelevante, pois a ciência jurídica não tem de aprovar ou desaprovar o seu objeto, mas apenas reconhecer e descrever. Uma descrição e reconhecimento alheios a valores. “Se a ordem moral não prescreve a obediência à ordem jurídica em todas as circunstâncias e, portanto, existe a possibilidade de uma contradição entre a Moral e a ordem jurídica, então a exigência de separar o Direito da Moral e a ciência jurídica da Ética significa que a validade das normas jurídicas positivas não dependo do fato de corresponderem à ordem moral, que, do ponto de vista de um conhecimento dirigido ao Direito positivo, uma norma jurídica pode ser considerada como válida ainda que contrarie a ordem moral” (pág. 77).
É importante frisar que não existe uma única Moral ou “a” Moral, mas sim vários sistemas de Moral profundamente diferentes um dos outros, essa uma ordem jurídica positiva pode atender tanto uma moral aqui ou outra a acolá. A Teoria pura do Direito rejeita uma ideia difundida na jurisprudência tradicional, de que o direito deve ser Moral para ser validado, que uma ordem social imoral não é direito, mas como avaliar o que é Moral ou Imoral sendo tão volátil? “Com efeito, a ciência jurídica não tem de legitimar o Direito, não tem por forma alguma de justificar – quer através de uma Moral absoluta, quer através de uma Moral relativa – a ordem normativa que lhe compete – tão somente – conhecer e descrever” (pág. 78)
Capitulo Capítulo 5 – Dinâmica Jurídica 1. O fundamento de validade de uma ordem normativa: a norma fundamental a) Sentido da questão relativa ao fundamento de validade É dado o Direito como uma ordem normativa, um sistema de normas que regulam a conduta, então qual é o seu fundamento de validade e de unidade? O fundamento de validade de uma norma só pode ser a validade de outra norma, pois, só podemos fundamentar algo do dever-ser com algo do dever-ser e algo do ser com algo do mundo do ser. Sendo esta segunda norma a norma superior em detrimento da primeira, que será a inferior. “O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior” (pág. 215) O fundamento de validade poderia ser posta por uma autoridade, humana ou supra-humana, como nos Dez Mandamentos do cristianismo. A norma a qual devemos obedecer às ordens de Deus seria a norma que daria fundamentação para as ordens dele. No silogismo, a premissa maior é a proposição de dever-ser que enuncia a norma superior e a conclusão é a
proposição que enuncia a norma inferior. A premissa menor é a proposição que verifica um fato da ordem do ser, fazendo um elo entre as anteriores. A premissa maior e a menor são pressupostos da conclusão. Mas só a premissa maior vai ser fundamento de validade da conclusão, pois esta é do mundo do dever-ser, igualmente a conclusão. Ou seja, o fato da ordem do ser verificado na premissa menos não é o fundamento de validade da norma afirmada na conclusão. Apenas uma autoridade competente pode estabelecer normas válidas, e tal competência somente se pode apoiar sobre uma norma que confira poder para fixar normas. A esta norma se encontram sujeitos tanto a autoridade dotada de poder legislativo como os indivíduos que devem obediência às normas por ela fixadas. A Norma Fundamental é a norma última superior. Ela é a última e a mais elevada, sendo então pressuposta, e não posta no ordenamento; “Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada” (pág. 217). O fundamento desta norma não é posto em questão, já que ela só serve para fundamentar todo o resto. Ela também é a fonte comum, em que todas as outras normas do ordenamento direta ou indiretamente se dirigem. É ela que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa. b) O princípio estático e o princípio dinâmico “Segundo a natureza do fundamento de validade, podemos distinguir dois tipos diferentes de sistemas de normas: um tipo estático e um tipo dinâmico” (pág. 217). As normas de um ordenamento estático, a conduta dos indivíduos por elas determinada, é devida (devendo ser) por força do seu conteúdo, pois a validade vai ser conduzida a uma norma cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o particular para o geral. Se a norma fundamental diz que devemos amar o próximo as normas ditas ordinárias diriam que não devemos fazer mal ao próximo, ter respeito etc. regulando de forma mais específica. Esta norma, pressuposta como norma fundamental, fornece não só o fundamento de validade como o conteúdo de validade das normas dela deduzidas através de uma operação lógica. Só que a norma fundamental só pode ser considerada
fundamental quando seu conteúdo seja havido como imediatamente evidente, significando que ela é dada na razão prática. Este conceito se torna insustentável, pois a função da razão é conhecer e não querer, e o estabelecimento de normas é um ato de vontade. Por isso, não pode haver norma imediatamente evidente. O sistema dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição do poder a uma autoridade legisladora ou uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre esta norma. A norma fundamental limita-se a delegar numa autoridade legisladora, quer dizer, a fixar uma regra de conformidade com a qual devemos ser criadas as normas deste sistema. A norma que constitui o ponto de partida da questão não vale por forçado sue conteúdo, ela não pode ser deduzida da norma pressuposta através de uma operação lógica. Uma tal norma pertence a um ordenamento jurídico que se apóia em uma tal norma fundamental porque é criada pela forma determinada através dessa norma fundamental e não porque tem um determinado conteúdo. Em algumas tribos, o costume é o fato criador de normas. c) O fundamento de validade de uma norma jurídica “O sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica tem essencialmente um caráter dinâmico. Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo (como visto no capitulo 2 – Direito e Moral), quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela vida de um raciocínio lógico do de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada por uma forma determinada - em última análise, por uma forma fixada por uma norma fundamental pressuposta. Sendo assim todo e qualquer conteúdo pode ser Direito” (pág. 221). “As normas de uma ordem jurídica têm de ser produzidas através de um ato especial de criação. São normas postas, quer dizer, positivas, elementos de uma ordem positiva” (pág. 221). O modo como estas são produzidas é regulado pela norma fundamental. “Neste sentido, a norma fundamental é a instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como constituição no sentido lógico-jurídico, para distinguir da Constituição em sentido jurídico-positivo” (pág. 222).
O ponto de partida de um processo da criação do Direito positivo, é ela, a norma fundamental. Ela própria não é uma norma posta, posta pelo costume ou pelo ato de um órgão jurídico, não é uma norma positiva, mas uma norma pressuposta
(!!!), na medida em que a instância constituinte é considerada como a
mais elevada autoridade e por isso não pode ser havida como recebendo o poder constituinte através de outra norma, posta por uma autoridade superior.
d) A norma fundamental como pressuposição lógico-transcendental. A norma fundamental se refere imediatamente a uma Constituição determinada, efetivamente estabelecida, produzida através do costume ou da elaboração de um estatuto, eficaz em termos globais, fundamentando esta Constituição e ordem coercitiva de acordo com ela criada. Está fora de questão se o conteúdo da Constituição é justo ou injusto. Na pressuposição da norma fundamental não é afirmado qualquer valor transcendente ao Direito positivo. “Na medida em que só através da pressuposição da norma fundamental se torna possível interpretar o sentido subjetivo do fato constituinte e dos fatos postos de acordo com a Constituição como seu sentido objetivo, quer dizer, como normas objetivamente válidas, pode a norma fundamental, na sua descrição pela ciência jurídica - e se é lícito aplicar por analogia um conceito da teoria do conhecimento de Kant -, ser designada como a condição lógico-transcendental desta interpretação” (pág. 225). A função desta norma fundamental é dar validade a uma ordem jurídica positiva, isto é, das normas, postas através de atos de vontade humanos, de uma ordem coercitiva globalmente eficaz, interpretar os sentidos subjetivos destes atos como seu sentido objetivo. A fundamentação da validade de uma norma positiva que prescreve uma determinada conduta realiza-se através de um processo silogístico. A norma fundamental não pode ser o sentido subjetivo do ato de vontade de qualquer pessoa, podendo ser apenas o conteúdo de um ato de pensamento. Já que ela não pode ser uma norma querida, ela tem que ser uma norma pensada. Não há normas falsas ou verdadeiras e sim normas válidas ou inválidas. “A Teoria da Norma Fundamental é somente o resultado de uma análise do processo que o conhecimento jurídico positivista desde sempre tem utilizado” (pág. 228).
e) A unidade lógica da ordem jurídica; conflitos de normas “Como a norma fundamental é o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem jurídica, ela constitui a unidade na pluralidade destas normas” (pág. 228). Poderá haver normas que se contradizem colocadas por diferentes instituições. Este conflito não é uma contradição lógica, esses tipos de contradições só podem ocorrer entre proposições falsas e verdadeiras e as normas só podem ser classificadas como válidas e inválidas; “Uma norma, porém, não é verdadeira nem falsa, mas válida ou não válida” (pág. 229). Mas não é errado que se diga que há uma contradição entre elas e que somente uma das duas pode ser tida como objetivamente válida. Esse problema será resolvido pela via da interpretação. Se as normas estiverem em níveis hierárquicos diferentes a superior vence e a inferior é invalidada. Se elas forem do mesmo nível e postas pelo mesmo órgão a norma estabelecida em último lugar sobreleva à da norma fixada em primeiro lugar, ou seja, ganha a mais nova. Se forem do mesmo nível mas postas por órgãos diferentes elas as duas disposições sobrevivem e se deixa a conclusão para o tribunal no momento da aplicação da lei ou quando as duas normas só parcialmente se contradizem, que uma norma limita a validade da outra. Com efeito, a norma fundamental não empresta a todo e qualquer ato o sentido objetivo de uma norma válida, mas apenas ao ato que tem um sentido, a saber, o sentido subjetivo de que os indivíduos devem conduzir de determinada maneira. O ato tem de, neste sentido normativo, ser um ato com sentido. Confusões também podem ocorrer entre duas decisões judiciais. “O conflito é resolvido pelo fato de o órgão executivo ter a faculdade de escolher entre observar uma ou outra das decisões, ou seja, efetivar ou não efetivar a pena ou a execução civil, observar uma ou outra das normas individuais” (pág. 231). A norma fundamental determina: a coação deve ser exercida sob os pressupostos e pela forma determinados pela Constituição que seja globalmente considerada, eficaz, pelas normas gerais, postas em conformidade com a Constituição, que sejam, de modo global, eficazes e pelas normas individuais eficazes. A eficácia é estabelecida na norma fundamental como pressuposto da validade. Entre uma norma que determina a criação de outra e a norma criada não pode haver contradição, pois a norma criada tem o seu fundamento de validade na norma superior.
f) Legitimidade e Efetividade O domínio de validade de uma norma pode ser limitado, especialmente o de validade. As normas de uma ordem jurídica valem enquanto a sua validade não termina, de acordo com os preceitos dessa ordem jurídica. Na medida em que ela regula sua própria criação, ela regula o início e o fim da validade de suas normas. O princípio de que a norma de uma ordem jurídica é válida até a sua validade terminar por um modo determinado através desta mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade de outra norma desta ordem jurídica, é o Princípio da Legitimidade. “Este princípio, no entanto, só é aplicável a uma ordem jurídica estadual com uma limitação muito importante: no caso de revolução, não encontra aplicação alguma. Uma revolução no sentido amplo da palavra, compreendendo também o golpe de Estado, é toda modificação ilegítima da Constituição, isto é, toda modificação da Constituição, ou a sua substituição por outra, não operadas segundo as determinações da mesma Constituição” (pág. 233). Quando há a modificação da Constituição vigente ou a substituição da mesma, uma grande parte das leis promulgadas sob a antiga Constituição permanece, como costuma dizer-se, em vigor. O que existe, não é uma criação de Direito inteiramente nova, mas recepção de normas de uma ordem jurídica por outra. Mas também essa recepção é produção de Direito. O conteúdo destas normas permanece na verdade o mesmo, mas o seu fundamento de validade toda a ordem jurídica, mudou, modificando-se assim a norma fundamental. “Os atos que surgem com o sentido subjetivo de criar ou aplicar normas jurídicas já não mais são pensados sob a pressuposição da antiga norma fundamental, mas sob a pressuposição da nova norma fundamental” (pág. 235). Se a antiga Constituição tivesse permanecido eficaz, não haveria qualquer motivo para pressupor uma nova norma fundamental no lugar da antiga. “O princípio que aqui surge em aplicação é o chamado princípio da efetividade. O princípio da legitimidade é limitado pelo Princípio da Efetividade” (pág. 235).
g) Validade e Eficácia Nessa limitação entra-se a conexão entre validade e eficácia. È apenas a relação entre o dever-ser da norma e o ser da realidade natural. Existem duas teses: A primeira vem falar que não existe conexão de espécie alguma entre eficácia e validade (Tese Idealista). A segunda vem falar que a validade do Direito vem com a sua eficácia (Tese Realista). As duas são falsas. A 1ª porque não pode negar-se que uma ordem jurídica como um todo também perde sua validade se ela se torna ineficaz e porque a norma jurídica positiva para ser válida tem que ser posta por um ato-de-ser . A 2ª é falsa porque existem casos de normas jurídicas que não são eficazes, mas ainda sim são válidas. A proposta da Teoria é “A solução proposta pela Teoria Pura do Direito para o problema é: assim como a norma de dever-ser, como sentido do ato-de-ser que a põe, se não identifica com este ato, assim a validade de dever-ser de uma norma jurídica se não identifica com a sua eficácia da ordem do ser; a eficácia da ordem jurídica como um todo e a eficácia de uma norma jurídica singular são - tal como o ato que estabelece a norma - condição da validade. Tal eficácia é condição no sentido deque uma ordem jurídica como um todo e uma norma jurídica singular já não são consideradas como válidas quando cessam de ser eficazes” (pág. 236). Se a Constituição perde a eficácia também perde sua vigência (validade),mas ela não perde sua validade pelo simples fato de uma norma em singular perder a eficácia. Uma norma jurídica pode perder a validade pelo fato de permanecer por longo tempo inaplicada ou inobservada, ou seja, em desuso. Se no lugar do conceito de realidade, como realidade da ordem jurídica, se coloca o conceito de poder, então o problema da relação entre validade e eficácia coincide com a existente entre Direito e força. E, então, a solução aqui tentada é apenas a formulação cientificamente exata da antiga verdade de que o Direito não pode, na verdade, existir sem a força, mas que, no entanto, não se identifica com ela. E, no sentido da teoria aqui desenvolvida, uma determinada ordem do poder. h) A norma fundamental do Direito Internacional “O Direito internacional só vale em face de um Estado quando é reconhecido por este, isto é, pelo seu governo, com base na Constituição do Estado... Com efeito, o
Direito internacional, nesse caso, apenas é uma parte integrante da ordem jurídica estadual representada como soberana e cujo fundamento de vigência é a norma fundamental referida à Constituição eficaz” (pág. 239). Pode-se considerar também o Direito internacional não como parte integrante da ordem jurídica, e sim como uma ordem supra-ordenada a todas as ordens jurídicas estaduais. O Direito Internacional, então, passa a ter uma norma que representa o fundamento de vigência das ordens jurídicas estaduais. Nesse caso a norma que fundamenta a ordem jurídica é posta, e não proposta. Pois o Direito Internacional tem uma norma que reconhece aos indivíduos o poder de, com base na Constituição eficaz, criar e aplicar, como governo legítimo, uma ordem normativa de coerção. O problema da norma é deslocado, mas não é o seu fundamento de vigência ultimo. Mas o Direito Internacional também tem sua norma fundamental, que é pressuposta. Se o fundamento de vigência das ordens jurídicas estaduais se encontra numa norma da ordem jurídica internacional, esta é concebida
como
uma
ordem
jurídica
superior
à q u el a s
e,
p or ta nt o, c om o a o rd em m ai s e le va da d e t od as , c om o a ordem soberana. i) Teoria da norma fundamental e doutrina do Direito natural “De acordo com a Teoria Pura do Direito, como teoria j u r í d i c a
positivista,
nenhuma ordem jurídica positiva pode ser
considerada como não conforme à sua norma fundamental, e, portanto, como não válida. O conteúdo de uma ordem jurídica positiva é completamente independente da sua norma fundamental. Na verdade, da norma fundamental apenas pode ser derivada a validade e não o conteúdo da ordem jurídica. Toda ordem coerciva globalmente eficaz pode ser pensada como o r d e m n o r m a t i v a o b j e t i v a m e n te v á l i d a . A ne nh um a or de m ju rí di ca po si ti va po de se recusar a validade por causa do conteúdo das suas normas” (pág. 242). Ou seja, um ordenamento não pode ser considerado como conforme a sua norma fundamental e por isso inválida. “D ad o
q ue
pensada
ao
p o si t i vo ,
é
a
n or ma
fundamentar a p e na s
a
f un da me nt a l, a
c o nd i ç ão
validade
c om o
n or ma
do
Direito
l ó gi c o -t r an s ce n d en t al
d e s t a interpretação normativa, ela não exerce qualquer função éticopolítica
mas
tão-só
uma
f u nç ã o
t e or é ti co - gn os e ol ó gi c a”
(pág.243). O Direito positivo pode não concordar com o natural ou concordar, sendo este injusto ou juto, já que os critérios ético-políticos são baseados no direito natural. Mas o Direito Natural, dentro das diversas teorias que ele engloba, pode ser conflitante, não tendo uma ordem moral absoluta, e não podendo ser critério para isto. j) A norma fundamental do Direito natural “Como a Teoria pura do Direito, enquanto teoria jurídica positivista, não fornece, com a norma fundamental do Direito positivo por ela definida, qualquer critério para apreciação da justiça ou injustiça daquele Direito e, por isso, também não fornece qualquer justificação ético-política do mesmo, ela é muitas vezes considerada como insatisfatória” (pág. 245). Quer se achar um tal critério para definir como justo ou injusto o Direito positivo, mais precisamente legitimá-lo como justo (e aqui Kelsen “puxa sardinha” para seu lado”). “Os representantes do Direito natural não proclamam um único direito natural e sim várias direitos naturais, muito diversos entre si e contraditórios uns com os outros” (pág. 245). Ele está muito longe de oferecer um critério firme que dela se espera. Uma tal doutrina vê o fundamento de validade do Direito positivo no Direito natural, quer dizer, numa ordem posta pela natureza como autoridade suprema colocada acima do legislador humano. Neste sentido, o Direito natural é também direito posto, isto é, positivo” (pág. 245). Um direito posto, positivado por uma entidade sobre-humana no caso. As normas somente podem ser assumidas como imanentes à natureza quando se admita que na natureza está a vontade de Deus; porém supor que Deus impõe uma normatividade através da natureza, ou por qualquer outra forma, é suposição metafísica que em geral não é aceita pela ciência em geral menos ainda pela ciência do Direito,
“pois o conhecimento cientifico não pode ter
p or o bj et o q ua lq ue r p ro ce ss o a fi rm ad o p ar a a lé m d e t od a a experiência possível” (pág. 246).