O
Quais são as fronteiras entre a biografia e a história, a ficção literária e a verdade do s fatos? A h i s t o r i a d o r a S a b i n a L o r i g a d e c i d i u e x a m i n a r a o b r a d e p e n s a d o r e s qu qu e , a o l o n g o d o s é c u l o X I X , b u s c a r a m r e s t i t u irir a d i m e n s ã o i n d i v id u a l d a h i stst ó riri a : três historiadores (Thomas Carlyle, Wilhelm von Humboldt, Friedrich Meinecke), u m h i s t o r i a d o r d a a r t e ( J a c o b B u r c k h a r d t ) , u m f il ó s o f o ( W i lhlh e l m D i l thth e y ) e u m r o m a n c i s t a ( L e o n T o l s toto i ).). Ma s que h istória é essa de ‘pequ eno x"? A fórmula é do grande histori historiador a dor a l e m ã o J o h a n n G u s t a v D r o y se se n , q u e , e m 1 8 6 3 , e s c r e ve ve u q u e , s e c h a m a m o s d e A o o g é n i o i n d i v i d u a l ( a q u i l o q u e a l g u é m é , p o s s u i o u f az az ) , e n t ã o p o d e m o s d i z e r q u e A é é a s o m a d e a + x, e m q u e a d e s i g n a o q u e v e m d a s c i rcrc u n s t â n c ia s exteriores (país, época, etc.) e xre sulta do talento pessoal, obra da livre v re vontade. a de. Muitos foram aqueles que, desde então, exploraram esse “pequeno x”. Como ele se forma? Ele é inato? Que papel a pessoa singular desempenha n a h i s t ó r i a ? C o m o s e d e v e a p r e e n d e r a r e lala ç ã o e n t r e o i n d iv í d u o , sese u g ê n i o e o movimento geral da história? E s t a o b r a d e S a b i n a L o r i g a a s s i n a l a o r e t o r n o d a b i o g r a fifi a , a b a n d o n a d a p o r m u i toto t e m p o , a o c a m p o d a s p e s q u i s a s h isis t ó riri ca ca s .
P E Q U E N O X :
d a
b i o g r a f i a à h i s t ó r i a
S a b m a L o r i g a
autêntica fc«Ut»cL«*í>s*cov s*cov** a u t ê n t i c a
Coleçõo HISTÓRIA & HISTORIOGRAFIA Coordenação Eliana de Freitas Dutra
Sabina Loriga
O pequeno pequeno x Da biografia à história
Tradução
Fernando Scheibe
autêntica
Copyright © Editions du Seuil, 2010. Collection La Librairie du XXIe siècle, sous la direction de Maurice Olender. Copyright © 2011 Autêntica Editora TITULO ORIGINAL Le petit petit x - D e la biographie biographie à 1'histo 1'histoire ire
COORDENADO RA DA C OLEÇAO HISTORIA E HISTORIOGRAFIA HISTORIOGRAFIA Eliana de Freitas Dutra
PROJETO GRÁFICO DE CAPA Teco de Souza (Sobre imagem A cor do invisiv invisivel, el, Wassily Kandinsky)
EDITORAÇÃO ELETRONICA Conrado Esteves Christiane Morais de Oliveira
REVISÃO TÉCNICA Vera Chacham
REVISÃO Vera Lúcia D e Simoni Castro Lira Córdova
EDITORA RESPONSÁVEL Rejane Dias
Revisado conforme o Novo Acordo Ortográfico. Todos os direitos direitos reservados reservados pela Autêntica Editora Nenh uma parte desta publicação publicação poderá ser reproduzida, seja por meio s mecânicos, eletrômcos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora
AUTÊNTICA EDITORA LTDA. Belo Horizonte
São Paulo
Rua Aimorés, 981, 8o andar Funcionários 30140-071 . Belo Belo Horizont Horizontee .M G Tel:(55 31) 3222 6819
Av. Paulista Paulista,, 2073 . Conju nto Nacional Horsal . 11° andar Conj. 1101 1101 Cerqueira César 01311-940 São Paulo. Paulo. SP Tel :(55 11) 3034 4468
Televendas: 0800 283 13 22 www autenticaeditora com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
loriga. Sabina 0 pequeno x : da biografia à história história / Sabina Loriga; tradução Fernando Scheibe. Scheibe. - Belo Horizonte Autêntica Editora, 2011 - (Coleçào História e Historiografia / coordenação Eliana de Freitas Dutra, 6) Titulo original: Le petit x de la biographie à 1'histoire. ISBN 978-85-7526-565-9 1 Biografia (Género literár literário) io) 2 História - Filosofia Filosofia 3. Historiografia - História - Sécu lo 19 I. Dutra, Eliana de Freitas. I Ti tulo III Série. 11-08584 11-08584
CDD-907 2 índices para catálogo sistemático: 1 Biografia e história história 907.2
AGR AD ECI MEN TO S
Jacq ues Re ve l discutiu com igo o c onj unt o deste liv ro e m seus mínimos detalhes. Pude contar, além disso, com as observações e as críticas de Giovanni Levi, Jean-Frédéric Schaub, François Hartog e Fernando Devoto. Dominique Berbigier me ajudou, com grande paciência, a preparar a versão francesa do livro. Esta viagem pelo passado historiográfico foi também a ocasião de intensas trocas de pontos de vista com Olivier Abel, Michèle Leclerc-Olive, Isabelle Ullem-Weité, David Schreiber, Françoise Davoíne, Maurizio Gnbauldi e Stefano Bary. Partilhei com Andrea Jacchia as interrogações, as paixões e as hesitações que, dia após dia, acompanharam a redação deste livro. Enfim, desejo agradecer a todos aqueles que participaram de meu seminário “Histoire et biographie" na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris.
SUMÁRIO
Pre fác io........................................ io................................................................ .................................................. ..........................
11
................................................ Capítulo Capítulo I - O limiar biográfico................................................
17
Cap ítulo IIII - A vertigem da histó ria............. ria.................. .......... .......... .......... .......... ......... ....
49
Cap ítulo III III - O dram a da libe rda de .......... ............... .......... .......... .......... .......... .......... .....
81
Cap ítulo IV - A plur alid ade do pass ado............. ado.................. ........... ........... ......... ....
121
Cap ítulo V - O homem pa toló gic o............ o................. .......... .......... .......... .......... .......... .....
157
Cap ítulo VI VI - A história infin ita.............. ita................... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .....
181
Cap ítulo VII - Sobr e os os ombros dos giga ntes .......... ............... .......... ......... ....
21 1
Prefácio
Entretanto acontece com isso o mesmo que com a caça às borboletas; o pobre animal treme na rede, perde suas mais belas cores; e quando se o apanha de supetão, está finalmente duro e sem vida; o cadáver não fa z todo o anima l, há alguma coisa a mais, uma parte essencial e nesse caso, como em todo outro, uma parte essencialmente essencial: a vida.
Johann Wolfgang Wolfgang Goeth e1 I Desde o fim do século XVIII, os historiadores se desviaram das ações e dos sofrimentos dos indivíduos para se dedicarem a descobrir o processo invisível da história universal. Múltiplas razões os conduziram a abandonar os seres humanos para passar de uma história plural (die Geschicten) a uma história única (die Geschichte).2
1 Carta de Goeth e a Hetzler de 14 de julho de 1770, in Goethes Briefe und Briefe Briefe an Goelhe. Kom mentare unil Register, Register, Ed. por Karl Karl Robert M andelkow, Mu nich, C.H. B eck, 1976 citado citado por Jean Lacoste, Goelhc. Saetue et philosophie, philosophie, Paris, Paris, PU F, 1997, p. 90. 1 Em seu texto sobre o conceito de história, Reinhart Koselleck coloca em evidência que o termo Geschichte Geschichte nasce após dois acontecimentos convergentes', por um lado. a constituição de um coletivo singular que religa o conjunto das histórias especiais ( Einzelgeschichten); Einzelgeschichten ); por outro, uma contaminação mútua do conceito de Geschichte enquanto Geschichte enquanto comp lexo de eventos e aquele de Historie enquanto conhecimento, relato e ciência histórica. Reinhart Koselleck. “Le concept d'histoire”, in VExpérience de 1'histoire (1975) , traduzido traduzido do alemão por Alexandre Escudier, Pans. Editions de 1’EHE SS, 1997, p. 1519. Cf. também Reinhart Koselleck, Lcfiitur passé. Contrihulion d la sémantique des temps historiques historiques (1979 ), traduzido do alemão alemão por Joch en Hoo ck, Paris, C.allimardEdicions C.allimardEdicions du Seuil, 199 0, capítulo IV. |Tradução brasileira brasileira de Wilma Patrícia Mass e Carlos Almeida Pereira. O futur o pa ssa do: contr ibuir ão tí ão tí semilntica dos tempos históricos. históricos. Rio de janeiro: Contraponto/PU C, 1996.]
11
O PEQUENO PEQUENO X - D a BIOGRAFIA à HISTÓRIA
É provável que duas revelações dolorosas da modernidade tenham contribuído para isso: por um lado, a descoberta de que mesmo a natureza é mortal e, por outro, a perda progressiva de confiança na capacidade de nossos sentidos de apreender a verdade (desde a época de Copémico, a ciência, no fundo, não para de nos revelar os limites da observação direta).’ Mas, para além dessas profundas transformações, que ultrapassam nossos comportamentos conscientes e, sob certos aspectos, nos escapam, diversas vicissitudes intelectuais menos trágicas, e mesmo mais banais, tiveram, sem dúvida, um papel nada negligenciável. Em primeiro lugar, a vontade de trazer às ciências humanas bases científicas estáveis e objetivas. Tratou-se de um imenso esforço de conhecimento que conduziu as discipli nas nas mais heterogéneas - da demografia à psi cologia, passando passando pela pela história história e pela pela sociologia - a uniformizar os fenómen os, eliminando eliminando muitas vezes as diferenças, os desvios, as idiossincrasias. O vício de encarar tudo sob o signo da similaridade e da equi valência teve graves repercussões. Hannah Arendt as evoca numa carta a Karljaspers Karljaspers de 4 de março de 195 1. Voltando , uma vez ainda ainda,, às tragédias políticas e sociais que afligiram o século X X , observ a-se que o pensamento moderno perdeu o gosto pela diversidade: ‘‘Não sei o que é o mal absoluto, mas parece-me que tem a ver com o seguinte seguinte fen ómeno: declarar os seres seres humano s supérfluos enquanto seres humanos”. E, mais adiante, acrescenta: “Suspeito que a filosofia não seja tão inocente quanto ao que nos é dado aí. Naturalmente, não no sentido de que Hitler podena ser aproximado de Platão. [...] Mas, sem dúvida, no sentido de que essa filosofia ocidental jamais teve uma concepção do político e não podia ter porque [...] tratava acessoriamente a pluralidade efetiva”.4 Além da filosofia, essa perda da pluralidade afetou igualmente a história. Os dois últimos séculos viram nossos livros de história abundar em relatos sem sujeito: eles tratam de potências, de nações,
Pr e í á c i o
de povos, de alianças, de grupos de interesses, mas bem raramente de seres seres humanos.5 Co mo pressent pressentiu iu um escritor particularmente atento ao passado, Hans Magnus Enzensberger, a língua da históna começou, então, a ocultar os indivíduos atrás de categonas impes soais: “A história é exibida sem sujeito, as pessoas de que ela é a história aparecem somente como tela de fundo, enquanto figuras acessórias, massa obscura relegada ao segundo plano do quadro: ‘os desemprega dos’, ‘os empresários’ , diz-se Mesm o os pretensos ittakers ittakers o f history parecem desprovidos de vida: “A sorte dos outros - aqueles aqueles cujo destino é calado - se vinga vinga sobre a deles deles:: ficam c on gelados como manequins e se parecem com as figuras de madeira que substituem os homens nos quadros de De Chirico”.6 O preço ético e político dessa desertificação do passado é muito alto. A partir do momento em que deixamos de lado as motivações pessoais, “podemos admirar ou temer, abençoar ou maldizer Ale xandre, César, Átila, Maomé, Cromwell, Hitler, como admiramos, tememos, abençoamos ou maldizemos as inundações, os tremores de terra, os pores do sol, os oceanos e as montanhas. Mas denunciar seus atos ou exaltá-los é tão despropositado quanto fazer sermões a uma árvore” .7 Essas Essas palavras palavras de Isaiah Isaiah Berlin, escritas em 1 953 , permanecem atuais. Ao longo dos últimos anos, reprovou-se muitas vezes à historiografia dita pós-modema, de inspiração nietzschiana, ter minado a ideia de verdade histórica e afastado, assim, toda pos sibilidade sibilidade de avaliar avaliar o passado.8 Par ece -m e impor tante sublinhar o quanto o perigo do relativismo, que corrói o princípio de respon sabilidade individual, é igualmente inerente a uma leitura impessoal da históna que pretende descrever a realidade pelo viés de anónimas relações de poder. Isaiah Berlin nos lembra que a esperança d e fazer fala r as próprias coisas nos leva a produzir uma imagem abusivamente necessária dessa realidade. Por vezes, mesmo a celebrar um pouco 5 Cf. Philip Poniper, "Histonans and and Indivi Individual dual Agency", History iind Tlieory, 1996. 35,3, p. 281308. 4 Hans Magnus Enzensberger, “Letteratura “Letteratura com e stonograha", II Menabò, Menabò, 1966, IX. p. 8.
Sobre a tomada de consciência da vulnerabilidade da natureza, cf. Hannah Arendt. Lt Concept d histoire (195b) histoire (195b) ín U cnse de k aillun, aillun, Paris, Gallimard, 1972. Cf. igualmente Hansjonas, Philosophieal Essays From Atu mu C reed lo Technological Technological Man , Chicago, The Umveraty Chicago Press, 1974. '
Hannah Arendt. Correspondance, 19261969 (1985), traduzido do alemão por Eliane Kaufhol Messmer, Paris, Payot, 1996, p. 243244.
12
Isaiah Isaiah Berlin. "De la nécesité histonque" (1953), in Éoge de la liberte, liberte, Pans, CalmannLévy, 1988, p. 118. " Cf. Cario Ginzburg, “Just one Witness”, ín Saul Saul Fnedlander (dir.), (dir.), Probing Probing lhe Umits o f Representa Representa lion. Nazism and lhe "Final Solution". Cambndge (MASS.), Harvard Umvenity Press, 1992, p. 8 2 9 6 ; R i c h a r d J . E v an an s , In De/rtue o f History, History, Londres, Granta Books, 1997, cap. VIII.
O
PEQUENO
x - Da
b i o g r a f i a à história
demais os feitos realizados: “Tudo o que se encontra no campo da razão vitoriosa é justo e sábio; por outro lado, tudo o que está do lado do mundo fadado à destruição pelo trabalho das forças da razão é efetivamente estúpido, ignorante, subjetivo, arbitrário, cego”.9 II Por essa razão, penso que é essencial voltar àqueles autores que, através através do século século X IX , se esforçaram esforçaram por salvaguardar a dime dimensã nsãoo individual da história. Foi uma época que deu lugar a uma reflexão extremamente interessante e complexa sobre o “pequeno x”. Do que se trata? A expressão é de Johann Gustav Droysen, que, em 1863, escreve que, se chamamos A o gênio individual, a saber, tudo o que um homem é, possui e faz, então este A é formado por a + x, em que a contém tudo o que lhe vem das circunstâncias externas, de seu país, de seu povo, de sua época, etc., e em que x representa sua contrib uição pessoal, pessoal, a obra de sua livre vo nta de .1" .1" Antes de de Droysen e depois dele, outros pensadores exploraram o “pequeno x . Com o se forma? forma? E inato? Tod os os seres seres humanos o têm? Deve ser integrado à história? Neste caso, como apreender a relação entre o caso individual singular e o movimento geral da história? Inicial mente, a abordagem está estreitamente ligada a uma reflexão sobre a nação: como veremos, a propósito de Johann Gottfried Herder, as particularidades dos povos envolvem as características pessoais. Depois ela se anima, na segunda metade do sé culo X IX , no curso de uma discussão complexa sobre o estatuto epistemológico das ciências humanas. Não se trata de um debate estruturado, bem definido, com uma data inicial e uma final, mas antes de um diá logo difícil, indireto, incessantemente interrompido, que atravessa as fronteiras nacionais e que injustamente caiu no esquecimento. Em parte por ser pontuado por certos termos obsoletos e perigosos Isaiah Berlin . De la la necessite h i s t o n q u e " , op. rir., p.l 16. Cf. igualmente Hugh T r e v o r - R o p e r . History and Imagmation' , in History and Ima^inalion. Ima^inalion. Essays in Honour of H R Trevor Roprr, Roprr, Londres. Gerald Duck worth, 1981, p. 3563 69. jo ha nn Gus tav Dr oy sen , Di e Er he bu ng de r G es ch ich te zun i Ra ng ein er W iss en sch aft ”, Historisehe Zntschrifi. Zntschrifi. Ed. Von Sybel, Mumch , Literanschartistiche Literanschartistiche Anstalt, Anstalt, 1863, vol. IX , p. 1314. Droysen se apoia apoia num exemplo do filósofo Rud olf Hennann Lotze.
14
Pr efá c io
como “herói” ou “grande homem”. Em parte porque, entre os historiadores, reina ainda a estranha e arrogante convicção de que o presente historiográfico é preferível e superior —em suma, mais científico - ao passado. passado. Sob vários aspectos, este livro se propõe a fazer uma incursão pela tradição. Aí está uma expressão que merece alguns esclareci mentos. Em pnmeiro lugar, não se trata de uma chamada à ordem." Não atribuo a nossos predecessores uma autoridade indiscutível e não pretendo negligenciar a importância das inovações ou das expe riências riências histonográficas realizad realizadas as nos últimos decénios. P arece -me , entretanto, que uma relação mais profunda com a tradição só pode ennquecer nossas possibilidades de experimentar. Com demasiada frequência, sobretudo no debate em torno ao pós-moderno, o passado historiográfico é descrito como uma experiência mono lítica, imbuída de certezas sobre a verdade e a objetividade. Meu desígnio aqui é colocar em evidência pensamentos que desmentem essa imagem tão convencional da tradição. Além do mais, o salto na tradição não concerne à biografia enquanto tal: nem seu método, nem sua evolução narrativa. E nada tem de filológico: não proponho uma leitura leitura exaustiva de cada cada autor e, muitas vezes, limite i-me a evocar as motivaçõe s políticas e sociai sociaiss de suas reflexões —como o impacto do bonapartismo ou a afirma ção política das massas. E uma verdadeira lacuna que será, espero, preenchida em breve por outras pesquisas. Mas, aqui, debruço-me principalmente sobre a história biográfica: se tivesse que resumir em algumas palavras o que fiz nesses últimos anos, talvez dissesse que recolhi pensamentos para povoar o passado. Com essa finali dade, privilegiei uma perspectiva ampla, indo alem das fronteiras geográficas, linguísticas e de género. Os autores que frequentei longamente são historiadores (fora Thomas Carlyle, principalmente autores alemães, de Wilhelm Von " No curso dos últimos anos, especialmente nos meios anglosaxôes, numerosos historiadores propuseram uma oposição discutível entre a antiga e a nova história: cf. Theodore S. Hamerow, Reflections on History and Htstorians, Htstorians, Madison, Um vemty o f Wiscosin Press. 1987, cap cap V; Eliza beth FoxGenovese, Elisabeth LaschQuinn (dir.), Reconstmcting History: History: TTic Emergente o/a New Historieal Sonely, Sonely, N e w Y o r k L o n d r e s . R o u t l e d g e , 1 9 9 9 , p . X I 1 I X X I I .
O
PEQUENO
x - Da
b i o g r a f i a à histôhia
Humboldt a Fnedrich Meinecke), um historiador da arte (Jacob Burckhardt), um filósofo (Wilhelm Dilthey) e um escritor (Leon Tolstoi). De fato, a definição disciplinar se mostra bem pobre, pois se trata na maioria dos casos de peç as únicas que não provêm nem de uma escola escola nem de uma cor rente. Não há entre eles continuidade continuidade ou coerência, mas partilham ao menos duas convicções. Creem, antes de tudo, que o mundo histórico é criativo, produtivo, e que essa qualidade não repousa sobre um princípio absoluto, mas procede da ação recíproca dos indivíduos. Por conseguinte, não apresentam a sociedade como uma totalidade social independente (um “siste ma ou uma “estrutura” impessoal superior aos indivíduos indivíduos e que que os domina), mas como uma obra comum. Têm, além disso, um sentido sentido agudo do que poderíamos cham ar “ a vitalidade vitalidade periférica da da históna : visam antes a desvelar a natur eza mu ltif orm e do passad passadoo do que a unificar os fenómenos. E claro, não são os únicos a abraçar tal abordagem. A diversidade da experiência histórica foi defendida nesses mesmos decénios por William James e Max Weber e, mais tarde, por Walter Benjamin, Siegfried Kracauer e outros autores que cruzaremos nos meandros das páginas deste livro. Mas antes de seguir essas grandes figuras no fio de seus pen samentos, é importante explorar a fronteira, fluida e instável, que separa a biografia da literatura e da história.
CAPÍTULO I
O limiar limiar biográfico biográfico
I Tácito, Suetônio e Plutarco. Antes deles, Critias, Isócrates, Xenofonte, Teofrasto, Aristóxenes, Varrão, Cornélio Nepos. Mais tarde, Eginhard, o abade Suger, Jean de Joinville, Philippe de Commynes, Femán Pérez de Guzmán, Filippo Villani, Giorgio Vasan, Thomas More. A Antiguidade grega e romana contou com importantes biógrafos, assim como a Idade Média e a Renascença. Mas ainda não se se chama vam assim. assim. O term o “biografia só aparece ao longo do século XVII, para designar uma obra verídica, fundada numa descrição realista, por oposição a outras formas antigas de escntura de si que idealizavam o personagem e as circunstancias de sua vida (tais como o panegírico, o elogio, a oração fúnebre e a hagiog rafia ).1 Os primeiros verdadeiros biógrafos foram ingleses. Izaak Walton, autor de uma vida do poeta John Donne em 1640, e o eclético John Aubrey, que, entre 1670 e 1690, escreveu uma séne de notícias biográficas sobre diversas personalidades de Oxford (o tex to só seria seria publicado publicado no século X IX ), seguidos seguidos por Samuel Samuel '
16
Sobre a evolução da da biografia, biografia, cf. cf. Wilbur L. Cross, An Ou llin e o f Bi og np hy fio m Piut airlt lo Slra che y, N e w Y o r k , H . H o l t & C o . , 1 9 2 4 ; H a r o l d N i c o ls ls o n , The Devclopment ofEnglish Biography. N e w York, Harcourt, Brace, 1928; Edmond Gosse, “Biogmphy” in Encyclopedia Brilannka, 11* ed.; Donald A. Stauffer, Etiçlish Bioçrnphy hefore 1700, Oxford , Oxford Un.versity Press. Press. 1930; John A. Garraty, The Nalnre of Biography. Biography. Oxford, Knopf, 1957; Daniel Madelénat, La Biographie. Pans, PUF, 1984; Scott Casper. Constructing American Lives: Biography and Cullure in NineleenthCenlury Am eric a, Chapei a, Chapei H.ll, Um vemty o f North Carolina Press, Press, 1999; Margarettajolly (d.r.) Life IVriting. A uU iog ra ph iea l an d Bio gra phic al For ms, LondresChicago, Fitzroy Dearbom Publishers, 2001.
O
PEQUENO PEQUENO * -
Da
biografia
A histôma
John son com suas suas Lives o f the Poets Boswel ell, l, Poets (1 779 -17 81) e porjames Bosw autor de uma Life of Samuel Johnson (1791). Atestada desde a Antiguidade, a biografia é, desde a origem, um género híbrido híbrido e compó sito.2 Equilibrando-se sempre sempre entr entree verdade histórica e verdade literária, sofreu profundas transformações ao longo do tem po - quanto à escolha e à elabor ação dos fato fatoss e do estilo narrativo. E portanto difícil estabelecer regras gerais.1Sem dúvida, numerosos biógrafos privilegiaram lima narração cronoló gica seguindo as escansões biológicas da existência: o nascimento, a formação, a carreira, a maturidade, o declínio e a morte. Mas isso não implica que a biografia deva necessariamente repousar sobre uma trama cronológica. Basta pensar em Plutarco, que coloca toda ênfase no caráter e nas qualidades morais do personagem, e não em sua vida. Ou em Lytton Strachey, que prefere uma narração sintomática, apoiando-se essencialmente nos momentos-chave (as conversões, os traumatismos, as crises económicas, as separações afetivas). Não existe nenhuma regra formal nesse domínio, nem mesmo a respeito das características individuais. John Aubrey e Mareei Schwob cultivam-nas e mesmo as exaltam em revide ao geral e ao impessoal: impessoal: A ciência histórica nos deixa na incerteza sobre os os indivíduos. Ela só nos revela os pontos por onde eles foram atrelados as açoes gerais. [...] A arte é o contrário das ideias gerais, só descreve o individual, individual, só deseja deseja o único. Não classific classifica; a; desclassifica”.4 Mas Mas outros biógrafos minoram esses traços individuais em proveito das semelhanças, na esperança de representar um tipo médio, ordinário (no domínio da biografia literária, tal é o caso de Giuseppe Pontiggia, que corrige as individualidades e as coloca mesmo em séries5). Sob certos aspectos, essa oposição está igualmente presente na biografia Cl, Daniel Aaron (dir.), Studi,< m Biography. Cambndge (Mass.). Harvard University Press, 1978; a o e Luciano Nicastri (dir), Biografia e autobiografia degli antichi e dei modemi. Nápoles, Z10m Z10m ^c'enat,c*le Italiane, Italiane, 1995 ; Lucia Bold nni, Biog rafiefittizi e e personaggi siorici. siorici. {Autobiogra fia, soggettimta, leoria nel romanzo inglese contemporâneo. Pisa, ETS, 1998. Cf. AUan AUan Nevins, How Shall One W nte of a Man s Life”, The New York Times Book Review, 15 de julho de 1951, p. 20. Mareei Schwob, 1/ies 1/ies im agma.res agma.res (1896), Pans, Flammanon. 2004, p. 53. [Tradução brasileira de Machado Vidas imaginárias. imaginárias. R i o d e ja ja n e i r o , E d i t o ra ra 3 4 , 1 9 9 7 ] r.iusepjx r.iusepjx Pomiggia, Vie des hommes non illustres (1993). traduzido do italiano por François Bou chard, Pans, Albin Michel, 1995.
O UMIAD BIOGRÁFICO
intelectual. Sainte-Beuve, Hippolyte Taine e Otto Weininger visam a instaurar uma biografia abstrata, suscetível de transformar o individual em tip o,6 enquanto o utros, mais sensíve sensíveis is à dimensão ética da existência, sublinham seu caráter singular: como escreve Giovanni Amendola, “a biografia, biografia, que não pode se engir em ciência filosófica, filosófica, [...] pode nos fomecer um conhec imento mais mais rico e mais preciso da vida moral do que a própna Etica”.7 Por isso, em vez de formular regras gerais sobre um género de escritura particularmente volúvel, parece-me mais fecundo meditar sobre essa fronteira fluida que separa a biografia da história e da literatura, e analisar as proibições, os abalos, as incursões recíprocas que a transpõem... II Ao longo do século XVIII, a reflexão biográfica se desenvol veu sobre dois eixos essenciais: além da vida dos santos e dos reis, interessou-se cada vez mais pela de poetas, soldados ou criminosos, e adota um tom mais intimi intimista. sta. Em 175 0, Johnson invoca abertamente o valor da existência qualquer: “Disse-me muitas vezes que não havia vida que, fielmente relatada, não oferecesse uma narrativa útil”. Após ter refutado a asserção segundo a qual a vida de um pesquisador, de um negociante ou de um padre dedicando-se a seus ofícios seria desprovida de interesse, parte para a guerra contra a noção de gran deza: “Aos olhos da razão, o que é mais difundido tem mais valor”. Preocupado com o homem ordinário, Johnson ataca a prerrogativa que é muitas vezes atribuída às questões públicas, sustentando que um bom biógrafo deve guiar o leitor na intimidade doméstica para mostrar os pequenos detalh detalhes es da vida cotidiana. cotidiana. A conce pção do ‘
Otto Weinmger.
et caracttre caracttre (1903), traduzido do alemão por Daniel Renaud, Lausanne,
L’Age d’homm e, 1989, 2a parte, cap. 5. 7 G i o v a nn nn i A m e n d o la la , Etica e biografia (1915), biografia (1915), M ilanNaples. Ricc.ardi, 195 3, p. 17. Sobre a dimensão dimensão ética da biografia, biografia, cf. Robe rt Partin. “Biography as ar. ar. Instrument of Moral Instniction . Am enc an Quarterly, Quarterly, 195 6, 8. 4, p. 3033 15; Frédéric Regard, "Léth.qu e du biographique. Reflet tom sur une tradition bntannique”, Uttèrature, Uttèrature, 2 0 0 2 , 1 2 8 , p . 8 0 9 2 . * Samuel Johnso n, ■‘Biograph y", Rambler. Rambler. 13 de outubro de 1750, n. 60, p. 357. Cf. igualmente S a m u e l J o h n s o n , " B i o g r a p h y h o w B e s t P e r f o r m e d " , Idler. Idler. n° 84. 24 de novembro de 1759, m The Idler and the Adventurer. Adventurer. E d . P o r W . J . B a t e , N e w H a v e n , T h e Y a l e E d i t .o .o n , 1 9 5 8 .
19 18
O
PEQUENO x
- Da
biografia à HISTÔS1A O UMIAfi UMIAfi BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
biógrafo preocupado em mergulhar na intimidade doméstica a fim de captar o indivíduo privado de sua máscara social é partilhada partilhada por Jame s Bo swell, que, em 25 de f eve reir o de 17 88 , escre ve a William Temple: “Estou absolutamente certo de que o método biográfico como o entendo - dar não não apenas apenas uma história da trajetóna visível de Johnson no mundo, mas uma vista de seu espírito em suas cartas e conversações —é o mais perfeito que se possa conceber, e será mais uma Vida que qualquer obra já publicada”.^ E durante o século século X IX que a biografia biografia se se impõe co mo oficio oficio de pleno direito direito - graças graças a Joh n Forster, John Morle y, James James Parton, Charles-Augustin Sainte-Beuve. Em 1862, este último, em geral bastante reticente no que tange às afirmações teóricas, decide explicar de uma vez por todas os princípios metodológicos de sua crítica literária: “Aqueles que me tratam da maneira mais benévola admitiram que eu era um juiz bastante bom, mas que não tinha Código. Tenho um método no entanto, [...] ele se formou em num pela própria prática”.10A premissa é muito simples: “A literatura [...] nao e para mim distinta ou sequer separável do resto do homem e da organização; posso saborear uma obra, mas é-me difícil julgá-la independentemente do conhecimento do próprio homem; diria mes mo de bom grado: tal árvore, tal fru to. O estudo literário me conduz naturalmente naturalmente ao estudo moral” .11 .11 O resultado resultado tamb ém é simples simples:: Para julgar o autor de um livro e o próprio livro, se esse livro não é um tratado de geometria pura”, é preciso colocar-se certas questões sobre a personalidade do artista: qual é sua posição religiosa? Sua percepção da natureza? Quais suas relações com as mulheres? Com o dinheiro:' E com a comida? Mas também: quais seus vícios? Quem são seus amigos? E seus inimigos? O conjunto dessas questões deve ser levantado a cada etapa de toda vida: no nascimento, quando da formação e da deformação. A abordagem só pode ser cronológica: d h ° ^ a m e ^ ^ a c^ c^c ^ n a t . 14 Biographie, Biographie, op. cit., p. 56. Sobre o processo de democratização A J T ^ C^ Can Starob1nski,Jf Starob1nski,Jf<ín <ín/íir /íir
“É muito útil, em primeiro lugar, começar pelo começo e, quando se dispõe dos meios, tomar o escritor superior ou distinguido em seu país país natal, em sua raça” .12 .12 O artista artista deve ser buscado no seio de seu ambiente familiar: com seus pais, com sua mãe sobretudo, com suas irmãs (é o caso de Chateaubriand, Lamartine, Balzac, Beaumarchais), com seus irmãos (como Boileau-Despréaux) e com seus filhos (como Madame Sévigné). “Encontram-se aí lineamentos essenciais que são muitas vezes mascarados por estarem demasiado condensados ou unidos no grande indivíduo; o fundo se encontra, nos outros de seu sangue, mais despido despido e em estado simpl simples es . Apos Apos o nascime nto, vem o tempo da formação: a época dos estudos, dajuventude, do primeiro círculo artístico (a Muse française, o Globe, ou o Cénacle). “Nenhum dos talentos, então jovens, que viveram em um destes grupos, o fez impunemente”:13sob certos aspectos, é a verdadeira data original do artista. No termo da formação, aborda-se o triste tempo da defor mação: “É o momento em que [o artista] se estraga, se corrompe, decai, desvia. Escolham as palavras menos chocantes, as mais doces que vocês quiserem, a coisa acon tece co m quase todos . Essa perspectiva analítica, que visa a buscar o homem na obra, funda-se na esperança de que o caso singular possa assumir um valor tipológico. Assim, Assim, o retrato de Guy Patin, célebre médico do século XVII, deveria restituir o quadro de uma burguesia incoerente e de uma época indolente: “Embora pareça um grande original, [Patin] não é o único de sua espécie; não é mais do que um exemplo mais saliente e mais em relevo de uma inconsequência burguesa e de classe média, que é curioso estudar estudar nele”.15 nele”.15 Co mo escreve Sainte-Beuve em 1865, com certa dose de autoiroma: "Tipo é uma palavra bem vil, bem seca e bem dura, mas é uma bela coisa [...]. Tipo, em nossa mitologia abstrata, em nosso novo panteão estético, é como quem dissesse outrora semideus, Divus. Tendes altares .' Se essa essa demarche tipológica der resultado, a crítica literária literária poderá deixar o anedótico 12 Ibid., Ibid., p. 18. 13 Ibid., Ibid., p . 2 2 2 3 .
iLUgUS'ln Salmc~Ueuve. Nouveaux lundis, lundis, Pans, Calm annL évy, 1 891, t. III, p. 13, 21 e 22 de julho de 1 8 6 2 . " Ibid., Ibid., p. 15.
H Ibid., Ibid., p. 26. 15 SainteBeuve. Caustries du hmdi. Pans. Gamier, s.d., t. VIII. 25 de abnl e 2 de maio de 1853, p. 88133.
20
21
16 S a i n t e B e u v e , Nouivaux lundis, op. dl., t. IX , p. 246, 2 de janeiro de 1865.
O P E QU QU E NO NO X - D a BIOGRAFIA À HISTÔdIA
para estabelecer uma base científica, digna das ciências naturais: “Entrevejo ligações, relações, e um espírito mais estendido, mais luminoso, capaz de permanecer fino nos detalhes, poderá descobrir um dia as grandes divisões naturais que respondem às famílias de ' »» »». 17 espíritos O mesmo se aplica a Hippolyte Taine, para quem a crítica literária deve ser biográfica: como afirma no início de sua célebre obra sobre Balzac, As obras de espínto não têm apenas o espírito por pai. O homem inteiro contribui para produzi-las; seu caráter, sua educação e sua vida, seu passado e seu presente, suas paixões e suas faculdades, suas virtudes e seus vícios, todas as partes de sua alma e de sua ação deixam seu traço n o que ele pensa e no que escre ve.18 ve.18
Donde o valor conceituai dos “pequenos fatos, anedotas, citações, exemplos expressivos e significativos, [...] fragmentos autênticos e vivos, intactos, colhidos na realidade concreta”.19Em certo sentido, o processo de compreensão biográfica se aparenta à dissecção dos corpos. Assim, ao eu sublime e infinito, evocado pelos românticos, Taine opõe uma partícula, um produto, uma extremidade, uma emergência do Paleoceno: Acabo de reler Hugo, Vigny, Lamartine, Musset, Gautier, Sainte-Beuve, como tipos da plêiade poética de 1830. Como todos esses senhores se enganaram! Que ideia falsa têm do ho mem e da vida! [...] Quanto a educação científica e histórica muda o ponto de vista! Materialmente e moralmente sou um atomo num infinito de extensão e de tempo, um botão num baobá, uma pontinha florida num polipeiro prodigioso que ocupa o oceano inteiro e, de geração em geração, emerge, deixando seus inumeráveis suportes e ramificações sob a água; o que sou chegou e chega a mim pelo tronco, pelo galho grosso, o ramo, o talo de que sou a extremidade; sou por um momento a culminação, o afloramento de um mundo
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
paleontológico desaparecido, da humanidade inferior fóssil, de todas as sociedades superpostas que serviram de suporte à sociedade moderna, da França de todos os séculos, do século X IX , de meu grupo, de minha família.2 família.20
E é nessa ótica que uma definição científica da biografia é relançada: “Teremos ultrapassado, daqui a meio século, o período descritivo [...] para entrar em breve no período das classificações naturais e definitivas”.21 Ao longo da segunda segunda metade do século XI X , multiplicam-se os dicionários biográficos, tais como a Biographie universelle ancienne et moderne, a Nouvelle Biographie générale depuis les temps plus anctens ju sq u’à nos jou rs, o Dictionary of National Biography, o Dictionary of Ameri can Bio grap hy e a All gem eine Deut sche Biog raphi e. Mas a reali dade biográfica permanece geralmente bem longe das expectativas científicas de Taine. Uma vez tornados biógrafos profissionais, muitos se põem a escrever vidas oficiais, obsequiosas e moralizantes. O resultado é dos mais decepcionantes. Enojado pela carolice deferente que impregna muitas biografias, preocupadas em não macular a imagem de respeitabilidade social de seus mandantes, Thomas Carlyle declara: “Como é delicada e respeitável a biografia inglesa! Agradeçamos à sua hipocrisia"; depois decide confiar toda documentação concernindo a sua vida ajames Anthony Froude, em troca da promessa de dizer toda a verdade.” A despeito dessas desa provações, a comem oração recatada recatada predomina. predomina. C om o estigma estigmatiza tiza o dou tor H avelock Ellis, Ellis, numa carta aberta aberta de tom bastante bastante picante, os biógrafos continuam a apresentar uma silhueta elegante, digna, convencional, bem penteada e sobretudo “estritamente depurada de tudo o que está abaixo da cintura, uma figura tal qual aquela que
■' Hippolyte Tain e, Panes choisies, com uma introdução, notícias e notas de Victor Giraud, I ans, Hachette, 1909, p. 3436. 21 Citado por W olf Lapenies. Lapenies. SdiriffBiwc. SdiriffBiwc. Au scu il de la mo dem itè (1997), traduzido traduzido do alemão por Bemard Lortholary, Paris, Gallimard, 2002, p. 216.
17 I b i J ; t. III, p. 17. Hippolyte Taine, Nouveaux essais de critique et d'histoire. Pans, Hachette, 1866, p. 67. H Tame: sa me et sa conespondan conespondance, ce, Pans, Hachette, 19021907, t. IV. carta de 13 de março de 1891 a Franz Brcntano.
22
22 O Carlyle, que conta, sem medir suas palavras, o egoísmo conjugal do esentor. suscita uma importante discussão sobre a ética biográfica, no curso da qual George Tyrrel, um jesuíta irlandês (excomungado pouco tempo depois por modernismo), condena a excessiva cunsosidade dos biógrafos e sustenta o dever d e calar certos fatos , enquanto Edmund S Purcell e Paul Leicester Ford
defendem o direito de dizer a verdade.
23
O P E QU QU E NO NO X - D
a
BIOGRAFIA À HISTÚRIA
podemos observar sem corar na vitrine dos cabelere iros” .23 .23 Mas Mas é ao grande biógrafo iconoclasta Lytton Strachey que se devem as críticas mais virulentas: Esses dois grossos volumes, com os quais temos o costume de honrar os mortos, quem não os viu com sua massa de do cumentos mal digeridos, seu estilo descomposto, seu tom de panegírico entediante, sua lamentável falta de seletividade, de distanciamento, de orientação? São-nos tão familiares quanto o cortejo das pompas tunebres e têm o mesmo ar de lenta e lúgubre barbárie.24
Bem entendido, Strachey não ataca a biografia enquanto tal. Bem pelo contrário: convencido de que “os seres humanos são im portantes demais para serem encarados como sintomas do passado”, quer utilizá-la como uma ferramenta para desmascarar a história.25 O que trata de fazer na coletânea Vitorianos eminentes, em que es colhe quatro pessoa pessoass passavelmente antipáticas (o cardeal Manning, Florence Nightingale, o doutor Amold e o general Gordon) para fustigar as principais instituições vitorianas: o evangelismo, o humanitarismo, o sistema educacional e a política colonial britânica. Com esse desígnio, abala duas regras usuais da tradição biográfica. Em primeiro lugar, a ideia de uma homenagem necessária: em suas poucas obras (só escreveu quatro), nenhuma alusão à virtude, à grandeza, à virilidade. Em segundo, a primazia do público: Strachey atribui mais importância à personalidade do que às ações e às obras (em seu texto, Vitória é mais mulher do que rainha). Esta é uma ruptura notável que concerne igualmente ao domínio psicológico: o Havelock EUh, "An Open Letter to Biographcrs" (1896). in Via» and Reviews. A Selection of I ncoikcted ncoikcted Arttcl Arttcles, es, 18 841 932 . Londres, Desmond Harmsworth. 1932, p. 98. Lytton Str.ichc\, Vuíoricns eminents eminents (1918), traduzido do inglês porjacques Dombasle, Pans, Gal knurd. 1933 . p. 181 i Edmund Gosse formula formula as as mesmas mesmas críticas críticas em "T he C ustom ofB iography , Ang lo Sax on Re vie w, 1 9 0 1 . L»tton Strachey, i h j , p 18. Essa ideia de jog ar a biografia con tra a história fora já for mulada por Frudiwh Nietzsche. Em Consideratwns inacluelles inacluelles (18731876), traduzido do alemão por PierTe ust+i m Ofíwrcs philosopltiques completes. completes. Pans. Gallimard, 1990, p. 135, escreve: “E se vocês P «n i!c biografi biografias, as, que não sejam sejam aquelas aquelas que têm por refrão: refrão: ‘Senhor fulano e seu tempo , ; “ I ^ UC d e v en en a m t er er p o r t itit u lo lo : U m l u ta ta d o r c o n tr tr a s eu eu te te m p o ’ . " [T [T r a d u çã çã o b ra ra si si le le irir a u. cns ..oóngru es Torres Considerações extemporâneas". In: Obras incompletas. Seleção de textos Gera rd Lebrun. São Paulo: Abnl, 1 983. (C oleção O s Pensadores))
24
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
que importa verdadeiramente não é mais o momento da ação, mas aquele que o precede. Como precisa Lewis Mumford, a biografia se povoa assim de personagens menos sagazes e menos densos, talvez mesmo menos fiéis a um único objetivo existencial: “O indivíduo tal como se o concebia outrora, ser razoável, rigoroso e refletido, era como o universo newtoniano, mas é difícil conceber e explicar o novo indivíduo sob a ótica da física moderna. Por comodidade, o biógrafo tende incessantemente a limitar sua investigação ao movimento euclidiano newtoniano; mas, para tanto, é obrigado a ignorar que o sujeito se comporta, em certas relações, como um corpú sculo em mo vim ento e, em outras, com o uma onda .2f .2ft Essas Essas convicções, que traçam a via para a new biography e para a debunking life, são partilhadas pelos maiores biógrafos da primeira metade do século X X : Harold Nicolson, Philp Guedalla, Guedalla, Gamaliel Gamaliel Bradford, Bradford, Giovanni Papini, Emil Ludwig, André Maurois, Friedrich Gundolf, Stefan Zweig. Como este último precisa, a biografia se reveste de acentos anti-heroicos: “Não tomo nunca o partido dos pretensos ‘heróis’, mas vejo sempre o trágico no vencido. Em minhas novelas, é sempre aquele que sucumbe ao destino que me atrai, em minhas biografias, o personage m que sobress sobressai ai não no espaço real do sucesso, mas unicamente no sentido moral. Erasmo e não Lutero, Maria Stuart e não Elizabete, Castelion e não Calvino. É assim que não tomei por figura heróica central Aquiles, mas o mais obscuro de seus adversários, Tersita: o homem que sofre ao invés daquele que, por sua força e a segurança com que persegue seus seus fins, fins, faz faz os outros sofrerem . É precisamente nesse período que certos biógrafos renunciam ao imperativo da verdade fatual, tão caro a Samuel Johnson, e reivindicam o direito, e até a obrigação, de imaginar o passado: “A ignorância - lê-se no prefácio de de Eminent Victorians - é a primeira necessidade do historiador, ela simplifica e clarifica, “ L e w i s M u m f o r d , “ T h e T a s k o f M o d e m B i o g r a p h y " , English Journal , 1 9 3 4 , X X I I I , p . 4 5 . 17 Stefan Zweig, Le M on de d'h ier. Souv enir s à'u n Eur opé rn (1944), traduzido do alemão por Serge Niêmetz, Paris, Paris, Belfond, 1993, p. 2132 14. O termo new biography procede biography procede de um artigo de Virgínia Wo olf sobre Some People (1927) d’Harold Nicolson, enquanto o termo debunker foi foi forçado por William E. W oodwa rd, na novela Bunlr Bunlr (1923 ), em que um dos personagens, personagens, Michel Web b. estuda estuda uma família família de magnatas do au tomóvel desembaraçandose da imagem oficial (lo take the bunk out ofthat family by showing ir up on its true relations). Sobre a nova biografia, cf. Lionel M. Gelber, “History and the New Biography", Queen's Quarterly. Quarterly. 1 9 3 0 , X X X V I I . p . 1 2 7 1 4 4 .
25
O PEQUENO X - D a BIOGRAFIA A HISTORIA
escolhe e om ite ".2MA ".2MA biografia rom anc ead a não afasta apen apenas as os historiadores,Mmas também os romancistas: paradoxalmente, quanto mais a biografia busca uma legitimidade literária, mais a literatura parece recusar-lhe tal legitimidade. É inegável que, apesar da fluidez de seu estatuto e de sua am bivalência em relação a outros géneros de escrita (ou talvez mesmo por causa disso), a biografia suscitou múltiplas hostilidades nos meios literários. Charles Dickens protestava já que as biografias pareciam todas escritas "por alguém que conviveu com as pessoas como vi zinho e não em seu foro interior". Mesma reprovação da parte de alt Whitman: "Detestei a maioria das biografias literárias, pois são tão mentirosas mentirosas ,3' ,3' Mas, no início do século X X , as reações se fazem fazem cada vez mais severas. Assim, Paul Valéry se queixa do tratamento anedótico reservado aos artistas: Espreita-os o biógrafo, que se consagra a tirar a grandeza, que os assinalou a seu olhar, dessa quantidade de pequenezas co muns e de misérias inevitáveis e universais. Ele conta as meias, as amantes, as tolices de seu sujeito.31 Faz, em suma, precisa mente o inverso do que quis fazer toda a vitalidade deste, que se gastou contra aquilo que a vida impõe de vis ou monótonas semelhanças a todos os organismos, e de diversões ou acidentes improdutivos a todos os espíritos. Sua ilusão consiste em crer que o que busca pode engendrar ou pode explicar o que o outro encontrou ou produziu.32
As acusações são esmagadoras e recorrentes: superficialidade, excesso de coerência, aborrecimento, falsidade, voyeurismo, (como Lytton Strachey, Viaorims éminenis, op rir., rir., p. 17 A opção l.terána l.terána é partilhada partilhada por André Mau’W * p f " ’ , Pans, A u sens parei], 1930. e será confirmada por Leon Edel. Uterary * la h ’W Biography, Londres, HartDavis. 1957. Ela será enricada por Paul Murray Kendall, U e A n o f Biography, N e w Y o r k , N o r t o n , 1 9 6 5 .
O UMIAII UMIAII BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
lembra, muitos anos mais tarde, o crítico inglês Terry Eagleton, as biografias excitam em seus leitores o desejo de espiar os hábitos sexuais do artista33). Uma perplexidade semelhante é expressa pela psicanálise. Mesmo Sigmund Freud, que funda, no entanto, o essen cial de sua reflexão sobre o estudo de casos individuais (Leonardo da Vinci, Michelangelo, Dostoievski, Thomas Woodrow Wilson, o presidente Schreber e sobretudo o pequeno Hans, O Homem dos ratos, Anna O., Dora, o Homem dos lobos...), proíbe Arnold Zweig de escrever um livro sobre sua vida, alegando que “[...] aquele que se torna biógrafo se obriga à mentira, aos segredos, à hipocrisia, à idealização e mesmo à dissimulação de sua incompre ensão, pois é impossível obter a verdade biográfica e, mesmo se a tivéssemos, ela não seria utilizável. A verdade não e praticavel, os homens não a merecem”.34 Desse coro compósito de vozes agastadas, duas questões se elevam. Concernem, por um lado, à ligação entre a biografia e a obra artística e, por outro, à capacidade da biografia de dar conta das relações humanas próprias à modernidade. Em 1908, Mareei Proust se exprime sobre o primeiro ponto quando reprova a Sainte-Beuve não ter compreendido a grandeza artística de Balzac, de Stendhal e de Baudelaire. Sob certos aspectos, nada há aí de muito novo: é por essa mesma razão que os irmãos Goncourt, Zola, Nietzsche e Henry James acusavam a crítica de ter uma alma “feminina” (sic). Entretanto, desta vez, não é apenas a sensibilidade de Sainte Beuve que é posta em questão. O que está no banco dos réus é seu método, que faz do autor (digamos antes: daquilo que se sabe de sua vida) um princípio de inteligibilidade inteligibilidade da obra: É absurdo julga r o poeta pelo homem ou pelo que dizem seus amigos. Quanto ao próprio homem, não é mais do que um homem e pode perfeitamente ignorar o que que r o poeta que vive nele . Proust recusa a ideia de “pedir à biografia do homem, à história de sua família, a todas
O P E QU QU E NO NO X - D
a
BIOGRAFIA A HISTÓRIA
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
suas particularidades, o entendimento de suas obras e a natureza de seu seu gênio ”.35 ”.35 Não basta basta catalogar os hábitos e as frequentaçõ frequentações es de um artista para captar o sentido de sua obra, pois “nossa pessoa moral se compõe de várias pessoas superpostas. Isso é talvez mais sensível ainda no caso dos poetas que têm um céu a mais, um céu intermediário entre o céu de seu gênio e aquele de sua inteligência, de sua bondade, de sua fin ess e diárias: sua prosa”.36 Isso significa que o eu íntimo do artista escapa ao eu cotidiano: “Só se o encontra fazendo abstração dos outros e do eu que conhece os outros, o eu que esperou enquanto se estava com os outros, que a gente sente bem ser o único real, e para o qual apenas os artistas acabam viven do, como um deus que eles deixam cada vez menos”.3^Destacada da personalidade do autor, a obra artística exige ser avaliada em si mesma, para para além de toda referência biográfica imediata: “U m livro livro e o produto de um outro eu que não aquele que manifestamos em nossos hábitos, na sociedade, em nossos vícios”.38 Infelizmente, Infelizmente, ao longo do século XX , o eu mais profundo profundo de que fala Proust toma-se frequentemente um eu impessoal, abstrato, abstrato, incorporai - com o se uma obra de arte pudesse pudesse nascer nascer espontaneamente do nada. A sedução da impessoalidade convence uma parte da crítica literária a banir toda leitura biográfica: para o assim chamado New Criticism, a personalidade e as emoções do artista contam tanto quanto a cor de seus cabelos; o que importa é a obra. William K. Wimsat e Mo nroe C . Beardsley afirmam-no sem desvios em 1946: as questões concernentes ao desígnio do autor são falaciosas. Donde a acusação de intentionalfallacy: “Avaliar um poema é a mesma coisa que julgar um pudim ou um aparelho”. A obra de arte só funciona e só é compreensível quando despojada de todo traço de subjetividade —do autor e do crítico. Como se faz com os grumos de um pudim: “O poema não pertence nem
ao crítico nem ao autor (destacou-se do autor ao ser escrito e vai pelo mundo independentemente de sua faculdade de decidir sobre ele ou controlá-lo). O poema pertence ao público. Manifesta-se na linguagem [e] é um objeto de conhecimento público”.40 Nos anos 1960, é a vez de Roland Barthes que, em diversas ocasiões, declara que a história literária deve renunciar à noção de indivíduo. Em seu ensaio sobre a morte do autor, enuncia que não existe nenhuma matriz de sentido: a escritura é uma atividade atividade contra teleológica que dissolve toda identidade, inclusive aquela do corpo que escreve. A figura do autor é abolida; em seu lugar, há o escritor que nasce no livro. Quanto ao leitor, ele também é concebido como instância impessoal, “um homem sem história, sem biografia, sem psico logia” (e, por essa razão, livre para gerir à vontade os sentidos do text o).41 o).41 Emb ora exaltando nos anos subseque subsequentes ntes as características características individuais (os célebres biografemas), Barthes não cessa de reiterar suas convicções antibiográficas até em sua autobiografia: a infância não é contável, e o “tempo do relato (da imagética) acaba com a juventude do sujeito: só há biografia da vida improdutiva. A partir do momento em que produzo, em que escrevo, é o próprio texto que me despossui despossui (felizmente) de minha duração narrativa . O segundo ponto, concernente à capacidade da biografia de restituir as relações humanas próprias à modernidade, é formulado em termos particularmente claros por Virginia Woolf. Filha de Leslie Stephen, o editor do Dictionary Dictionary o f National Biography, amiga de Strachey e de Harold Nicolson, ela sublinha, em diversas ocasiões, que a psicologia humana mudou: Não quero dizer aqui que saímos uni belo dia, como se sai num jardim para ver que uma rosa floriu ou que uma galinha pôs
" Mon roe C . Beardsley, “The Intentional Fallacy”, in William Kurtz Kurtz Winisat and and M.C. Beardsley, Th e Verbal leon. Studies in lhe Meaning ofPoetry (1946). Lexington. Um veroty of Kentucky Press, Press, 1954, p. 45.
O
PEQUENO
x - Da
biografia a história
um ovo. Não, a mudança não foi tão súbita, tão nítida. Não obstante, houve uma mudança e, já que não podemos precisar melhor, datemo-la do ano de 1910. [...] Todas as relações hu manas se alteraram: entre mestres e servidores, entre marido e mulher, entre pais e filhos. E quando as relações humanas mudam, há ao mesmo tempo uma mudança na religião, na conduta, na política e na literatura.43
Ora, a biografia está em condições de encarar tal mudança? Pode dar lugar a uma nova forma de narração capaz de exprimir as con tradições da vida? A questão está longe de ser simples e é abordada inicialmente em termos literários.
Flush escora o projeto irreverente da new biography: o herói não é nem um homem célebre nem um homem qualquer, mas um Cocker ruivo, o cão da “mais célebre poetisa da Inglaterra, Elizabeth Barret, a adorada em pessoa”; e suas peregrinações são um pretexto para denunciar o profundo fosso (higiénico, arquitetural, económico e cultural) que separa o mundo respeitável de Wimpole Street do bairro miserável de Whitechapel, formado “de espécies de estrebarias em ruína onde rebanhos de seres humanos viviam sobre rebanhos de vacas à razão de dois metros quadrados para cada duas pessoas”.44 Orlando, escrito dois anos antes, é um livro bem mais ambicioso. Ele toma a figura do biógrafo, dedicado a reconstruir a vida de um indivíduo de seu nascimento até a morte. Como se faz para contar a vida de uma pessoa que muda de sexo e de condição social, que um dia traja um costume cor de tabaco, à maneira dos juizes, e no dia seguinte um pei gn oir chinês chinês equívoco ou ainda um vestido florido de seda? E que vive, como se nada de especial houvesse nisso, durante quatro bons séculos, da época elisabetana a 11 de outubro de 1928, passando pela Restauração r pelo úmido século XIX? O que quer que diga o Diciotiary of
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
National Biography, a duração da vida humana não é talvez tão evidente quanto parece e nem sempre coincide com a escansão nascimento e morte biológica... Sem dúvida, as possibilidades mentais (inclusive aquelas que concernem ao tempo e ao espaço) são bem mais vastas e profundas do que os fatos venerados pelos biógrafos: “Uma biografia é vista como completa quando dá conta simplesmente de cinco ou seis eus, quando um ser humano pode ter milhares milhares deles”... 45 Co m mais mais forte razão, quando a pessoa pessoa em questão passa seu tempo a pensar em lugar de agir. Mas que pode fazer o biógrafo quando seu herói o colocou na situação em que nos coloca agora Orlando? A vida —todos aqueles cuja opinião tem algum peso estão de acordo quanto a isto - a vida vida é o único tem a que convém ao romancista ou ao biógrafo; viver, decidiram as mesmas autoridades, não tem nada em comum com se sentar numa poltrona e pensar. [...] Se portanto o herói de uma biografia não consente nem em amar nem em matar, e se obstina em querer apenas pensar e imaginar, devemos concluir que ele, ou antes que ela não vale mais do que um cadáver, e abandoná-la.46
As considerações sobre os limites da verdade biográfica são ainda o objeto de vários ensaios: The Lives of the Obscure, Obscure, The Neu> Neu> Biography, Biography, The Art o f Biography. Biography. Este último coloca a questão em termos precisos: a biografia é uma arte? Por que produziu tão poucas obras primas imperecíveis? Como pode ser que mesmo o doutor John son de Bos wel tenha uma duraç ão de vida me nor que a do Falstaff de William Shakespeare? Por certo, a biografia é uma arte ainda jovem: “O eu que escreve um livro de prosa se manifestou numerosos séculos após o eu que escreve um poema”. Mas não se trata unicamente de inexperiência. De fato, “a arte da biografia é a mais restrita de todas as artes”. Os livros de Strachey são prova disso. Enquanto sua obra sobre a rainha Vitória é particularmente
O P E QU QU E NO NO x - D a
biograf ia à história
brilhante, aquela que consagra a rainha Elizabete é um verdadeiro fracasso, mas “parece que o fiasco é imputável não a Lytton Strachey, mas à arte da biografia. Em Victoria ele tratara a biografia como uma técnica: submetera-se a seus limites. Em Elizabeth, tratou a biografia com o uma arte: desdenhou seus seus limites”. Virginia W oo lf atrai atrai ass assim im a atenção para um ponto extremamente delicado: a impossibilidade estética de conciliar os fatos e a ficção. A biografia impõe certas condições, e estas implicam que ela deve se fundar nos fatos. E, por fatos, entendemos fatos que podem ser controlados por outras pessoas além do artista. Se o biógrafo inventa fatos como os inventa um artista —fatos que nenhuma outra pessoa pode controlar —e tenta combiná-los com fatos de outro tipo, eles se destroem reciprocamente.
Existe um limite necessário que deve ser respeitado: Uma vez que o personagem inventado vive num mundo livre onde os fatos são controlados por uma única pessoa —o próprio artista artista —, sua autenticidade reside na v erdade de sua sua visão. O mundo criado por essa visão é mais raro, mais intenso, inteinço em relação ao mundo que é em grande parte feito de informações autênticas fornecidas por outros. Por causa dessa diferença, os dois tipos de fatos não se misturam; se eles se tocam, se destroem. Ninguém, parece ser a conclusão, pode obter o melhor dos dois mundos.
A vida da biografia é, por conseguinte, diferente da vida da poesia e do romanc e, é uma vida vivida num grau grau de tensão inferior” .47 .47 Ao longo do século X X , essa essass reflexões vão angariar o sufrágio sufrágio de numerosos romancistas. Max Frisch recordou a inevitável pobreza estrutural do género biográfico. Fiel aos fatos, a biografia achata a vida. compreendemos bem melhor um indivíduo “contando enor midades de toda espécie Em segundo lugar, ela dá uma imagem
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO
inelutável: “É uma sujeição falaciosa a que nos dobramos”. Enfim, ela reduz a vida a uma séne de ações: Outro lugar comum absurdo quer que o indivíduo seja aquilo que fàz. Tudo aquilo de que temos medo, todos nossos desejos mais loucos, todas nossas angústias: é esse conjunto de coisas, que nossa biografia não reflete, que faz a pessoa. Provavelmente um indivíduo jamais fez isto ou aquilo porjamais ter ousado se amscar. Mas mesmo se jamais teve a coragem, o que não fez é talvez tão importante quanto aquilo que fez. Quero dizer que a diferença entre as coisas feitas e as coisas não feitas não significa que aquelas são verdadeiras e estas não. [...] Um sonha em ser Nero e reduzir a cinzas toda a cidade de Zurique, o outro quena apenas ser campeão de boxe e isso isso também faz parte parte dele, mas nem um é N ero pondo fogo em Zurique nem o outro jamais ganhará ganhará uma luta de de box e.4* e.4*
III A fronteira que separa a história da biografia também se mos trou incerta e conflituosa. As razões são diferentes daquelas alegadas pelos romancistas. Concernem essencialmente à qualidade científica da verdade. Tucídides manifestava um desprezo absoluto pela bio grafia: em seu programa de uma historiografia exata, impessoal e universal, deixava bem pouco lugar para um género narrativo que buscava buscava agradar um público popular. Dois séculos mais tarde, Políbio escreve que a história biográfica, fundada sobre os meios do teatro trágico, confunde poesia e história. Suas considerações provem de uma discussão mais ampla, aberta no seio da historiografia grega, que via o ideal do verdadeiro como oposto àquele do verossímil procurado pelo sofista Gorgias: à diferença do que haviam sustentado certos historiadores dos séculos IV e III a.C (tais como Filarco ou Duris de Samos), preocupados em dramatizar o relato, Políbio pretende estabelecer estabelecer e transmitir uma verdade objetiva.49 objetiva.49 A distinção entre a história e a biografia é por vezes também reivindicada pelos pró
O P E QU QU E NO NO x - D a
biografia à história
interesse pelos fatores estruturais e reivindica o primado dos signos da alma sobre a etiologia política: Não escrevemos Histórias, mas Vidas, e não é sempre pelas ações mais ilustres que se pode trazer à luz uma virtude ou um vício; muitas vezes, um pequeno fato, uma palavra, uma bagatela, revelam melhor um caráter do que os combates mortíferos, os confrontos mais importantes e os cerco s das cidades. Os pintores, pintores, para captar as semelhanças, fundam-se no rosto e nos traços da fisionomia e quase não se preocupam com as outras partes do corpo; que nos permitam também, da mesma maneira, agarrarmo-nos sobretudo aos signos que provêm da alma e nos apoiarmos neles para retraçar a vida de cada um destes homens, abandonando a outros os acontecimentos grandiosos e os combates.50
As proposições dos pensadores da Antiguidade conheceram fortu nas diversas junto aos historiadores modernos. A desconfiança em rela ção à biografia biografia é assim assim reiterada reiterada em 159 9 p or John Hayward, apelid apelidado ado Life and Reigne o/King Hetirie III, de o "táci to inglês”, inglês”, que, em seu livro exorta a não confundir “o governo das grandes nações” com “a vida e os feito feitoss de homens célebres”.31 célebres”.31 Um século mais tarde, Thoma s Burnet, capelão de Guilherme III, atribui um lugar importante à história, mas reconhece apenas um valor secundário, ornamental, à biografia: As vidas dos filósofos, os nascimentos, as mortes, os elogios, as viagens, as ações boas ou más e outras coisas do mesmo género completam e embelezam a matéria, mas são de pouco peso, pois trata-se aqui de buscar os germes e os progressos do conhecimen to humano e o governo da Providên cia.52 cia.52
No entanto, a separação proclamada por Políbio entre biografia e história nem sempre é aceita. No século VIII, Beda, o Venerável, escreve que a biografia nada mais é do que a história observada de mais perto; e na época moderna, os principais trabalhos de paleo grafia, de diplomática e de historiagrafia (de Jean Bodin a Agostino
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
legítima de escritura histórica. No século XVII, Thomas Stanley, filólogo inglês conhecido por sua edição crítica das tragédias de Esquilo, chega ao ponto de definir a biografia dos legisladores, dos condottieri e dos eruditos como a forma mais elevada de história.53 Que o destino individual dos homens ilustres permite compreender as escolhas de uma nação é um ponto de vista a que adere também a maior parte dos pensadores do século seguinte. David Hume sustenta, assim, que a espiritualidade pessoal de Carlos I arruinou a causa absolutista na Inglaterra. Alguns decénios mais tarde, é a vez de Voltaire. Ainda que não celebre nenhum culto dos heróis, estima, todavia, que as grandes almas permitem reconhecer as surpresas da história, esses acontecimentos imprevisíveis, tão determinantes num domínio em que o que é verossímil nem sempre advém.54 Assim, durante séculos, sucedem-se os mesmos conflitos de confins. Depois, quando o pensamento histórico atinge seu apogeu, a fronteira entre biografia e história se incendeia sob o impulso de três forças dessemelhantes que fazem da totalidade a categoria ex plicativa do devir histórico.55 A primeira dessas forças é de caráter político. Após a afirmação do pov o como sujeito social, a história biográfica se reveste de uma tonalidade elitista que se choca contra o desejo de fraternidade e Vhistoire de Vhumanitè Vhumanitè igualdade. Na “Introduction à La Philosophie de Vhistoire de Herder”, Edgar Quinet o exprime claramente: “O despotismo reduzira a história a uma forma degradada de biografia ”. 56 Con tra a versão monárquica da história, Jules Michelet prega o heroísmo coletivo: as massas são o verdadeiro sujeito da históna, enquanto “que os grandes nomes fazem poucas coisas, que os pretensos deu ses, os gigantes, os titãs (quase sempre anões) só enganam quanto a u Sobre a historiografia historiografia da Idade Média e da Rena scença , cf. Donal R. Kelley, Foundations Foundations ofMode m
O
PEQUENO
x - Da
b o g r a f i a à história
seu tamanho içando-se por fraude sobre os ombros dóceis do bom gigante, gigante, o Pov o” .57 .57 Ainda que que em seu Diário se mostre bem mais nuançado, a ponto de escrever, em 30 de março de 1842: “Errei ao ligar demais este princípio (a humanidade é sua própria obra) ao aniquilamento aniquila mento das grandes individual idades históri his tóri cas” cas ” ,5Mele persiste, nas suas obras históricas maiores, reivindicando a natureza coletiva, frequentemente impessoal, do povo: Está aí a primeira missão da história: encontrar, através de pesquisas conscienciosas, os grandes fatos da tradição nacional. Esta, nos fatos fatos dominantes, é mui to grave, mui to segura, de uma autoridade superior a todas as outras. [...] Quem poderia dar o mesmo peso a essas vozes individuais, parciais, interessadas, que à voz da França? [...] Sem negar a influência possante do gênio individual, não há dúvida de que, na ação destes homens, a parte pnncipal se deve entretanto à ação geral do povo, do tempo, do país. [...] Todo estudo individual é acessório e secundário diante desse profundo olhar da França sobre a França, dessa consciência interior que ela tem do que fez.59
Michelet não está isolado. Durante a Restauração, a intimação de Anacharsis Cloots, “França, tu serás feliz quando estiveres curada dos indivíduos”, colocada em epígrafe ao Tyran, é retomada por outros historiadores como Auguste Mignet ou Augustin Thierry.*'" A segunda força procede da filosofia. Em seu curto ensaio sobre a finalidade da história, escrito em 1784, Kant descreve o homem como um meio pelo qual a natureza realiza seus fins, e afirma que a história deve se elevar acima do indivíduo e pensar em grandes proporções, pois o que se revela confuso e irregular Ju les Mi ch ele t. Histoire romaine (1833). in Oeiwres Complètes, Complètes, sob a direção de Paul Viallaneix e Robert Casanova, Paris Paris,, Flammanon, 1972. t. II, p. 335 . Ju les Mi ch ele t, Jou rna l, sob a direção direção de Paul Viallaneix Viallaneix e Claude D igeon, Paris, Paris, Gallimard, 1959,
O UMJAR UMJAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
entre os indivíduos constitui uma sequência unitária e homogénea de acontecimentos na totalidade da espécie: “Os homens, tomados individualmente, e mesmo povos inteiros, nem imaginam que per seguindo seus fins particulares em conformidade com seus desejos pessoais, e muitas vezes em prejuízo de outrem, conspiram, à sua revelia, com o desígnio da natureza”.61 A preponderância de uma visão teleológica da história con tribui ainda mais para reduzir o alcance do aspecto biográfico. Após ter confirmado a unidade a priori da história, Fichte nega o valor autónomo do singular em face do universal: somente o progresso da espécie conta, não a vida dos indivíduos. Acontece o mesmo com Hegel para quem a materialidade da existência deve ser sacrificada em beneficio do Weltplan : os indivíduos for mam uma massa supérflua e não devem eclipsar os objetos dignos de história. Quando os acontecimentos do mundo, até os mais distantes ou aberrantes, são dialeticamente integrados numa pers pectiva teleológica (o desenvolvimento infinito e necessário do género humano), os indivíduos (mesmo os grandes personagens históricos, que coincidem com o universal superior, como Cesar ou Napoleão imortalizado no campo de batalha de Iena) podem ser compreendidos como instrumentos da razão que cumprem seus desígnios mesmo sem compreendê-los: Aquilo a que os indivíduos que marcam a história tendem inconscientemente não é o que querem conscientemente, mas alguma coisa que é-lhes necessário querer sob o efeito de uma pressão que parece ser cega e que, no entanto, vê mais longe que os interesses pessoais conscientes. E a razão pela qual tais homens realizam aquilo que é almejado através deles, dando provas de uma compreensão instintiva. Agem de maneira histórica, empurrados pela potência e pela “astúcia da razão" (List der Vemun/t), que é o conceito racional da providência.'’2
O
PEQUENO x
- Da
biografia à história
Como observou Karl Lõwith, o marxismo não constitui uma ruptura em relação à filosofia clássica alemã quanto a esse ponto: “O princípio mais geral de Marx é o mesmo de Hegel: a unidade da ra zão e da realidade, da essência universal e da existência particular”.63 Nessa concepção teleológica do devir como trabalho gradual através do qual a humanidade realiza seus fins superiores, o indivíduo é inteiramente submetido à lei. Uma lei dramática e implacável, pois que isenta de elementos acidentais. A omissão da pessoa coincide quase sempre com a negação do acaso ou, pelo menos, com sua marginalização tendencial: o resultado da batalha de Waterloo foi certamente condicionado pelas chuvas torrenciais que caíram na noite de 17 para 18 dejunho de 1815, mas essas gotas de água foram enviadas pelo deus da História... Victor Hugo exprimiu de maneira poética esse tipo de expectativa fundada no papel da Providência. Após ter contado que Oliver Cromwell queria ter partido para a Jamaica, e Mirabeau, para a Holanda, mas que um veto régio os obrigara a renunciar, comenta: Ora, drai Cromwell da revolução da Inglaterra, tirai Mirabeau da revolução da França, tirais talvez, das duas revoluções, dois cadafalsos. Quem sabe se a Jamaica não tena salvo Charles I, e a Batávia Luís Luís XVI? Mas não, é o rei da Inglaterra que quer guardar guardar Cromwell; é o rei da França que que quer guardar Mirabeau. Quando um rei está condenado à morte, a providência venda seus olhos.
Em suma, por trás do acaso, há sempre a mão de Deus: E! Quem não sente que nesse tumulto e nessa tempestade, no meio desse desse combate de todos os sistemas e de todas as ambições que faz tanta fumaça e tanta poeira, sob esse véu que esconde ainda dos olhos a estátua social e providencial apenas esboçada, atrás dessa nuvem de teorias, de paixões, de quimeras que se cruzam, se chocam e se entredevoram na espécie de luz brumosa que rasgam com seus clarões, através desse barulho da palavra humana que fala ao mesmo tempo todas as línguas por todas
O UM1AR UM1AR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
A última força é aquela da ciência. Como pressente Johann Gustav Droysen, “nossa disciplina mal se liberou do enlace filosófico-teológico e eis que as ciências da natureza já querem se apropriar apropriar dela” dela” .65 .65 Na realidade, mais do que da ciência, o perigo provém, sobretudo, de certas disciplinas sociais nascentes, como a demografia ou a sociologia, desejosas de adquirir um estatuto científico incontestável. Nos anos 1830, Adolphe Quételet foija a noção de homem médio, na esperança de elaborar uma mecânica social que estivesse em condições de definir as leis que regem a física, intelectual e moral: “O homem que considero aqui é, na sociedade, o análogo do centro de gravidade no corpo; é a média ao redor da qual oscilam os elemen tos sociais: será, se assim quiserem, um ser fictício para quem todas as coisas se passarão em conformidade com os resultados médios obtidos obtidos pela pela sociedade .66 .66 Essa noção de homem médio acarreta o sacrifício oficial de tudo o que é demasiado particular ou anómalo: Devemos, antes de tudo, perder de vista o homem tomado isoladamente, e considerá-lo unicamente como uma fração da espécie. Despojando-o de sua individualidade, eliminaremos tudo o que é apenas acidental; e as particularidades individuais que têm po uca ou nenhuma ação sobre a mass massaa se apagarão apagarão por si mesmas e permitirão apreender os resultados gerais.57
Ao longo dos decénios seguintes, seguintes, a ideia ideia de hom em médio angana numerosos sufrágios. Convencidos de que os seres humanos não se esquivam à lei universal de causalidade, Henry Thomas Buckle, Grant Allen, Paul Mougeolle, Louis Bourdeau, Paul Lacombe se debruçam sobre a força das pressões exteriores, especialmente de ordem geográfica, e apresentam os seres humanos como formigas que tecem anonima mente a trama da vida social (a exemplo das células que reconstituem
O PEQUBMO X - D a BIOGRAFIA à HISTÓRIA
os tecidos tecidos orgânicos).68 orgânicos).68 Segundo Herbe rt Spencer , o mes mo se dá dá em em relação aos grandes homens: “No mesmo grau que toda a geração de que forma uma pequena parte —no mesmo grau que as instituições, a língua, língua, a ciência e os os costumes - no mesm m esmoo grau que a m ultidão das artes artes e que suas aplicações, [o gênio] não é mais do que uma resultante de um enorm e agregado de forças que já agiram juntas durante séculos”.69 Em tal perspectiva, a ciência deve explicar o homem médio de cada raça, renunciando às variações morfológicas e às diferenças individuais: por mais importante que seja uma pessoa, seus pensamentos e suas ações não apresentam nenhum interesse histórico. Por um deslizamento lin guístico significativo, os “signos que provêm da alma” de Plutarco, já rebaixados rebaixados à categona de anedotas por H egel, tom am -se idioss idiossinc incras rasias ias pessoa pessoais is a nivelar, nivelar, e mesmo a eliminar. eliminar. C om o escreve John Fiske, autor autor de numerosos livros de história dos Estados Unidos, será possível assim realizar uma grande revolução histonográfica: A partir partir da metade do século X IX , a revolu ção desencadeada no estudo do passado foi tão grande e tão total que se assemelha à revolução realizada na biologia, sob o comando do Sr. Darwin. O intervalo no conhecimento que separa o trabalho de Edward Freeman [o historiador dos Normandos] em 1880 daquele de Thomas Babington Macaulay em 1850 é tão profundo quanto o intervalo que separa John Dalton e Humphry Davy dos ini ciadores do flogístico. Nos trabalhos mais importantes oriundos dessa imensa mudança —como aqueles de Sir Henry Maine e de William Stubbs, de Fustel de Coula nges e de M aure r —a biografia biografia ocupa um lugar subordinado ou não desempenha papel algum."
No seio desse debate, dois elementos merecem ser evocados. Em primeiro lugar, o peso da reflexão sobre a raça. O caso mais interes sante l sem dúvida alguma aquele de Spencer que, durante a guerra anglo-boer, acusa o governo inglês de rebarbarization. No segundo
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
capítulo de The Study o f Sociol Sociology, ogy, Spencer constata que Newton não podena ter nascido numa família de Hotentotes, Milton entre os in sulares de Andaman, um Howard ou um Clarclcson nas ilhas Fiji. Até aí, o raciocínio nada tem de surpreendente: como acabo de assinalar, as considerações considerações relativas relativas ao m eio estão longe de ser novas. Mas, algumas linhas adiante, o meio se reveste das marcas da raça física: “E impossível que um Anstóteles provenha de um pai e de uma mãe cujo ângulo facial meça cinquenta graus, e não há a menor chance de ver surgir um Beethoven numa tnbo de canibais cujos coros, em fàce de um festim de carne humana, se assemelham a um grunhido rítm ico” .71 .71 E não é tudo. A cunosidade biográfica é descrita como um fenómeno tribal, típico das pnmeiras raças históricas: os afrescos dos egípcios, a pintura mural dos assírios ou a epopeia grega nos ensinam “incidentalmente que havia havia cidades, cidades, barcos de guerra, carruagens de guerra, marinheiros, soldados a comandar e a massacrar; entretanto, a finalidade direta é pôr em evidência os triunfos de Aquiles, as proezas de Ajax, a sabedoria de Ulis Ulisses ses e outras coisas coisas análogas”.72 análogas”.72 Pou co a pouco , a ideia de que o pensamento abstrato, impessoal seria um dos caracteres salientes das civilizações supenores, toma-se uma convicção coletiva.7' O segundo elemento digno de interesse remete à dupla leitura de Darwin. Fiske a mobiliza com fins antibiográficos: tudo o que é individual se reveste, para ele, de um aspecto superficial e apres sado. Outros autores, entretanto, remetem-se à teoria da evolução para reduzir o alcance do determinismo geográfico. E o caso de William J ame s em dois breves ensaios escritos nos anos 18 80 em que sublinha que, a exemplo justamente da variação espontânea, o gênio é a única e verdadeira causa da mudança social. Sustenta, por outro lado, que, longe de desempenhar papel determinante na produção das qualidades humanas, as condições ambientes têm apenas uma função de seleção: “Afirmo que, de maneira geral, o meio ambiente é exatamente, em relação ao homem de gênio, o que ele é em relação às ‘variações’ da filosofia darwinista. O meio
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
tem por principal resultado o de adotar ou rejeitar, de preservar ou destruir, em uma palavra, de escolher o grande homem”.74 Embora não apreciando muito o determinismo extremo de Buclde, de Spencer ou de Bourdeau, certos sociólogos se alinham com a ideia de afirmar, de uma vez por todas, a impessoalidade como cntério fundamenta fundamentall de cientificidade. cientificidade. Na França, Émile Durkheim reconhece aos grandes homens uma função política importante: "Uma sociedade em que o gêmo fosse sacrificado à massa e a não sei que amor cego por uma igualdade estéril, condenaria a si mes ma a uma imobilidade imobilidade que não difere muito da m or te” .73 .73 Mas os os considera como elementos perturbadores para as ciências sociais, que devem estudar as maneiras de pensar, de sentir e de agir inde pendentemente dos indivíduos. Dessa convicção procede a famosa confrontação entre fato social e estatístico: “Como cada uma dessas cifras compreende todos os casos particulares indistintamente, as circunstâncias individuais que podem ter alguma parte na produção do fenómeno se neutralizam mutuamente e, por conseguinte, não contribuem a determiná-lo". ' Esse ponto de vista é retomado, al guns anos mais tarde, por François Simiand, portador de um projeto de unificação das ciências sociais. Embora reconheça a componente interpretativa da história, Simiand sustenta que o historiador deve estudar o que é objetivo, destacado da espontaneidade individual: Uma regra de direito, um dogma religioso, uma superstição, um costume, a fornia da propriedade, a organização social, certa visao do trabalho, certo procedimento de troca, certa maneira de morar ou de de se vestir vestir,, um p receito m oral, et c. tudo isso isso me é ■lad ■lado, o, me é fornecido inteiramente con stituído , t udo isso existe existe na minha vida vida independentemente de minhas espontaneidades próprias e algumas vezes a despeito delas.77
w ' n ' I m " í a m " ’ ■ ■ r i , " ' M e " J n d t h e i r E n v lr lr o n m e n t" t" Ai lan tic Mo nl hly . 1880, p. 295. Cf. também
O político, o individual e o cronológico (denunciados como os três “ídolos da tnbo dos historiadores”) devem ser substituídos pelos fatos de repetição, as regulandades, os fatos típicos: “A regra é aqui, como abstrações feli zes , isto é, aquelas nas outras ciências positivas, seguir as abstrações que levam a estabelecer, aquelas que servem para colocar em evidência, regulari regularidad dades”.™Para es”.™Para ele tam bém, a causalidade causalidade histórica nã o pro vém mais da motivação, e sim da lei: “O estabelecimento de uma ligação causal se faz não entre um agente e um ato, não entre um poder e um resultado, mas entre dois fenómenos exatamente de mesma ordem; ele implica uma relação estável, uma regularidade, uma lei”.7'1Só existe então relação causal se há regularidade de ligação: “O caso único não tem causa, não é cien tificame nte explic ável” .81’ A ideia de edificar uma história impessoal seduz igualmente certos historiadores alemães. Em 1896, Karl Lamprecht, fundador do Instit Instituí uí fur die Ku ltur und Univcrsalgcschichtc da Universidade de Leipzig, abstrai das ciências naturais um conceito normativo e absoluto de ciência e o estende a todas as disciplinas sociais. A fim de assegurar à história um estatuto científico irrefutável, almeja introduzir nela de maneira sistemática o princípio de causalidade. Uma vez que a ciência tem por tarefa conhecer o encadeamento necessário das causas e dos efeitos, presente uniformemente em todos os processos particulares, a história também deve se debruçar principalmente sobre aquilo que é comparável e típico. Essa é uma perspectiva que implica, para Lamprecht também, o sacrifício das diferenças: podemos, ou antes devemos, renunciar a apreender no seio das coisas o que as separa, para identificar o que as une. Por conseguinte, os indivíduos não de vem ser considerados como seres particulares, dotados de um caráter preciso, único, insubstituível, e menos ainda como seres capazes de agir sobre o curso da história, mas antes como amostras genéricas equivalentes entre si, exclusivamente dominadas pelas ideias, pelos impulsos, pelos sentimentos comuns ao grupo de pertencimento.
O P E QU QU E NO NO x - D a
biografia a história
na acepção romântica de organismo que evolui de acordo com as próprias leis. Trata-se de um ponto de divergência interessante: o conceito de nação não constitui mais uma individualidade, como para muitos historiadores dos primeiros decénios do século XIX; ele representa aqui uma dimensão regular da vida histórica.81 Por certo, ao longo desse período, tampouco faltam diferendos e alguns sentem repugnância em sacrificar o caráter concreto da exis tência em nome da ciência. Mas muitos daqueles que defendem a natureza singular da história continuam a cultivar a retórica da grandeza pessoal. pessoal. Definitivamente , às forças sociais anónimas, tão exaltadas - em sentidos diferentes —por Simiand e por Lamprecht, revida-se com os grandes homens políticos capazes de modelar os acontecimentos. Mesmo aqueles que não cedem à ideologia heróica sonham com in divíduos improváveis, plenamente intencionais e livres. O primado do grande homem é tanto mais alarmante na medida em que vai de par com a predominância do político: só o Estado e, portanto, um pouco de história da civilização parecem dignos de consideração histórica.82 Como escreve ironicamente o historiador alemão Eberhard Gothein, o leitmotw dominante incita a reservar aos historiadores políticos as ações de envergadura, os feitos do Estado, e aos historiadores da cul tura a lixeira e o descarte ( das Kchrichtfass tttid die Rumpelkammer ).83 ).83 Numa época marcada por forte crescimento do poder do Estado e pela ascensão das massas à condição de sujeito político, os artigos do Historische Zeitschrijt ignoram os problemas sociais (nenhuma alusão à ralé, às fábricas, às famílias, aos subúrbios...) e rebaixam o político, identificando-o à ideologia manifesta e formal das instituições do Estado. Os perigos perigos inerentes a uma definição tão idealizada e tão Karl Lamprecht. Was ist ist Kulturgeschichte? beitrag zu einer hisionsch en Em pink ”, in Deutsche Ze,tschnf, Ze,tschnf, } ur GeschuhtsuHsser GeschuhtsuHssermhaft. mhaft. 18961897, I, p. 751 50. Sobre a relação entre a históna históna social social e o nacionalismo étnico ao longo dos decénios seguintes, cf. Jiirgen Kocka, “Ideological Repres uon and MethodologicaJ Innovation: Histonography and the Social Sciences in the 1930s and
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
neutralizada da política se manifestam no curso dos anos seguintes, durante e após a Primeira Guerra Mundial, quando numerosos histonadores da política se mostrarão incapazes de interpretar as graves tensões sociais que abalam a Alemanha e, mais geralmente, a Europa. É disso que se apercebe Eduard Spranger, um dos inspiradores da morfologia histórica: após o fracasso da conspiração contra Hitler de 20 de julho de 1944, ele confia a Meinecke que “as ideias de Goethe não bastam para compreender o infemo que é o nosso hoje em dia”.85 Ao longo longo do século X X , o antagonismo, todavia nada nada evidente, evidente, entre a históna social e a história política se endurece e se banaliza: a pnmeira continua a cultivar sua vocação impessoal, a segunda a propor personagens convencionais e monolíticos.86 E provavelmente na França que a biografia foi mais vitupe rada.87 A batalha contra cont ra a história historicizante, travada nas páginas da Reuue de synthèse historique, foi vencida pelos historiadores dos Atmales, que se dedicam a apreender, para além dos acontecimentos particulares, o substrato profundo da história: as estruturas sociais, as representações mentais, os fenómenos de longa duração. Assim, em pouco tempo a biografia se torna um dos símbolos da história tradicional, da crónica de acontecimentos, mais preocupada com a cronologia do que com as estruturas, com os grandes homens do que com as massas. Para Marc Bloch e Lucien Febvre, o objeto da história é o homem, ou antes, “digamos melhor: os homens. Mais do que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência do diverso”.88 Mas os historiadores da segunda e da terceira geração dos Amt ales absorvem as tensões individuais no seio das estruturas coletivas de Klaus Klaus Epstein, "Fried nch M eineck e, Ausgewàhlter briefwec hsel”, History and Theory, 1 9 6 5 , p. 85. Esquecendo a advertência de bismarck de 16 de abnl de 1869 ao Reichstag Reichstag da Alemanha do Norte:
O P E QU QU E NO NO X - D a BIOGRAFIA À HISTÓRIA
longa duração. Femand Braudel toma os acontecimentos por uma simples “poeira, uma agitação de superfície”, e trata os indivíduos à maneira de um verniz, bnlhante, por certo, mas superficial, da realidade: fora algumas exceções (o papa Pio V ou Don João da Austna), os seres humanos parecem totalmente impotentes (Carlos V se estabelece como resultado da vontade “nacional”). Donde o acento posto sobre o que separa a históna biográfica daquela das estruturas e da história dos espaços, fundadas ambas sobre aquilo que há de mais anonimamente humano.99 A desconfiança diante da dimensão individual não fica aliás con finada unicamente à históna social. Ao longo dos anos 1960 e 1970, idade de ouro das grandes investigações da históna serial, historiado res empreendem medir, com a ajuda de indicadores quantitativos, os fenómenos culturais (o que Pierre Chaunu qualifica de terceiro nível). Emmanuel Le Roy Ladurie aspira a escrever uma “história sem os homens , e Jaques le Goff (autor, na sequência, de duas importantes biografias históricas) pode afirmar que a história das mentalidades es tuda aquilo que escapa aos sujeitos individuais da história po r revelar o conteúdo impessoal de seu pensamento, aquilo que Cesar e o últi mo soldado de suas legiões, São Luís e o camponês de seus domínios, Cristovão Colombo e o marinheiro de suas caravelas têm em comum". "' Por vários decénios, o gosto pelo singular só consegue sobre viver em alguns recônditos da historiografia. Em primeiro lugar, graças ao sucesso da prosopografia —por vezes designada igualmente com a expressão de biografia biografia coletiva” . Cé tic o quanto à filosofia filosofia da história, assim como quanto à história das ideias, Lewis N a m i e r estima que os fatos sociais só podem ser explicados explorando-se cientificamente as raízes do comportamento individual. Os nobres e os mercadores, os advogados e os funcionários, que compõem a t asse dirigente inglesa da época de Jorge III, revivem um a um so sua pluma. Seu método mét odo m i c r o s c ó p i c o almeja a cisão dos fatos
O LIMIAR LIMIAR BIOGRÁFICO BIOGRÁFICO
sociais numa miríade de existências particulares que possam ser em seguida combinadas no seio de conjuntos mais vastos: o objetivo “é conhecer bem a vida de milhares de indivíduos, um formigueiro em sua totalidade, ver as colunas de formigas se estirarem em diferentes direções, reções, compree nder suas suas articulações e suas suas correlações, observar cada formi formiga ga e, entretanto, jamais jamais esquecer o for migueiro ”.92 Poré m, essa concepção concepção pontilhista pontilhista - retoma da principalme nte pelos historiadores historiadores da Antiguidade Antiguidade roman a93 a93 e pelos especialistas na aristocraci aris tocraciaa inglesa94 inglesa94 - se reveste muitas vezes de um caráter antibiográfico, na medida em que a variedade do passado é sacrificada em nome das regularidades e em que os indivíduos parecem completamente submetidos às pressões sociais. Em seu ensaio sobre a revolução americana, Namier declara abruptamente: “Quaisquer teorias que possam elaborar os teólogos e os filósofos concernindo ao indivíduo, não há nenhum livre arbítrio no pensamento e nas ações das massas, assim como não há na trans lação dos planetas, nas migrações de pássaros e na queda no mar de colón colónias ias de lemingues”.95 lemingues”.95 Vários anos mais tarde, Louis B erger on e Guy Chaussinand-Nogaret constatam que o objetivo da prosopogra fia consiste em uniformizar as singularidades: trata-se de “encontrar os homens e, através deles, preparar a definição dos tipos. Para além da máscara erudita, encontrar o rosto cotidiano e as singularidades regiona regionais, is, e das das fisionomias múltiplas fazer brotar os traço s com uns . * der políticas endossam o projeto prosopográfico. Cf., em particular, Matthias Gelzer, Die romischen Rqjuhlik und die Nobilitat der Kaiserzeit, BerlinLeipzig, B.G. Teubner, 1912; Charles Beard, An Etono mic Intrr prcia tion o f th e Con stit utio n o f th e Un ited Stat es (1913), New York, Macmillan, 1944, Fnednch Miinzer, Romische Adchparteieti und Adebfamilieti (1920), Stuttgart, B. G. Teubner, 1983; Konald Syme, Lti Réivlution romainv (1939), traduzido do inglês por Roger Stuveras, Pans, Galhiuard, 1967. Sobre as transformações transformações do projeto prosopográ fico, cf. John Broo ke, "N amie r and Namiensm , History and T7iei>ry, 19631964, 3, p. 331347; Lawrence Stonc, “Prosopography’’, Diiedalus, 1971, 10(1, p. 4671.
Lewis B Nam ier, "Th e B iograph y o f Ordinary Mc n ", in Lewis B. Nam ier, S/eyí S/eyííT íT
O P E Q UE UE N O x - D a
biografia à história
Do lado da sociologia, destaca-se outra experiência interessan te. No fim dos anos 1910, Wilham Thomas e Florian Znaniecki escrevem uma obra monumental, Le Paysan polonais em Europe et ett ett Amér ique, realizada com base em testemunhos pessoais de imi grantes poloneses nos Estados Unidos (a correspondência privada e também o relato autobiográfico de um certo Wladek, consi derado como um representante típico “da massa culturalmente passi passiva va”).'1 ”).'1 Num prefacio metodológico , os autores explicam a importância de levar em conta a atividade psíquica do indivíduo, sua atitude pessoal, no sentido psicossocial, sua maneira de “definir a situação” e de alterá-la pelo próprio comportamento. O livro, que visa a conciliar a pesquisa de regulandades ou de leis de tipo causal com a pesquisa das significações psíquicas atribuídas pelos atores sociais aos acontecimentos, não tem destino fácil. Em parte por conta de vicissitudes políticas: militante pacifista, Thomas é condenado por adultério em 1918 e só é reabilitado dez anos mais tarde (a propósito do peso dos fatos biográficos...). Em parte por razões científicas, pois, logo em seguida, a sociologia americana decreta que os testemunhos pessoais não são fiáveis. O golpe de misericórdia é dado em 1939, quando Herbert Blumer declara que o material biográfico, fundado em procedimentos irremedia velmente subjetivos, não permite chegar a generalizações válidas e dignas de crédito.98
C A P Í T U L O II II
A vertigem vertigem da história história
Simbad, o marujo, ou não sei que outro personagem das Mil e uma noites, encontrou um dia, à margem de uma cascata, um velhinho extenuado que não conseguia passar. Sitnbad emprestoulhe o socorro de seus ombros, e o homenzinho, açarrandose neles com um vigor diabolico, tomouse de repente o mais imperioso dos mestres e o mais opinioso dos cavaleiros. Eis aí, cm minha opinião, o caso de todo homem aventuroso que resolve resolve tomar o tempo passado sobre suas costas para faz ê lo atravessar o Letes. Isto é, escrever escrever a história. história. O impertinente velhinho traçalhe, com uma caprichosa minúcia, uma rota tortuosa e difícil; se o escravo obedece a todos os seus desvios e não tem a força de se abrir um caminho mais reto e mais curto, afogase maliciosamente no rio. Victo r H ugo1” ugo1”
. loquio Exploring Exploring New Methods for Prosopography Prosopography in the H umanities and the Social Social Sciences Uppsala Unive nity, 912 de maio de 200 7 p I. Thcin Thcin i c Hom n Znaniecki, Le Paysan polonais eti Europe et en Atnerique. Recit de vit un migrant migrant (191 (191 S jo in , traduzido traduzido do uir !^ por Yves Caud illat. Pans, Nathan, 19 98. Alguns anos 'í™ WU WU r',' au so*5re so*5re 3 “ Crnsio do movimento nazista nazista IMi; Hitler Carne inlo Pouir ,an^ ,an^ ndgC ndgC ÍM“ s )' Harvard Harvard Umvenity Press, Press, 1986 o sociologo Theod ore Abel for força ça rmo e íocram, „ „fcc fcc j n U I n autobiográfica autobiográfica concisa, de forma estandar estandardiza dizada, da, e s en en t a a pe pe d id id o d r p o q u A , 0 l „ , n , |l |l n ) |l d j l )c )c * d „ v f U l J > ( j r f c , c m l K . . a s t e n d én én c ia ia s . a s
I Após vinte e três anos de guerra contra a França revolucionária,
O P E QU QU E N O x - D a
A VERTIGEM G EM DA HISTÓRIA HISTÓRIA biografia à história
chapéu, o homem de importância nada pode lhe fazer”.10" O jaco binismo da gentinha de Londres não é novo, mas, no pós-guerra, a agitação contamina também as províncias: de Carlisle a Colchester, de Newcastle a Bristol, o mob se toma uma realidade tangível e pressionadora. Suas reivindicações são essencialmente políticas: o sufrágio universal, o direito de associação e de organização política, a liberdade de imprensa. Aqui e ali, o tom se faz ameaçador. Se as tentativas de levante são ainda raras, o slogan cartista “pacificamente se possível, pela força se necessário” exprime bem, entretanto, o estado de espírito reinante. Em 2 de dezembro de 1816, após uma manifestação pacífica a favor da reforma parlamentar em Spa Fields, alguns marinheiros tentam, sem sucesso, tomar de assalto a Torre de Londres. Seis meses mais tarde, os tecelões, os talhadores de pedra, os metalúrgicos e os trabalhadores agrícolas das cidadezinhas dos arredores de Pentridge, no Derbyshire, propõem-se a invadir Londres e a derrubar o go verno. Em agosto de 1819, em Saint Peter’s Field, Manchester, um grande ajuntamento em favor da reforma parlamentar é brutalmente reprimido pela Manchester Yeomanry, um corpo de cavalaria formado principalmente por filhos de industriais, comerciantes e negociantes, deixando onze mortos e cerca de sessenta feridos. Longe de conter o movimento, o massacre de Peterloo (assim nomeado fazendo eco à ba talha de Waterloo) levanta a indignação do país. Alertados, os espiões o governo escrevem ao rrúnistro do Interior, Lorde Sidmouth, que os trabalhadores começaram a se armar de lanças e porretes, enquanto, o fun o das das tavernas, tavernas, os artesãos artesãos projetam levantes armados. arm ados. Mesmo rt ur Thistlewood, Thistlewood, um dos dos cérebros da conspiração de Ca to Street, qut everia ter provocado a morte de diversos diversos memb ros do governo, esta convencido de que Londres está prestes a agir. H r1
.
^ a' a'1° S deco decorr rrem em apar aparen ente temen mente te em toda toda tran tranqu quil iliiecenio seguinte, que vê os whigs voltarem ao poder (em
de Somerset que iniciam as hostilidades, protestando, em nome do capitão Swing, contra o emprego de mão de obra irlandesa barata e contra a introdução de novas máquinas. Cerca de dois nul ínsurgentes são levados a julgamento: nove deles serão condenados a morte por enforcamento, seiscentos e quarenta à prisão e quatrocentos ao desterro nas colónias australianas. Foi a deportação mais importante jamais jamais decretada pela Inglater ra.10 ra.101 Em 18 35 , é a vez dos fiandeiros de Glasgow que, não satisfeitos com incendiar a manufatura de Ja mes e Francis Wood, surram uma dezena de knobsticks (fura-greves contratados pelos patrões). Durante o outono do ano seguinte, os trabalhadores se espremem nas assembleias notumas que se fazem à luz de tochas, organizadas pelos cartistas: “Ao longo de toda a fileira brilhava uma torrente de luz que iluminava a abóbada do céu, como o reflexo de uma grande cidade numa conflagr ação geral . Tre s anos mais tarde, são ainda os cartistas que convocam uma conven ção nacional das classes trabalhadoras de que participam centenas de milhares de pessoas, até que seja proclamada, quando do ajun tamento de Birmingham, em 6 de agosto de 1838, a adoção oficial pelos trabalhadores da carta do povo. A petição, assinada por mais de um milhão e duzentas mil pessoas, é deixada diante do domicílio londrino do deputado John Fielden. Entrementes, a convenção se interroga sobre as medidas a adotar em caso de fracasso no Parla mento e organiza uma séne de ajuntamentos simultâneos através de todo o país, de maneira a desorientar a polícia. Em julho de 1839, quando a Câmara dos Comuns rejeita a petição por esmagadora maioria, violentos embates opõem os trabalhadores e a polícia em Birminghan (Buli Ring Riots). Quatro meses mais tarde, são os mi neiros de Newport que protestam: o saldo se eleva a catorze mortos, cinquenta feridos e mais de cento e vinte e cinco detenções. Mas, uma vez ainda, a repressão não consegue represar o movimento, e, ■i parti partirr de de 184 2, pertur bações explodem nova men te...
O PEQUENO x - Da
biografia à história
pelos trabalhos de Edward P. Thompson. Enc Hobsbawm e George ude), impoe a atenção dos britânicos da pnmeira metade do século XIX a questão inglesa. Em que condições vivem as classes populares? Qua e seu seu humor? humor? Um a nova guerra civil vai vai explodir? Thomas Carlyle Carlyle também se coloca essa essa questão .10 .103 Fica m esmo obcecado por ela. No curso de seus primeiros anos de atividade, enquanto ainda vive na Escócia, traduz o Wilhelm Meister de Goethe (1824), escreve diversas diversas obras obras literárias literárias e históricas (sobre G oet he, justam en te, mas tambem sobre Schiller, Voltaire, Diderot) e se consagra a artor esartus (1831), uma espécie de biografia filosófico-poética, ^ em ‘maSens ‘maSens de conflagração, de indigestão, de fermenaçao. o entanto, após sua sua partida partida para Londres, em 1834 , bem no me,o da epoca mais heroica do radicalismo popular, abandona c r'^ j 010 mu'tos de seus contemporâneos, experimenta o entimento de viver num mundo convulsionado, abalado, corrom-
A
VERTIGEM DA HISTÓRIA
a Ação Ação e a Paixão?” 107 Em suma, t odos os seres humanos tê m um a história: “O talento da história nasceu conosco, como nossa principal herança. Num certo sentido, todos os homens são historiadores”.108 Desta esta forn fornia, ia, Carlyle jamais teria aceit ado a no ção de povo s sem história. Em toda humanidade, não há uma só tribo tão grosseira que não tenha tentado escrever a história, ainda que várias delas não tenham aritmética para contar até cinco”: “A história foi escrita com quipos, com quadros feitos de plumas, com cintos de con chas; mais frequentemente ainda, com tendas ou monumentais empilhamentos de pedras, pirâmides ou caims ; pois o celta e o copta, o pele-vermelha e o branco, vivem entre duas eternidades e, na luta com o Esquecimento, gostariam de se agarrar, por uma relação clara e consciente, como já se agarram por uma relação inconsciente e obscura, a todo o Futuro e a todo o Passado.,IM
Z t f T V ° Vdh0 Vdh0 Impén° Impén° r°mano ‘> ando » medida medida de uas iniquidades foi ao cúmulo; os abismos, os dilúvios superiores e
II
d a H rf T '05 T ° Uran Urand° d° P °r todos todos os os >«lo >«los. s. e nesse nesse furi furioso oso caos caos de \ ^ “ eStrd eStrdaS aS d° céu aPagadas”.'05 E espera n rar uma resposta, e mesmo uma solução, na história.
Em 1837, quando Vitória acede ao trono da Inglaterra, Carlyle publica sua História da Revolução Francesa. A Revolução é aí descrita como o acontecimento por excelência, uma alquimia selvagem que provocou a exterminação de dois milhões de seres humanos. Mais de vinte anos de convulsões, de precipitações, de atrações e repulsões súbitas, consequências inelutáveis de uma doença de velha data, bem anteri anterior, or, que que fora incubada incubada duran te o re inado de Luís XV e explodira no de Luís Luís XV I e m razão “ de sua ausência de faculdades” : "É uma bancarrota espiritual tolerada por muito tempo encaminhando-se para uma bancarrota económica e tomada intolerável”. No fim, a doença revestiu as formas de um jorro de lava: “Há levantes que vem das tempestades de cima e do sopro dos ventos. Mas há aqueles que vêm de ventos subterrâneos comprimidos, ou mesmo
enrn
convenriH °
àLSU LSUa mul her, Jan e Baillie We lsh , ele está
conhecim conhecimento ento66 !d '<* N o ^ 6 ° ^ n d * m e m ° de todo verdadeiro ° S Pensamentos Pensamentos têm uma forma temr a rr a
Doral
— dh, : , r a rd rdr e de nossas. c ° — ^ é reoresenrar a w ' Assim, como co mo não fazemos fazemo s nada além de
ness nessee sentido sentido sobre sobre eu pn
t0na' ° ^ diZem diZem°° Sé aPenas aPenas seu seu amp'° amp'° ’ nos» nos» ^ « P '™ al inteira inteira se edtf edtfic icaa C° nSldm da' o que é atnda atnda toda C.ència C.ènc ia
- ,a ' Um Pr° d ut ut° * ■»*Se"C,a e"C,a,S Sa° en“ ° ° R i o cí „, o e a Crença, não menos do do que que
n^enc "
A O
PEQUENO x
- Da
VERTIGEM DA HISTÓRIA
biografia à mistôkia
combustão: como quando, segundo a geologia netuno-plutônica, o mundo decomposto se prostra em seus detritos, para deles emergir com estrondo e se refazer”.110 Diferentemente de Goethe, um de seus heróis, Carlyle não lamenta a ordem pré-revolucionána, já que estima que a “velha mo rada" devia ser abatida.1'1Em todos os tempos, as insurreições sociais foram detonadas pela incapacidade dos governantes. Assim foi com a reforma protestante e o mesmo se deu com a Revolução Francesa. Quem são os verdadeiros responsáveis pelo massacre? Em primeiro lugar, a monarquia. Luís XV se comportou como um fantoche ou um marinheiro à deriva, totalmente impotente em controlar as correntes: O homem assim alimentado e decorado, e nomeado na sequencia régio, é em em realidade realidade apenas apenas um ser govern ado. Por exem plo, se dizemos, ou mesmo pensamos que ele foi empreender con quistas em Flandres, na verdade ele só foi transportado para lá como uma bagagem; bagagem nem um pouco leve, que cobre léguas inteiras.112
A igreja é o segundo culpado: negligenciando seus projetos passados e suas velhas animosidades, ela praticamente não se opôs à política rtal. Quanto aos nobres, contentaram-se com um papel ornamental. Enfim, os filósofos, um bando de perigosos charlatães, verdadeiros trituradores de lógica (logickchopers), que contaminaram toda a so ciedade com seu hedonismo: “Eis aí um povo sem crenças que vive dc suposições, de hipóteses, de sistemas frívolos sobre a triunfante anális análisee e como única crença isto: o prazer deve apraze r”. 113 Voltaire, o patnarca, observava o mundo circundante com um olho anticatólico, reduzia a história a um miserável nó de controvérsias entre a Enciclopédia e a Sorbonne e exortava seus contemporâneos a um pífio hedonismo: Os cinco sentidos insaciáveis e um sext o sentido igualmente insaciável: a vaidade; e sobrará toda a natureza demoníaca
do homem precipitando-se cegamente para dominar sem freio nem regra; potência selvagem, mas com todos os instrumentos, todas as arm armas da civilização: espetáculo nov o na hi stóna” .11 .114 Em face da monarquia, da Igreja, da nobreza e da filosofia, havia o direito das massas. Um direito em toda sua diversidade individual: São vinte a vinte e cinco milhões que agrupamos junto numa espécie de unidade compacta, monstruosa, mas obscura, longín qua, que chamamos a canalha ou mais humanamente as massas. Massas em verdade; e, no entanto, coisa singular a dizer, se por um esforço de imaginação tu os segues, através da vasta França, nas nas suas suas cabanas de argila, em seus celeiros, em suas choupanas, essas massas se compõem todas de unidades, e cada uma dessas unidades tem seu coração e suas dores, se mantém coberta com sua própria pele, e se a feres, ela sangra."5
Ao livro sobre a Revolução Francesa seguem diversos ensaios sobre a questão inglesa, considerada o alfa e o ômega da coisa toda. "A condição do grande corpo do povo num país representa a condição condição do p rópri o país” .116 Chartism, publicado em 1839, coloca em alerta: 1789 não foi uma turbulência ocasional, um lance de loucura. E a derrota da França revolucionária não conduziu auto maticamente a sua cura: Um meio-século se passou desde então; e uma coisa como a Revolu ção Francesa não está está ainda terminada! terminada! Quem quer que observe observe esse esse enorme fenómeno pode nele encontrar numerosas numerosas significações, mas na base de tudo encontrará, em particular, que se tratou de uma revolta das classes trabalhadoras oprimidas contra as classes dominantes tirânicas ou negligentes, não foi apenas uma revolta francesa; não, foi uma revolta europeia, prenhe de severas advertências para todo s os países países da Europa.
■t I. p. 19 Sob re a figura figura de Voltaire, cf. cf. igualmente “V oltaire” (1829), in Nouveaux Essais
O
PEQUENO X -
Da
biografia a história
A
VERTIGEM DA HISTÓRIA
Como se deve reagir? O que é possível fazer para represar o radicalismo popular? Carlyle descarta as duas proposições políticas dominantes. Acusa o laisserfaire económ ico de não ofer ecer aos aos po po bres mais que a liberdade de morrer de fome e rejeita o sufrágio uni versal reivindicado pelos cartistas, pois considera a democracia um tema de discussão académica, desprovido de porvir (“um fenómeno que se autodestrói”). Não tem mais confiança na coerção (“por si só, não resolverá grande coisa”118), mas guarda alguma esperança na instrução universal e na emigração. É sobretudo o problema da confiança social que ele coloca no coração do debate. O trabalha dor não está fundamentalmente apegado aos bens materiais: “É pela justiça que luta; luta; por um ‘salário equ itativ o’, e não apenas em dinheiro! dinheiro! .,1‘' O “descontentamento am argo, lo uco de raiva” tem sua fonte na degeneração das classes dominantes. A situação exige uma verdadeira aristocracia, fundada no mérito: “Uma corporação dos melhores, dos mais corajosos”, como aquela que existia antes da instauração do cashnexus.'2" Pois, exanunando-se bem, os protestos exprimem sobretudo a necessidade de um guia benévolo e sábio:
de espírito espírito”. ”. 122 Carlyle aí fala fala da grandeza, de suas diferentes man i festações e da maneira como é acolhida nesse mundo. Explica que a ordem social repousa sobre a identificação dos heróis e que o desí desígn gnio io de de cada época consiste em enco ntrar o verdadeiro Kònnitig ou cannig, o homem capaz, que pode e sabe, e em investi-lo dos símbolos do poder, elevá-lo à dignidade real, de modo que esteja realmente em condições de governar. No final das contas, a história universal se resume à biografia dos grandes homens:
O que são todos os levantes populares e os mugidos mais loucos, de Peterloo à própria place cie Gr ève ? Mugidos, gritos inarticulados como aqueles de uma criatura muda, abalada pela exasperação e pela dor; para o ouvido de um sábio são preces inarticula inarticuladas: das: G uie-m e, govem e-m e! Estou exasperada e mi serável, e não sei me guiar sozinha.’ É certo que entre todos os direitos direitos do homem ’ esse esse direito do ignorante de ser guiado guiado pelo mais sábio, de ser conduzido, com delicadeza ou a força, pelo caminho certo, é o mais indiscutível.121
[...] pedra fundamental eterna a partir da qual poder-se-á come çar a reconstruir tudo. O fato de que o homem, de uma maneira ou de outra, venere os heróis; de que todos nós reverenciemos e estejamos destinados a sempre reverenciar os grandes homens, eis o que é para mini o fundamento vivo que resistirá a todas as destruições, o que nenhuma revolução na história pode atacar, por mais catastrófica e devastadora que possa ter sido sob todos os outros aspectos.124
Nessa convicção inspiram-se as célebres conferências sobre o culto dos heróis, feitas entre 5 e 22 de maio de 1840, diante de um auditono de duzentas a trezentas pessoas, “aristocrático de classe e
Em minha opinião, a História universal, a História do que o homem realizou realizou nesta Terra, no fundo não é mais que a História História dos grandes homens que obraram aqui embaixo. Foram eles os condutores dos homens, seus modelos, suas referências e, numa acepção ampla do termo, os iniciadores de tudo o que a grande massa dos humanos se esforçou para realizar ou atingir. Todas as realizações realizações gloriosa gloriosass que podem os contem plar no mundo são, na verdade, os resultados materiais e exteriores, a realização prática e a concretização do pensamento e da intelecção geradas no espí rito e no co ração dos grandes homens enviados a este este mu ndo .1" .1"'1
Eis por que o culto dos heróis é uma
O traço mais característico na história de uma época é formado justamente pela maneira como honra o herói. A desolação que im pregna todo o século XVIII remete ao ceticismo que o caracterizou:
O
PEQUENO
x - Da
intelectual, mas também dúvida moral; e da dúvida moral pro cedem todas as formas de infidelidade e de insinceridade, em suma [...] uma paralisia espiritual. [...] não houve época que fosse menos do que o século XVIII uma época de fè, uma época de heróis! A própria possibilidade do heroísmo fora formalmente negada em todos os espíritos. O heroísmo, ao que parece, pertencia definitivamente ao passado; o reinado das fórmulas feitas, da futilidade e da trivialidade o substituíra finalmente.125 A parar de então, a veneração pela grandeza se fez “claudicante, ce gada, paralisada paralisada : numa necessidade ne cessidade de tudo tud o apequenar ape quenar,, os parti partidá dário rioss de Jer erm Bent ham trataram dos ideais e das ideias ideias como co mo de sim simples les jogos de interesses. Em vez de saudar e admirar o herói, tentaram tomar suas medidas até reduzi-lo a uma espécie de homem medíocre. Lutero, Luter o, dizem eles, eles, foi um produ pro duto to de sua sua époc ép oca’; a’; foi sua época que o chamou, suscitou, foi sua época que, em suma, tudo fez. Ele, nada... além do que eu, o cnticozinho, tena podido fàzer também! Acho tal julgamento bem entr istecedor e bem pessimista. pessimista. Sua época o cham chamou? ou? Ai de nós! Sabemos bem demais que todas as épocas chamam seus grandes homens, mas que muitas vezes não os encontram”.126Toda a Europa parece, aos olhos de Carlyle, presa da maldição do ceticismo Como sublinhará ainda num ensaio de 1850; Num tempo assim, isso se toma a crença universal, a única cieni-i. i-i.i -icreditada -icreditada - enquanto o co ntrá rio é visto co mo um pue pueri rill entusiasmo, - essa triste crença de que estritamente falando não há nenhuma verdade neste mundo, de que o mundo não foi, n.io é e jamais poderá ser conduzido senão pela simulação, a dissimularão e a prática suficientemente hábil dos falsos-semblantes. blantes. [...] o sentido do verd adeiro e do falso está está perd perdido ido,, , p 226. 226.
A
biografia a história
VERTIGEM DA HISTÓRIA
não há mais propriamente nem verdadeiro nem falso. Sao os dias de glória da Impostura, do Falso-semblante tomando-se por si mesmo e chegando a se fazer tomar pela Substância.
Carlyle, no entanto, não se limita a celebrar a grandeza e o heroísmo, heroísmo, mas precisa também seus traços saliente salientes. s. Co nven cido de que o mundo pulula de charlatães e de impostores, busca distinguir o “falso “falso grande ” do “verd adeiro : Toda estrutura social é uma representação, não insuportavel mente inexata, de uma veneração hierarquizada dos heróis. [...] Não insuportavelmente inexata, eu disse. Pois todas essas estruturas sociais fundadas na classe são como cheques: todos, a principio, representam ouro, mas alguns, ai de nós!, são obra de falsários.128
Para definir as qualidades e os diferentes graus de grandeza, re têm Odin, Maomé, Dante, William Shakespeare, Martinho Lutero, John K nox, Samu eljo hnso n, Jean-J acque s Ro usseau, Ro be rt Burns, Oliver Cromwell e Napoleão Bonaparte. Através da reconstrução biográfica dessas onze individualidades, identifica seis categorias fundamentais da evolução histórica; o herói como divindade, pro feta, poeta, predicador, escritor e soberano. A escolha de figuras tão profundamente diferentes umas das outras não é em nada fortuita. Procedendo assim, Carlyle estabelece de partida que o heroísmo pode revestir revestir numerosas formas em funç ão das circunst âncias ( he rói, profeta, poeta... São muitos nomes distintos que em tempos e lugares lugares diferentes damos aos aos grandes homen s ), mas que o caráter heroico permanece uno e indivisível e persiste sempre tal como é, que os diferentes tipos de herói são todos, intrinsecamente, de uma mesma substância: “No fundo, o grande homem, tal como modelado pela mão da Natureza, é sempre substancialmente o mesmo. Odin,
O PEQUEN PEQUENO O X - D a BIOGRAFIA À HISTÓRIA
encontram no mundo e que determina a expressão de sua grandeza os toma tão radicalmente diferentes em aparência”.130 Com as conferências sobre o heroísmo, o “sábio de Chelsea" ou o “adivinho puritano”, como é chamado então, está no apogeu de seu sucesso. E admirado, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos, por sua integndade. Seu estilo, nutrido de citações bíblicas, de neologismos e hipérboles expressionistas, apaixona Matthew Ar nold, John Ruskin, Ralph Waldo Emerson e mesmo Henry David Thoreau. Com os anos, anos, a casa de C hey ne R ow , em Chelsea Chelsea,, on onde Carlyle vive com sua mulher, Jane, toma-se um lugar de peregrina ção. Entretanto, com a velhice, a auréola de sabedona com que fora ornado começa a murchar. Alguns de seus amigos o evitam em razão de suas afirmações, cada vez mais insustentáveis, sobre os negros, os judeus, a missão do Império britânico, a guerra franco-prussiana. Esse Esse é o caso de de John Stuart Mill, c om quem briga violentamente por duas vezes ao menos: quando de suas declarações contra a Abolição da Escravatura e quando toma a defesa do governador Edwardjohn Eyre que ordena em 1865 a execução de quatrocentos e cinquenta rebeldes negros jamaicanos. Pouco a pouco, toda sua obra reveste um valor profético sinistro. Até se tomar, ao longo dos anos 1920 e 1930, uma referência para a ideologia fascista e nazista.13' O culto dos heróis antecipa, sem dúvida alguma, certas ideias fascistas: o temor da desordem, a exaltação das massas (incapazes dc pensar, mas dotadas de instintos sãos...), a aversão pela democracu a confusão entre o direito e a força, a necessidade de um verdadei
A
VERTIGEM DA HISTÓRIA
sob soberan eranoo capaz capaz de de defender os fra cos .13 .133 Nã o c rei o, por ém , que tais ideias possam esclarecer toda a reflexão de Carlyle. Parece-me antes que esse género de leitura corre o risco do anacronismo. “O que Carlyle entendia por ‘heroísmo’ ou ‘virtude dos chefes’ nada tema ver com o que propõem nossas teorias modernas”, escrevia, pouco antes de sua morte, Emst Cassirer, que sugeria, infelizmente demasiado brevemente, que Carlyle chegou ao culto dos heróis em razão, entre outras, de seu percurso de historiador: “O que Carlyle entendeu sob os termos de ‘heroísmo’ e de dirigismo nada tem a ver com o que encontramos nas teorias modernas do fascismo Para um verdadeiro historiador, a história não era, como diz Goethe no Fausto, “eitte Kehrichtfass und eitte Rumpelkammer". Ele não tinha simplesmente o dom de relatar o passado, mas de reavivá-lo e tomá-lo presente. O historiador autêntico falava e agia como o conjurador de Gulliver. Relatava ‘o passado glorioso a fim de que o olhar pudesse penetrá-lo e de que se o pudesse escrutar à vontade’. Manifestamente, Carlyle não encontrou nenhum suporte para suas próprias ideias em toda a obra de Goethe. Como historiador, foi-lhe preciso dotar-se de um ponto ponto de partida partida inteiramente n ovo; foi-lhe preciso abrir e construir sua própria via —e nesta perspectiva, se não virar de cabeça para baixo, ao m enos m odifica r sua sua “Filosof ia da vida” . Foi tal modificação que o conduziu à teona do culto do herói e do heroísmo na história.134
A' está uma sugestão sobre a qual convém refletir: talvez, para além Um Prec°ce Prec°ce delíno carismático, o culto dos heróis provenha, justamente, do conhecimento histórico? Para melhor testar essa ese’ e *mportante voltar às primeiras inquietações historio-
O
pequeno
x- Da
biografia
à
história
III Entre as obras obras menores de Carlyle, há u ma, On History, escrita em 1830, pouco antes de ele se tomar um autor célebre e o queridinho da boa sociedade londrina, que tem todos os traços de um verdadeiro manifesto manifesto pela história história biográfica: “ A vida social —lê-se nela - é o agregado de todas as Vidas individuais que constituem a sociedade”.115 Nenhum grande homem, mas uma história que é o fruto da estrati ficação, geração após geração, de inumeráveis biografias. Carlyle se interroga sobre os verdadeiros protagonistas da história: “Quem foi o maior inovador, quem foi o mais importante personagem da história do homem, aquele que pela primeira vez fez exércitos atravessarem os Alpes e obteve as vitórias de Cannes e do Trasimeno; ou o rústico anónimo que primeiro forjou para si uma enxada de ferro?”.136Mais de cem anos antes de Bertolt Brecht, ele avança que apenas uma ínfima parte da história é escrita por seus presumidos autores, sua essência sendo o fruto de um número incalculável de vontades individuais, do trabalho infinito de homens sem nome: Quando o carvalho é abatido, a floresta inteira retumba; mas uma quantidade de glandes é semeada silenciosamente por um vento qualquer de passagem a que ninguém prestou atenção. [...] tod o o m obiliário essencial, as invenções e as tradições, e os os hábitos hábitos coudianos que regulam e sustentam nossa existência, são a obra, não dos Dracons e dos Hampdens, mas de marinheiros fenícios, de pedreiros italianos e de metalúrgicos saxões, de filósofos, de alquimistas, de profetas, e de toda a sequência há muito tempo esquecida de artistas e artesãos.137
O texto é acompanhado igualmente de um voto: não está longe o
A
VERTIGEM DA HISTÓRIA
Como numerosos místicos, Carlyle detecta em cada coisa dupla significação, propondo uma dicotomia absoluta entre a aparência exterior e a profundidade intema. Existe uma compreensão banal, que raciocina por fórmulas e receitas, e uma compreensão subli me, dirá alguns anos mais tarde em Sartor Resartus: “Aos olhos da lógica, o que é um homem? Um bípede onívoro que traja calções. Aos olhos da razão pura, o que ele é? Uma alma, um espírito, uma apariç arição ão divina”.1 divina”.1339 Co m o em todo s os do mí nio s, a esfera da his tória também conta em seu seio com artistas e artesãos, “videntes”, capazes de perceber o mistério do passado, e “simples basbaques”, especuladores da causa e do efeito, que leem “o livro inescrutável da natur aturez ezaa como se fosse fosse um grande li vro de co nta s” : “H om en s que trabalham maquinalmente num setor, sem olhos para o con junto, não sentindo que há um conjunto; e homens que iluminam e enobrecem o mais humilde domínio com uma ideia de conjunto, e cost costum umam am saber saber que é apenas no co nju nto que a par te po de ser verdadeiram verdadeiramente ente discer dis cernid nida” a” .140 .140 Adivisão do trabalho e a especialização trazem o risco de au mentar as fileiras dos artesãos em detrimento daquelas dos artistas. Basta pensar nos historiadores da Igreja: [Sua [Suas] s] investigaç investigações ões versam antes sobre o mecani smo exterio r, os simples envelopes e acidentes superficiais do objeto, do que sobre o próprio objeto: como se a Igreja estivesse nas salas dos capítulos episcopais [...], e não no coração dos homens crentes [■■■]• A história da Igreja é a hist ória da Igreja invis ível ta nto quanto quanto da Igreja Igreja visível, a qual, separada da primeira , n ão é m ais do que um edifício vazio, dourado, talvez, e todo recoberto
O PEQUENO x - D a b i o g r a f i a A h i s t ó r i a
A «trtctM o*
h s K mu
Ao longo dos anos 1830, é justamente pela biografia que Carlyle espera descobrir uma nova abordagem da história, mais artistica e menos artesanal, e que dana conta do sentido profundo do passado: “Essa Inglaterra do ano 1200 não era um vazio quimérico, uma terra de sonhos, povoada por simples fantasmas vaporosos, pelos Foedera de Rymer, por doutnnas sobre a constituição, mas uma sólida terra verde onde cresciam o trig o e diversas diversas outras co isas” .142 Os homens que ali viviam “tinham uma alma”: “Não por ouvir dizer apenas, e por figura figura de estilo estilo - mas com o uma v erdade que sabiam e de acordo acordo com a qual agiam”.14’ A biografia pode contnbuir para fazer emergir essas emoções secretas. Hippolyte Taine escreverá sobre Carlyle:
postula que, se uma sociedade é o fruto de todas as vidas individuais, então o processo histórico é um continuum infinito de pensamentos, de emoções e de ações mais ou menos significativas, um feixe de milhares de energias vitais em estado de movimento perpétuo:
Está aí seu traço próprio, o traço próprio de todo historiador que tem o sentimento do real, o de compreender que os per gaminhos, as muralhas, as vestes, os próprios corpos não são mais do que envelopes e documentos; que o fato verdadeiro é o sentimento interior dos homens que viveram, que o único tato importante é o estado e a estrutura de suas almas [...]. É preciso se dizer e se repetir essa palavra: a história é só a histó ria de coração; temos que buscar os sentimentos das gerações passadas, e não devemos buscar nenhuma outra coisa. Eis o que percebe Carlyle; o homem está diante dele, ressuscitado, e ele penetra até seu interior, o vê sentir, sofrer e querer, da maneira particular e pessoal, absolutamente perdida e extinta, como sentiu, sofreu e quis.144
O que significa que não é possível designar nem um prota gonista primordial nem um acontecimento-chave. De fato, não existem elementos distintos:
Seu modelo é o centauro Quiron que, longe de julgar o passa do, desliza em seus personagens para chorar, nr, amar, desprezar com eles, eles, porque um coraçã o amoroso é o co m eç o de todo Conhecimento”.145 Graças a sua intuição um pouco obsessiva pela essência biogra íca da história, Carlyle se estima capaz de tomar a exata medida a idade periférica do passado. Na História da Revolução Francesa
Não , nada está morto no universo; universo; o que chamamos morto está está apenas mudado, são forças que trabalham em sentido inverso! A folha que apodrece nos ventos úrrudos, disse alguém, possui ainda força; sem isso como poderia apodrecer ? Nosso universo inteiro é apenas uma junção de forças; de mil forças diversas; da gravitação ao pensamento e à vontade; a liberdade do ho mem rodeada pelas necessidades da natureza: de tudo isso nada adormece jamais, tudo está sempre desperto e ativo.146
A coisa que jaz isolada e inativa, jamais a descobrirás; procura por toda parte, da montanha de granito, que desde a criação se reduz lentamente a pó, até a nuvem de vapor fugitiva, ate o homem que vive; até a ação do homem, até a fala que pro nuncia. [...] O que é então essa infinidade de coisas que cha mamos universo, senão uma ação, uma soma total de ações e atividades. [...] a coisa que consideras é uma ação, o produto e a expressão de uma ação exercida. [...] as coisas humanas estão continuamente em movimento; são uma série de ações e de reações, um trabalho progressivo.141
Como Carlyle já indicara em seu ensaio sobre Voltaire, a história não vive de causas simples: Tampouco deve acontecer que essa sequência, de que gosta mos de falar como de uma “cadeia de causas , seja figurada propriamente como uma “cadeia” ou uma linha; devemos representá-la antes como um tecido, ou uma superfície de inumeráveis linhas, que se estiram em largura e cumprimento,
A
Esse sentido agudo da vitalidade histórica desemboca numa crítica cerrada da história factual, geralmente demasiado preocupada com a ordem cronológica: Nosso pêndulo soa quando uma hora sucede a uma hora; mas nenhum batente no Relógio do Tempo ressoa através do universo quando uma Era sucede a uma Era. Os homens não sabem o que têm entre suas mãos: assim como a calma é a característica da força, as causas que têm mais peso podem ser as mais silenciosas.149
Agastado pelo barulho de superfície da cronologia, Carlyle confes sa diversas vezes sua desconfiança diante daqueles que pretendem compreender o passado enfileirando os fatos como as pérolas de um colar. Os acontecimentos representam apenas a camada exterior da realidade: nos campos de batalha, no Parlamento ou nas Antecâmaras reais, acontecem somente incidentes superficiais; mesmo as leis não chegam a exprimir a vida, "mas apenas a casa onde se escoa nossa vida, elas não são mais do que as paredes parede s nuas da casa” . 150 Assim, o elemento-chave da época moderna não foi nem a dieta de Worms, nem a batalha de Austerlitz ou de Wagran, nem qualquer outra data particular, foi antes [...] a ideia ideia que veio a George Fox de se fazer um hábito todo de couro. Esse homem, o primeiro dos Quakers e sapateiro de pro fissão, era uma daqueles a quem, sob uma forma mais ou menos pura, a divina ideia do universo digna se manifestar, brilhando em suas almas, através de todos os envoltórios da ignorância e da degradação terrestre, numa inexprimível majestade.151
O que quer que seja, o acontecimento —político, legislativo ou nu itar l sempre incerto e artificial demais. “Batalhas e tumultos de guerra, que no momento ensurdecem todas as orelhas e embriagam cada coração de alegna ou de terror, passam como bngas de bar”.152
VERTIGEM DA HISTÓRIA
fatos históricos, de maneira fortuita, independentemente de seu peso: “Em primeiro lugar, entre as diversas testemunhas, que são também partes interessadas, não há mais que uma vaga estupefação, misturada com temor ou esperança, e o barulho de mil línguas do boato; até que, após certo tempo, o conflito dos testemunhos se tenha apaziguado e fundido em algum resultado geral: e sobre isso é decidido, pela maioria das vozes, que tal “Passagem do Rubicão”, tal “Acusação de Strafford”, tal “Convocação dos Notáveis” são épocas da história do mundo, os pontos cardeais entre os quais rolam as revoluções do mundo”.153 Em suma, a história não é uma sequência coerente e contínua de acontecimentos conectados entre si. “O homem mais dotado não pode observar, com mais forte razão não pode relatar mais do que a série das própnas impressões: sua observação, por conseguinte, deve ser sucessiva, enquanto as coisas feitas foram frequentemente simultâneas', as coisas feitas foram não uma série, mas um grupo. Não acontece na história em ação o que acontece na história escrita: os acontecimentos efetivos não estão entre si numa relação tão simples como a de pai e filhos; cada acontecimento particular é o produto, não de um único acontecimento, mas de todos os outros aconteci mentos anteriores ou contemporâneos, e se combinará por sua vez com todos os outros, para dar nascimento a novos acontecimentos, é um Caos do ser, sempre vivo, sempre em trabalho, em que as formas, umas após as outras, destacam-se, feitas de inumeráveis elementos”. elementos”. 154 É daí que toma m forma certas considerações inte ressantes sobre o relato histórico. Para Carlyle, o historiador está condenado a se mover no seio de uma geometria plana, que não faz justiça ao volume do passado: “Da mesma forma, todo relato é, por sua natureza, apenas de uma única dimensão; adianta-se apenas em direção a um ponto único, ou em direção a pontos sucessivos.
O PEQUENO * - D a b i o g r a f i a à h i s t ó r i a
quadrados, enquanto o Todo é uma vasta, profunda imensidão, e cada átomo está encadeado e ligado com todos”.155 Mas, dando a palavra à vitalidade periférica da história, Carlyle exprime, por esse mesmo gesto, um luto. Recorda que pedaços inteiros do passado estão perdidos para sempre: Podemos dizer ajusto titulo que, de nossa História, a parte mais importante está perdida sem volta; [...] e aferrar respeitosamente nossos olhares a esses locais sombrios e perdidos do passado onde, num oblívio, informe, nossos principais benfeitores, com seus esforços diligentes, mas não co m os frutos destes esforços, jazem sepultados.15 sepultados.156
Os documentos que acompanham nossas incursões ao coração dos séculos passado passadoss “ não são mais que luzeiros duvidosos, esparsos num campo imenso que deixam entrever sem o iluminar”.157De tempos em tempos, acontece-lhe reconsiderar um episódio e descobrir assim que, após a batalha de Worcester, em 1651, Carlos II encontrou refugio junto a um pobre camponês católico. Mas logo a sombra toma-se novamente espessa: Como pode que apenas ele, de todos os rústicos da Inglaterra que trabalhavam e viviam ao mesmo tempo que ele, sobre os quais o sol abençoado brilhava nesse mesmo “quinto dia de setembro , tenha chegado até nós; que esse pobre par de sapatos sapatos pregados, entre todos os milhões de peles que foram curtidas, cortadas e gastas, subsista e permaneça, imobilizado, completo, a nossa vistar Vemos o homem mesmo que por um instante; num instante, o véu da Noite se abre, permitindo-nos constatar e ver, e logo se refecha sobre ele —para sempre.158
Se, para Carlyle, o ser humano é antes de tudo um animal memo rial, capaz de se lembrar, mais do que um animal racional e politico,
A
VERTIGEM DA HISTÓRIA
ele percebe, no entanto, a fragilidade da natureza humana, inclinada ao esquecimento. Sabe bem que, além das amnésias, a memória é infiel, que ela modifica incessantemente a hierarquia dos fatos: pode mesmo amanhã descobrir o alcance daquilo que é hoje escrito em minúsculas e apagar o que está escrito em caixa alta. Sabe igualmente que o trabalho de manipulação não concerne unicamente à memória, mas provém também de nossa maneira de olhar: a percepção que cada um de nós tem dos acontecimentos não é em nada comparável à dos outros. E se a história fosse impossível, ou mesmo inexistente? Se só existisse uma históriapara ? Encontramo-nos em pleno Rashomon. A ideia procede de uma velha anedota, já contada por Goethe em 1806: pouco tempo após ter caído em desgraça, durante a detenção que devia preceder sua decapitação, Sir Walter Raleigh observa da janela de sua cela uma escaramuça; quando escuta as três outras testemunhas contarem os fatos, cada uma de maneira diferente, o antigo favorito da rainha Elizabete percebe que nenhum dos testemunhos oculares corresponde ao que ele viu. O acontecimento se desintegrou ime diatamente numa multidão de imagens. No final das contas, o que se passa não contém nenhuma verdade em si e só tem sentido quando pensado e contado. O mesmo se passa com os acontecimentos his tóricos (como a travessia do Rubicão ou o impeachment de Strafford) que são portanto insignificantes, inexistentes enquanto história. O que resta é a epopeia tal como foi sonhada, imaginada e elaborada por impressões pessoais...
IV On History coloca em cena um dilema. Para Carlyle, somente uma reflexão biográfica permite apreender a vida íntima, secreta, do passado. Ele sabe, no entanto, que se trata de uma tarefa ines
O
PEQUENO
x - Da
biografia à história
fatos, sem falar de seu sentido, nos são desconhecidos e não nos podem ser conhecidos!159
As impulsões centrífugas da vida social parecem-lhe incoeren tes, frágeis e fragmentadas, suscitando nele o sentimento crescente da natureza infinita da história. É justamente porque essa é a soma da ação humana, e portanto todo um universo, que seus limites se esquivam. O caos do passado, “sempre vivo, sempre em trabalho, em que as formas, umas após as outras, se destacam, feitas de inumeráveis elementos elementos , é “sem limite, com o a morada e a duração do homem, insondável como a alma e o destino do homem”. Prisioneiro desse dilema, Carlyle acaba por encarar a história como uma obscura algaravia profética: “Desse complexo manuscrito, todo coberto de informes caracteres desconhecidos e inextricavelmente encavalados, algumas letras, algumas palavras podem ser decifradas”.160 Trata-se de uma conclusão um bocado incómoda para um ini migo implacável do ceticismo. Pouco a pouco, graças ao exemplo de Wilhelm Meister, Carlyle percebe que nenhuma reflexão poderá distanciar a negação e o desespero: “Não se pode pôr fim à dúvida, de qualquer natureza que seja, senão pela aç ão ” .161 E que agir significa, significa, para o historiador, conter as forças do caos. Em 1833, entrevê todavia uma saída. On history agam recorda por certo, uma vez ainda, todo o desespero que o caráter miserável e defeituoso da história engendra:
A
VERTIGEM DA HISTÓRIA
princípio dualista que escande toda nossa vida e, com uma espécie de talento inconsciente, ora rememora, ora esquece. Uma vez que a terra não pode guardar a lembrança de tudo o que foi feito, em certo ponto sobrevêm o esquecimento, isto é, “a página escura sobre a qual a memóna escreve e toma legíveis seus caracteres de luz; se tudo fosse luminoso, nada se poderia ler, não mais do que se tudo fosse trevas”. Por mais retumbantes, os acontecimentos vão e vêm, balançam e caem um após o outro, “pois tudo que emergiu deve um dia soçobrar: o que não pode ser guardado no espírito quer pre cisamente cisamente sair sair do espírito” .16 .163 Por vezes acontece mesmo a Carlyle pensar que a sociedade moderna sofre de um exasperante excesso de memóna, “pois, a bem da verdade, considerando a atividade da Pluma e da Imprensa históricas durante este último meio século, e a quantidade de história que ela produziu neste único período, e como é provável que ela cresça doravante em proporção geométrica decimal ou vigesimal —poderíamos sentir que o dia não está longe em que, apercebendo-se de que a Terra inteira não conteria mais estas relações do que foi feito sobre a Terra, a memória humana deveria deveria se abater confu ndida, e cessar de se lembrar . Ele não tem nenhuma intenção de acabar num mundo sobrecarregado de lembranças, incapaz de pensar:
A história é a Carta de Instruções que as velhas gerações escre vem c de que fazem o legado póstumo às novas gerações. [...] Da coisa agora silenciosa silenciosa que se nomeia passado, que foi outrora o presente, com bastante barulho, que sabemos? Nossas Cartas dc Instruções nos chegam no mais triste estado: falsificadas, apagadas, rasgadas, perdidas, restando apenas um fragmento; e mesmo este tão difícil de ler ou de soletrar.162
Se não houvesse nenhuma abreviação da história, não poderíamos nos lembrar além de uma semana. Bem mais, abordemo-la sem essa precaução, excluamos absolutamente as abreviações, não poderíamos nos lembrar de uma hora, ou de absolutamente absolutamente nada. nada. pois pois o tempo, como o espaço, é infinitamente divisível; divisível; e uma hora, com seus acontecimentos, com suas sensações e suas emoções, poderia se estender de tal maneira que cobriria o campo inteiro da memória, e lançaria todo o resto para além de seus limites.
ctanto, o valor do esquecimento se afirma pouco a pouco: a * ona, seja seja ela ela indiv individua idual, l, autobiográfica ou coletiva, segue o
Mas não podemos nos remeter apenas ao esquecimento. É preciso fazer mais: desembaraçar-se das escórias, concentrar o espaço e o
O
PEQUENO
x - Da
b i o g r a f i a à história
luminoso. “A história, pois, antes de poder tomar-se história uni versal, versal, precisa acima de tudo ser con den sad a” .166 E po uco importa importa se a condensação não é justa, se celebra Cleópatra e Calígula em detrimento “dos nobres homens que agem , ousam e aguentam”.167 Progressivamente, Carlyle se convence de que a compreensão histórica permanece essencialmente metafórica e de que é preciso abandonar a linguagem realista pela expressão figurada: “Toda lin guagem, à exceção daquela que concerne aos objetos sensíveis, é ou foi uma linguagem figurada. Prodigiosa influência da metáfora! Jamais o percebera até rec ent em ent e. U m a obra verdadeiramente útil e tilosófica seria um bom Ensaio sobre as metáforas. Um dia es creverei um”.168 A História da Revolução Francesa é o fruto de um profundo conflito intenor: entre o desejo inicial de dar a palavra a todos os protagonistas da história e aquele de condensar a essência do fenómeno revolucionário. Carlyle se interroga: onde está a Revolução? No palácio real, nos costumes do rei e da rainha, em seus excessos, em suas cabalas, em sua imbecilidade? Não: “Ela está neste ho mem aqui, ela está naquele homem lá, como uma raiva ou como um terror, está em todos os homens. Invisível, impalpável; e no entanto nenhum negro Azrael, com as asas abertas sobre a metade do continente, varrendo tudo com sua espada de um mar a outro, podena ser uma realidad realidadee mais verdadeira ” .169 Mas, se é assim, como podemos captar todas as forças em jogo —ainda mais que elas são in\ÍM in\ÍM\e \eis. is. Para resolver esse problem a é preci so que a me lhor pe^ctração busque a luz em toda fonte possível, dirija o olhar a todo - gir onde seja possível possível a visão visão ou uma lu minos idade de visão, visão, e na! ela pouerá estimar satisfeita satisfeita se resol ve o problem a, aind aindaa que aproximativamente*’ r Em toda fonte possível, em todo luga lugarr P ssive ... cis aí, ainda ainda uma vez, as forças forç as centríf cen tríf ugas da histór ia que que
A
VERTIGEM DA HISTÓRIA
nos lançam em direções contrárias. Carlyle parece novamente presa da ilusão de poder apreender a realidade histórica em sua íntegra. Depois se recupera, graças a uma estratégia narrativa fundada na metonímia. E eis que desfilam o patnarca Voltaire, o dragão Drouet, a bela princesa de Lamballe, o simpático e discreto Bamave, o es verdeado Robespierre, o rígido Roland de La Platrière, o gigante solitário Mirabeau, esse indolente Luís, esse bravo Bouillé. E assim por diante diante.. Tantos nomes, sempre precedidos de um artigo definido definido ou de um pronome demonstrativo: eles não falam, não se apresen tam, nada dizem sobre si mesmos. Mais do que seres humanos em carne e osso, são personagens ou caracteres morais, constantemente absorvidos pela ação. Sua existência nada tem de pessoal, é uma expressão da história universal. O mesmo acontece com os lugares. O quarto de Luís XV, o “rei indolente”, toma-se o ponto cardeal que resume cada história da França pré-revolucionária. O historiador entra nessa peça, vê Luís doente, aterrorizado pela morte, rodeado pelos quinhentos mil fantasmas vergonhosamente massacrados em Rossbach e no Quebec, “para que tua prostituta fosse vingada de um epigrama” .17 .171 Fazendo seu o olhar de de Luís, Luís, toma-se o olho olho da históna”: “Há aqui outra coisa doente além do pobre Luís, não somente o rei da França, mas a realeza da França: eis o que, após uma longa luta de puxões e rasgões, se parte em frangalhos .
V As obras de Carlyle sobre a história lançam uma nova luz so bre seu itinerário. Inspiradas por inquietações de ordem política, as conferências sobre a grandeza procedem sem dúvida também da fragmentação do con he cim en to. 171 O heró i faz faz contrapeso às forças centrífugas da história, às imagens de indigestão, de fermentação, de obstrução, de conflagração. Sob certos aspectos, mesmo as conferên
O P E Q U EN EN O X - D a BtOGftAFIA À HISTÓRIA
epistemologicas. De que estofo os heróis são feitos? Carlyle jamais fomece uma definição exaustiva, menos ainda coerente. Ao contrá rio, continua a deslizar de uma imagem para outra, num crescendo visionário, tal um predicador puritano presa do medo e da venera ção. No entanto, se nos atemos aos exemplos concretos e deixamos de lado o excesso de ênfase estilística, a força carismática do herói mostra-se drasticamente diminuída. Entre os grandes homens retidos por Carlyle, alguns estão certamente em condições de deslanchar a energia coletiva, mas é difícil imaginar Dante Alighien ou William a espeare co m os traços traço s de chefes chefe s capaze s de inflamar infla mar as massa assass como lenha lenha seca. seca. SamuelJohnson, Jean-J acques Rousseau ou Robert Podenam mesmo passar por perdedores: Nenhum dos três obteve vitórias comparáveis [àquelas de Goethe]: combateram com coragem, mas caíram no campo de honra do espírito. Não foram como ele heroicos portadores de luz, mas eroicos buscadores de luz. É que suas vidas se desenrolaram em mbientes cheios de obstáculos obstáculos e foram com o uma luta dian diante te uma montanha de obstáculos: de maneira que suas almas não puderam verdadeiramente se abrir na luz . 174
. . ^e' tex to dessas dessas seis conf erên cias se destac a um único sui mm l nCer° nCer°.. onze heróis se distinguem, com efeito, por “suDen ^ .SOlU .SO ta SIncendade- Tra ta-s e de uma qualida qualidade de supenor a graça : lUta ai]"
' ^0r^e m caPaz de realizar o que quer que seja seja de grande grande en a a^so^ucamen te fé naquilo que faz ou proclam a, e é
ver C am° Uni ^omem sincero. Essa qualidade não tem nada a P<>u P<>uca ca lnceridade que se ex põe deli bera dam ente : esta é bem vezr* ui-. i-. ° Ca Cva‘^osa justi ficaç ão calcul ada, e o mais das das do wind í? 1 nian^estaÇào nian^estaÇào de am or p róprio. Já a sinceridad sinceridadee f-*Ur c de omem ® um fato de sua natureza de que não pode vanidom C^uer ®co r>scient r>sciente. e. f...] O grande hom em não se
A
VERTIGEM OA HISTÓRIA
A sincendade, para Carlyle, não é uma maneira de se conduzir e não implica apenas não dizer mentiras. Designa antes a clarividên cia, aquela que possui Dante que sabe capturar “a melodia que jaz escondida [no mais secreto do coração das coisas], a harmonia e a coerência coerência interiores” . O olhar que dardeja como o raio no fundo do coração das coisas e vê o que é sua verdade, eis o que, para mim, dá ao livro [o Corão] todo seu valor e atesta que é um dom da própria Natureza: um dom que ela outorga a todos os homens, mas que apenas um em um milhão, talvez, é capaz de não ignorar. E o que chamo a sinceridade da visão, que só se enraíza num coração sincero.nh
Que a sinceridade da visão seja o traço saliente do heroísmo fica ainda mais evidente se consideramos seu texto sobre Goethe. Neste, sublinha duas qualidades acima de tudo. O intelecto emblemático, a saber, a capacidade de dar forma aos sentimentos: “Tudo tem forma, tudo tem existência visual; a imaginação do poeta dá corpo às coisas invisíveis, sua pluma as converte em forma” .1 E a universalidade: Em Goethe descobrimos o exemplo de longe o mais impres sionante, em nosso tempo, de um escritor que é, estritamente falando, o que a Filosofia pode chamar um homem. Ele não é nobre nem plebeu, nem liberal nem subordinado, nem infiel nem devoto; mas é o que há de mais excelente em todos esses, fundidos numa pura mistura; “um Ho mem claro e universa universall .
A poesia de Goethe não é uma faculdade separada, uma mecânica mental; mas é a voz de toda a harmoniosa virilidade: bem mais, é a própria harmonia, a harmonia viva e vivificante dessa rica virilidade que que forma sua sua poesia” .17 .178 Um a har monia que não é sinónimo de paz, mas de ausência de maneirismo. Goethe é descrito sobretudo como um lutador. Numa época minada pela incredulidade e pela
O P EQ EQ U EN EN O X - D a BOGRA HA À HISTÓRIA HISTÓRIA
o ceticismo. Werther interpreta por certo o desespero de todos aqueles que não renunciaram a pensar: Todo o mundo o sentia [o desespero], só ele soube lhe dar voz. E aí jaz o segredo de sua popularidade; e m seu coraçã o profund profundo, o, e impressionável, sentia mil vezes mais vivamente que cada um sentia, graças ao dom criador que lhe pertencia como poeta, deu a isso uma forma visivel, uma localização própria e um nome; tez-se assim assim o porta -voz de sua g eraç ão.17'1Mas ão.17'1Mas Wilhelm Meist Meister, er, expressão expressão de uma extraordinária firmeza intelectual, testem testemun unha ha a liberação da dúvida: “Goethe nessa questão foi mais completo que qualquer outro homem de seu tempo”.180
E nessa perspectiva que a históna é descrita como um conjunto múltiplo e estratificado: [Cada livro] é o pensamento do homem, e concentra virtudes quase taumatúrgicas uma vez que pode incitar o homem a to das as mais belas ações. É ao mesmo tempo a materialização e o vetor do pensamento. A cidade de Londres, com todas suas casas, seus palácios, suas máquinas a vapor, suas catedrais, com 'eu tumulto e sua animação desmedidos, é outra coisa que o pensamento, que milhões de pensamentos reunidos num todo, que um imenso condensado de pensamento materializado no tijolo, no terro, na fumaça, na poeira, nos palácios, nos ministé rios e no Parlamento, nos fiacres para Hackney e para as docas de Santa Santa Catanna e todo o re sto? .18 .181
E o herói c aquele que, por sua sinceridade, sabe captar a realidade m toda sua verdade e profundeza. Ele pode combater, governar, evcrc\er, pregar, mas o que faz a sua grandeza e a alimenta consis^ ua capacidade capacidade de penetrar, para além da aparência exterior, ncia das coisas. O pensamento penetrante faz do herói um csp.nto fecundador: “Semelhante a um raio enviado pelo Céu, e -omens o esperam, como lenha seca, para poderem por mar se fogo , embo ra só, está ligado aos outr os homens
A VERTIGEM DA HISTÓRIA
onginalmente e de maneira inata de uma capacidade flamejante de intçlc cção [...] [.. .] que envolv e na sua írradiaçao todas as almas . E apenas nas situações mais felizes que a capacidade de fecundar se traduz traduz imediatam ente em intencionalidade cansmática. cansmática. O que diz, todos os outros homens estavam quase prontos a dizê-lo, aspiravam a poder dizê-lo. Os pensamentos de todos, então, se erguem como se despertassem de um longo e penoso sono causado por algum sor tilégio, e se reúnem em tomo do pensamento do grande visionáno, mesmo lhe respon dem” .18 .183 Po r suas runas e sua suass nmas, Odin exalta nos outros a faculdade de pensar: “Daquilo de que tivera a visão e que ensinou por meio de suas runas e de seus versos, todos os povos do Norte se impregnaram e o transmitiram de geração em geração. i 1 >J 184 Seu Seu modo de pensamento se tomo u o mo do de pensamento pensamento dele deless . Maomé brota como uma fagulha “no meio de mortas extensões de areia cinza” e dissemina uma areia que se se revela pólvor a que que logo explodiu em cham as subindo até os Céus, de Deli a Granada . Quanto a Lutero, ele sabe discernir as necessidades da coletividade, moldá-las para conduzi-las à realização: em 17 de abril de 1521, seu discurso discurso na na dieta de Wor ms exp nm e as súplicas súplicas e as as adjurações adjurações de de todos nós, aquelas do mundo inteiro, quando a alma jaz aprisionada numa golilha de obscuridade, paralisada num negro pesadelo espectral dominado por uma terrificante Quimera de tiara que se chamava a si mesma pai pai da Cristandade, luga r-tenen te de Deus e que sei sei eu. . Sob certos aspectos, o herói evoca o historiador artista. Graças a um imenso esforço visionário (uma espécie de redução ótica), um e outro não se limitam a representar o mundo, a reproduzir o que é visível. Revelam-no: encarnam um ponto de unidade secreto, o pnncípio orga nizad or que dá uma forma essencial essencial ao caos da vi a - "eingestaltes Leben ”, co mo disse dissera ra Goethe. O herói t o m a a u só tempo solidárias e complementares as forças vitais peri enc que, anterionnente, puxavam em todos os sentidos, enquanto o
A
historiador assinala o ponto cardeal, o ponto que reflete o universo inteiro. Fascinado pelas ilusões de ótica (em 1852 escreverá um tra tado intitulado Spiritual Optics), Carlyle cede aos fáceis artifícios do espelh o.1(1 Assim, sem se se dar conta, trai prof unda men te seu gran grande de profeta. E verdade que, também para Goethe, a realidade não pode ser conhecida diretamente, e que o conhecimento é sempre uma mediação: o verdadeiro, só o vemos em reflexo, em exemplo, em símbolo. Mas isso não significa que se possa encontrar um ponto de refração capaz de revelar o todo: “Nenhuma época oferece um belvedere de onde se possa possa abarcar co m o o lhar toda essa época”.18 época”.188 Ao contrário, a própria ideia lhe parece desviante e superficial: “É difícil reproduzir qualquer coisa de maneira realmente imparcial. Poder-se-ia alegar que o espelho é uma exceção. Mas nele tampouco vemos jamais nossa imagem realmente exata. Mesmo o espelho inverte a imagem e faz de nossa mão esquerda nossa mão direita. Que esteja ai o emblema de todas nossas reflexões sobre nós mesmos”.189
VI O fluxo caótico e imprevisível da vida, desvelado pelas pri meiras reflexões historiográficas, leva Carlyle a limitar o princípio de necessidade. Está aí provavelmente o que mais afasta seu herói do homem providencial dos filósofos. Enquanto o grande homem tónco de Hegel realiza sem o saber um objetivo geral, os heróis e Carlyle se distinguem distinguem por uma intensa faculdade de discernimen to. não são os mensageiros ignorantes de uma ideia universal, mas p ctas da realidade, realidade, homens conscientes das relaç ões de força e de u pas (como na tragédia de Esquilo). “Que compensação para uma populaçao de pigmeus!” comentará Ralph Waldo Emerson em 1857, quando de sua segunda viagem à Inglaterra.190
VERTIGEM DA HISTÓRIA
As argumentações heróicas parecem, à primeira vista, bastiões em defesa da biografia. Na verdade, são bastante ambíguas. Os poucos personagens do passado que gozam de uma dignidade pessoal têm bem pouco de hum ano: mais que homens , são almas, verdadeir verdadeiras as aparições aparições divinas. Mesmo se a vida humana lhe parece uma mistura do divino e do bestial ( beastgodhood), Carlyle se convence sempre mais de que os aspectos corporais podem, ou melhor, devem, ser afastados para exaltar o núcleo arquetípico do herói (Napoleão em Santa Helena é representado como um Prometeu acorrentado). Através dessa cui dadosa operação de limpeza, de eliminação de todo traço corporal, ele espera penetrar nessa “região fundamental do espírito em que os pensamentos e os sentimentos não podem ser confinados na muralha da personalidade” . Visa a ultrapassar a lei da individualidade, individualidade, a fazer da biografi biografiaa “um a solução para purificar os olhos de todo egotismo . Estamos bem longe das celebrações da singularidade. O culto dos heróis está fundado na renúncia ao eu, no esquecimento da pessoa, para tender ao universal, ao ponto do espelho que reflete o infinito. O paradoxo, apenas aparente, é lucidamente expresso por Emerson quando confessa admirar sobretudo o herói capaz de se anular. Impessoal e incorporai assim, o herói não é um verdadeiro antagonista do Espírito da filosofia clássica alemã. É antes uma nova versã versão. o. Co mo recordará Ta ine, Carlyle recolhe no heroísmo os os frag frag mentos mentos esparsos esparsos que que Hege l submetera à lei: Lá onde Hegel colocava uma ideia, Carlyle coloca um sentimento heroico. [...] esse ser, tal como ele o concebe, é um resumo do resto. Pois, segundo ele, o herói contém e representa a civilização em que está compreendido, o herói descobri u, proclam ou ou praticou uma conce pção origin , e seu século o seguiu. O conhecimento de um sentimento heroico dá assim o conhecimento de uma época inteira. Por essa via, Car y e saiu das biografias. Encontrou as grandes vistas de seus mestres. Sennu como eles que uma civilização, por mais vasta vasta e disp dispersa ersa que se se j ^ eja através do tem po e do espaço, forma um todo indivisíve indivisíve
O
PEQUENO *
- Da
biografia à história
Aí esta, talvez, um destino que se repete na históna. A bio grafia hero ,ca aspira à totalidade: totalidade: m esm o q uando não está fundad fundadaa no no pnncipio de necessidade e reconhece o fluxo caótico, inceno, da vida ela nao pode evitar encarar a civUizaçào co m o u m todo indiv indivisí isíve vel'l' seresTH seresTH ’ " T " ' * ^ P18meUS: “Se “Sem cleS' sem sem tod“ tod“ «*« res de destino desconhecido, os heróis permanecem prisioneiros de uma improvável e insuportável unidade de sentido”.193
CAPÍTULO
O drama da liberdade liberdade
Tud o o qu e é fragm entá rio restringe minhas ideias, eis porque não sou matemático e sim historiador. A partir do elemento residual posso form ar um quadro completo, completo, sei onde fal tam gr up os e com o inco rpo rál os. Ima gin o qu e o mes mo se dá contigo e desejaria que, consagrando como eu tua reflexão à história, soldasses a figura sobre a tela e que, utilizando a imaginação, trabalhasses com as cores da história.
Barthold G . Niebuhrw
I O episódio é célebre: em 2 de outubro de 1808, quando se encontrava em Erfiirt, em companhia do marechal Louis Alexandre Berthier, do general Jean-Marie Savary e do príncipe de Talleyrand, diante de Goethe, o imperador deixara escapar um lacónico “Eis uni homem”. O que quisera dizer? Tencionava exprimir assim sua admiração pela extraordinária capacidade de controlar a vida, própna ao grande homem mais venerado de todos os tempos? E o que pensava Thomas Carlyle. Mais tarde, Wilhelm Dilthey abunda no
O
PEQUENO
* - Da
biografia à história
regular e constante!”.19’ Ou seria preciso ver aí, como sugeriu Friedrich Nietzsche, a expressão do estupor de Napoleão diante da forma alemã do ceti cismo ?1'* O en igma está sem dúvida destinado a permanecer permanecer sem solução. Mas, seguramente, o episódio ilustra de maneira admirá vel o con junto das das questões que apaixonaram a historiografia alemã ao ao longo de todo o século XIX. O que é um indivíduo? Como alguém se toma umr Qual é sua relação com o mundo histórico? Essa Essass interrogações não conc ernem mais, dorava nte, ao heroís heroís mo, nem mesmo à exaltação do eu que, nos decénios precedentes, inspirara o movimento Stumi und Drang. Doravante, é o próprio processo de individuação que está em jogo. Embora com moda lidades diferentes e a despeito de alguns retrocessos esporádicos (sobretudo a respeito dos homens de Estado), os historiadores alemães da época vão além dos Me nsch en die Ge sch ich te machen , dos homens que fazem a história. Como escreve Leopold Von Ran ke, toda vida vida leva leva em si si seu seu ideal: ideal: o impu lso mais íntimo íntimo da vida espiritual é um movimento em direção à ideia, em di reção a uma mais alta perfeição. Desde a origem, esse impulso é inerente inerente à vida vida ,19 ,19 No fim do século, assumindo, co mo era de seu costume, mais de cem anos de reflexão historiográfica, Fnednch Meinecke sublinha que em todo homem liberdade e necessidade se entrelaçam uma à outra, e que mesmo o membro mais insignificante de um grupo social leva em si um brilho, por mais ínfimo que seja, do x da liberdade: “Ainda que cada aporte eja minúsculo e inacessível para o pesquisador, sua soma não é por isso negligenciável, e uma escala de membros intermediários nhnitamente numerosos se ergue do último dos homens da horda Jti. n crói cxtr aord iná no” .,9K Na sequên cia, vol ta a este mote: Dor
G á " l ,J,J l 1
C f 20 0 4. 4. >7 >7 D 4 i Studies, Studies, 20
ue ln Éerits d'esthétiq„e ( P o i "
crt ,
Gundoif,
0
, ° a‘ em em a° a° P ° r , " n C hu h u se se v, v, l l e G rraa ss ss et et, 1 93 93 2. 2. S , < nn nn ir ir *,*, rv rv L u' u' h er er . G o e th th e , N i et et zs zs c he he " , T h e J o u m a l o f N i e t z s c h t
O d r a m a d a uberdade
“Toda vida humana, mesmo a mais modesta, possui seu próprio valor autónomo não apenas diante de Deus, mas também diante da históna: ainda que não seja mais do que uma onda, ou mesmo uma gotícula, no fluxo do tempo”.199Estamos longe do Kõtming ou cannig, o homem extraordinariamente capaz de controlar o devir caótico e imprevisível, que obsedava Carlyle. De agora em diante, a vida histórica não é mais encarada como uma massa informe, mas como um fluxo perpétuo de formas e de figuras firmes e defmíveis, resultante de personalidades múltiplas e mesmo infinitas. Con vencid os de que a históna é o produto de individu individualid alidades ades únicas e irredutíveis, cada uma gozando da própria estrutura e da própria onginalidade imediata, muitos historiadores alemães estimam que o mundo histórico não é governado por um destino inelutável que exclui toda latitude de pensamento e de ação, “mas uma tarefa para para a realização da qual somo s chamado s a colabo rar . Po r cert o, o ser humano está impregnado de história: nasce no seio de uma família, família, de um po vo , de uma linguagem, de um Estado , e uma religião, e assim por diante. Como r e c o r d a Joh ann Gustav Dro ysen, “sem se aperceber, ele se apropria e interioriza o que encontrou l-.-J, funde-o a tal ponto com seu próprio ser que o utiliza de maneira imediat imediataa do mesmo m odo co mo dispõe dos órgãos e niem niem ros e seu seu corpo” .20 .202 Mas con hece a liberdade. liberdade. Está em condi çoes de se se colocar questões, de pensar, de tomar decisões, de agir, de insistir. Cessa de ser um objeto passivo e se toma sujeito do mundo. [...1 por pequena e embrionária que seja de início, a torça do espa nto se afirma afirma nos nos homens homens e, com ela, ela, uma progr essã ofic ada do poder e do qu erer, da liberdade e da responsabilida responsabilidade. de. [ - ] O indivíduo [...] não está sempre ligado à própna cspjecíe mas é livre; não é simplesmente determinado e modelado de um
" F n e d n c h M e i n e c k e , E r l e b l e s , 1 8 6 2 1 9 0 1 . in Au tob iog rap his che Sch rifte n. Eberhard Kess , n. Ed. por Eberhard Stuttgar Stuttgart, t, Koehler Verlag, 19 69, 1964. p. 3. n F n e d n ch ch M e i n e c k e . K,assizismUs. Row n.izis mu s his.orisc his.orisches hes De*ken (1936), ,n Z u r U e o r i e ,W Philospbie der GesMclue, GesMclue, Ed. por Eberhard Kessel. Stuttgart. Koehler
O DRAMA DA UBERDAD UBERDADEE
O P E Q UE UE N O X - D a BIOGRAFIA À HISTÓRIA
vez por todas, mas determina ele próprio e continua a formar; retroage, pela força de sua livre personalidade, sobre a univer salidade, tendo sobre esta um poder que pode se elevar a ponto de a controlar e transformar plenamente.203
No plano político, essa sensibilidade à riqueza das originalidades individuais não é neutra. De início, foi associada ao impulso nacional: as particularidades dos povos permitem descobrir as características pessoai pessoais. s. Wilhelm Von Hu mbol dt recor dav a assim que a naçã naçãoo é também um indivíduo, e o indivíduo singular um indivíduo do indivíduo”.'1”4Ch egava ao pon to de falar de biografia da nação, en en quanto Ranke exaltava a ação enérgica de certos povos e Estados. Num momento em que numerosos historiadores estavam engajados na construção da nação alemã, a defesa das individualidades reveste um valor essencial.Meinecke relata que, após 1806, ano da derrota de Iena, o destino da nação parecia estreitamente ligado ao desenvol vimento da personalidade: “Não é que se imaginasse poder criar uma personalidade pelo viés do Estado. Desejava-se apenas criar a possi bilidade para cada um de se tomar uma personalidade, liberando-o dos entraves de um mundo h i s t ó r i c o antiquado, o f e r e c e n d o l h e novas tormas de ação e remetendo-se quanto ao resto ao impulso do espínto ’.^<,7 Em seguida, com o tem po, o atra tivo da i n d i v i d u a l i d a d e sc alimentou sobretudo da nostalgia por esses primeiros decénios tao tumultuosos. Após a guerra com a França e o advento do Reich, em 1871, as relações entre a história e a política se tomam mais complicadas. As dúvidas se multiplicam. Na esteira de Nietzsche, Max Weber se pergunta em 1919: ainda é possível fazer de sua vida uma obra de arte?208 Em outros termos, Go ethe ainda poderia se tom ar Goethe? “ íf cid. . p. 18. “ W i l h e lm lm V o n H u m b o l d t.t. ConsiJcratíons sur l'histoire mondiale mondiale ( 1 8 1 4 ) , i n La íâche dc I Instorien. traduzido do alemão por Annete Disselkainp e André Laks, Lille, Presses U m v e n i t a i r c s de LiUe, 1985, p. 53. “ L e o po po l d V on on R a n k e , Vorlesungseinleitungen. in A m We rk im i m i N a c h l a ss ss , E , E d . p o r V o l k e r t H> H> “ « v , o : h e Walther Peter Peter Fuchs. Fuchs. Mum queViena, Oldenbou rg Verlag, 1975, p. 28029 4. C í
An “Fk um homem” de Erfurt, um século antes. i Estamos bem .long e meno r mais esténl, talvez não -Uvez a modernidade modernidade tome o que é certo rest restee aos aos contemp orâneos senao v / mais mais difíci difícil.2 l.2009 De é que o process o de indivi uaçao P“ Guerra Mundial, mais fp 0T d e PX
, inexorav inexoravetae etaente nte desd desdmí mído do pela pela lôPca utU utU.tan .tanst sta: a: O empreende*,,^moderno, empreende*,,^moderno, o
hoje incomparavelm ente mais nco de personalidades, personalidades, em comparaçao co das classes supeno res tal com o esta ap
sociedade sociedade nobilián nobiliánaa ^ Wilhelm Meister facllmente
de Goethe. Mas, ao mesmo tempo, esse tipo su
o singular e o individual puro. II A batalha travada pelos hi st ona£ * ■ ^ visava a amalgamar uma plur 1 a , Longa e penosa: o passad passadoo tem algo de uma com da e o ora se enganam terreno terreno está está abandonado, ora os corre o r ^ confundem com um de caminh o, ora perd em * chega a transpor a linha de pedaço de pau qualq uer... Ne n g s a esses esses obstáculos, chegada chegada.. Mas pou co importa, ej u . tempos em essa essass largad largadas as queimadas, esses esses e d u tj tempos tempos nos encontra mos diante Herder filósofo filósofo O pn pn m e i ro a se lan ça r foi Jo h a n n ^ « ^ o n a d o r . da linguagem, poeta e pastor luteran° ’ feita feita em 1769, de Riga No curso de uma longa viagem Pe ° diferenças diferenças naciona is,'" a Nantes, Herder começa a refletir sobre as diferenç
O DRAMA DA UBERDAD UBERDADEE
O P E GU GU B M O X - D a BIOGRAFIA À HISTÓdlA
E é sem medir suas palavras que exprime, quatro anos mais tarde, sua contrariedade para com todo excesso de síntese: Ninguém no mundo sente mais do que eu a fraqueza das ca racterísticas gerais. Pinta-se um povo inteiro, um período, toda uma região - quem foi pintado? Ag rupa m-se pov os e perío períodos dos que se se sucedem sucedem opond o-os sem fim com o as ondas ondas do m ar -o que foi pintado? A quem se aplica a pintura das palavras? No fim das contas, apenas se os agrupa num termo genérico que não significa nada e sob o qual cada um pensa e sente o que quer —meio imperfeito de descrição!212
Vinte anos mais tarde, insistirá nisso de novo: “O temor me toma quando escuto alguém caracterizar em algumas palavras uma nação inteira ou todo um período; que enorme soma de diversidades guardam, com efeito, palavras tais como ‘nação’ ou os ‘séculos da Idade Idade Média , ou ainda a época antiga ou mo der na” .21 .213 Apóstolo Apóstolo da diversidade, Herder acusa o século XVIII, tão esclarecido, de ter atribuído um valor absoluto ao gosto de seu tempo e de tê-lo imposto rudem ente às épocas pre ced ent es.214 Vo ltai re e os filósofos filósofos de oficio mediram o despotismo ou o sentimento religioso que rei navam no oriente com a régua dos conceitos do mundo europeu: Admitamos que os mensageiros de Deus, se aparecessem agora, seriam impostores e patifes: não vês que era totalmente diferente o espirito daquele tempo, desse estágio da humanidade?”. Até mesmo Johann Joa chim Win ckel mann , o grande int érpr ete da ar te antiga, antiga, a andona-se a uma visão visão anti-hi stór ica, ao avaliar as obras egípcias egípcias segundo ns cânones da arte grega e, “por conseguinte, descreve-as negativamente muito bem, mas tão pouco de acordo com sua na tureza e a maneira de ser que lhes é própna”.215
j o h a n n C . ot ot tftf H ed ed H e r d er er . r n r au,re pl„losoph,r df f df f w
<
p
ta d o p o r F n e d n c h M e i n e c k e . D i e Emtehung d „ ^ s l o r ú m u ^ ^ ^ n l4uKK""Utsbr’efF < l4uKK""Utsbr’efF <11 7 9 4 ) . c i ta
O desenvolvimento, o crescimento (Fortgang) de que fàla Herder, nada tem a ver com o conceito de progresso ( Fortschritt), no sentido de um processo único, universal, que tendena para a luz, que seria feito de momentos mais antigos, mais selvagens, selvagens, e de mom entos mais mais recentes, mais civis. Trata-se, ao contrário, de um processo mútuo, fundado em múltiplas fontes de energia, já que o bem está disseminado pelo mundo e jamais se fixou numa única forma de humanidade, num só país: Aqui também, a boa mãe tudo proveu. Colocou nos corações disposições à diversidade, mas tomou cada uma destas tão pouco premente por si só que, desde que apenas algumas sejam satisfeitas, a alma se cria logo um concerto com a ajuda destes sons que fo ram assim assim despertados e não sente aqueles que não o foram a não ser na medida em que, mudos e obscuros, apoiam o canto que raciocina. Pôs-nos disposições à diversidade no coração, e uma parte dessa diversidade à mão ao nosso redor.
Assim como Justus Mõser, autor das Patriotische Patriotische Phantasien, Herder estima que os homens partilham muitos pensamentos e gestos, mas o que importa verdadeiramente, o que os toma humanos, é justamente o que não têm em comum com todos os outros, o que os individualiza: Todo o caminho que percorre a civilização e a cultura sobre nossa terra, c om seus zigue-zagues, seus ocos irregulares, jamais evoca uma corrente tranquila, mas antes uma cascata de mon tanha e é a isso que conduzem as paixões dos homens [...] as gerações se renovam e, no entanto, a despeito de todos os P11^ cípios lineares da tradição, cada cnança escreve a seu modo.
Entretanto, aqui Herder se interessa mais pela individualidade das grandes forças coletivas (o gênio do povo ou o espírito da civilização do que pelas personalidades individuais.2IKNo coração da narração, sempre infinitamente animada em seus menores detalhes, de Uma oirtr filosofia da história, destaca-se a diversidade dos estilos nacionais.
O DRAMA DA UBERDAD UBERDADEE
O PEQUENO X - D a BIOGRAFIA À HISTÔftlA
caminhos percomdos pelos povos, depositários de diversas ideias de humanidade, quando muito escandidas uma após a outra: primeiro os onentais, os egípcios, os gregos, os romanos... A seguir, quando o sul não foi mais do que um despojo esgotado que jazia em seu sangue, veio o homem do Norte... E assim por diante: a unidade individual distintiva não é em Herder a pessoa, mas o povo, das Volk\ ela exprime um pertencimento fundado no solo e na língua.21,1Sabe-se: a atenção a tudo o que é originário e autóctone alimenta também nele uma mixofobia- exacerbada. Sempre exalta ndo as culturas individua individuais is (in (in diana, chinesa, escandinava, judaica), Herder brada contra os grandes nivelado niveladores res - Cesar, Carlos Magno, os cruzados, os construtores construtores do do Império britânico, os missionários destruidores das culturas originais. O espectro da contaminação está bem presente: “Orientais, gregos, romanos existiram apenas uma vez, e deviam tocar a corrente eletnca estendida pelo destino somente num ponto, num só lugar! E nos, por conseguinte, se queremos ser ao mesmo tempo orientais, gregos, romanos, estamos certos de não sermos nada”.221
Vários an anos de dep oi ois , em em d oi ois en ensaios in in “ b ad ad °\ °\ C° C° ; y ^ ^ St“ as universal H u m b o l d t repro cha a Fich te, a Schelling, g , também também á Kant. prop otem uma imagem abstra abstrata ta do homem e terem mortificado a história, ou, no mímmo, o sentido histonco. E por essa essa razão que op õe à filosofia da históna , que tende a reconduzir . um únlco p0 nto de vista os acontecimen tos particular particulares es da histona histona mundial que se apresentam de maneira fragmentada e aparentemente necessidade” necessidade” 224 uma física da históna, pre ocupada co m os homen t r « ao ^ 0 » Po — a comparação entre o devir histórico e o, fluxos da natureza. Os destinos da espécie
humana seguem em frente como as
opnmidos,S aniqui aniquilam lam e são são extermin ada■* * * S S g S considerada do ponto de visu do tempo que e^quele e^ q ^
S
r r e s is is ™ ? _ somos tomados, é um arrastao , rr são i n te te n çõ çõ es es r u m in adas p or or a guns p ^
A riqueza do indivíduo entra verdadeiramente em cena com outro historiador particularmente atento à língua: Wilhelm Von Humboldt. Desde 1791, ele nota que, no mund o do saber, saber, só o conhecimento do indivíduo aproxima da verdade. Para apreender a verdade do passado, é preciso portanto “identificar-se, por assim di2er, com a natureza de todo ser vivo, representando-o não apenas em sua aparência, mas mas na na maneira como ele se sente em si mesmo ■ lordu de l'humam té Romúttlisme, nalwna lisme, totahtarisme (1 990) , craduzido luuh llcrliti U Bois lordu craduzido do meles meles pi pi rM afct! Thym Wo . I^m . Albm Mi,hei, 1V>2 Vi
Medo de se misturar”. (N.T ) 31 Johann Gottfhed Herder, Une autre ph,losoph,c de 1’histoire, op. al„ p. 133134.
faz
^
^
de anos da
e emprestada emprestadass a um s' r es,r“ es,r“ ^ 'j ° ve reconhecer reconhecer na histón histónaa n at at ur ur ez ez a e d a h um um an an id id ad ad e 9 U , r ec ec on on he he ci ci do do atr aamundial. mundial. Entretanto, co mo o todo so pod«_«r reco vés do particular, d evemos estudar as as naçoes e os m l,
Por certo, certo, Humboldt Humboldt reconh“ ' “ __ _ Wmr Wmr ^ comuns, evocados ___ por Kantem em sua suaobra o sodic a ^ histón históna.2 a.22" O ser humano, considerado considerado sobrem ^^ ^ como massa, atém -se a cert a uni fomn a . Qa Se exam inaturez naturezaa abarca igualmente o caráter mora f itos _ Como namos namos em série acon tecim entos aparentemen 'timos ou os os casamentos, os falecimentos , os nascimento explicáveis explicáveis delito delitoss identificamos regulandades surp^ surp^ee" ^ existe também unicamente pelo fato de que, nas ações os ° de acordo uma componente natural que se manifesta ciclicamente, de
O
PEQUENO x
- Da
biografia A história
com leis uniformes: “A espécie humana é uma planta natural, como a especie dos leões e dos elefantes; suas diferentes etnias e nações são produtos naturais, como as raças de cavalos árabes e islandeses”.227O mesmo acontece com certos aspectos importantes da vida histórica: Na maior parte dos povos, o crescimento e a ruína deixam perceber um movimento praticamente uniforme; quando se considera o estado do mundo imediatamente após o fim da segunda guerra púnica e o caráter dos romanos, a dominação mundial de Roma se deixa deduzir passo a passo com uma 228 necessidade quase perfeita . 228
Mas a históna não é apenas um produto da natureza. É igualmente dominada pela potência criadora do caráter humano: o indivíduo, insondável e autónomo, está na ongem de sua atividade e [...] não é explicável por nenhuma das influências que sofre (pois, antes, determina-as todas por sua reação). Mesmo se a matéria da ação é idêntica, a forma individual a toma diferente, de acordo com a facilidade ou o esforço, se a força é apenas suficiente ou desbordante, e todas as pequenas d e t e r m i n a ç õ e s , impossíveis de nomear, que constituem o selo da i n d i v i d u a lidade, e que percebemos a cada instante da vida cotidiana.21’
outra forma, a natureza é incessantemente modificada, por de h mesm°íi^e maneira imprevisível e des con hec ida, pela atividaatividainHi inHiv'rl v'rl 3na/ 3na/ _x’ste um mo me nto de pro cri açã o moral , em que o çrr ° na^a° ° u Pessoa singular) se torna o que deve ser, não D o r çrr em S i S T Subl ubltame tamen nte e só lance lance”, ”, escr escrev evee H u m b o l d t em 181 4. 3 E quatro quatro anos anos mais mais tarde: tarde: Q
[a conex ão] toca no domín io da liberdade, todo cálculo cálculo rrompe, a novidade e o inaudito p odem surgir subitam subitamente ente ^ um grande grande espír espírito ito ou de uma vontade potente, que só podem podem J ga os num quadro ext rem am ent e a mpl o e de aco rdo com
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
um cntério totalmente diferente. É esta a parte da históna mundial que pode mos pro priamente chamar bela e entusias entusiasmante, mante, porque é domin ada pela força criadora do caráter humano .23 .231
Basta que um espírito forte, dominado, mais ou menos consciente mente, por uma grande ideia, medite sobre um material suscetível de tomar forma, para que o resultado seja aparentado à ideia e seja por conseguinte estranho ao curso habitual das coisas. E, quando fala da atividade humana, Humboldt não pensa apenas nas ações realizadas por grandes homens: “E inegável que a atividade do gê nio e da paixão profunda pertence a uma ordem de coisas diferente daquela do curso mecânico da natureza; mas, a rigor, este é o caso de toda emanação da individualidade humana”.232 Em face da violência da história filosófica, sempre pronta a nos recordar o caráter global e necessário do processo histórico, Humboldt introduz dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, a dimensão ética da história. Ela nada tem de moral: não deve ofe recer exemplos a seguir ou recusar, não servindo esses para nada ou podendo mesmo ter um efeito enganador. Mas é ética, uma vez que desvela o drama da liberdade: “O elemento em que se move a história é o sentido da realidade (das Sitmfur Wirkhchkeit), que inclui o sentimento da fugacidade da existência no tempo, aquele de uma dependência das causas antecedentes e concomitantes, mas também, ao contrário, a consciência da liberdade espiritual interior e o co nhecimento racional de que a realidade, a despeito de sua aparente contingência, está bem ligada por uma necessidade interior Ao mesmo tempo, Humboldt nos recorda que o todo do historiador não corresponde ao conceito de uma totalidade ideal, não é único nem reconciliado, mas antes múltiplo, cheio de vida, conflituoso, feito de diferenças e de contrastes. Como escrevera em ^792, a modernidade faz explodir em mil fragmentos a integridade
O
PEQUENO
x - Da
biografia à história
Ao contrário, diferentemente de muitos de seus contemporâneos, abalados pelos acontecimentos sociais e políticos que assinalam a pas sagem sagem do do século século XVI II ao X IX , Hum boldt está convencid o de de que a principal aposta da modernidade reside justamente na possibilidade de passar passar de uma unidade originária a um a m ultiplici dade.234 Onze Onze anos mais tarde, numa carta ao diplomata sueco Karl Gustav von Bnnckmann, formula essa intuição numa expressão deslumbrante, quando diz se sentir “arrastado não para o U m , que seria o tod todo, o, um novo conceito erróneo, mas para uma unidade no seio da qual se misturam todas as concepções do homem, todas as oposições entre a unidade unidade e a pluralidade”.235 pluralidade”.235 Ra nk e r eto ma o tema por sua vez: para ele, a história se opõe ao conceito, para o qual a variabi lidade é dispersiva, enquanto ela se esforça por fazer justiça até às oposições. oposições. Ao que Droysen acrescenta que, no mundo histór histórico ico,, o que move não são as analogias, mas as anomalias.237 Mas como dar conta de toda a pluralidade do passado? Tal é a questão mais radical que propõe no célebre discurso sobre a tarefa do historiador p r o n u n c i a d a em 12 de abril de 1821, na Academia de Berlim. A exemplo de Carlyle, Humboldt está dividido entre a admiração e o temor diante do caráter inesgotável da história: Infinito é o formigamento prodigioso do que advém no mundo e nele se comprime, em parte provocado pela constituição dos solos, a natureza da humanidade, o caráter das nações e dos indivíduos, e em parte surgido como do nada, miraculosamente semeado, dependendo das forças de que não temos mais do que uma intuição obscura, e submetido à dominação de Ideias eter nas e profundamente enraizadas no peito do homem: infinito que o espírito não pode jamais reconduzir a uma forma única."
Gesammelte
‘ 1'P 2Í5_2H1;
',f‘ il,rrtu "u ‘‘»d desgriechschen insbesondere insbesondere (17 93) , >■ >■'
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
Eis porque nada é tão raro quanto uma narração efetivamente ver dadeira: “Ainda que a verdade do que se produziu pareça uma coisa simple simples, s, não se po deria pensar nada de mais alto” .23 .239 Do passado, passado, jamais jamais percebem os mais do que alguns fragmentos, destacados, isola dos: “O que se produziu só é visível em parte no mundo sensível, o resto resto deve deve ser sentido, c onc luíd o, e me smo adivinhado .24 .24° Por trás trás da ossatura do acontecimento, por trás do laço exterior e aparente que amarra cada um dos elementos, existe um resto e é esse resto que é verdadeiramente essencial, incontomável, já que é ele que liga todos os fragmentos e dá uma forma ao todo. Quando nos encontramos no coração desse labirinto que é o passado, é preciso tentar dar forma aos acontecimentos e religá-los entre si: “A verdade de todo acontecimento se funda na integração produzida produzida pela parte invisível de cada fato . Desse ponto de vista, vista, além além de sua sua capacidade rece ptiva, o historiador possui possui uma ativida de autónoma, e mesmo criadora, não que produza o que não existe, mas [...] dá forma, com suas próprias forças, àquilo que não podena perceb er tal co m o rea lmen te é pela pela simples receptividade . Alguns anos mais tarde, Droysen se expressará, também ele, neste sentido: “Trata-se de reconhecer, nesses elementos subsistentes, as totalidades espirituais de que eram a expressão, de projetá-los, como se se tratasse de curvas, de fragmentos de círculo, sobre seu centro e vê-los em seu conjunto a partir desse centro que lhes é próprio”. 242 Está aí um gesto difícil e arriscado, mas inevitável: inevitável: se o fazemos, corremos o risco de nos enganar, mas, não o fazendo, estamos certos de nos enganar. Para além da metáfora, a história é uma atividade morfológica, fundada num duplo movimento, reconstituir de maneira imparcial e crítica dado elemento singular e, ao ao mesmo tem po, captar seu encadeamento profundo. Humboldt compreende, depois de Schleiermacher e antes de Dilthey, a relação circular circular que que existe entr e as partes e o todo: A inteligência inteligência integra integra
O
PEQUENO x
- Da
biografia a história
está compreendido”.243 Se nos limitamos à análise de cada parte, produzimos imagens deformadas, verdadeiras em aparência, mas destituídas de seu sopro vital: “Um historiador digno desse nome deve expor cada acontecimento como parte de um todo, ou, o que dá no mesmo, expor através de cada um a forma da história em geral z*4 Sob esse esse aspecto, o hist oria dor está na mesma posiç posição ão que o pintor. Com uma desvantagem, entretanto, como recordará Droysen: enquanto o pintor tem sob os olhos o protótipo, o histo riador se assemelha a um artista que deve pintar um retrato ou uma paisagem de memória. Com base nos relatos dos outros.245 Para transformar os fragmentos esparsos numa totalidade, para encontrar a verdade da forma, a observação imediata não basta. É preciso, para Humboldt, imaginação: Os acontecimentos da história, ainda mais do que os fenó menos do mundo sensível, estão longe de se prestarem a uma leitura direta; sua compreensão é o produto de uma unificação entre seu modo de ser e o sentido que o observador traz de acréscimo, e, como em arte, nem tudo neles se deixa deduzir logicamente por uma simples operação do entendimento, ou se analisar em conceitos. Não se compreende o que é justo, sutil ou dissimilado a não ser que o espírito se encontre numa justa disposição para o compreender.24'’
O que nào significa, de modo algum, que possamos ou devamos inventar o que que teve lugar. Isso soment e q uer dizer - mas é um um somente que está está longe de ser simples” - que a compreensão passad passadoo requer essa essa imagi nação para a verd ade do real” , d '1 ^ a^lreit ^cs ^cs Rea len, de que falará Goethe quatro anos ^fiT ^fiTT^ T^rí rí C j 0 historiador deve ampliar ampliar o máxi mo possível seu seu eu, eu, _e sc weixar weixar p enetrar pelas pelas realidades passadas: passadas: ele se desin- tanto mais mais perfeitamente de sua sua tarefa tarefa quant o mais deixa agir agir
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
sua sua human idade.248 idade.248 C o m o o artista, realiza uma obra de imitaç ão e busca, ele também, a verdade profunda, obscurecida pela realidade fenomenal. Mas seu desígnio é totalmente diferente. Em vez de se elevar acima da realidade, mergulha nela: assim subordinada, a Phantasie “não age como imaginação pura, e se nomeia portanto mais justamente intu ição e talento de coordenação .24 .249 No curso desse mergulho no passado, o historiador visa à ideia. Por trás dos fatores estruturais (seja de ordem mecânica, seja de ordem biológica), que dessecam a vida histórica, e por trás das paixões humanas, que reduzem a tragédia da história a um drama da vida cotidiana, há sempre a força imprevisível da ideia. Esta se exterioriza como um prodígio (“une ein Wunder ).2i" Estão aí pro posições muito complexas que, ao longo dos decénios seguintes, favoreceram uma leitura idealista do célebre discurso de 1821. o próprio Wilhelm Dilthey falará de visão antiquada, ainda ligada a uma abordagem metafísica. Esse julgamento me parece excessiva mente severo. Não há dúvida de que, para Humboldt, a ideia é a parte mais viva e mais durável da realidade, aquela que se situa fora do círculo do finito. Como escreve desde 1814: A humanidade só pode viver e agir no seio de uma natureza inteiramente corporal em sua manifestação, e leva em si mesma uma parte dessa natureza. O espírito, que a domina, sobrevive ao indivíduo singular, e o mais importante na históna mundial é portanto a observação desse espínto que perdura, toma tormas diversas, e muitas vezes desaparece novamente.
Sua concepção da ideia é, no entanto, bem menos idealista do que parece à primeira vista. Ele mesmo o diz, incidentalmente, quando declara que a ideia não provém do exterior, não precede a vi a, mas que se trata de uma força profundamente enraizada no seio do homem, que se revela no coração dos acontecimentos. E p isso que o momento inicial, no curso do qual se manifesta o novo,
O
P E Q U EN EN O x -
Da
biografia A história
reveste uma importância crucial. Porque estima que os grandes acontecimentos não aparecem gradualmente, e sim sob a forma de súbitos impulsos criativos, Humboldt visa sobretudo à ideia em estado nascente, sua primeira fagulha: “O oficio do historiador con siste, em sua determinação última, que é também a mais simples, em expor como uma Ideia tende a ganhar existência na realidade”.252
IV O elemento em que evolui a história é o sentido da realida de, diz Humboldt. Johann Gustav Droysen, autor da História de Ale xand re, o Gra nde (1833) e da História do helenismo (1836-1843), retoma a fórmula colocando-a no plural: a história deve reavivar e alimentar o sentido das realidades. Por ocasião do Historik, curso sobre o método histórico que ficou célebre, proferido dezoito vezes entre 1857 e 1882, diante de seus estudantes de Iena e de Berlim, Droysen sublinha reiteradas vezes o caráter antropomórfico de sua reflexão. reflexão. ^ Para ele, ele, a históna históna só existe em presença do ser humano, humano, que chega, através de seus tormentos, a escolhas: Pode-se dizer que cada grão de trigo é [histórico], uma vez que contém idealmente toda a vida da planta; o mesmo se dá para cada pedra, uma vez que resulta de uma multiplicidade de momentos físicos, químicos, telúricos, que nela se perfizeram. Não existe ente que não tenha seu devir, sua história. É, consequentemente, totalmente normal que se fale de história natural, de história evolutiva do animal, da planta, da doença, etc. Mas uma sensação imediata nos diz que não é a história no sentido em que a enten demos, que a pedra e o grão de trigo têm é claro uma história, mas sem memória nem esperança, sem consc iência; uma histór história ia que só podemos chamar história metaforicamente, pois se trata de um processo essencialmente marginal, uma simples sucessão de mutações exteriores, desprovidas de um eu.254
O DRAMA DA LIBERDAD LIBERDADEE
Diferentemente da planta e do animal, o ser humano não é simples mente um exemplar de sua espécie, porque está escrita em sua essência a capacidade de começar e de desviar: “Ele não tem apenas uma vida marginal na natureza, mas é, por assim dizer, um novo início”.255 Trata-se de uma singularidade, de um “impulso infinito para ser eu”, capaz de cultivar sua diversidade: “Ele constrói seu corpo físico segundo as leis da natureza, [...] mas a parte mais tênue, seu corpo morfológico, ético, ele o constrói a partir da essência que está nele, ou melhor, que não está, mas que devém e quer incessantemente devir devir”.2 ”.2556 Por um tr abalho sustentado e progressivo, ele encontra a força, não sem dor, de escolher: “Todo seu ser evolui no quadro das relações éticas”. Esse impulso do querer é comum a todos, concerne ao eu de um pensador ou de um artista tanto quanto àquele “de um negro inculto ou de um indolente copta (kopthen)”.257 O que interessa Droysen é justamente esse tipo de forma (.Fonngebung) individual: As cores, o pincel, a tela de que se servia Rafael, eram feitos de matérias que ele próprio não havia criado: aprendera com tal ou tal pintor, desenhando e pintando, a utilizar esse material; a representação da Virgem, dos santos, dos anjos, encontrava-a na tradição da Igreja; tal monastério encomendava-lhe uma imagem em troca de uma justa retribuição; mas, segundo a fórmula A = a + x, o mérito de que nessa ocasião, a partir destas condições materiais e técnicas, sobre a base de tais tradições e de tais ideias, tenha vindo à luz a [Madona] Sistina recai sobre o infinitamente pequeno x. E é sempre assim.
Embora infinitamente pequeno, o x é fundamental, já que é ele rçue dá à história seu movimento: Mesmo se as estatísticas indicam que num país dado nascem numerosos filhos ilegítimos, se na fórmula A a + x o a com preende todos os momentos que explicam como, entre mil
O
PEQUENO x
- Da
biografia à história
a ideia de que a lei estatística “explica” seu caso; nos remorsos das noites passadas a chorar, algumas delas convirão em seu mais íntimo que na fórmula A = a + x, o infinitamente pequeno x tem um peso desmesurado, que abarca todo o valor moral da pessoa humana, isto é, seu único valor.258
Atento ao caráter voluntário da vida humana, Droysen recusa toda conotação objetiva do povo e, especialmente, aquela que se refere à raça: a transferência de critérios exteriores à etnografia e à história foi para ele uma das piores aplicações do método das ciências da natureza, natureza, e foi particularmente noc iva e m seus efeitos .25 .259 Droysen não podia imaginar o que adviria, em nome do índice cefálico, alguns decénios mais tarde. Mas observa que repertonar três, cinco, sete raças diferentes, repartindo-as segundo a forma da cabeça (dolicocéfala, braquicéfala, etc.), não faz sentido algum, já que existem mil variantes e formas intermediárias. Sem contar, recorda ainda, que cada povo se transforma no tempo: sua essência não é um fato natural, originário, mas o produto de mediações sociais e políticas. E por isso que “o que veio a ser [e foi produzido] historicamente se toma uma natureza inata dos homens”. Assim, os judeus “não são, mas apenas se tomam algo de naturalmente unitário”: “O desejo da unidade é um resultado histórico e, uma vez presente enquanto resultado histórico, compreende e abarca todos aqueles que dele fazem parte com toda a força da determinação natural”.26" Também nesse caso, a identidade do povo consiste na consciência, no desejo de unidade, seja lá de que natureza for. É evidente aos olhos de todos que um povo tem bem pouco de originário e nada de intan gível, e que se trata de uma estratificação histórica: “O que poderia convencer os Magiares da Hungria e os habitantes da Venécia a se desfazerem de seu caráter popular para ajudar a construir um novo povo imperial austríaco? Eles têm em seu caráter popular certo te souro, mesmo se a perspectiva neoaustríaca está à espreita, ansiosa para se desdobrar como sempre está o novo. Tanto melhor para
O D R AM AM A
da uberdade
mesmos para um novo impulso vital; se não fosse assim, esgotariam suas últimas últimas forças na batalha contr a o n ov o” .26 .261 Ademais, o próprio conceito de origem lhe parece suspeito, especialmente quando se crê encontrar na origem a essência da coisa, o núcleo vital decisivo de um povo ou de uma religião. Mas o que é o último e o mais intemo? De fato, o começo não é mais que uma abstração: “Não é apenas um começo, mas ao mesmo tempo o fim e a conclusão de uma série de mediações”. Na história, assim como na biografia, nada jamais começa de nada, cada novo nascimento amalgama resíduos e fragmentos precedentes: “Se quiséssemos observar a vida de um homem, de Napoleão, de Goethe, sua primeira obra, sua juventude, mesmo seu nascimento seria um início muito relativo; ele vive já no ventre matemo sua história embrionária, a saber, uma quantidade de influxos que são, é claro, inconscientes”.262 Desejoso ele também, como Humboldt, de defender o direito de cada um a criar, Droysen superpõe os conceitos de ético e de histórico: A geologia ensina como, por imensas convulsões, tudo agiu na direção de uma individualização da massa planetária inerte do corpo terrestre a partir do movimento sideral [...] A história é, por assim dizer, a continuação amplificada desse processo, não é mais do que uma nova, uma mais intensa oxidação, de certa torma a ferrugem nobre (aerugo nobilis ) da superfície terrestre; recobre essa superfície com um estrato espiritual e ético, grava nela a marca do ser humano consciente.263
Mas superposição não significa coincidência. Sendo um prodigioso encavalamento de casos, de situações, de interesses, de conflitos, 0 mundo ético pode ser considerado a partir de vários pontos de vista diferentes: técnico, prático, moral, etc. A história o apreende ern seu devir, em seu impulso, em seu movimento: "Ela concebe os fenómenos do mundo ético seguindo seu ter-se-tomado; propõe-lhes, amda que presentes hic et nunc, o olhar retrospectivo graças ao qual
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
O PEQUENO X - D a BOGUAFIA À HISTÓRIA
de inevitabilidade histórica não tem sentido algum. Se a história quisesse verdadeiramente fazer valer que é preciso explicar o que é a partir do que foi, excluiria então a livre ação ética. Eis porque o historiador deve renunciar a explicar (erklàrerí) o passado: Não explicamos. A interpretação não é a explicação do que é subsequente a partir do que é antecedente, do que veio a ser como resultado necessário das condições históricas, mas a interpretação do que está presente, desatando e decompondo de certa forma esse material opaco em toda a riqueza de seus momentos, dos inumeráveis fios que se ligaram num nó que, por assim dizer, se reaviva e chega à palavra através da arte da interpretação.265
Podemos compreender porque em nós, os sucessores, encontram-se as mesmas categorias éticas e intelectuais que inspiraram as condutas conduta s humanas no passado. 2'’<' Mas não pode p ode mos mo s nem ne m explicar nem mesmo atingir os fàtos puros: “O fato que denominamos bata lha, congresso ou concílio, grande tratado de paz, não é de maneira alguma um fato, mas antes uma abstração pela qual a consideração humana resume uma quantidade quantidade de fatos” .267 Persuadidos de que a origina originalid lidade ade e a originariedade originariedade coincidem , Nieb uhr e R anke haviam haviam atribuido ao histonador a tarefa de encontrar a experiência primeira —a objetividade objetividade do fato -, dissolvendo dissolvendo os estratos sucessivos acumulados no curso do tempo. Trata-se para Droysen de uma concepção ingénua e acanhada do fato histórico: “Infatigável na ‘crítica das fontes’, [a escola cntica] acreditava poder chegar até os fatos puros”.26* Ele afasta a ideia de pesquisa objetiva em que vê apenas uma banalidade extraviadora: So o que é destituído de pensamento é efetivamente objetivo. A partir do momento em que o pensamento toca e abarca as coisas, estas cessam de ser objetivas. [...] Aqueles que veem - omo tarefa suprema do historiador o fato de nada acrescentar de pessoal, mas de dar simplesmente a palavra aos fatos, não se
dão conta de que os fatos não falam a não ser pela voz daqueles que os conceberam e compreenderam.2'’''
Observa igualmente que o caráter original da fonte não é forço samente uma garantia de verdade, a tal ponto que as falsificações históricas podem se tomar testemunhos extremamente preciosos: “A crítica [...] toma em certo sentido novamente autêntico o que foi reconhecido como inautêntico, o que quer dizer que ela lhe atnbui seu lugar, as relações que lhe cabem e no seio das quais ele assume toda sua significação”.270 Apesar de sua importância, a crítica das fontes não constitui, por tanto, a essência da pesquisa histórica: “É lá que me afasto cientemente do método hoje em voga entre meus confiades: eles o qualificam de mé todo todo crítico, enqua nto eu col oco oc o em primeiro primei ro plano a interpretação .* Com efeito, o material histórico é sempre, ao mesmo tempo, rico e lacunar demais: “Se colocássemos junto todas as memórias que é possível encontrar, todos os tratados e as correspondências da época napoleonica, não obteríamos nem mesmo uma imagem fotograficamente correta da época; o que encontramos nos arquivos não é a história, mas sao os negócios do Estado e da administração em sua desoladora extensão, que estão tão longe de ser história quanto algumas manchas de cores numa numa paleta paleta estão de form ar um quadro” .- " Com mais mais forte razao, razao, a ideia de que os fragmentos do passado sobreviveram em virtude de seu valor e de sua significação é uma ilusão, uma vez que os próprios processos de conservação são extremamente aleatórios. Desta forma, não podemos nos contentar em compreender a documentação, e-nos preciso pensar a partir da documentação."'1 M Ibid ., ., p. 218. t b i . p. 127. ^id., p. ^id., p. 1 1
O
PEQUENO
x - Da
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
b o g b a f i a à história
A esse respeito, Droysen afirma que o elemento singular só pode ser apreendido no momento em que é ultrapassado: “Nossa compreensão se endereça inicialmente ao elemento singular. Mas este é a expressão de uma totalidade que se nos torna compreensível justamente graças graças a ele, ele, enquanto exem plo; e nós a compreendemos na medida em que conseguimos atingir, a partir destas totalidades marginais, marginais, o centro determinante da totalidade” .27 .274 A exemplo exemplo de um profeta voltado para o passado (como o via Schelling), o historiador usa o fragmento para deixar filtrar um presságio do tod o.27 o.27í> E por essa razão que deve ren unc iar aos diferentes eus eus reais, imediatos, que povoaram o passado. Droysen imagina um ateliê onde gravadores, cinzeladores, soldadores trabalhariam em concerto na criação de uma escultura metálica e comenta que, querendo descrever o que cada um faz exatamente, não se obtém nenhum conhecimento efetivo da estátua que todos contribuem, no entanto, a construir. Isso equivale a postular que o eu empírico deve ser tratado como forma fenomenal do eu universal: se existe uma história “podendo legitimamente ser definida como história, [...] só pode ser aquela em que o eu universal se manifesta em seu devir”.27 devir”.276 Com o escreve abruptamente em Grundriss der Historik, a história se situa acima das histórias: “Tal casamento, tal obra de arte, tal Estado particular, são —respectivamente —para a ideia da família, do Belo e da potência o que o eu empírico efémero é para o eu em cujo elemento o filósofo pensa, o artista cria, o juiz julga, e o historiador conduz suas pesquisas. É este eu geral, o eu da hu manidade, que é o sujeito da históna”.277 Resolvido a defender a história contra as histórias, Droysen renega, nas últimas páginas do Historik, todas suas reflexões sobre a natureza multiforme do passado. O Homem universal se sobrepõe aos seres humanos, e a história é recentrada, uma vez ainda, sobre a ideia ideia de progresso: "O que importa, é a corr ent e das águas, a direção Joh an n Gu stav Dr oy sen . Historik. op. dt., p 2 8. m Ibid., p. 38. ’ essa essa optica. Droysen emprega o term o de microhistória e microhistória e a define como "a nucrologu C' m P 'tlueno ** grandes coisas e em grande as as pequenas; é o ripo de conside ração própna c ura, ura, que aceita aceita apreender apreender o que a concerne sem conexão com o que é elevado elevado c ^su prem o, e telo como importante pelo pelo simples simples fato fato de a concernir”.
da corrente, e não as massas deslocadas em tal ou tal momento, nem niesmo os bancos de areia. Não é portanto tal povo, tal país que conta [...], mas apenas aqueles que estão inseridos no movimento da histó história”.2 ria”.2778 Tr ata -se aí de um a virada maior que lhe permite, ent re outras coisas, manter a ilusão da preeminência histórica do mundo ocidental: “No plano etnográfico, é importante conhecer todos os povos e suas condições e, se o género humano fosse semelhante a qualquer outra espécie de criaturas, isso poderia bastar. Mas o gé nero humano tem sua essência no progresso, na história. A história é o conceito genérico da humanidade. E o movimento ascendente contínuo, o summwn que guia o processo, é inerente a esse conceito. Eis porque porque - se essa essa tautologia não nos repugna - reivindicamos reivindicamos a históna da civilização unicamente para os povos civis”.279
V Na virada virada do século X X , em pleno debate sobre o método histónco, o Met hode nstr eit, os pensamentos de Humboldt, de Ranke e de Droysen reencontram sua importância. Filósofos, sociólogos, economistas, historiadores se interrogam sobre o estatuto de suas disciplinas. Existe um só tipo de conhecimento? As ciências humanas devem se conformar ao modelo das ciências da natureza? Devem privilegiar o princípio de causalidade? E se as generalizações não fossem mais do que lugares-comuns? A polémica explode entre os historiadores em 1896, quando Karl Lamprecht, que acaba de terminar uma monumental Deutsche Geschichte, publica um artigo complexo em que assimila a história à psicologia aplicada, que estaria assim em condições de estabe lecer as leis gerais do devir.280 A intervenção mais notável, por sua riqueza, mas também por sua inoportunidade, é sem dúvida aquela de Eduard Meyer. Esse historiador é célebre sobretudo fora de sua disciplina por ter assinado, assim como o filólogo
P
^
Joh an n Gust av Dr oy sen , Préds de Théorie de VHistoire, op. dl., p. 86.
102
Joha nn Gus tav Dr oy se n, Historik, op. dt., p. 3 7 2 . m l b id id „ „ p . 3 8 0 3 8 1 . C'ff - Was ist ist Kultu rgesch ichte?” , op. dt. Qua nto à reflexão reflexão de Lamprecht, cf o capítulo O limiar biográfico".
103
O
PEQUENO X
- Da
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
b i o g r a f i a à HISTORIA
Ulrich von Wilamowitz-Moellendorff, o físico Max Planck e o filósofo Wilhelm Windeband, o Ma nife sto dos 93 que, em 4 de outubro de 1914, defendia a invasão alemã da Bélgica. Ele foi um dos mais ferventes e irredutíveis adoradores do Estado que a Alemanha produziu antes da grande catástrofe. Por estimar que o homem singular, postulado pela doutrina do direito natural e pelas doutrinas contratuais, é uma construção abstrata, afirma que a humanidade se constituiu em formas associativas desde a ongem. Em outros termos, na querela, política por definição, sobre a ongem do Estado, sustenta que esse não é uma construção histórica, mas prolonga uma forma originána e eterna da coletividade tividade humana.28 humana.281 A Primeira G uerra Mundial teria tido assi assim m o grande ménto de manifestar a centralidade absoluta do Estado e de obngar os seres humanos a finalmente sentirem na pele sua insignificância enquanto indivíduos...282 Mas Meyer é igualmente um grande antiquizante, um profundo admirador de Tucídides e o autor de uma obra notável, História da Antiguidade, 283 que, du rante os decénios precedentes, defendeu vigorosamente o valor da autonomia pessoal. Convidado à Universidade de Halle, em 14 de junho de 1902, pronuncia uma conferência em que critica Lamprecht por ultrajar a riqueza infinita da história: “As figuras vivas são suplantadas por pálidos fantasmas e vagas generalidades. Ainda que as novas fórmulas fossem escolhidas com primor e conseguissem evocar imagens mais precisas, ganharíamos bem pouco com isso, justamente porque elas devem deter-se naquilo que é mais geral, jamais podendo assim fazer justiça à infinita multiplicidade da vida”.284 Luigi Capogrossi Bolognesi,
Eduard Mey er e le teorie suH’origine suH’origine dello Sta to",
Quademi
Fiorenttni per la storia del pensiero giuridico, 1 9 8 4 , X I I I . p . 4 5 1 4 6 9 .
iihi"* iihi"* 3| ^°SI^*° P °*'Qca de Meyer, cf. Luc iano C anfora, Ideologie del classicismo, classicismo, Tunn, Einaudi, uciano Canfora, Innlettuali Innlettuali in Cerm ania ira reazione e rivoluzione, Ban, De Donato, 1979. A p p suo os constantes amálgamas entre históna históna e política, Francesco Bertolin i (“Eduard Meyer, uno stonco universale", Qnadcmi di storia, storia, 1991, 1991, X VII, 34, p. 165 182) sublinha que em 1 9 1 4 Meyer p ra a nmeira juerra Mundial à guerra ambaliana. sustentando que a Alemanha tem o mesmo pe q ol™ ^sua ^sua derrota significaria significaria o advento da da supremacia supremacia Continental da Rússia), enquanto rirfpnc
A “ ! .l0 nl j10' descre descreve ve a Alemanh Alemanhaa como Cartago e Paul von Hindenburg como o or o p ura ura ,smo ,smo de Estado em face do poder mundial, encarnado p elos Estados Unidos.
E GeuthlererÍ9 GeuthlererÍ9íI,2,0, íI,2,0,rf rf ^
t1884 ' 1902) "aduzid o do alemão por Maxim e Dav.d, Pans, Pans,
** Eduard Meyer, Zu, Theone und Methodik der C C eschichte, op. at, p. 12.
Para Meyer, a livre vontade {freie Wille) e o acaso ( ZUfall) assumem importância crucial.28’ Apesar do peso das circunstâncias extenores, os indivíduos estão livres para efetuar escolhas voluntá rias: “Na vida real imputamos a causa de nossas ações e daquelas de outrem a uma vontade que é, por certo, influenciada por reflexões, por disposições psíquicas, pela pressão dos outros, mas que não é menos menos livre em sua decis ão” .28 .286 A conquista da Ásia Ásia repousa sobre sobre uma decisão de Alexandre que Felipe ou Parmênio não teriam to mado, assim como a guerra dos Sete Anos e a de 1866 são o fruto da personalidade de Frederico II e de Bismarck: outras personalidades teriam procedido diversamente, e o curso da história teria tomado uma direção totalmente diferente. Ademais, existem milhares de exemplos concretos de incidentes fortuitos que marcaram o curso da históna e cujos efeitos ainda são constatados séculos mais tarde. O acas acasoo quis quis que os atentados contra Guilherme I e Bismarck fa fa lhassem e que aqueles contra Alexandre, Cesar ou Alexandre II da Rússia dessem certo; o mesmo sucede com Gustave Adolphe, morto no campo de batalha de Lútzen, enquanto outros valentes coman dantes escapavam; ou com Rafael e Schiller, mortos tão jovens, ao contráno de Michelangelo ou de Goethe. Em suma, [...] quem quer expulsar o acaso e o querer da história, ou rebai xá-los à categoria de elementos contingentes, não somente anula toda sua vitalidade florescente, [...] mas destrói completamente sua essência para substituí-la por fórmulas (como individualismo, ou economia natural e monetária, ou luta pela existência, ou luta de classes), às quais falta um conteúdo concreto.
Quando fala de acaso ou de liberdade, Meyer não pensa nem numa força metafísica nem numa substância mítica. Sua óptica e puramente lógica. A oposição entre liberdade e condicionamento causal não está enraizada nas coisas, mas depende dos pontos de vista. Assi Assim m como Goeth e, ele crê firmem ente que "nada acontece de imciona l que a razao razao ou o acaso não possam reconduzir à regra. Nada acontece de racional que a razão ou o acaso não possam fazer fazer desviar desviar”. ”. Cf. Johann Wo lgang G oethe, Ma xim en imd Reflexionen, op. cit., n. 70. p. 31 Eduard Meyer. Zur Th eone und M ethodik der Geschichte, Geschichte, op. cit, cit, p. 2021. Cf. igualmente, Eduard Meyer, Meyer, The development of individuality individuality in Ancient History (1904), in Kleine Schriflen, op. a Eduard Eduard M eyer, Zur T heone utid Methodik der Geschichte, Geschichte, op. cit., cit., p. 28.
105
O
PEQUENO X -
D*
BIOGRAFIA
A HISTÓRIA
se consideramos o passado como alguma coisa que aconteceu, que se estabilizou, se realizou [das Cewordene], ou, ao contrário, como um processo processo movente e em constante devir [werdetid], O historiador deve escolher a segunda opção, já que, no mundo do espínto, os processos causais nada têm de mecânico, não são o efeito de leis naturais agindo cegamente, mas forniam um entrelaçamento de representações e de motivos que provocam e determinam a decisão humana. Assim, o resultado jamais é necessário enquanto não tiver ocorrido, ele não é mais do que uma das infinitas possibilidades que existem: “Para que se torne realidade, depende da livre vontade que avalia as razões, estabelece objetivos e age em vista desses objetivos. [...] Em toda ação humana, jamais vamos além do eu quero como causa imediata; assim, quando tentamos compreender um ato voluntário que teve lugar como se estivesse em devir, jamais podemos afirmar que a decisão não poderia ter sido tomada em sentido inverso”. ^ Pela mesma razão, o acaso e a necessidade não são propriedades inerentes às coisas, mas categorias lógicas relativas. Se todo acontecimento é a um só tempo causa e efeito, de acordo com o ponto de vista de que se o observa, do mesmo modo ele é tão necessário quanto acidental: “Ele nos parece necessário se o consideramos no encadeamento de sua própria série causal, enquanto fim último desta; ele nos parece acidental se o vemos do ponto de vista de uma série causal exterior, com a qual interfere no tempo e no espaço e sobre a qual exerce um efeito”.289 Sublinhando a importância da livre vontade e do acaso, Meyer corrobora o destino singular da história: “Diferentemente das ciências naturais, a história jamais lida apenas com a água, com o ar e com as leis que os regem, mas se refere a este copo d água bem real e ‘singular’ ou a esta chama Embora Embor a fundamentais, as cond içõe s gerais nunca são, em si mesmas, fàtores históricos. Quando muito, constituem uma base que age em negativo e traça os limites no seio dos quais permanecem as possibilidades infinitas do curso da históna: “A mutação de uma dessas possibilidades em realidade, ou em fato histórico, procede dos fatores “ iw.p i9-a i9-au u •' . p, ^
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
indi indivi vidu duais ais últimos ” .29 .291 Nesta perspectiva, perspect iva, a noção noçã o de lei histórica fica destituída de sentido. Se a livre vontade e o acaso desempenham papel fundamental na vida humana, religar os fatores individuais às leis gerais não pode então bastar (como o próprio Meyer pensava poder fazer durante certo tempo). Tratar-se-ia de um compromisso hipócrita. É preciso reconhecer que não existem leis históricas, que o conceito de lei histórica é antinômico: “Em verdade, no curso de longos anos de pesquisa histórica jamais descobri uma lei histórica ou tive conheci mento de uma lei histórica encontrada por quem quer que seja”.292 Mesmo no domínio da economia, só existem regras deduzidas por comparação e por analogias. Como o princípio segundo o qual certas formações políticas estão ligadas a certas fases do desenvolvimento económico; ou a ideia de acordo com a qual um povo incapaz de assegurar suas necessidades alimentares deveria se consumir em lutas intestinas e necessariamente tentar provê-los alhures, através de razias ou do do desenvolvimento do com érc io e da indústna; indústna; ou ainda ainda o postu lado de que o aumento do bem-estar acarretaria uma degenerescência da força física da população. O conhecimento histórico não confirma nenhum desses princípios: Considerados em si mesmos, sob o aspecto histórico, não são mais do que conceitos vazios: ainda recebem seu conteúdo graças à infinita riqueza da multiplicidade, que está contida nos processos históricos particulares. [...] A necessidade que constitui a essência de uma lei natural (segundo a qual quando A se produziu, B deve forçosamente ter lugar) está inteiramente ausente em todas essas regras; elas assinalam apenas a possibili dade —e frequentemente várias possibilidades lado a lado —do curso hi stóri co po r vir.29' vir.29'1
Se nenhuma lei do social é identificável, a culpa não é da in suficiência intelectual dos historiadores, nem das deficiências da do cumentação. A ausência ausên cia de leis é a própria própr ia essência da história: Em todo momento concorre uma massa de fatores, e cada um é por sua 8 1' 1' W . p . 5 5 . 1,2I 2I bid., p. 32.
" lhli •P- 33.
106
10 7
O
p c q u & jo
x Da
boghafia
à
O
d r a m a d a uberdade
história
vez o efeito de um grande número de outros fatores; as séries causais se ramificam a contrapelo em cada um deles até o infinito, à imagem da árvore genealógica de cada cada hom em ” .29 .294 Dito de ou tro mo do, no mundo histórico a causa não é um fator, mas um processo no qual se entrecruzam incessantemente uma multidão de elementos. Como já escrevera Wilhelm von Humboldt em 1791, cada ação humana é o produto de inumeráveis forças agentes e o mesmo se dá, mas de ma neira exponencial, co m os acontec imen tos col etivo s.295 Sem dúvid dúvida, a, seria possível estabelecer certas regularidades no caso de um homem que vivesse isolado num meio constante, ou de gerações sucessivas sem contato com o exterior. Mas esses casos não existem: na realidade histórica, não são mais do que abstrações, construções ideais inadequa das à compreensão do passado. E por isso que o historiador procede de maneira retrospectiva, ascendente: ele só pode indicar a posteriori as razões do que adveio e nunca estará em condições de predizer os acontecimentos por vir, nem mesmo aqueles do dia seguinte.296 O acento posto sobre o querer permite a Meyer escapar, por um tnz, a uma concepção naturalista, objetiva, da nação. Durante os anos difíceis que seguiram a guerra tranco-prussiana de 1870, nume rosos historiadores alemães (a começar pelo Prémio Nobel Theodor Mommsen) recusam o princípio de autodeterminação dos povos, sustentando a teoria da nacionalidade inconsciente, segundo a qual o pertencimento nacional tem valor superior e antecedente a toda vontade singular singular e coletiva."' coletiva ."' O que significa dizer crua men te que a Alsácia Alsácia e a Lorena devem fazer parte do novo Reich, pois são alemãs no plano linguístico, cultural, religioso e racial. Ora, a despeito de sua adoração pela Prússia, Meyer não partilha essa ideia. Seguro do fato de que os valores são tais graças à livre vontade do homem, afirma que as nações nada têm de dado, de necessário ou de originário. São, ao contrário, produções históricas extremamente complexas e estratificadas: i* c B ^ * ^ e l " n c * 1 ^-lc^ertt Dir Grenxen der natunnssenschaftlichen Begriffsbildung. Tiibingen, ' l1*** l1*** P 2512 57; Georg Simmcl, Les Problèmes de la philosophie de 1'histoire. Une nu Jr nu Jr d tputimoloyc (1 K‘J2), traduzido traduzido do alemão por Raymon d B oudon , PU F, 1984, cap. 2.
Todas as nações presentes na Europa são produtos históricos tardios, constituídos sob a influência dos aconteci mentos mais disparatados”. Com palavras muito próximas daquelas que usam à mesma época os inimigos Emest Renan e Fustel de Coulanges, Meyer acrescenta que a
extremamente
[...] nacionalidade não repousa necessariamente sobre a unida de do grupo étnico, sobre os laços de parentesco estreitos de um ou de vários grupos humanos, ou sobre a homogeneidade da língua, dos costumes, da religião, etc.; ela não é de modo algum [...] a expressão destas manifestações, em que a unidade originariamente inconsciente se teria tomado consciente com a evolução histórica; ao contrário, a maior parte das nações comp reend e g rupos étnicos muito diferentes.298
Certamente não é a etnia que faz a nação: existem no Reino Unido ao menos seis diferentes grupos étnicos (ingleses, escoceses, galeses, celtas, judeus, irlandeses de língua inglesa e de língua celta). Não é tampouco a língua: os suíços e os alemães pertencem ao mesmo grupo étnico, falam a mesma língua, mas não querem ser confundi dos. E também não é o Estado: os italianos e os alemães perceberam seu pertencimento nacional comum, mesmo provindo de vários Estados diferentes. Em suma, A nacionalidade repousa sobre o querer, a saber, uma ideia. Uma nacionalidade é ahrmada por esses grupos humanos que, sobre a base de uma tendência qualquer, querem formar uma unidade e querem se engajar ativamente nesse sentido: a atividade faz parte disso; graças a ela distingue-se a nacionalidade do grupo étnico. A unidade política e a independência constituem a atividade suprema e geralmente o objetivo a que tende hoje a nacionalidade, mas não estão necessariamente incluídas em seu conceito.-”
Essa defesa vibrante do querer individual suscita duas questões bastante delicadas. A primeira conceme à fronteira entre o social e o individual, e a segunda, à seleção do passado. Assim como Droysen,
VV*lhelm *lhelm von Hum boldt, Uber die die Ge seu e der Entwicklung der menschlichen menschlichen Kràf te , op. cit. Eduard Eduard M eyer, Zur T heone und M ethodik der Geschichte, Geschichte, op. cit, cit, p. 38.
K u « deu .irtilhad a por Wilhelm Dilthey, é criticada por Max W eber que insiste na na previsib previsibilida ilidade de | Htamenio humano. Ètudes critiques pour servir à la logique des seierues de la culture (1906), in ^ fc.ii. fc.ii. sur la ihíorie de la science, traduzido do alemão por Julien F reund, Pans, P lon, 19 65, p. 2153 24. (£ Theodor Mommsen, “Lettere agb agb italia italiani ni (1870)" . Quadenu d, s tona, tona, 1876, II. n. 4, p. 197247. A ideia orulidade inconsciente sera retomada a seguir na Itália pelo pnmeiroministro Francesco Cnspi.
“
p . 4 0 . C f . E m e s t R e n a n , Qu 'estce qu'une nation? (1882), in Oeuvres complttes d'Emest Renan. pans, CalmannLévy, 1947; Numa Fustel de Coulanges, L'Alsace estelle allemande ou fianfaise? Repouse à Monsieur Mommsen (1870), in François Hartog. Le X IX siMe et 1'histoir 1'histoire. e. Le cas de Fustel * Coulanges, Pans, Édmons du Seuil, 1988, p. 398404.
109
O
PEQUENO
x — Da
Meyer pensa que o ser humano é formado de duas partes diferentes contíguas mas distintas: Aos fatores que influem sobre o querer do indivíduo, sejam eles processos naturais ou as ideias de outrem, é preciso acrescentar como fator decisivo o caráter espiritual deste indivíduo; sobre esse caráter repousa com efeito a essência da decisão, tanto o sentido que toma quanto a energia com que é tomada, firme mente mantida, mantida, executada - ou tam bém, ao contrário, a fal falta ta de uma decisão firme, donde para aquele que é posto em causa o abandono sem vontade aos acontecimentos.300
Em outros termos, existe uma substância substância extern a, que tem os traço traçoss da uniformidade e que representa a necessidade: aí está tudo o que Napoleão ou Bismarck tinham em comum com os outros homens. E há uma substância interna, fechada, associai, impermeável ao mundo, que se desenvolve em plena e absoluta autonomia: ela varia de uma pessoa a outra, é única e representa a liberdade. A atividade ética é o produto desse fechamento e está, por conseguinte, ligada à natureza transcendente, não empírica, do indivíduo: Infinitas impressões e ideias chegam incessantemente a cada um, pelos sentidos, pela educação, através da relação com os outros, o divertimento e a instrução, a leitura: mas em todas as epocas culturais, das mais primitivas às mais evoluídas, cada homem se distingue dos outros pela maneira como as absorve e ainda mais pelo que aí põe de si mesmo. Que ele traga novas ideias criativas, no domínio da arte, do valor ou do pensamento reflexivo e científico, depende exclusivamente de sua individua lidade. essas novas ideias se manifestam espontaneamente nele.'"1
, ç ^ soc,al e o individual são apresentados como duas substâncias erentes, erentes, que podem se influenciar influenciar reciproca mente , mas que permaecem sempre, o que quer que aconteça, separadas e profundamente tran as uma à outra, cada uma por sua conta , e m esmo uma contra
es sa sa I d titi a p a rtrt ilil ha ha d a p o r William S Pi
^
Me 'hod lk àer Ges chi cht e, op. cit. , p. 1718. Nesses mesmos anos,
,
° r f T " 1 d “ “ CO CO n* n* i í n c i a s u m a ' " d i v id id u a l e a o u t ra ra c o le le n v a, a, é ,,, „* " ran^ols_Andr ran^ols_Andréé Isambert, "Du rkheim et 1’individualité”, ’individualité”,
mian Tradition O f * f * E t V '
u
"i” ^ '
Mlllcr ‘',lf Sh C c n t r c
110
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
biografia à história
hdividualism and Human Rights tn the Durkhei Durkhei D k h e i m . a n S t u d .e .e s , 1 9 9 3 , p . 5 3 1 . ' p ,M
outra numa relação de tensão. Assim, um limiar íntimo e fugidio reveste os traços de uma fronteira física clara e definitiva. Essa con cepção dicot ômic a se abre s obre um abismo.30 abismo.302 Insiste Insiste na na necessidade necessidade de estud estudar ar o el eme nto singular, úni co capaz de expressar a tonalidade tonalidade dramática da história, ao mesmo tempo, porém, em que decreta a impossibilidade de compreendê-lo historicamente: fechado, autó nomo, inacessível, mostra-se estranho ao tempo. Enquanto animal sociável, o ser humano está pnvado de sua capacidade de agir, e como individualidade, o está de sua historicidade. No entanto, em 1877, R a n k e j á alertara contra tal oposição, pois o conflito se encontra não fora do homem, mas em seu seio: “Mesmo na história, liberdade e necessidade lutam e se condicionam reciprocamente. A liberdade aparece mais na personalidade e a necessidade sobretudo na vida da comunidade. Mas a primeira é, portanto, um inteiro definido e a segun segunda da um absoluto inco ndicio ndi cio nad o? .30 .303 O abismo revela toda sua profundidade na segunda parte dessa mesma conferência de Halle, quando Meyer volta à questão, susci tada em 1894 pelo filósofo neokantiano Wilhelm Windelband, dos critén criténos os que convém adotar na seleção do passado passado.3 .3 O primeiro é bastante simples: circunscrever a história apenas e essencialmente àque àquela la do home m. O s egundo não depende de nós, nós, mas da even tualidade de que alguma coisa tenha sido conservada . E depois? Mesmo que uma parte da documentação tenha sido destruída, o número de testemunhos que subsistem estará sempre acima de nossas possibilidades. Como fazer a triagem? O que se deve excluir e o que salvaguardar? Em acordo com Friedrich Schiller, Meyer propõe, como terceiro critério, a eficácia histórica dos fenómenos (,historiche Wirksamkeit): o que foi não interessa porque foi mas porque continu continuaa a agir.30 agir.305 Em term os mais simples, trata-se de reter apenas
a
Sobre Sobre o pensamento pensamento dico tômico , cf. N otbert Elias, La Société des mdividus (1987). traduzido do alcmâo alcmâo por Jeanne É toré, Paris, Fayard, 1991. Leopold von Ranke, prefácio a HistorischBiografische Studien, Studien, in Sámmr/if/ie Werke, p . 41. P VVl, citado por Fulvio Tessi.ore, Teoria del Ventehen e tdea delia Wel,geschichte ,n Ranke. introdução a Leopold von Ranke, (Jber die Epochen der neuemi Geschichte, Munique iena, Oldenboug Verlag, trad. It., Le epoche delta storia moderna, N á p ol ol e s,s, B i b lili p o lili s , 1 Wilhelm Windelband, "Histoire et Sciences de la nature. Discours prononcé au r^c boug (1894). traduzido do alemão por Silvia Silvia Mancim, Lts études philosophiques. 2 Fnednch Schiller, Schiller, “Q u'ap pelleton histoire universelle?'’, universelle?'’, op. cit.
111 111
iP , p.
■
O
PEQUENO x
- Da
o que engendrou efeitos marcantes. A seleção não visa à qualidade dos objetos, mas sua potência causal: o historiador não estuda Platão ou a Capela Sistina em sua totalidade, mas se concentra apenas nos aspectos que lhe parecem historicamente eficazes. Está aí a razão da preeminência dos povos civis: eles foram e são os mais operantes... Alguns anos mais tarde, o historiador romeno Alexandru Xenopol, leitor atento da conferência de Halle, proporá algumas ilustrações surpreendentes desta regra histonográfica: por exemplo, a migração dos fenícios para a estreita língua de terra encostada nas montanhas do Líbano representa certamente um fato histórico importante em razão das consequências intelectuais de que foi portadora, mas não se pode dizer o mesmo das migrações dos árabes da península arábica e daquelas dos beduínos do Saara. Mesmo raciocínio quanto à peste: a peste negra que devastou a Inglaterra, no meio do século XIV, teve repercussões sociais e políticas consideráveis, enquanto as epidemias que afligiram o Onente desde tempos imemoriais produziram apenas inumeráveis mortos, e são, portanto, h istor icamente icam ente negligenciáveis.3 negl igenciáveis.300,1 Como quer que seja, não basta limitar o terreno ao que foi historicamente eficaz. É preciso em seguida introduzir um último pnncípio de seleção, em nome da atualidade: “A escolha repousa sobre o interesse histórico que todo efeito reveste para o presen te . Para Meyer , assim com o para Droyse n, o passado não é um património perdido que deve ser recuperado, mas uma herança viva, uma força, uma energia geradora de sentido. Cada fenómeno pode ser digno da história, tudo depende de sua vitalidade e de sua repercussão. O objeto [de interesse históri co] pod e tanto ser um homem particular quanto uma totalidade, um povo, um Estado, uma cultura, mas nenhum objeto interessa por si mesmo, pois de agora em diante ele é ou foi no mundo, mas importa unicamente em razão do efeito que produziu e produz ainda” .30 .307 Isso significa significa que a históna não é um saber independente das paixões do mo mento, como pensava Ranke,3"" mas uma forma de pensamento erto, que modifica incessantemente a hierarquia dos fenómenos:
^
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
biografia A HISTÓRIA
"A obra histórica mais significativa do passado [...] jamais pode inteiramente o presente: todo presente coloca problemas diferentes daqueles das gerações precedentes, pois considera outros fatores como determinantes”.309
satisfazer
Os mesmos critérios de seleção se aplicam à biografia. Meyer se inte interes ressa sa apenas apenas pelas personalid ades h istorica mente determinantes, aquelas de que se pode dizer que, se houvesse outra pessoa em seu lugar, o acontecimento teria tomado outra forma. Todas as outras lhe são indiferentes. A distinção entre determinante e indiferente nada tem a ver com a grandeza ou o valor espiritual da pessoa. Alguns gran grande dess homens - é este, segundo ele, o caso de Cesar - não deixaram sua marca, à diferença de espíritos inferiores, por vezes mesmo mesmo desprezíveis, co m o Luís X V ou Carlos II da Inglaterra, Inglaterra, que influenciaram profundamente o porvir de uma nação: Como se pode constatar, não se trata da significação ou do valor da personalidade em si, mas do fato de que tal ou tal perso nalidade —em razão de sua personalidade, ou pelo fato de seu nascimento, ou ainda em virtude do voto e assim por diante —se encontrou em face dos acontecimentos numa posição que a viu se tornar um fator determinante do processo histórico. histórico.
Sobre a seleção do passado não pesa mais o princípio de grandeza, mas aquele de operatividade ou de eficácia. Alguns anos antes, o tilósofo Heinnch Rickert escrevera que o fato de Frederico Guilhenne IV ter renunciado à coroa imperial era um acontecimento histórico, mas que era perfeitamente indiferente saber que alfaiate confeccionara seu unif orm e.311 Em bor a partilhando a distinção en tre homens determinantes e indiferentes, Meyer não exclui a pnori a possib possibilid ilidade ade de de que u m alfaiate pert ença à primeira categor ia, considera óbvio que sua presença é absolutamente insignificante no plano político, mas concebe que ele possa influir na história da moda ou da indústria da costura ou naquela dos preços. Essa perspectiva
xandrn xandrn D. X enopol. La Theone de VHistoire, Pans, Emst Leroux, 1908
Eduard Meyer, Zur Theon e und M ethodik der Geschichte, op. op. cit., p. cit., p. 48. C f. tambem Johann Gustav
uard Meyer. Zur Theone und Methodik der Geschichte Geschichte,, op. o t. ,p 1 1 0 1 1 1
Droysen, Historik, op. cit., p. 10 sq.
L e o po po l d vo vo n R a n k e . " O b j e k t .v .v e C e s c h i c h ^ c h r n b u n g " ( , 8 4 5 ) . , n VorlesunXs VorlesunXsein,eitungtn, ein,eitungtn, op. op. ri,..
Eduard Meyer. Zur Th eone und M ethodik der Geschichte, Geschichte, op. cit., cit., p. 62. Heinnch Rickert, Die G ren zm der naturuissenschaftlichen Begriffsbildimg, Begriffsbildimg, op. op. at., p 325.
112
1 13
O
PEQUENO X
- Da
biografia à HISTORIA
supõe ao mesmo tempo um trabalho interminável de demarcação entre o geral e o singular: o historiador deve inicialmente selecionar a realidade, distinguir o indivíduo determinante daquele que é indiferente, para depreender em seguida das profundidades do indivíduo o elemento particular, único, de sua personalidade. Como escrevera o ministro da Guerra Albrecht Roon, em 27 de julho de 186 4, pouc o antes da da assinatura assinatura do tratad o de paz en tre a Prússia Prússia e a Dinamarca, o gênio histórico é aquele que sabe “traçar exatamente o paralelogramo das forças, e deduzir da diagonal, isto é, do que teve lugar lugar - que é a única coisa coisa que se conhec e verdadeiramente - a natureza e a classe das pessoas que agiram”.312 Será mesmo essa a tarefa do historiador? Como escreve Max We ber em seu denso tex to consag rado jus tam ent e às r eflexões de Meyer, o projeto que consistia em distinguir o eficaz do insignifi cante, o determinante do indiferente, e o individual do social, estava destinado a permanecer inacabado: Percebe-se [...] que seria impossível levar a termo, mesmo no futuro longínquo, esse exercício de subtração, e que após ter feito abstração de toda uma infinidade de “caracteres comuns” [Gemeinsamkeiten], subsistiria sempre uma infinidade de elemen tos, de maneira que, mesmo que perseguíssemos com zelo durante toda uma eternidade esse esforço de abstração, não teríamos nos aproximado sequer um passo da questão: o que no fundo e essencial essencial para a históna nessa nessa massa de particularida des.31 des.313
Mas consideremos por um instante que o impossível seja possível: queremos verdadeiramente nos desfazer de tudo o que não teve consequências práticas particulares sobre nós ? E se isso pudesse nos ajudar a melhor captar a diversidade do passado? E se isso nos permitisse lançar luz sobre pensamentos, imagens e ações férteis em termos de significação humana? E se isso, justamente graças ao recuo, abrisse o caminho de uma crítica do presente? Sem dúvida, Meyer poderia ter tomado outra via. É o que fizeram, em seu lugar, dois outros grandes historiadores, eles também muito
O DRAMA DA UBERDADE UBERDADE
críticos para com esse “fanático, destruidor e devastador de tudo o que é a verdadeira verdadeira história” que era a seus olhos Karl Lamp recht:3 recht :3114 Ott o Hintze, que subtraiu a história constitucional do domínio estritamente jurídico para lhe dar sua dimensão humana, e Friedrich Meinecke, autor de um ensaio fundamental sobre as origens do historicismo.
VI Hintze intervém no Methode nstreit em 1 897 com dois dois textos textos con cisos publicados na Historische Zeitschrifi e no SchmollersJahrbuch. Neles, reconhece a pnmazia da componente psicológica na vida histórica: “A abordagem psicossociológica é talvez a aquisição mais importante desde o fim do século precedente no domínio das ciências humanas. Suas raízes se encontram já em nossa época idealista: quando Hegel falava do espírito objetivo e Jacob Grimm da alma do povo ( Volkseelé), ambos evocavam forças mentais coletivas que são o produto de um processo processo rela ciona do à psicolog psic ologia ia das massas”.315 E por essa razão que o historiador deve estudar, além dos aspectos mais visíveis da política (“as cadeias e os cumes”), o nível sociopsíquico de uma época ( a base ase das das montanhas mont anhas , a massa contin enta l em seu conj unto”) unt o”) .31h Sua definição da psicologia difere, entretanto, da de Lamprecht. Para ele também, a génese dos fenómenos históricos reside nos atos psíquicos coletivos: “Não há outras forças motrizes na históna além daquelas de que o homem é o vetor, não só o homem, claro está, em sua existência individual, mas sobretudo em seus laços so ciais, no seio dos quais são engendradas essas forças mentais coletivas que que são o núcle o vivo de todas as instituições . No entan to, co m meias palavras, Hintze estende a iniciativa pessoal a toda vida social. O momento individual intervém também no acontecimento coletivo, desempenhando, na transformação da língua e da
"* A definição é de Friedrich M eine cke , Die deutsche Geschichtsuissetischaft und die modemen Bedurfmsse "'»16). in Zur Thcoric „„d Philosophie der Geschichte, Geschichte, op. C it..p. it.. p. 173 174. D e sua parte, parte, Max Weber chegou mesmo a qualificálo de “charlatão desonesto da pior espécie ^ tto Hintze, Hintze, Conceptioti indivtdualiste et coticcplton colletiviste de l Histoire Histoire (1897), in Feodalitt, capi túiisme et État modenie, traduzido do alemão por Françoise Laroche, Pans, Éditions de la la Maison
Eduard Mevcr. Zur Theone Ul,d Methodik de, Geschichte, op. cit.. p. 64. M í X W e t e r ' É‘udeS
P°ur í í m " > ‘
Iw qu e des saences de la culture, culture, op. at .. p. 241.
1 14
des des Sciences Sciences de rHo mm e, 1991, p. 28. 116Ifcirf. 16Ifcirf.. p. 32 .
115
O
PEQUENO x
- Da
b io io g r a f i a
à história O DRAMA DA UBERDADE
ética, da economia e do direito, um papel comparável àquele
aparecem aí mais com o grandes individualidades coletivas do
que desempenha na fundação dos Estados e nas lutas de poder no seio dos povos, de maneira sem d úvida mais discreta, discreta, menos menos visível, mas não menos significativa.Sl'
T od o fato co leti vo, até o mais instituc ional, emana, porta nto dos impulsos individuais. As personalidades singulares não se exprimem somente por ações ações políticas extraordinárias; extraordinárias; em geral, manifestam-se, ao contrário, por pequenos gestos ordinános, em aparência insignificantes (considerados individualmente, significam bem pouco, mas reunidos, podem ter consequências históricas decisivas). Por outro lado, sempre prestando grande atenção às sugestões das outras ciências sociais (diferentemente de Meyer, ele não encara o i eralismo eralismo modern o e a sociologia co mo os inimigos a abater), abater), Hintze tambem se ergue contra toda forma de naturalização da história:
que co m o representantes idên ticos de uma mesma mesma espécie.3’9
Por certo, certo, pod ese falar em determinados casos casos de desenvolvimento paralelo (por exemplo, no seio da família dos povos romano germâni germânicos) cos);; entretanto, c om o já compreendera bem Ran ke, não se trata de uma bagagem natural, mas de uma conquista da história. Tod avia, e aí está está o p on to essencial, essencial, a fronteira entre o individual e o social é traçada em termos profundamente diferentes daqueles propostos por Meyer. Sob certos aspectos, Hintze reencontra a via esbo esboça çada da por Wil he lm von Hu mb oldt que, setent setenta a e cinco anos anos antes, escrevera que o indivíduo é um Eu que fala a um Tu. Aspira a um Tu quando age, quando fala e mesmo quando pensa: Co m o o ho mem é um animal sociável é esse esse seu seu caráte caráterr distinti distinti-vo porqu e tem necessidade necessidade de de um outro, não para para a procriaç procriação, ão,
Parece que as formas sociais de existência são condicionadas
ou uma vida que repouse sobre o hábito (como certas espécies
e modificadas pela vida histórica de maneira realmente dife-
animais), mas porque se eleva até a consciência do Eu, e o Eu sem
rente daquela como as formas biológicas o sào pela influência
o Tu nào é para seu entendimento e sua sensibilidade mais do que
da consciência. Nào é apenas a vida orgânica da sociedade
um absurdo, em sua individualidade (em seu Eu) arrancase ao
que condiciona a vida consciente do Estado, mas também o inverso, de maneira que muitas vezes essa essa tendência natural natural de desenv olvime nto sofre desvios.31 desvios.31"
íção objetiva da nação proposta por Lamprecht não tem, portanto, lugar aí: ações concernidas pela história não são de mo do algum ^
çoes puramente puramente natur naturais ais,, são são o produto de dados dados da da his his niversai, isso se aplica particularmente às nações inglesa, esa esa eamericana. N a história, nação e Estado não p odem ser ser gui os um do outro |...J |...J:: a nação co nsti tui o Esta do, mas mas o também constitui a nação e influencia sua civilização eira ” lais Pr° funda. Vejam se os resultados resultados econó mico s ercann ismo. E nas oposições e nas interdependências das
Ç
e
os Estad Estados os que progride a históna universal; universal; e este estess
317 Ibi d., p. 30.
Venuahung und Volhuirtsúaft, 1 897 En^ 1C*clungstheHn<; clungstheHn<; • ln '‘ ■Amoítrn J trn J th ú u tk fiir Ge seU geb ung , , Nápoles, C.uida , 1971 p 87 ‘ •citado por Pierangelo Schicra, O l i o H i n t z e , Nápoles,
mesm o tem po aq uela de sua sua sociedade (de seu seu Tu ).,2n
Não contente em buscar o reconhecimento do outro, espera também se reconhecer reconhecer no outro: “ Me sm o quando tem o espírito espírito alhu alhure res, s, fala fala unicamente ao ou tro ou a si si mesm o c om o se fala falass ssee a outrem, e traça assim os círculos de sua afinidade espiritual, distinguindo aque aquele less que falam co m o e le daqueles que falam dife rente ment e” .321 Assim, a consciência de si, a possibilidade de tomarse sujeito, de da experiência social, usar da própria vontade, não se forma apesar da como pensa pensa Mey er , mas graças graças a ela: “ C om o a força pura precisa precisa de um objeto sobre o qual possa se exercer, e a forma simples, o pensamento puro, precisa de uma matéria em que possa durar marcandoa com sua impressão, da mesma forma o homem precisa de um mun do f ora d e si me sm o” .322 Definitiv ament e, as relações
° " o H in in t ze ze ,
Concep tion individua liste et conception collective collective de l’histoire, l’histoire, op. cil.,
Wilhelm Wilhelm von H umboldt,
Considérations sur l'histoire mondiale, op. dt.,
p. 33.
p. 53.
1 Wilhelm von Humboldt. Uber den Dualis (1827), in Gtsammelte Scliriften, op. al„ t. VI, p. 25.
Mensdien (1793), in Gesúmmeltc Schriften, op. dt.. Wilhelm Wilhelm von H umboldt, Tlieorie der Bildunii des Mensdien (1793), ' 1. p. 283.
117
O
PEQUENO X -
O DRAMA DA UBERDADE
Da BIOGRAFIA Â HISTÓRIA
entre eu e eu quase não diferem em qualidade daquelas que existem ent re eu e tu .32 .323 Infeliz mente , essas essas reflex ões essenciais essenciais guardam alguma coisa de vago e mesmo de inacabado. Talvez Hintze desejasse voltar a elas
identificaçã identificação o do essencial co m o efic az.32 az.327 Segu ndo ele, o essencial c o m p r e e n d e , além de tudo o que foi e permanece ainda eficaz, os
pensamentos e as ações que enriquecem nossa vida: Suponh amos qu e se descubra descubra a obra de um autor desconhecido do passado que se revela de uma força espiritual e de uma profundidade elevadas, embora tendo permanecido desconhecida de seus contemporâneos e, por conseguinte, completamente ineficaz de um ponto de vista causa l, deveríamos por isso considerála hist oric am ente inessencial e ineficaz ?’2" ?’2"
ulteriormente ou mesmo voltou no curso dos anos que seguiram. Jamais o sab eremos. Em 1933, após a re cusa da H ist or isc he Zeit sch rift de publicar um artigo de sua mulher, a ji id is ch er M is ch li ng 32* Hedwig Guggenheimer, demitese da Academia das Ciências e decide não publicar mais nada. Sete anos mais tarde, em conformidade com suas suas dispo sições testamentárias, tod os seus papéi s serão d estruíd os.325
Os fenómenos culturais, culturais, esp ecialmente, jamais d evem ser avalia avaliados dos
VII VII
pelo seu grau de eficácia, já que são sempre dignos de interesse: sua significação não reside no que decorre deles, mas na própria
Já Fne dn ch M ei ne ck e c ont inu ará a e sc rev er a té sua mor te, em 1954, 1954, quando seu sonho sonho de conciliar a herança de Go eth e e aquela aquela de Bismarck se se terá terá esvan ecido.'26Sua ecido.'26Suass interv ençõ es no M eth od en streit se estendem por mais de cinquenta anos: de 1887, ano em que começa a trabalhar nos Arquivos secretos do Estado de Berlim ao lado de Heinrich von Sybel, a 1939, 1939, quand o publica uma coletânea coletânea de textos sobre o sentido histórico e a significação da história. Ao longo de todos esses anos, não cessou de se interrogar sobre a capacidade do historicismo de se curar de seu ceticismo: terá a força de remediar as fendas que ele mes mo se infl igiu ? E é justamente nessa perspectiva que, em 1928, na Hi sto ris ch e Ze it sc hr if t, volta por sua vez à questão da seleção do passado. A seus olhos está fora de dúvida que o historiador deve esco er o essencial essencial na mas massa sa ilimitada do passado. passado. Mas no que consiste consiste o essencial. Simplesmente naquilo que ainda é eficaz, naquilo que preparou nossa vida presente e continua a alimentála, como p
sava sava Meyer. A exemplo de Max We ber, M eine cke contest contesta a a
’i T r r f J' B Un Un! an<" t 3r 3r dC dC P au au l V a lé lé r ^ tstar só, e estar consoo, e sempre ser Do is" .
C a l h n w d , 1 97 97 4. 4. « . I I. I. p . 2 40 40 :
' “M estiçajudia" estiçajudia".. (N.T.).
exis existê tênc ncia ia.. N ão deixa m d e ev oca r “ o que o poeta diz dessa dessa antiga antiga lâmp lâmpad ada a dorava nte in útil e qu e no e ntanto o exalta: mas o que é ,
»
r i ■
•
belo aparece aparece feliz em si me sm o
3 29
.
A históna é assi assim m considerada com o con hecim ento semântico, pesq pesqui uisa sa de valores vitais produ zidos pelo passad passado.3 o.3 Naturalmente, quan quando do Meine cke fala fala de valores, referese, com o todos os pensadores de sua época, sobretudo às grandes obras culturais e espirituais, mas é preciso não exagerar essa preferência: ‘ Essas produções e esses valores culturais são extremamente numerosos no seio da história, já que que tod o esp ín to hu ma no é c apaz de pr od uz ir val ores culturais . Além do mais, mais, co m o esc larece algumas páginas adiante, adiante, não se deve entender por espírito “ simplesm ente o psíquico, mas antes, antes, numa acepção antiga, a vida psíquica superiormente desenvolvida, ou, dito de outra fonna, aquela que ‘distingue, escolhe e avalia , e da qual eman emana a a cultura. A cultura é port anto a manifestação, a irrupção de um elemento espiritual no seio da conexão causal universal Se não nos contentamos com a grandeza e com a eficácia, a questão da seleção do passado se apresenta em toda sua intensidade
( I Max Web er, Études critiques pour servir á á la logique des sciences de la culture, op. ci , p Fnednch Meinecke, Kausalitàlen und Wene (19251928). in in Z»r Theorie und Philosophie Philosophie der Geschichte.
°P- cit-, trad. it.,
p. 67.
“ Ibid.. p. 77.
His tor y o f Ideas, 1956. 17, 4 .' p. 5 1 í _ 5 2?
» ' • P - 3I M , . . p » . »
<18621954)“/*nw / of
Cf. também Emst Cassirer, Essai sur I Iwnwie (1944), traduzido do inglês inglês por Norbert Editions de Minuit, 1991, cap. 10 . Fnednch Fnednch Meinecke , Kausalitáten und Wene, op. ot., p. 75.
119
,
O PEQUEN PEQUENO X- D a BIOGRAFIA A HISTÔSIA
dramática. É preciso talvez que nos resolvamos a aceitar o fato de
CAPÍTULO IV
que há no estudo do passado um momento arbitrário inicial, ligado à sensibilida sensibilidade de pessoal pessoal do historiador. É o que pensa Mei nec ke quan quan-do evoca o caráter móvel das fronteiras que separam o importante daquilo que não o é. Mas essa tomada de consciência não abala
A pluralidade do passado
sua sua confiança confiança no con hecim ento histórico. A questão é apena apenass um um preâmbulo; em seguida, vem a escavação. E é justamente quando se encontra numa posição incóm oda, sob a superfície, que o histohistoriador tem a possibilidade de verificar a pertinência da questão que colocou , de com gila e por que não? de enco ntrar outra outra coi coisa sa,, que não esperava. Nesse ponto, Meinecke reencontra Droysen: Tính am os isto e aqu ilo; hoj e, é co m o se não possuíssemos mais nada, nada, é preciso recomeça r do zero, é preciso retomar tudo desd desdee o inicio. Procurando material, material, verifica ndo o, interpreta interpretandoo, ndoo, reelaborase o pensamento e, à medida que este se desenvolve afinandose cada vez mais, precisase em toda a sua riqueza e se transforma; correse mesmo o risco de o perder [...]. Muitos se esgotam com a tarefa, perdemse em vias transversais,
A di ze r a verdade, toda coisa mo vente leva em si a medida de seu tempo; e este permaneceria mesmo se não houvesse nada de outro; não há duas coisas no mundo que tenham a mesma medida de tempo [...]. Existe portanto (pode-se afirtná-lo ousadamente) no universo, num só tempo, uma multidão de tempos. Johann Gottfr ied Herd er133
lançamse a novos possíveis, possíveis, pro spectam em extensão mais que que em profundidade.
Sob essa luz, é o trabalho que o historiador efetua sobre si mesmo que verdadeiramente importa. Lon ge de apagar sua sua subjetividade, subjetividade, com o queria Ranke, ele deve aprender a reconh ecêla e a fazer fazer del dela a uma fonte de conhecimento;
I Desde Anstóteles, encon tramse de maneira maneira recorrente filósofos filósofos para recordar com tom grave o caráter singular do conhecimento
O co nteúdo de nosso eu é algo de rec ebido (Empfangenes), que
histór histórico ico.. “ A história nos diz o qu e é uma coisa, a ciência e a fi -
chegou a nós, que é nosso e não o é. Assim, não estamos ainda
losofia porque é assim; aquela considera o que é singular, estas o
livres em relação a nosso saber; ele nos possui mais do que o pos-
universal; a primeira se funda sobre o sentido, as duas outras sobre
suímos. Só tomando consciência de que somos de certa forma
a razã razão; o; uma pre ced e, as outras s egu em ” , escrevia Johannes Jonsius Jonsius
mediatizados ( vennitteltes), é que o separamos de nós mesmos. A partir de então, começamos a ser livres em nós mesmos e a dispor do que era imediatamente nosso conteúdo. Está aí um grande resultado resultado de nosso nosso dese nvo lvim ento inter ior.33 ior.332
na metade metade do sécu lo X V II . Essa Essa disjunção simples, não obstante obstante discu discutí tíve vel, l, entre a históna c om o c onh ecim ento do singular singular,, do quod e a ciência (ou a filosofia ) c om o c onh ecim ento do geral, geral, do ti< ti
J° m G rf U«I Dh °y“ n' H 'S‘0n k’ °P ' P , 0 6' autoconhe 6 ' 1 0 7 S°bre a hlstóna como forma dc autoconhe « * * 0 . cf. cambem as cons.deraçôcs de Emst Cau.rer, Essa, sur rhomme, op. cap. 10.
12 0
Johann Johann Gottf ned He rde r, Verstand und Erfahnmg. Eine Melak rink zur Kn lik der remen 1 partc' 17 g9|, in Sámtliche Werke. 1881, t. X X I. p. 59.
121
11
O
PEQUENO x -
Da
A
biografia à história
cheia de malignidade desponta claramente sob as proposições de AndréFrançois BoureauDeslandes, discípulo de Malebranche, qualificado por Voltaire, que não gostava nem um pouco dele, de “ velh o ginasiano prec ioso ” : os historiadores, lê se em seu trat tratad ado o de historiografia, relataram os pensamentos dos outros e não se preocuparam cuparam em pensar por si mesm os.33 os.334 Essa Essa imp utaç ão de preguiça preguiça conceituai, que não se dá ao trabalho de tomar qualquer precaução, é reto retomada mada ao ao longo de todo o século X IX , no momen to mes mes-mo em que o pensamento histórico é valorizado em todas as suas expressões (a históna, a filosofia da históna, o romance histórico) como jamais o fora. É talvez por essa razão, aliás, que o tom se faz mais zombeteiro. Hegel, de sua parte, declara que os historiadores
PLURALIDADE DO PASSADO
historiadores defendem o valor do fato ou do fenómeno singular.
Sem dúvida, não se trata de um tema novo. Ao longo do século XIX no entanto, as as declarações antifilosóf icas se se radicalizam. radicalizam. Ranke mais uma ve z acusa acusa a filos ofia da história de querer subordinar a hist histón óna a da mesma mane ira q ue o tentara antes antes a teologia, e vanglonase de est esta ar do lado do particular histórico contra o geral geral filosófico: “ O ponto de vista históneo contém um princípio ativo que se opõe sem trégu trégua a ao ponto de vista filosó fico [...] Enquanto o filó sofo [...] busca o infinito un icamen te n o progresso, n o desen volvimento, na totalidade, a históna reconhece em toda existência alguma coisa de infinito; em toda circunstância, em todo ser, um quid eterno que eman emana a de Deus ; e aí está seu pn nc íp io v ita l” .337
puros (como os nomeia com desdém, especialmente Leopold von
Mas, felizmente, nesse intenso turbilhão de ideias que agita o
Rank e) contam os os acontecimentos “ de maneira conting ente, exa exa
século, algumas vozes discordantes se fazem ouvir. Em pnmeiro lugar,
tamente como se apresentam a eles, em sua particulandade, sem
aquel quela a de W ilh elm Dil the y, que se dedica a dar uma uma envergadura envergadura
relação e sem sem pensame nto” , e que semelha nte histó ria “ não ser seria ia
filosóf filosófica ica à reflexã o da histon ografia alemã do século X IX .31 .31" Em sua sua
mais que a representação de um fraco de espírito, nem mesmo um
longa existência, situada sob o signo de uma incansável vocação, e por
conto de fadas fadas para para crianças” crianças” .335 Algu ns dec éni os mais tarde, Bene
iss isso não não isenta de algumas retrataçõe s do lorosas, ele jamais se afastou afastou
detto Croce fala abertamente de uma historiografia sem problema
de um ponto firme: o mundo históneo é produtivo, e essa qualidade
passant, que Ranke tem “um histórico: após ter deixa do escapar, escapar, en passant,
não é fruto de um princípio absoluto, transcendente ou imanente à
ntmo p ouco rápido de vida interior” , regozijase de que a figur figura a
atividade humana, mas da ação recíproca dos indivíduos. Em 1883,
do “ histonador histonador desprovido de filo sofia cede o passo àquel àquela, a, bem
escrev escrevee que “ essa essa total idad e maravil hosa men te entrelaçada que é a
diferente, do filó sof o” .336
históna é constituída pelos indivíduos, unidades psicofísicas, cada um
Co m o é muitas muitas vezes o caso, a antipatia en tre os dois campos é recíproca. Desconfiados das generalizações abstratas, numerosos
difere diferente nte de todos outros e capaz de formar um mundo.
A queda
d água se compõe de partículas homogéneas que se entrechocam, mas uma simples frase, que, no entanto, não é mais que um sopro saído de noss nossa a boca, abala, graças ao jo g o dos mo tiv os q ue suscita suscita em uni
Os textos de Jonsi Jonsius us e de Deslandes são citados citados por M ano Lon go, in Hi in Hi sto ria e ph ilo sop hia e phil osoPaul phica , op cii , p 7594 A propósito da polémica sobre a históna no fim do séc ulo XV II, cf. Paul
dades profundamente individuais, toda a alma de uma sociedade em
Hazard, La crise de la c ons amc c euro péen ne, 16801715 (1935), Paris, Fayard, 1961, cap. II.
qualqu qualquer er parte do m un do ” .339 Vi nt e e sete anos mais tarde, durante
Georg Wilhelm Fnednch Hegel, Encyclopódie (!830 ), traduzido Encyclopódie des sciences sciences philosophique s en abrêgí (!830
uma sessão plenána da Academia das Ciências de Berlim, volta, uma
do alemao por Maunce de Gondillac, Pans, Gallimard, 1970, § 54 9 , p. 467. Benedetto Croce, L ’Hist oire com mt pens êe et com me actio n (193 8), t raduzid o do italiano por Jules < híix Ruy, Genebra. Droz , 1968, p 102. A preguiça conceitu ai da história história foi por muito tempo '!r
.u
pi. *, discipli disciplinas nas sociais sociais maisjovens. Me smo admirando a obra de Fustel de Coulanges Coulanges,,
AlírtJ R
RadcliffeBrown (Stmcture et fonction d am la sociète sociète primitive, traduzido do inglês por
Françoise e Louis Mann. Pans. Édinons de Minuit, 1968) afirma o primado da sociologia, que «na ■*p^ Jc enunciar proposições gerais, sobre a história história e a etnografia, as quais quais só pod enam formular formular aíinnaçoes particula particulares res ou fatuais. fatuais. Alguns anos mais urde , Cla ude LéviStrauss (La Pensée sauvage, , li o n , 1
p 34 2 ) estima que o código da históna consiste numa cronologia: ‘ Toda sua
sua especificidade estão na na apreensão da relação do antes e do depo is” . u i i g i r u t d j i k c sua
Leopold Leopold von Ranke, “ Manu scnt des années 1830” publica do por Eberhard Kessel Zeilschrift, 1954, 178, p. 2922 93.
.
Cf. Cf. Giuseppe Giuseppe Cacciatore, ‘Dilthey e la stonograf.a tedesca tedesca delTOttoc ento’ . Stud, stona. 1 p. 5 5 5 89 89 . Wilhelm Dilthey, Intr odu cti on au x scienc es de 1'esp rit rit (1883), dans Critique^ de /a m s introduction aux sàences de 1’esprit 1’esprit et autres textes , traduzido do alemao por Sy vi Edicions du Ceri, 1992, p. 186 e 195.
. .
^ ^
.
.
O
PEQUENO X -
Da
biografia
A HISTORIA
vez ainda, à significação e à tarefa das ciências históricas. Especifica, assim, que a demarcação entre as ciências do espírito ( Geistesunssenschaften) e chaften) e as ciências da natureza ( Na en) não é de ordem ( Na tur uH ss en sch aft en) ontológica, mas sim transcendental: tratase de uma distinção que não concerne aos objetos, mas à experiência, que deriva de um fato de
A
PLURALIDADE do p ass ado
tempo tempo após após seu seu casamento co m Kãte Piittmann, a consciência não é a única realidade, pois no mais profundo dos homens existe intensa riqueza subterrâ subterrânea: nea: “ Disce rnimo s em nós mesmos uma uma vivacidade
consciência, consciência, desse desse sentimento ínt imo pelo qual nos sentimos diferen diferentes tes
psíqu psíquica ica ext rem ame nte variada [...] , à imag em das das plantas plantas,, cujas raízes raízes se estendem estendem em p rofu ndid ade no solo, enquan to apenas apenas algumas algumas folhas folhas despontam despontam”” .344 Alg uns an os mais tarde, desenv olve seu pensamento
da natureza.340 Em ap oio d e suas suas co nvi cçõ es, afirma:
evocando a irracionalidade do caráter humano, manifesta em todo
A vida histórica é criadora. Age constantemente produzindo bens e valores, e todos os conceitos desses bens e desses valores não são mais do que reflexos de sua atividade. Os suportes dessa criação constante de valores e de bens no mundo espiritual são indivíduos, comunidades, sistemas culturais em que os particulares co labo ram .341
herói, em toda verdadeira tragédia, em numerosos criminosos, mas também presente na vida de todos os dias: Nã o há nada a fazer, não somos um aparelho que busc busca a produzir prazer regularmente e impedir o desprazer, avaliando valores de prazeres uns em relação aos outros, e conduzindo assim as volições para a soma acessível do prazer. Para um aparelho deste
Para exprimir a relação vital que liga os seres humanos entre si e os leva a deixar sua marca no mundo, Dilthey elabora o conceito de Wirkungszusammenhatig, Wirkungszusammenhatig, termo complexo em alemão e dificilmente traduzível em outra língua (dynamic unity, ensemble interactif, connessione ditiamica).3 ditiamica).34 4_ Diferente mente da conex ão causal causal,, qu e reg e o mundo mundo da natureza, a conexão dinâmica está ligada à vida psíquica e procura significações significações,, produz valores, valores, enfim , realiza objetivo s: “ A célula célula pn pn Erlebttis ), na qual mitiva do mundo histórico é a experiência vivida ( Erlebttis), o sujeito tem por meio o conjunto interativo da vida. Esse meio age sobre o sujeito que, por sua vez, age sob re el e” .343
tipo, a vida seria evidentemente racional, mesmo um exercício de cálcul o. M as não é assim. assim. [...] não buscamos evitar o desprazer, desprazer, mas o exploramos até o fundo, meditamolo sombriamente, com misantropia; arrastados arrastados por obscuras obscuras pulsòe pulsòes, s, colocamos em jog o nossa felicidade, nossa saúde e nossa vida para satisfazer nossas antipatias, sem levar em conta o ganh o de prazer.14 prazer.145
Essa convicção absoluta deslanchará a controvérs ia com os filósofos que que intelectualizam intelectualizam os fatos de sen timento e de desejo: “ Nas veias do suje sujeit ito o cognoscente tal co m o Lock e, Hum e e Kant o construí construíram, ram, não é sangue de verdade que corre, mas uma seiva diluída de razão, concebi concebida da com o ún ica ativid ade do p ensamen to” .34,1 A expressão expressão
II
“ciência “ciênciass do espír ito” , que escand e alguns dos textos mais célebres de
Quando Ddthey fala do indivíduo, não se trata de uma entidade espirit espiritual ual nem de um ser ser racional. racional. C o m o escreve nos anos 1870, pouco
Dilth Dilthey, ey, pode evoca r, so bretudo no leito r de hoje em dia, dia, imagens imagens incorporais e cerebrais da existência. Mas certamente não era essa sua intenção intenção.. Di lth ey em preg a o term o “ espírito” (Geist) para (Geist) para exaltar 3 capac capacid idade ade criadora criadora do ser humano. C om o recorda numa numa nota
i ma introdução geral à filosofia de Dilthey, cf. especialm ente Bem ard Gro ethuyse n, “ Dilthey
bastante tardia, tratase de uma noção imperfeita, já que os fatos da
et son ecole", in La Phi loso phie alle man de au X IX e siècle, Pans, Alcan, 1912, p. 123; Herbert A. odgei, Hi, 1’hilosophy of Dilthey, Lon dres , Routledg e &
Keg an Paul, 1952; Pietro Ros si, si, Lo
*> ii*nlemporanio , Tunn , Einaudi, Einaudi, 1957; 1957; Ray mo nd Aro n, La Ph ilo sop hie crit ique de 1’hisloirr. •SOI sur une lheone allemande de 1'histoire. 1'histoire. Pans, Vnn, Vnn , 1964; Sy lvie Mes Mesure, ure, Di lth ey et la fond atw n dfs saettta hisionques, Pans. PU F, 1990
Wilhelm Wilh elm Dilthey , L édifuation du monde Instorique dans les sciences de 1'esprit (1910), traduzido do ^ alemão por Sy lv.e Mesure. Pans, Pans, Édmon . du Cerf. 1988, 1988, t. III, p. 106. Unidade dmimica. conjunto interativo, interativo, con c onexão exão dinâmic dinâmica a (N T ) Ibid .. p. 113.
Erkenntnistheoretische Fragmente (187479), in Gesammelte Sclmfien. Stuttgart/ “ W i lh lh e lm lm D i l th th e y , Erkenntnistheoretische Gõtting Gõttingen, en, Teubn er/Van denb oeck & Rum precht, vol. XV III , p. 189. 189. Wilhelm Wilh elm Dilthey , L' Im ag in at io n du po it e. Él ém en ts d ’une po íti qu e (1887), in Écnts d esthétique, tradu traduzid zido o do alem alemão ão por po r D amè le C ohn e Ev ely ne Lafon, Pans, Éditions Éditio ns du Cerf, Ce rf, 1995, t. t. VII, V II, P '24. Em 1769. 1769. Johann Gottín ed H erder escrevera a Moses Mendelsso hn que era era quimenco quim enco supor a existência de uma alma incorporai, de uma natureza humana não sensual. Wilhelm Dilthey, Int rod uct ion au x scien ces de Ves prit , op. cit., p. 148149.
Vi'
124 124
O
PEQUENO
x - Da
A
biografia A história
vida espiritual não estão destacados da unidade viva ( Leb ense inh eit ) psicofisica da natureza humana, [...] mas qualquer outra designação aplicada a este grupo de ciências susc suscita ita reticências consideráveis. consideráveis. Assim acon tece igualmente com a designação designação das “ ciências da cultura” [...]. Exprim ese aí uma concepção demasiado bene volen te e otimista da realidade huma humana, na, na qual os obscuros instintos instintos qu e lev am a opnn urse e destr destruir uirse se reciprocam ente desempenh am um papel m uito impor tante.547
Ele que, na qualidade de historiador e psicólogo, teve que levar em conta o homem em sua íntegra (mit ciem ganzen Menscheri), considera esse esse ser ser co m o uma to talid ade p sicofisica, feita de representação ( Vorstellen ), de sentimento ( G e f i i h l), de vontade ( Wille), as três formas essenciais do viver ( Le be n ), intimamente ligadas entre si.,4KAssim, a consciê ncia da dist inção entre o eu e o mundo exterior não procede somente de um ato do pensamento, mas da própria vida: a realidade permanece sempre um fenómeno para a simples representação, mas mas aparece com o um dad o estabelecido e inco ntom ável n o tod o de nosso ser que quer, sente e representa.349 Dito de outro modo, o eu só percebe a presença de uma realidade bem distinta, autónoma, quando se depara com algo que resiste a ele. Por vontade ’ não não entend o o ato ato de querer enquanto sit situa uaçã ção o de consciência, mas antes a atividade de que posso ter consciência e, precisamente, em suas diferentes posições em relação àquilo de que ela se distingue. Sintome ora condicionado, ora tomado de assalto, ora sujeito a, a, ora numa atitude de aspiração e de co nt rol e” , como escreve num ensaio sobre sobre a psic olog ia de scritiva em 1880.35 1880.35(1 Nos anos seguintes, Dilthey não parou de apresentar o exterior, o fora,
PLURALIDADE do pass ado
como como uma uma condiç ão áspera áspera e inelutável da experiência humana: humana: “ A resistência tomase pressão, a realidade parece nos cercar por todos os lados com muros que não podemos transpor. E que muros ela não não opõe d ireta me nte a nossos desejos! C om o pesam sobre nós! Veja Vejase se Schiller quando aluno da Ac adem ia militar” .351 E, quando
reprova a Heim Helmholtz e Eduard Zeller o fato de definirem a realidade como uma simples projeção do pensamento, observa que o primeiro germe da distinção entre o eu e o mundo se inscreve na experiência da pulsão e da resistência: A realidade realidade ( R ca lit àt ) d o m undo exter ior não é tirada tirada dos dados dados da consciência, ou seja, deduzida por operações puramente intelectuais. Penso antes antes que os processos processos conscientes conscientes anteriormente indicados tran sm item -no s uma experiê ncia da von tade - a /re ag em da inte nção - que está implicada na consciência de uma resistência e que, só ela, nos revela a realidade robusta e viva do q ue não depen de de n ós.352
O indivíduo, esse ser sensível, é também fundamentalmente soci social al e sociável: não é a existênc ia singular e isolada isolada que é co m preend preendida ida no c onc eito de e go, não é uma substân substância cia impermeável, mas trata tratase se de “ um con ju nto que encerra em si, a cada vez, os sentimentos vitais dos outros indivíduos, da sociedade e, mesmo, da natu nature reza za”” .353 A exem plo de W ilhe lm von Humboldt e de Otto Hintze, Dilthey sublinha a dependência essencial do ser humano que que não está está jamais e m c on diç ões d e ser autossuficiente.
E um
ponto ponto quas quasee místic o” . Mergu lha do desde sempre num universo de rela relaçõ ções es,, ligado à mãe b em antes do nasc imento, v ive na necessida necessidade de inces incessa sant ntee do o utro : “ [El e] se man tém numa contínua relação de trocas espirituais e assim completa sua vida própria graças à vida de
VII I
^ u s à ,: ,: c "rMm Au jb au der gesch icht lich en W eh , in Gesammelte Schriften, Schriften, op. ' op. cit., vol. r hc tro Rossi, Lo storic ismo con temp orân eo, op cit. . p. 6366, observa que, para Dilthey, *
|uc %u.i rtius:i de aplicar os critér ios das ciênc ias naturais às ciên cias do espírito não Wilhelm Dilthey, Bci tràg e zu r Lo sun g der Frage rom Ursp run g unserc s Gla ube ns un d der Re ah tat der
^implica necessariamente uma espintualização da humanidade. Wilhelm Dilihcy, Ini md uc twn au x science s de l'e spri t, op. rir, p.
9 10 , Cf.
certas p r o p o s i ç õ e s análogas
3m Jam" rAr e we automata automata?”, ?”, M ind , 1879, p 122). para quem a energia da psique não
m, .
outrem” outrem” .’34 .’34 Sua existên cia só se realiza na coexistência - nas relações
ncimento do home m ao mundo histó histórico rico social social não n ão exclui a relação relação com o mundo da
P
d.i d.i ipcnaj no nível cog nitivo, pois com porta fatores incomen suráveis , tais tais com o as
vo l,ç o« . as emoçõe s corpora.s e as percepçõe s subliminares. iBrelm Dilthey, Croyance à la vérité du monde extérieur (1890), in Le M on de de fe sp nt , traduzido do alemao por M. Ré m y, Pans, Aubier. 1947. p. 101102. x v i n * p " ) " r * dn d<’SÍ" 'P" W"
Schriften. n. (por volta de 1880), in Gesamme lte Schrifte
Ai use nuv ti un d s eiti eti Rc ch l, op. cif., p. 110. p. 109110. Hm Intr od uct ion au x scienc es de Vesp rit, op. cit., Dilthey faz uma distinção realida realidade de que nos é inac essível { W M i c h k e i t ) e a realidade que possuímos {Reahtat). Wilhelm Wilh elm Dilthey, Au sa rb eit un g der des kri pti ven Psy chol ogie , op. cit ., ., p. 177.
historique. op. cit., cit., p. 107. Sobre a percepç ão do mund o ' Wilhelm Dilthey, VÉ dification du monde historique. extenor extenor no cimo da v ida embnonán a, cf cf.. Wilh Wilheelm lm Dilthey. Croyance d la rénté du monde ex >h 'e'1'’
°P- ní, p. 236237. Esse ponto será igualmente retomado por Norbert Elias, La So ai té des t n m us, °p • dl., que sustenta não existir um ponto zero da vida social.
127
O
PEQUENO
x - Da
biografia à história
A
PLURALIDA DADE do pass ado
entre pais e filhos, homens e mulheres, soberano e súditos. Mas
está incluído de forma alguma que, em todas as modificações,
essa coexistência, ou essa comunidade ( Geselschaft ), não é formada
perdure algo de semelhante a si mesmo.
apenas apenas por esses esses mortais d e carn e e osso parente s, vizinhos, colega legass de de trabal trabalho ho que o jargão s oc ioló gic o d enominará 05 outros situacionais situacionais e que povoam hoje tantos comentários sobre o network. Ela se alimenta igualmente de figuras ideais, ou mesmo imaginárias, como o são Prometeu, Anrígona, Hamlet, Fausto e Sancho Pança, Tart ufo ou Mr . Pic kw ick . D e figur as histó ricas tamb ém:
O eu não permanece rigorosamente idêntico a si mesmo, não cessa de mudar, e, no entanto, sentese sempre ele mesmo e se reconhece
em seu seu passa passado: do: “ Aq uele que neste mom ento porta um julgamen to sobre si mesmo é totalmente diferente daquele que agia e, no entanto, to, sabes sabesee com o send o o m esm o” .358 N el e os processos processos psíquicos se seguem, seguem, “ mas não c om o uma fila de carros em qu e cada um está está
A realidade de Lutero, de Frederico, o Grande ou de Goethe
separ separado ado do pr ece den te, n em c om o as fileiras espaçada espaçadass de um regi-
recebe uma intensidade e um vigor maiores pelo fato de que
mento mento de soldad os” . Se fosse assim, assim, a cons ciênci a seria seria intermitente :
eles agem constantemente sobre nosso próprio eu, isto é, pelo fato de que esse eu é determinado pela vontade desses poderosos
Bem p elo contrário, encontro uma continuidade continuidade em minha minha vida
personagens cuja influência persiste e aumenta. Eles são para
desperta. desperta. O s processos estão imbricados de tal forma que há sem-
nós realidades porque sua poderosa personalidade age energi-
pre algo de presente à minha consciência. Assim, um viajante que avança a bom passo passo vê desaparecer atrá atráss dele objetos que, pou co
came nte so bre n ós.35 ós.355
antes, estavam diante dele, ao lado dele; outros surgem a seus
Nessa perspectiva, o indivíduo é principalmente considerado como uma relação do eu com a históna: “ Assim co m o sou nature natureza, za, sou também história e é nesse sentido radical que é preciso compreender a expressão de Goethe quando dizia ter vivido ao menos três mil
olho s, mas a con tin uid ade da paisagem não deixa de subsistir.3 subsistir.359
Uma totalidade aberta, sociável, que não está isolada e se alimenta de relações. Entretanto, o indivíduo é também um mundo em si, único, singular, inteiramente diferente de todos os outros:
anos” anos” , como escreve a Dilthey seu grande a mig o Paul Yorck von von A unifo rmida de da natureza humana se manifesta manifesta no fàto de que se
Wart enbou rg em 4 de jan eiro de 1888.35 1888.356 E justamente por estar tão intim am ente impr egna do de rela relaçõ ções es que o eu não é uma entidade, uma essência, um dado originário,
encontram as mesmas determinações qualitativas e as mesmas formas de ligações e m t odos os homen s [...]. Mas as condições quantitativ quantitativas as nas quais elas se apresentam são muito diferentes umas das outras:
mas mas antes antes vida, energia, m ov im en to —T ol st oi diria uma subs substâ tân ncia cia
essa essas diferenças fo rma m incessantemente novas combinações sobre
fluida fluida,, sempre sempre em m ovim ent o.35 o.35 Do nd e a distinção distinção que Dilt Dilthe heyy
as quais repousa [...] a diversidade das individualidades.
Id en ti tà t ), opera entre a noção de identidade (( Id ), que evoca uma estabilidade bilidade de conteúdos, conteúdos, e aquela de “m esmid ade” ( Selbigkeit ): ):
Embora estando profundamente, intimamente, impregnado pelos outros e pelo mundo natural que o cerca, o ser humano não vive
A mesmidade é a experiência mais íntima que o homem pode fazer de si mesmo. Dessa mesmidade decorre o fato de que nos sentimos pessoas, de que podemos ter um caráter, de que pensamos pensamos e agimo s com coer ênc ia. E m co mpensação, nela nela nao
Wilhelm Dilthey, Lebe it un d E rke nn en . E in En tuw rfzu rer ke nn tni sth eo rie tis ch en Log ik un d Ka tegori enleh re (189219 (18921993 93 apro aproximad ximad am amente), ente), in Gesammelte Schriften, o p. ccit., it., vol. v ol. XIX , p. 363. 363. Schriften, op. Wilhelm Wilh elm Dilthey, Psychologie descriptive et analytique (1894), in Le Mo nd e de 1’esprit. op. cit.. p. 206. A ess essee respeito. respeito. Paul Ric oe ur, Le So i-m ém e com me un aut re. Paris, Éditions du Seuil, 1990, p. 13, distingue o Si enquanto ipse, Selbst, seif, d o S i c o m o idem, same, gleich. Essa percpecriva foi reto-
Wilhe Wilh elm lm D ilthe ilth ey, y, Croyance à la vírité du monde extérieur, op. til., p. 119. ^ Briefw eiltse l z wisc hen Wi lhe lm Di lt he y un d dem Gr afe n Pa ul Yor ck vo n Wa rte nb ou g, op cit-, P Nikolaiev Niko laievit itch ch Tolstoi, Jo um au x et ca me ts , traduzido do russo por Gustave A u c o u t u r i e r , illinurd, 1980, t. 2 (18901904), 19 de fevereiro de 1898, p. 644.
^
mada mada por Françoise François e Dastur, Das tur, “ L L’ipséité: ’ipséité : son ím po portance rtance em e m psychopathologie , Psychiatrie, sciences
'
humaines et neurosciences, 2005, 12, p. 8895: “ Defin ir o h homem omem c o omo mo ípseidade e não mais mais co como mo sujeito implica a passagem da noção de eu àque la, reflexiva, d e si . Wilhelm Wilh elm Dilthey, Dilthe y, Psychologie descriptive et analytique, op. cit., p. 234.
129
O
PEQUENO x -
Da
biografia à histôoia histôoia
A
em virtude das das estimulações exterio res. A o cont rário , é “uma ininteligência que pressente pressente e qu e pesq uisa” . Ele faz de si mesmo seu centro, e além disso disso se interro ga, pensa e esc olhe. A medida que sua vida psíquica psíquica se intensifica, intensifica, v êse capaz de con tro lar as energ energias ias,, de de canalizálas, a partir de seus próprios valores e dos ideais pessoais: Pouco a pouco [a unidade viva] não está mais entregue ao jo g o das ex citaç ões. Ela freia e co nt rol a as reações, escolh escolhe, e, quando pode adaptar a realidade a suas necessidades; e, o mais importan te de to dos os fatos, q uan do n ão p ode determinar essa
PLURALIDADE DO PASSADO
a verdade, o mais im portan te, desta realização. realização. Um a alma assim assim form ada aparece c om o o q ue há de maior entre as as realidades realidades terrestres, e e nesse espirito que Goethe designou a personalidade com o o b em supremo dos homens.363
Definitivamente, embora múltiplo, o indivíduo não forma um agrega agregado do fortuito. A ge com o um t odo, é uma uma unidade unidade viva, que tem uma significação: Os momentos da vida dos indivíduos, tais como são reunidos
realidade, adapta a ela seus próprios processos vitais e controla
em tom o de uma atividade que os constitui constitui num conjunto, conjunto, não
pela atividade intenor da vontade as paixões desencadeadas e o jog o das das representações. E isso a vid a.361
proce dem exclusivamente deste mesmo conjunto, mas mas é o ho-
télos da personalidade é a condição essencial para que se O télos tenha tenha o sentim ento da pr ópria histór ia.36 ia.362 D e natureza sub subje jetiv tiva a e imanente, uma vez que não repousa sobre nenhuma finalidade exteno r, ele se manifesta sob duas duas formas. Em prim eiro lugar, lugar, enenquanto capacidade de viv er plena men te as diferen tes idades da da vida vida::
mem inteiro que está em obra em cada uma de suas atividades, e é assim que ele lhes comun ica também sua marca marca própna.36 própna.364
Está aí, aí, sem dúvid a, a fon te ma ior d e dissensão dissensão entre as as concepções de Dilthey e aquelas da psicologia contemporânea (em particular o associacionismo e o paralelismo psicofisico), habituada a raciocinar em termos de estímulos, de reações, de fatores fisiológicos.
O desenvolvim ento [da vida humana] se com põe exclu exclusi siva va--
Como escreve em 1894, em suas Ide ia s con cern ente s a um a psi colo gia
mente de estados cujo valo r vita l part icular cada um se esf esfor orça ça por adq uinr e con servar. Mise ráve l é a infância que é sacri sacrifi fica cada da
descritiva e analítica, analítica, à força de decompor os fenómenos psíquicos, de reconduzilos a unidades atómicas, regidas por leis mecânicas,
aos anos de maturidade. Insensata é essa maneira de calculara
‘essa doutrina da alma sem alma” suscitou uma imagem excessi-
vida que empurra incessantemente o homem adiante e faz do
vament vamentee desagregada desagregada do com porta men to humano: “ É impossível impossível
que precede o meio daquilo que o segue.
Em seguida, seguida, enquan to for ça um fica nte : “ [Esses [Esses estados] estão estão uni unido doss uns uns aos aos outros outros por uma ligação tele oló gica tal que o curso curso do tempo tempo permite um desabrochar mais amplo e mais nco dos valores vitais . Cada idade idade da vida tem seu valor, mas, c om o temp o, a forma forma ininterna da vida se faz mais densa e mais sólida. Rousseau, Herder e Schleiermacher elaboraram teoricamente esse duplo movimento, Goethe o experienciou. O encanto de sua vida deriva ju st am en te dessa excepcional unidade interior:
compor a vida mental com elementos dados, impossível construíla assemblage, e as zombarias de Fausto a propó sito por uma espécie de assemblage, e homonculus fabricado quimicamente por Wagner visam também do homonculus toda toda tentativa deste gén er o” .365 A respeito de psicólogos associa associa cion cionis istas tas,, tais tais co m o Johann Fried rich H erbart, Herb ert Spencer ou Hippolyte Taine, e mesmo de encontro a eles, Dilthey faz valer o caráter holístico da psique. Coloca o acento não mais sobre estados psicofisicos particulares, mas sobre a personalidade individual em sua íntegra íntegra e pr op õe, assim assim com o W illiam James, James, que não se leve
Tal era o sentido da palavra de Na po leã o a propó sito de Goethe. "Eis um h om em ” . O caráter é apenas um aspecto, mas, mas, a dize dizerr
Wilhelm Wilh elm Dilthey, Dilthe y, Psychologie descriptive et analytique, op. cit., p. 224225. Sem dúvida. Dilthey se refere .íqui à distinção entre talento e caráter estabelecida por Goethe em uma de suas célebres maximas. maximas.
" C f . J a cq cq ue ue s K o m b e r g , “ W i l h e l m D i l t h e y o n t h e S e l f a n d H i s t o ry ry : S o m e T h e o r e ti ti c a l R ° ° B *
Getstesgeschichle", Central European History.
Um talento se form a na calma e no silêncio, um caráter caráter no rio do mund o
W°lfgang W°lf gang Goethe, M ax im es et p ens ée s. Paris, Éditions André Silvaine, 1961, p. 40).
Ib id -.p 217.
5. 1972, p. 295-317.
130
^ Wilhelm Wilhe lm Dilthey, L' É di fic at wn du mo nd e his tor iqu e, op. cit .y p.
12 2 .
Wilhelm Wilh elm Dilthey, Psychologie descriptive et analytique, op. cit., p. 181.
131 131
(Johann
O
PEQUENO X -
A
D* BIOGRAFIA À HISTÓRIA
PlURAUDADE DO PASSADO
em conta uma sensação, sensação, mas um eu q ue sen te: “ A vida psíquica psíquica é
o temor de que os fatos possam irse daqui e de lá, cada um de seu
originalm ente e em toda parte, de suas suas forma s mais elementares elementares às mais mais elevadas, elevadas, uma unidade. N ã o é feita de partes; não se compõe compõe
lado, lado, sem sem direção precisa. O mu nd o está sob sob pressão pressão há há tempo demais: demais:
de elementos; não é um composto, não é um resultado da colabo-
as massas atulham cada vez mais o mundo sem por isso tomaremse
ração de átomos sensíveis ou afetivos: é uma unidade primitiva e fundame ntal” .366 Em 1910, ainda, precisa:
escre escreve ve com acentos p rofét icos que “ a decadência decadência dos grande grandess povos
N o curso da vida, cada expe riênc ia v ivid a particular é reme remetid tida a a uma totalidade. Esse conjunto vital não é uma soma ou uma adição de momentos sucessivos, mas é uma unidade constituída por relações que religam todos os elementos. A partir do presente, percorremos de maneira regressiva uma série de
após após a Revo luç ão , o capitalismo d emonstrou sua sua potência ilimitada, ilimitada, mais decifráveis, a história vai sempre mais rápido... Nos anos 1890, civilizados civilizados da Eu rop a” co me ço u. 369T re ze anos mais mais tarde, tarde, a flutuação cultura] faz eco à incerteza social: a metafísica não é mais possível, a filosofia é incapaz de propor qualquer afirmação, a estética vive em plena anarquia, a arte figurativa não conhece mais o código da beleza ideal, a poesia perdeu sua aura. Resta a consciência histórica,
lembranças até o ponto em que nosso pequeno eu ainda não
sem dúvida alguma o resultado essencial das transformações dos dois
fixado e formado se perde nos limbos, e a partir desse presente
sécu séculos los precedentes, que cond uzira m à beira do abismo do relativismo:
lançamonos em dir eção a possíveis inscritos nele e que toma tomam m dimensões vagas vagas e long ínqu as.’ 67
Uma contradição aparentemente insolúvel surge quando o sentimento da história é levado a suas últimas consequências. A finitude de todo fenómeno histórico, seja uma religião, um
III
ideal ou um sistema filosófic o, e, po r conseguinte, a relatividade relatividade de toda interpretação humana da relação das coisas é a última
A faculdade teleológica não é nem um pouco excepcional, ela
palavra da concepção histórica deste mundo, onde tudo flui,
denva da da experiência comum . M as, d e ac ord o c om Dilthey, só se
onde nada é estável. Em face disso erguemse a necessidade que
revela plenamente no grande homem. Podese mesmo dizer, sob
o pensamento tem de um conhecimento universalmente válido
certos aspec aspectos, tos, que está está aí o se gre do da gran deza: “ Cada vida, por por sua sua estrut estrutura ura intema, é form ada, já sobre o plan o f ísico, de contr contras aste tes. s. E cada vida é um processo de recomposição. Os contrastes históricos requerem uma força sintética, dina mesmo sobrenatural, que só [...] requerem os heróis poss uem". 36" Con ve nc id o de que o ser huma no é espon espontataneamente inclinado a dar uma significação, um valor à vida, Dilthey é otimista: não receia soçobrar incessantemente na confusão e na
e os esforços que a filosofia faz para chegar a ele. A concepção do mundo ( Weltanschauung) histórica libera o espírito humano da última cadeia que as ciências da natureza e a filosofia não quebraram, mas onde encontrar os meios para superar a anarquia das das con vic çõ es q ue ame aça se difundir?37 difundir?37"
Nos momentos de desencorajamento, quando a sensação de desfiamento o toma, Dilthey busca, ele também, o antídoto no
dispersão. Acontecelhe, porém, por vezes anotar com tonalidades
grande homem, aquele que está disposto a partilhar seu eu com
mais dramáticas as discordâncias da história. Assombrao a dúvida e
seus contemporâneos. Resolvido a defender a todo custo a possibilidade de dar uma forma ordenada à vida histórica, admira os
Ibid.,
estoicos, Santo Agostinho, Petrarca, Lutero ou Goethe, figuras de
p. 216
Wilhelm Dilthey, UÉdificatwn du monde historique, op. dt„ p. 9495. Algumas considerações dc
seres íntegros, plenamente mestres de sua existência. Mas é atraído
Dilthey sobre o caráter holís tico da psiqu e serão partilhadas pel a psicanális e freudiana, mas também bém
sobretudo por sua força sintética, sua aptidão a prestar atenção nos
pela psicologia psicologia analícic analícica de Cari Gus tavjung e pela psicop atologia fenom enoló gica de KarlJaspe*1 cf. Picter Picter Comelius Kuiper, “Diltheys Psyc holog ie und íhre Bezi ehun g zur Psychoanalyse', intèfêt (1 1965. 1i, 5. Sobre esse esse ponto, ver igualmen te Jiirgen H abennas, Connaissance et intèfêt (1 ^ traduzido traduzido do alemão alemão por Gérard Clémen çon, Pans, Gallimar d, 1976. Bnefw echse l zw iscb en Wi lhe lm Di lth ey un d dem Gr afe n Pa ul Yor ck vo n Wa rte nbo uig , op. dl- , P 61
’ Wilhelm Dilthey, Leben und Erkennen, op. dt., p. 379. ^ ilhelm ilhelm Dilthey, Disco urs du soi xa nte -di xiè me ann ive nair e (1903), in Lr Mo nde de l esprit, esprit, op. cit., p 15.
133 133
O
PEQUENO
x- Da
biografia
A històba
diferentes pensamentos vitais, sua capacidade de recompôlos e aliálos num conjunto harmonioso:
A
PlURAUDADE DO PASSADO
entr entree si, si, impregnam o in div ídu o de ideias, ideias, de emoções, de imagens hetero heterogén géneas eas.. N o fund o, n ão há contradição entre entre dependência e autono autonomia mia.. A o contrá rio, poderíam os d izer, sob certos aspec aspectos tos,,
O gênio pró prio ao soberano ou ao h ome m de Estad Estado o fa faz mesmo os fatos refratários entrarem numa unidade teleológica permi tida por sua coo rde na ção . [ ...] A ssim, é necessária a ação ação
que que a autonomia está fundada na dependência. C om o escreve num ensaio de 1890, experimentamos, a cada momento de nossa vida,
do gê nio para construir, construir, a partir do q ue é origina lmente divereo divereo,,
"que o ‘eu quer ente ’ se revela au tónom o sem deixar de esta estarr entraentra-
ou seja, a partir de elementos e de suas relações particulares, a
vado vado em sua suass voliçõ es, o que lhe con fere um caráter caráter condicional e
unidade que chamamos o espírito de uma épo ca.’ 71
dependente” dependente” .374O ind ivíd uo é tanto mais capaz capaz de se se afirmar afirmar como
Infelizmente, o d esejo de salvaguard salvaguardar ar o sentido unitário do mundo engendra imagens um pouco afetadas demais. Especialmente em seus seus ensaios ensaios históricos, reina co m o q ue algum a coisa de irreal. irreal. Ele peca talvez por excesso de sagacidade, de vontade, de saúde psíquica, sobretudo para um filósofo capaz de apreender, desde os anos 1870, as sombrias turbulências do inconsciente. Podese certamente reprovarlhe alguns passos estilísticos em falso e uma profusão de adjetivos: adjetivos: “ Um coração intrép ido” , “ imb uíd o do sentimento de sua própria própria força” , “ nascido para para agir e dom inar” e assim assim por diante.1'2
IV Mas de onde procede a autonomia individual? Se o pequeno x não não é uma uma parte parte impermeá vel ao exte rior, co m o o pensam pensam Johannes Gu stav D roy sen e Ed uard M ey er , se m es m o a vi da íntima não é livre, mas penetrada pela presença d o o utr o, a que se deve a diferença humana, o fato de que os homens diferem uns dos outros? Para retomar as as palavras palavras de Johann G ott frie d H erd er, po r que “ não há na na natureza natureza duas duas folhas folhas de árvo re p erfei tam ente semelhantes uma à outra, e menos ainda duas figuras de ho me ns ?” .373 ^ Para Para Dilthey, a possibilidade possibilidade de “ perma necer para si mesm o" não é inata. Ela é fruto da coexistência, no espaço e no tempo, e diferentes conjuntos interativos: os grupos, as comunidades, as instituições, frequentemente em competição ou em conflito
sujeito e de sentir, por conseguinte, prazeres e dores, quanto mais é alimentado pelo mundo: tomase um sujeito psíquico ativo, independente, capaz de elaborar as solicitações da realidade exterior, graç graças as à sua sua relação c om os outro s. Nessa persp ectiva , a social ização não tem apenas esse efeito de homologação e de homogeneização, tantas vezes vezes dramatizado no século X X (de Ervin g Goffinan a Michel Foucault), mas é em primeiro lugar um processo de diferenciação: os indivíduos se distinguem uns dos outros justamente ao interiorizarem rizarem as as normas socia is e as regras institu cionai s.37 s.375 A esse esse respeito, tod a a reflexão de D ilthey sublinh sublinha a o quanto o mundo mundo histórico histórico não é com preen sível em termos termos de pertencimento, e ainda menos em termos de propriedade ou de assimilação. Um indivíduo não pode explicar um grupo, uma comunidade ou uma instituição, e, inversamente, um grupo, uma comunidade ou uma instituição não permitem explicar um indivíduo. Entre esses dois poios, existe sempre um resíduo, e esse resíduo é inesgotável. As cnações da vida coletiva são atormentadas, vividas e realizadas por cada indivíduo, mas escapam a seu controle, abarcando um espaço humano mais amplo que o simples espaço biográfico. Elas existiam antes de nós e continuarão após nós: [Elas] ag em c om o costu mes, condutas, e, através de sua sua apli cação ao indivíduo, enquanto opinião pública, em virtude da
"‘ Wilhelm Wilhelm Dilthey, Croyance à la vírilé du monde exténeur, op. cit., p. 141.
371 W 'lheln’ 'lheln’ Dil,hc>. L lma gin alw n du po iu , op. cit . , p. 163. rhnloJlr* jCèmrT èmrT ~
1940 V n " p 430* 443
ll,nsldcrjÇ ll,nsldcrjÇÕ Ões cndcas cndcas nes nesse se sentido sentido em "Th e Relation between Psy Psy ^ ^
o f W llll h el el m U l lt lt h e y" y" . Studies in Phiiosophy and Social Science.
Nos mesmos anos, Emile Durkheim sublinha que o individualismo, longe de o de agr ga , tensific tensifica a o laço laço social: cf. "L ’indiv idualis me et les intellectuels" (1898), dans La
ent e soaa e e
l aciion, Pans, PUF . 1987, p. 2 74. O laço entre individu alização e socializaçao sera em segui retomado por Norbert Elias, La Soaété des individus, op. àt., p. p. 3756. para quem a soue
|o±un |o±unn n C .xt frv j Herder, Id íts po ur la ph ilo sop hie de 1'his toire de 1'h um ani té, op. cit ., t. II. p. 1
134 134
tem somente a função de igualar e normalizar, mas também de individualizar.
135
e nao
O P EQ EQ UE UE N NO O X - D a BIOGRAFIA À HISTÓRIA
A PlURAUDADE DO PASSADO
superioridade do número e pelo fato de que a comunidade dura mais tempo do que a vida individual, exercem um poder sobre o ind ivídu o, sob re sua exp eri ên cia e sua potênc ia vitais376
Basta pensar na Igreja católica: quantas gerações de homens ela
imediatament imediatamentee ou realizar no seio de nosso eu” . O que equivale a dizer que o presente nunca é apenas presente, um estado temporal fechado em si mesmo, mas que ele é de uma natureza mais flexível e não cessa cessa de so licita r o passado e o porvir: “ O presente não é
viu nascer nascer e desaparecer “ desde os tem pos em que escra escravos vos se
jamais; jamais; o que vi ve m os no im ed ia to co m o presen te ence rra s empre
esgueiravam a o lad o d e seus senhores ru mo às tumbas subt subter errâ râne neas as
em si a lembrança d o que era justamente presente” .379 A exem plo
dos mártires [...] até hoje, quando essa hierarquia complexa desapa-
de Friedrich Nietzsche, Dilthey pensa que o homem é uma cria-
receu quase quase totalmente n o Estado m od er n o!” .377 Po r outro lado lado,, o
tura do tempo, inelutavelmente ligada à cadeia do passado e que é
indivíduo é sempre um ser bastardo, no cruzamento ( Kreuzungspurtkt )
precisamente essa que faz nascer nele a necessidade de se exprimir
de diferentes grupos históricos. Embora seja modelado, até a moela,
de maneira maneira durável: “ O animal vive tudo no presente. presente. [...] Nada
por suas experiências sociais, jamais é redutível a uma só dessas:
sabe do nascimento e da morte. Assim, sofre bem menos do que
jamais se dá c om ple tam en te, ne m m es m o à sua fam ília , a matriz de de
o homem. Embora se observe por toda parte, no reino animal,
todas todas as as outras outras formas de vid a social. T om em os o caso de um juiz. juiz.
crueldades, mutilações ferozes, a luta pela vida e pela morte, a
Ele pode pertencer ao mesmo tempo a uma família, a um partido
vida do homem está exposta a uma dor bem maior e mais perma-
político, a uma Igreja, etc.: além do fato de que satisfaz
nente”. Nossa v ida se estende atrás atrás de nós, rum o ao passad passado, o, pelo
[...] a função que ocupa no espaço jurídico, ele é fruto de diversos outros conjuntos interativos; age no interesse de sua família, deve cumpnr uma atividade ec on óm ica, exe rce suas suas funções políti política cas, s, e
viés da lembrança, e adiante, numa expectativa, cheia de temor ou esperança, esperança, voltad a para o por vir: “ Do s dois lados lados ela se perde na obscuridade” .380 Con trariam ente ao que dirão, nos nos decénios
talvez, de quebra, com pon ha versos. Assim, os indivíduos não est estão
segu seguin intes tes,, numerosos soc iólog os (especialmente alguns alguns defensores defensores
inteiramente ligados a tal conj unt o i nter ativo , mas, na dive diversi rsidad dade
do interacionismo interacionismo s im ból ico38 ico381), o eu não é um produ to hicet nunc,
das relações de causa e efeito, só são postos em relação uns com
determinado por uma situação contingente. Suas ações são fundadas
outros os processos que derivam de um sistema determinado, e o
na duração e se alimentam de imagens do passado e de antecipações
indivíduo está imbricado em conjuntos interativos diferentes.™
do porvir: “ Dif eren ça e ntre a alma e as as menores parte partess do cor po” ,
Por sorte, mes mo qu and o não é po ssíve l, c om o nas situa situaçõ ções es
escrev escrevee Dilth ey n o fim dos anos 1870,
extremas, extremas, habitar simultanea mente dive rsos espaços, restanos restanos ain ainda da
[...] estas tendem, na flutuação de condições que aparecem
a possibilidade de haurir recursos atrás de nós e à nossa frente, em
e desaparecem, a voltar a seu estado primeiro. A alma, ao
outros tempos: "Numerosas são em nós as possibilidades da vida
contr ário, guarda nela as consequências dos influxos recebidos, recebidos,
em relação à memóna e ao querer projetado para o porvir, [...] àe
mesmo após a chegada de influxos de sentido oposto: segundo
tal forma que nossa imaginação vai além do que podemos viver Wilhelm Dilthey, Plan der Fortsetzu ng zu ni Au jbau der geschichtliclien geschichtliclien Welt in den Geistwissenschaften Geistwissenschaften (19071910), in Gesammelte Schnften, op. cit., t. VII, p. 194, 259. Sobre o tempo real, cf. igualWilhelm Dilthey, L Éd ifu ati on du mo nde hist oriq ue, op. cit ., p. 8 8 .
mente mente Wilhelm Dilthey, Studien zur Grundlegung der Geistwissenschaften (19051910). in Gesammelte
Schnften, op. cit, vol. VII, p. 7075.
^ Wilhelm Dilthey, Intr oduc tion au x science s d e l ’esprit , op. cit ., p. 22 4. atribui a L Édi fica tion du mo nd e h isto riqu e, op. cit ., p . 1 1 8 . O grup o a que Dilthey atribui nw. ^ n e capacidade capacidade de unificar a exper iência é, se m dúvid a alguma , a geração, entendida como como dhelm Dilthey,
restnto de indivíduos que, no curso de seus anos de form ação , foram confrontados a c inl 1,05 niesmos acontecimentos. ,
Ela
expnme uma relação relação de
contemporaneidade
do»
UOS Es sc sc Po Po n to to s er er í re re t om om a d o p or or S i gf gf r ie ie d K r a ca ca u er er , VHistoire: des anmt-demièns clioírs * ra^,IZ1^0 do inglês inglês por Claude Orsom , Paris, Stock, 2006, cap. 1.
136
Wilhelm Dilthey, Le ben un d Er ke nn en , op. cit ., p. 357. Segundo Herbe rt Blurner, " A ação espec ífica tem lugar no seio de uma situação situação e se refere a csta l ]: qualquer que seja a unidade —um indivíduo, unia família, uma escola, uma igreja* uma empresa, empresa, um sindicato, etc. cada ação espe cífica se forma co m base na situação no seio da da qual * desenrola": desenrola": Herbert Blumer, Soc iety as Symbolic Interacton, in Am old M. Rose (dir.), Hu ma n
Beliavio r an d so cial Proce sses: A n Inte rac tion App roa ch, Boston, Houghton Mifflin, 196, p. 187
O
PCQUENO X -
Da
BIOGRAFIA k HISTÓRIA
A
PLURAUDADE DO PASSADO
a bela frase de Schleiermacher que diz que nela nada perece. É
E como a organização política contém em si uma diversidade
por esta esta razão que ela po de se desdobr ar.'82 ar.'82
de comunidades que descem até a família, a vasta esfera da vida
Enquanto isso, mesmo a relação que existe entre uma comunidade
nacional compreende, ademais, comunidades, conjuntos mais restritos que têm em si seu movimento próprio. [...] Cada um
ou uma instituiçã instituição o e uma época ou uma civ ilizaç ão não é definível em
desses conjuntos interativos está centrado sobre si mesmo de
termos termos de pertencimento. Sem dúvida, toda ép oca e xprim e uma fig figur ura a
uma maneira particular e é aí que se encontra fundada a regra interna de sua evolução.,86
dominante. É unilateral e, em certos momentos, a consonância entre os diferentes domínios da vida é particularmente forte: por exemplo, o espírito espírito racional racional e mecanicista mecanicista do século X V II influen ciou a poes poesia ia,, a ação política e a estratégia de guerra. Mas tratase de exceções, já que os diferentes diferentes campos campos gozam de certa auto nomi a: “ Cada conjunt conjunto o particular contido [no mundo histórico] possui, através da posição de valores valores e da da realizaçã realização o de fins, seu próp rio cen tro” .383 Co m o Wilhelm von Humb oldt escrevia já e m 1791, há sempre fragmentos de hist histór ória ia
Profundamente insensível à magia da cronologia, Dilthey não deix deixa a de conceitu alizar a pluralidade fundamental do mundo históneo em sua sua dim ensã o temp oral. N a esteira de Herd er, que afirmava que todo fenómeno é o próprio relógio, escreve, em 1910, que o tempo histórico não é nem um movimento retilíneo nem um fluxo homogéneo.387Assim, o século X V III é habitado, habitado, ao mesmo tempo, pelas Luzes, por Bach e pelo pietismo:
que resistem resistem ou recusam con form ars e ao m ov im en to ge ral.384 Disso Disso Esse Esse conjunto hom ogén eo, em que se expnme, expnme, em diferentes diferentes domínios da vida, a orientação dominante das Luzes alemãs,
resultam irregularidades, diferenças, discordâncias: Esse Esse conteú do [ histór ico] se apresenta com o uma unida unidade de..
não determina por isso todos os homens que pertencem a
E o que pôde fazer nascer a ideia de que era possível expor
esse século, e, mesmo lá onde sua influência se exerce, outras
o conjunto da história sob a forma de relações lógicas entre
forças agem muitas vezes a seu lado. As resistências do século
pontos de vista homogéneos. Assim, os hegelianos estragaram
precedente se fazem sentir. As forças ligadas às situações e às
a inteligência da filosofia moderna pela ficção segundo a qual
ideias anteriores são particularmente ativas, mesmo se buscam
os pontos de vista decorreriam logicamente uns dos outros.
darlhes uma form a n ova. 388
Em realidade, realidade, uma situação histórica co nté m inicialmente uma uma
ou uma mistu mistura ra instável instável de aspirações d iferen tes e d e atividades que que
De certa maneira, Dilthey desenha o todo histórico como um conjunto maleável, conflituoso, no seio do qual coexistem forças discordantes que se rebelam contra a unidade forçada do Zei tge ist : Não se trata de uma unidade que seria exprimível por uma ideia fundamental, mas antes de um conjunto que se edifica entre as tendên tendência ciass da próp ria vid a” .389 De fini tiva me nte , as as considerações de Dilthey sobre a natureza heterogénea e descontínua do tempo
se contradizem. Acolhe diversos conjuntos interativos em perpétuo
Histórico propõem uma imagem musical da relação entre as partes
diversidade de fatos particulares. Refratános, estes são simples mentejustapostos e não se deixam reco ndu zir uns aos outr outros. os.
385
Uma civilização não constitui, portanto, uma entidade compacta e não é feita de uma única substância, redutível a um princípio primordial mordial.. D eve antes antes ser ser compreend ida com o um entrelaça entrelaçamento mento
movimento (a economia, a religião, o direito, a educação, a política, o sindicato, a família, etc.):
Wilhelm Dilthey, L ’Édi fic ati on du mo nd e his tori que , op. at ., p. 122124. 1‘rovavelmen ‘rovavelmente, te, com o o dirá Siegfned Kracauer ( L' substituir L' Hi sto ire , op . d t., p. 216), seria melhor substituir Jexpressão a marcha do te m po ” po r “ a marc ha dos t em pos ". Cf. igualm ente Wa lter Benjan iin,
' W I i T l " ^
E rk rk en en nU nU ns ns ,h ,h eo eo ns ns ch ch f F ng ng m e nl nl e , o p. p. ci ci t.t. , p. 63.
U Cy L EJ 'tUal,0n du mon Je hist oriq ue, op. cif., p. 92. WilhcWn\on WilhcWn\on Hnm ivjj. . Sdiriftm op C11 menschlichen K rafie, in Cesttmmtllt ^'r (^ese,ze drr Entwicklung der menschlichen
4W á h V
Wilhelm Dilthey, V
^ m tw t w n du du pp00 >,r o pp.. „ ,
p
OnjJÍHf du drame barroque aiiemand (1925 (1925 ), traduzido do alemao por Sibyle Muller, Paris, Paris, Flamma t non 1985, 1985, p. p. 3839. Wilhelm Dilthey, L ’Édi fic ati on du mo nd e hist oriq ue, op. cit. , p. 132. „ p. ]3 3 jj ni ano majs e]e voltará a esse ponto , in Di e Ty pe n der tVe ltan scha uun g un d fà d „
irt A^sbildung in deu metaphysiehen Systemen, in Oesammelte Schriften, vol VIII, p. 8990.
139
O
PEQUENO
x - Da
biogkafia
A história
A
PLURALIDADE DO PASSADO
e o todo, num jo go infin ito de h armon ias e de dissonâ dissonânc ncias ias não
compreender um edifício observando cada um dos tijolos que o
previsíveis: não existe um núcleo único, que seria ao mesmo tem-
compõem, examinando o cimento e identificando a mão de obra que o construiu, pois o que importa verdadeiramente é a ordenaçã nação o arquitetural. O mes mo se dá com a vida. Não podem os decompôla em mil pedaços, precisamos apreender sua conexão psíqu psíquica ica dom inan te: “ To da vida tem seu sentido próprio: ele reside na conexão significativa no seio da qual cada momento evocado possui seu próprio valor e tem também [...] uma relação com o
po a melodia e o a com pan ha men to (o sécu lo das Luzes), mas uma alternância alternância de temas temas que se enca deia m e se ent recru zam. 390
V Desejoso sobretu do de desco brir as diferentes maneira maneirass como como a humanidade realiza realiza sua sua liberda de in ter ior , D ilt he y v olta muitas muitas vezes zes à biografia, a forma de historiografia mais filosófica segundo ele: É a vontade de um homem, em seu desdobramento e em seu destino, que é aqui apreend ida e m sua sua dignida de como fim em si, e o biógrafo deve perceber o homem sub speà e aetemi, tal como ele mesmo se sente nos momentos em que, entre ele ea divindade, tudo é tão somente transparência quase não velada, signos e intermediários, e em que se sente tão próximo do cé céu estrelado quan to de qua lqu er parte da terra.39 terra.391
Desse Desse ponto de vista, a biogra fia pri vile gia o grande homem na medida em que esse é capaz de amalgamar experiências duráveis. Mas tal propensão não é nem um pouco exclusiva. E possível contar qualquer vida, da mais insignificante à mais notável, da cotidianidade aos mais altos altos feitos: “ A fam ília gua rda suas suas lembranças, a just justiç iça a criminal e suas teorias nos fazem conhecer a vida de um malfeitor, a patologia psíquica a de um anormal. Cada elemento humano se toma para nós um documento que nos apresenta algumas das possibilidades sibilidades infinitas de nossa nossa exis tên cia ” .392 A dizer a verdade, no que concerne à biografia, Dilthey coloca uma única condição: considerar o ser humano em sua íntegra. Se o eu é holístico, a biografia também deve sêlo. Não chegamos a
senti sentido do da totalida de” .393 Infe lizme nte , n ão se trata trata mais aí de um edifício, edifício, e a tarefa é bem mais árdua. árdua. A conex ão psíquica dominante se exprime plena men te na duração, já que é uma “ forma gravada que que se desenvolve v ive nd o” ; por conseguinte, conseguinte, não podemos com preender plenamente o indivíduo, por mais próximo que esteja, senã senão o observando co m o ele se torn ou o que é. É por essa essa razão que Dilthey se pergunta, repetidamente, se a biografia não assume todo seu sentido somente na idade adulta, quando o processo de individuação é completado. Considera mesmo a necessidade de esperar o fim do curso da vida: talvez somente na hora da morte podese contemplar a totalidade de uma vida. Em todo caso, cada elemento particular da existência adquire uma significação essencialmente por sua con exã o c om a totalidade. Nessa perspectiva, que será será mais tarde retomada por Hannah Arendt, a verdade e a significação .Bed eutu ng) ng) não coincidem: a primeira descreve um pensamento, ( Bed uma sensação ou uma ação, enquanto a segunda indica a relação desse pensamento, dessa sensação ou dessa ação com uma vida em seu conjunto (pessoal ou histórica). E, na biografia, assim como na história, é a significação que deve predominar, uma vez que uma miríade de fatos verdadeiros não basta para nos revelar uma vida: como escrevera, escrevera, uma ve z ainda, G oet he, “ um fato de noss nossa a vida vida não não vale por ser ver da de iro , mas por que s ignificava alguma coisa’ .394 Dilthey não se contenta em defender a natureza holística da biografia; ele sublinha igualmente o laço vital profundo que exis-
Jorge Luís Borges perguntará: c om o se po de imag inar que Cer vant es era contemporân eo
te entre a obra de arte, a biografia e a história. Em suas obras de
s, compreendendo textos de Borges, G quisiçàor quisiçàor O . Jorge Luis Borges, In M em or y o f B orge s, Green. Vargas Vargas Llosa, Llosa, 1988. 1988. Cf. igualmente os protestos de A lber to Savm io, Fine dei tnodelli (1 (1 1 in Opere, p. 479, contra a indiferença de Cronos que lançou G ioacc hmo Rossini num num
^
que lhe é estran estranho. ho. Sobre o valor do an acronismo, cf. igu almente Hans Magnus Enzensb EnzensbH^ H^
Ibid., Ibid., p . 1 9 9
Feuilletagt Essais (1997), Essais (1997), traduzido do alemão por Bemard Lortholary, Paris, Gallimard, I ^ Wilhelm Wilhelm Dilthey, Dilthey, Intr oduc tion au x scienc es de 1’esprit , op. cit .. .. p. 191. Fortsetzung zum Aufba u dergeschichtlichen dergeschichtlichen W elt in den Geistwsstns Geistwsstns Wilhelm Dilthey, Phn der Fortsetzung in Gesammelte Schnften, op. cit.,
p. 247.
140
Coiwcrsatiom de Goethe avec Ecltermann, op. cit., 30 março de 1831, p. 413. Sobre a distinção entre 'erdade e significação, ver igualmente Hannah Arendt, La l'i e de 1’esprit (1978), traduzido do '"glêspor Lucienne Lotnnger, Paris, PUF, 1981, p. 30.
O
PEQUENO PEQUENO X -
Da BIOGRAflA À HISTÓRIA
A
estética, estética, toma p or al vo d e suas críticas “ todas as finezas artific artificios iosas as
PLURALIDADE DO PASSADO
que que invoca não é mais Go eth e ( Tu do se liga a isto: para para fazer alguma alguma
que gostariam gostariam de separar separar o bel o da exp eriê nci a da v ida ” . Para Para ele, ele, o
cois coisa, a, é preciso ser alguma coisa” ), mas Shakespeare Shakespeare,, que, pela v oz
poeta é uma alma alma impregnad a de vida: “ E p recis o procurar ante antess de
de Hamlet, recorda que o fi m do drama drama sempre sempre foi “ tanto tanto na ongem
mais mais nad nada a o funda mento dos efeitos espe cífico s d o p oeta no ambi ambien ente te,,
quanto quanto agora agora apresentar d e certa forma o esp elho à natureza; natureza; mostrar mostrar
na riqueza riqueza e na energia de suas suas exp eri ên cia s” .3yi .3yi Essa Essass estão estão inten inten--
à virtude seus próprios traços, à vergonha sua própria imagem, ao
samente vivas tanto na matéria quanto no estilo, já que existe uma
século século e ao co rpo do tem po a impressão de sua sua forma ” .4u0
relação estreita entre o estado psíquico que engendra a obra poética e a forma qu e lhe é p rópn a: “ As i mag ens e suas suas relaçõe s ultr ultrap apas assa sam m,
A relação entre a obra de arte, a biografia e a história, porém, está longe de ser simples: cada uma das linhas das A fi ni da de s elet iva s
por essa razão, a experiência vivida ordinária; mas o que nasce dessa
foi vivida, mas nenh um a delas é tal co m o foi vi vid a.40 a.401 Nesse senti-
forma representa, entre tanto , essa essass ex per iên cia s, ensina a captar captar suas
do, toda toda catalogação b iográfi ca é inadequada. inadequada. N ão bast basta a repertoriar repertoriar
Contrariamente significações e a apro ximá las d e no sso c or aç ão ” .391’ Contrariamente
os hábitos do poeta, reconstruir suas frequentações ou escutar as
ao que afirma Mareei Proust, exatamente na mesma época, a obra
declara declaraçõe çõess de seus amigos, com o pensava pensava SainteBeuve. É mesmo
de arte não é para Dilthey o fruto de outro eu , mais profundo, que
inútil interrogálo sobre o que pensa de tal ou tal coisa, porque a
escapa escaparia ria,, e m esmo se recusaria recusaria à exp eriê nci a de vida.39 vida.39 Para Para ele, ele,
inteligência artística é inconsciente, muitas vezes incapaz mesmo
nenhum abismo separa o poeta do homem. Mais ainda, Hyperion é
de se explicar: explicar: “ O trabalho criado r do p oeta repousa repousa em toda parte parte
Hòlderlin, Empédocles é H H õlde rlin: mes mo distanciamento distanciamento da da agigi-
sobre sobre a energ ia c om que vi ve as coisas. coisas. Em sua organização , que
tação tação do mun do, mesm o pes o d o passado... “ Se essa essa fórmula fórmula é um
oferece poderosa ressonância aos sons da vida, a noticiazinha sem
pouco estreita estreita,, temos mes mo assim o di reit o d e diz er: é somente somente na
alm alma de de um jorna l, na rubrica “ O mun do do crime” , o seco seco relato relato
medida em que um elem ent o ps íquic o, o u um a combin ação de tais
de um cronista ou a lenda grotesca se transformam em experiência
elementos, está em relação com um acontecimento vivido, e com
vivida” .402M oz art aband onav ase às impressões susci suscitad tadas as pela vida,
a representação deste, que ele pode ser elemento constitutivo da
como um pereg rino em terra estrangeira, estrangeira, com um prazer profundo
poesia” .3'1" Mas há mais. mais. P or qu e o po eta não vi ve nas nas nuvens, nuvens, sua
e em toda toda liberdade. O mes mo poderia ser dito de Lessing Lessing,, de Goeth e,
obra tem igualmente sua historicidade e, em certos casos, exprime
de Novalis e de Hõlderlin, os elos do movimento espiritual alemão.
as inquietudes de toda toda uma geração : “ A arte pinta o céu e o infem infemo, o,
Eilos, indefectivelmente impregnados das vivências mais dispa-
os deuses deuses e os fantasmas fantasmas co m core s empre stada s à realidade. Ela Ela se
rata ratada das, s, “p ois a vid a de um h om em está tão entrelaçada com os
contenta em inten sificar os elem en tos d esta” .399 Dessa vez a refe referên rência cia
destinos de muitos outros que um dia ele os vê subitamente com uma uma força força visionária em face de le para, em geral, voltar a perdêlos no tumulto do mundo, ou senão é tocado de maneira mais eféme-
Wilhelm Dilthey, L'I ma git iat ion du po èt e, op. cit ., p. 115. 164. A esse esse propósito, propósito, C f tam bém Hans G eorg Gadamer, Vèritè et méthode. Ibid ., p. 94 e 164.
Lb
ra, talvez somente pela expressão de um indiferente ou a notícia
grandes lignes d une herméneunque philosophique (1960), traduzido do alemão por Pierre Fruchon, Jean Gre ndin e G ilbe rt Me rKo , Pans. Éd mon s du Seu il, 1996, p. 325 329 . Mareei Proust, Contre Sainte-Beuve, op. at., p. 121147. Wilhelm Dilthey, L Ima gma tio n du poè te, op. cit ., p. 104. Cf . i gualm ente as proposições proposições sob sobre re i filosofia considerada considerada como uma essência viva , “ um or ganis mo a limenta do pelo sangue sangue de um filósoto": filósoto": W ilhelm Dilthey, Das ges chi cht licl ie Be wu sst sei n un d die Wc lta nsc lia uun gen . in in Cesamm*
Wilhelm Dilthey, Ulmagination du poete, op. nt., p. 163. Cf. William Shakespeare, Ha ml et , ato Hl, cena cena II, linhas linhas 1923. N o curs o do discurso profe ndo em Vien a, em 1936, por ocasião dos cinquen cinquenta ta anos anos de Hermann Broch, Elias Elias Canetti definiu o escritor como um fino cão de caça, tendo tendo o vício de meter o nariz nos recônditos de sua época. época.
filosohu, u, Schrifien, op. cit . vol. VIII, p. 30 sq. Sobre a ligação entre e xperiência vivida e visão filosoh
Recentemente, Am os O z dec larou: "Q ual é a parte parte da autobiografia autobiografia e da invenção invenção em minhas minhas
Wilhelm Dilthey, L His toire de la je un es se de He gel in Le ib ni z et He ge l. traduzido do alemao p»
histórias? Tudo é autobiografia: se um dia escrevesse uma história de amor entre Madre Teresa c
^JeanCnstophe Merle. t. V, Pans. Édmons du Cerf, 2002.
Abba Eban, Eban, sena certament e uma histón a biográfic a em bora nào confessada. confessada. Todas as histónas histónas
” * Wilhelm Dilthey, Contributions à 1’étude de findividualité (18951896), (18951896), in Lc mon de de 1'tspM. °P àt. p. 278.
que escrevi escrevi sào sào autobiografias. Nenh uma é uma confissão".
142
Wilhelm Dilthey, L' hn ag in at io n du po ete , op. dt , p. 60.
O
PEQUENO X -
Da
biografia A história
de um jor na l em pa ntu rrad o de fa tos ” .4" ’ Es tra nh o à mentalidade
A PLURALIDADE DO PASSADO
maio maiore ress preocupaç ões, fragmentos de imagens incoerentes, o poeta
aritmética do dois e dois são quatro, Dilthey sabe muito bem que
neglige negligencia ncia intenci onalm ente os traços contraditórios. contraditórios. Em seguida seguida,,
a obra de arte não é uma representação direta e fiel da experiência
a intensif intensificaç icação ão de cada ele me nto, a exemp lo do que acontece num
vivida, nem mesmo a imitação de uma realidade efetiva, dotada de uma existência inde pend ente, mas antes antes um m om en to de criação criação de
palc palco o de teatro teatro qua ndo um personagem particula particularr é iluminado por um refletor (em Shakes peare e Dic ken s, há “uma espécie de luz arar-
que surge algo de imprevisível, que permanecera até então latente.
tificia tificial: l: as as imagens são co locad as sob a iluminação elétrica e crescem
Embora penetrada de vida, a poesia transcende a realidade e se
sob sob a lupa” ). 4U6 En fim , a integr ação: “ Um a imaginação qu e apenas apenas
serve serve da da experiência para para ennqu ecê la c om nov os temas: temas: “As imaima-
eliminasse, reforçasse ou diminuísse, aumentasse ou reduzisse, seria
gens gens e su suas combinações se desdobram livre m ent e [no poeta] para
fraca e não produziria mais do que uma idealidade sem relevo ou
passa co m o no sonho ou no além das fronteir as do re
uma caricatura da realidade. Por toda parte onde se constitui uma
delíno, dois estados estados psíquicos em que se realiza “ a livre modelagem modelagem
obra de arte verdadeira, produzse um desdobramento substancial
das das imagens” . Essa Essa afinid ade ent re a poe sia , a fantasia onínca e a
das imagens imagens que rec ebe m um c omp lem ento positi vo” .407
loucura é evidente em Rousseau e em Byron, os mais eminentes
VI
poetas subjetivos dos dois úl timo s séculos: “ Se lem os a histó história ria de Rousseau a partir desse 9 de abril de 1756, data de sua instalação no
Por muito tempo, Dilthey acariciou a esperança de apreender
eremitério do parque de La Chevrette, em que ele ‘co meç ou a viver’,
a significação significação ou as signifi caçõ es da vida graças graças à psicologia : é
até sua sua mo rte, que só ela pô s fi m a seus seus son hos , a suas suas decepções , e
nessa ciência fundamental, entendida como conhecimento da ex-
mesmo à sua mama de perseguição, é impossível separar seus fan-
periência vivida ( Erlebnis*™) e não como ciência experimental, que
tasm tasmas as de seu seu desti no” . By ron t am bém “ am pl ific ou fantast fantastica icamen mente te
devem se fundar a biografia e a história, como afirma seu ensaio
todos os acontecime ntos d e sua vida ” . Mas esses esses não são cas casos os ex-
Uber Uber vergleich vergleichende ende Psychologie. Beitràge zu m Stud ium der Individualitàt,
cepcionais: todas as as produ ções poétic as, me sm o as mais sã sãs, reve revelam lam
escrit escrito o entre entre 1895 e 18 96 em resposta às críticas de Wi lh elm W in
afinidade com os “ estados estados psíqui cos q ue se afastam da norma da vida vida
delb delban and d e de H ein nc h Ebbinghau s.409Nesse texto, com o em outros outros
desperta".4 desperta".4"’ C om uma diferença, entretan to. Enqua nto no sonho sonho,,
que datam dos anos 1890, a compreensão ( Verstehen) é encarada
na loucura ou no estado de hipnose, a coerência da vida psíquica é
como um processo de reconstrução psicológica graças ao qual o
diminuída, ela se encontra, ao contrário, aguçada na arte: o poeta transcende a realidade para percebêla de maneira mais potente e
intérprete é transposto ao horizonte de outro. E somente por esse movimento im agin ativo —ultrapassand —ultrapassando o os limites da Erlebnis indi-
profunda. Para Dilthey, a transformação poética da realidade se
vidu vidual al e reencontran do o pró prio eu no tu que é possível possível reviver
funda sobre três três operaç ões estéticas (q ue po de m nos parecer, hoje hoje
(nacherleben ) e reproduzir analogicamente o ato criador de outro
em dia, ligadas demais ao cânone do classicismo). Em primeiro
ser humano (quer se trate do autor de um texto ou do protagonista
lugar, a omissão: diferentemente do delirante, que mistura, sem
de um fato): “ Ap ree nd em os a vida inter ior [de outras pessoa pessoas]. s]. Isso Isso
Wilhelm Dilthcv, Goethe e t rimagina tion poétique, op. cit , p. p. 286. Sobre SainteBeuve, cf. o capitulo O limiar limiar biográfico”.
‘ " IM I M ; p. 103. Sobre a poética de Dilthey, cf. Kurt Miiller Vollmer, Towards a Phenomenological Phenomenological
Wilhelm Dilthey, Ulmagma tion du poèle, op. cit.,
p. 67.
Norbeit Ibid ., p 9S A analogia entre a criação artística e o sonho é prop osta igualm ente por Norbeit
Wilhelm Dilthey, L ’Ima gin ati on du poè te, op. cit, p. 102.
Theory Theory of Uteratu Uterature. re. A Study of W ilhelm Dillhe y’s Poetik, Poetik, La Haye, Mouton. 1963. •"Sobre a noção de Erlebnis na reflexão de Dilthey, ver especialmente Otto Fnednch Bollnow,
Elias, M oza rt Soa olog ie d un gén ie. traduz ido do alem ão por Jeanne Ét oré e Bema rd Lortho Lortholarv larv..
Dilth ey. Ein e Ei nf uh nw g m sei ne Ph ilo sop hie (1936), Schaffhausen, Novalis Verlag, 1980, p. H4 sq.
I‘ins. Édmons du Seuil, 1991; e por André Green. La let tre et la mo rt. Pro men ade d ’un psy chúnahílt
Wilhelm Windelband. “ Histoire et sciences de la nature". op. cit.; Heinrich Ebbinghaus. Ebbinghaus. “Úbe r " Wilhelm
à trann l.i littérature: Proust, Shakespeare, Conrad, Borves... entretiens avec Dominique Eddé, Pam' Denoel, 2004, p. 142 sq.
erklaren erklarende de und und beschreibende Ps ycholo Rie” , Zei tsc hrif t fitr Psych ologie un d P hysio logie der Sm neso rgan e.
144
>8 %, IX, p. 161205.
145
A
O PEQUENO X - D a BIOGRAFIA À HISTÓRIA
ocorre por uma operação espintual que equivale a um raciocínio analógico. O s defeitos dessa dessa operaçã o vê m do fato de que só a realizamos transportando nossa nossa próp ria vida psíquica a ou trem ” .410 Eisnos aqui bem longe do preceito distante prescrito (mas talvez bem pouco posto em prática) por Ranke, que recomendava ao histonador apagar o própno eu, de maneira a deixar falar apenas as coisas. Dilthey não o estima possível, nem desejável. Pensa, ao contrário, que só a extensão do eu toma possível a compreensão do mundo históneo: o ato de reproduzir e de reviver, essa passagem alimentador, “ on de mesmo as do eu ao tu, tu, é para para ele com o o solo alimentador, as operações mais abstratas das ciências morais devem haunr sua força. A compreensão não pode jamais ter aqui um caráter puramente racional. E vão querer fazer compreender o herói ou o gênio acumuland o as circunstâncias de todas as espécies. A via d e acesso que melho r lhe con vém é a mais mais subjetiva” .411 Entretanto, sua confiança na psicologia não foi inabalável. Desde 1894, escreve que não são as experiências psicológicas, mas a história história que permite ao ind ivídu o ap reend er o qu e ele é.41 é.412Tre ze anos mais tarde, alerta contra a ideia de reviver diretamente um estado psíquico: Se quiséss quiséssemos emos [...] viver agora imedia tamen te, aplicandonos a isso de qualquer maneira que seja, o fluxo da própria vida, (...) recairíamos recairíamos sob a lei da vida, vida, segund o a qual todo mom ento observado, ainda que reforcemos em nós a consciência desse fluxo, é o mo mento que se tomou lembrança, mas não o fluxo; pois est está á hxado pela atenção que petrifica então o que em si é corrente. Não podemos, por conseguinte, penetrar a essência essência desta desta vida: vida: o que o jov em de Sais desvenda é uma fo rma e não a vida.413
Wilhelm Dilthey Psydiologic descriptive et analytique, op. cit., p. 203204. A id eia da dilatação do eu. ^ *ii num movimento condnuo entre estrane estraneidad idadee e reconstrução, reconstrução, procede de Goethe, que, mais ^H * ninguém, parece possui possuirr
uma faculdade faculdade quase feminina de simpatia com a existênci existência a
suas suas tormas, uma imaginação que a aumenta reco nstr uind oa” analytique, op. cit., p. 259).
PLURALIDADE DO PASSADO
Em 1910, um ano antes de sua morte, termina por abandonar definitivamente toda forma de intuição psicológica. Reitera, uma vez vez ainda ainda,, que o co nh eci m en to é uma expressão expressão vital: vital: “ Nã o é uma áémarche áémarche conceituai que constitui o fundamento das ciências do es pínto, mas a apreensão de um estado psíquico em sua totalidade e a capacidade de reencontrálo revivendoo. E a vida que apreende aqu aqui a vida ” .414 Mas rev ela se cada ve z mais pessimista pessimista quanto à possibilidade de participar de maneira imediata da experiência de outrem pela simpatia ( N a c h f u h l u n g ) . Ele que, em seus escritos de juventude, juventude, se de fin ia co m o a um só te mp o histori ador e psic ólo go, desc descob obre re partilhar partilhar dora vante a desconfiança de Go ethe em relação à introspecção: o homem só se conhece na medida em que conhece o mundo, só conhece o mundo em si e só se conhece no mundo. Mas, Mas, então, então, co m o nos é possível compreender o outro? Co mo podem podemos os nos reco nh ece r n ele, sentir seus seus estados estados de alma? alma? E como podemos nos fundar no ato de compreensão, ainda mais quando essa posteriori? “ Em face da intrusão constante sobrevêm a posteriori? constante do arbitrário românt romântico ico e da subjetividade cética no dom ínio da história história”” , Dilthey enfrenta essas questões, durante os dez últimos anos de sua vida, na espera esperanç nça a de “ fundar teor icam ente o v alor universal universal da interpret pretaç ação ão,, sobre o qual repo usa tod a certeza histórica” .4’3R eatand o com com a tradição tradição he rme nêu tica que abordara nos anos anos 1860 com uma grande biografia de Friedrich Schleiermacher, escreve que a obra de arte é compreensível graças à afinidade que existe entre aquele que exprime e aquele que escuta.416A individualidade d o intérprete e a de seu autor não são estranhas ou incomparáveis entre si: bem pelo pelo contráno, “ são constituídas tan to uma co mo a outra sobre os elementos fundamentais da natureza humana em geral, o que toma possível a comunidade entre os homens no discurso e na compreensã ensão”. o”. Os seres humanos dife rem uns dos outros, e a compreensão mútua élhes uma tarefa árdua. Tudo bem considerado, não se trata, no entanto, de diversidades qualitativas entre as pessoas, mas
(Goethe et 1’imaginalion
Wilhelm Dilthey, Contribui,on à 1’élude de findividualité, op. cit., cit., p. 282. A crítica de Dilthey a
o véu véu da da deusa deusa, em Sais Mas o que viu? Viu maravilha das das maravilha maravilhass a si mesmo’ , sobre o
Iarde ret°mada ret°mada por Georg Simmel: cf. Pietro Rossi, Lo slori cism o conte mporâ neo, 41 k' tol ",‘“i Iarde op- at., at., p. 235.
qual Dilthey reflete em Goethe et l’im
Psychologie descriptive descriptive et analytiq ue, op. cit., cit., p. 389. ^ Wilhelm Dilthey, Dilthey, Psychologie i» m ™ • P
^ a" <*lT *lT ^onset* un8 zum A ufbau dergeschichtlichen W ell in deu Geistesunssenschafien, Geistesunssenschafien, ratase de um dí stico d e F nedn ch Nov alis: “ Alg uém o cons eguiu que retirou
146 146
., p 90. Wilhelm Dilthey, L'É di fic al io n du mo nd e his tori que , op. cit ., cit., p. 307. ’ ( Wllhe|m Dilthey, Na issa nc e de 1' he nn én eu tiq ue (1900), in Écrits d'esthétique, op. cit., p. emieneutica, Roma. Bulzom, Sobre Sobre sua leitura leitura de Sch leiermach er, cf. Franco Bianco, Sloricismo ed emieneutica, Roma. 1^74, cap. 3; Georges Gusdorf, Le s orig ine s de 1’herm in eu tiq ue , Paris, Payot, 1988, cap. 4
147
O
PEQUENO
x - Da
A
biografia a história
“ das das diferenças de in tensidade em seus processos p síqu icos” .417Ess 7Essa leitura otimista vale igualmente para o passado, um mundo que lhe é familiar, no qual evolui com desenvoltura:
PLURAUDADE DO PASSADO
suas expressões.422 Felizmente , o ser um a ún ica d e suas humano ano tem c onsta nte nece ssida de de expressar seus estados de alma. alma. manifestações corporais. E diferentemente do animal, n ão se limita a manifestações
a totalidade em
Graças à linguagem, pode escapar à solidão de sua vida interior Da distribuição das árvores num parque, da ordenação das casas numa rua, da ferramenta bem adaptada do trabalhador até o julgamento pronunciado no tribunal, há incessantemente à nossa volta pro dutos da históna. [...] Já que o te mp o avança, esta estamos mos cercados por ruínas romanas, catedrais, pelos castelos da monarquia. A história não é algo que esteja separado da vida, nada que esteja esteja cortado d o presente po r seu distanciam ento n o tempo. 418
Que o material seja inevitavelmente lacunar e obscuro, de certa
para contarse, cantar, pin tar, dança r, e tc. 423 E são ess essas as realizaç ões exten extenor ores es que tom am possível a compreensão: “ Esta Esta compreensão compreensão vai da apreensão do balbucio da criança até a de Hamlet ou da fala a na na pedra, pedra, Crítica da razão pura. O mes mo espírito humano nos fal no mármore, nos sons musicais, nos gestos, nas falas e nos escritos, nas ações, ações, na ord em ec on óm ica e nas constituições, e requer uma interpret interpretação ação”” .424 En qua nto o p rocesso cria tivo vai da da experiên cia
forma uma não evidência, não constitui um obstáculo insuperável.
vivida ( Erleben) à expressão ( A u sd ru ck ), o processo da compreensão segue o caminho inverso: só penetramos a interioridade do outro
Por certo, o historiador é condicionado por sua época, mas, como
por seus efeitos, por causa das manifestações pelas quais, como diria
qualquer outro intérprete, pode dilatar sua experiência e se abrir a outra vida: Po r cima de todas as as barreiras barreiras de sua própr ia época,
Hegel, Hegel, a cons ciênc ia hu mana se obje tiva .425
ele olha para fora em direção às civilizações do passado; ímpregna
to numerosos: a linguagem, o mito, a arte, a religião, o direito, a organização política (poderíamos mesmo acrescentar o sonho, a
se de sua força e reexpenmenta sua magia: e tira daí um grande aumento de felicid ade” .419
Estes stes “ produtos objetais ” , com o os chama Dilthey, são mui-
cozinha, a moda, o sintoma, etc.). Alguns entre eles apresentam a
Em relação a seus escritos precedentes, é sobretudo a imedia tez que é abandonada: abandonada: a com preen são se tom a um ato refl etid o.420 Dilthey estima que, ainda que não tenhamos acesso direto à signi-
vantagem de produzir figuras firmes e estáveis, enquanto tudo o
ficação profunda de uma existência, podemos ao menos apreender
ergue firme, visível, durável, tomando possível uma compreensão
alguns alguns fragmentos seu seuss mediante suas suas manifestaç ões exteri ores: “ A existência de outrem só nos é inicialmente acessível do exterior
segura e regular. Assim, nos confins do saber e do fazer se desenha um círculo em que a vida se abre a uma profundidade que não é
através através dos dados sensíveis, sensíveis, gestos, sons e ações” .421 C om o Droysen dissera e repetira durante os decénios anteriores, só compreendemos
aces acessí síve vell nem à obs erva ção ne m à refle xão nem à teoria .
que se pas passa sa em nós, nossa interi orid ade , é dramaticamente p recário e fugidio, fugidio, até para nós mesm os: “ Ve ríd ica em si, [a obra de arte] arte] se
A seus seus
olhos, não resta dúvida de que a literatura constitui o produto mais eminente, aquele que, mais do que qualquer outro, permite que nos
W,lhelm Dilthey, Nais sanc e d e Vh erm fne uli qu e, op. cit ., p. 305. ^ W ilhelm Dilthey, Dilthey, L Éd ifi aii wn du mo nde hist oriq ue, op. cit ., p. 101.
Johann Gustav Dro yse n, Hi sto rik , op. aí., p. 112.
41 Wilhelm Dilthey, Na iss an u de Vh en nén eun que . op. cit. , p. 291.
Alguns decénios niais tarde. Alfred Schvitz sublinhará a capacidade humana de se manifes
t io ion s d u C r f í w n t 11942], traduzido d o alemã o por Jean Carro, Pans, Pans, Edi Saenas ia n'l,ure 11942], ’ . 0 .. 2 unia ^Ktinção entre o ato da criação e aquele da compreensão, sublinhando
ativida atividades desacessíveis, acessíveis, tanto aos aos cnadores quant o aos destmatános, como elementos de um mun
H i tariral l i
Sobre a relação entre a concepção hegeliana do espírito objetivo e a objetivação d
â
°
^ erTos cnt,COs cnt,COs falaram de virada herme nêutica: cf. The odo re Plantinga, Plantinga,
Edwin M II r I)d"
°f Wilhelm Dilthey, LewinstonQueenstonLampetter, The
I His tor . C T r i” *’ i 92; ,,S ,,See N : Bulh° Bulh° t' Wilhelm D ilthey A Hermeneinical Approach to lhe Study Study n ' * *"*aVe' Nijho ff, 1980. Algumas consid erações críticas a esse respeito foram
formularta
‘* '
Makkred' D ," h r r
Wilhelm Dilthey, N a,is an ct de Vh erm éne uúq ue, op.
Pnnceton, Pnnceton
p. 292.
>hey, cf. Karl Lów ith , Di lth ey s un d Hei deg gers Ste llu ng zu r M eta ph yst k (1966), in
amt ic e
.
19811988, vol VIII. Sobre o caráter mediado da relaçao entre vi Stuttgart, Stuttgart, Me tzler, 19811988, «pressão (Ausdmck) e compreensão (Verstehen), cf. H. Diwald, Wilhelm Dilthey.
r cnn
’ <
"nd Philosophie Philosophie der Geschich te, Cròttingen, 1963, p. 153 s
148 148
'
Wilhelm Dilthey, Na iss an ce de Vh crm én eu tiq ue , op. cif., p. 293.
149
,
A HUtAl H UtAl DADf DO PASSADO
O
PtQUENO
x-
Da
biografia
à h i s t ú «ia enraizamento
insiramo insiramoss no outro histórico. Di lthe y a define, aliás, aliás, co mo um verdadeiro monumento históneo: a importância capital da literatura para noss nossa a compreensã o do passado “ se deve a que so men te na língua a intenoridade do homem chega a uma expressão completa, exaustiva e objetivamente compreens ível. E p or isso isso que a arte arte de compreender tem seu centro na interpretação dos traços de existência humana humana contidos no esento” Tratandose de um produto completo, ele é também necessanamente verdadeiro e, por conseguinte, provido de objetividade. Podemos nos enganar sobre as razões dessa ou daquela ação, pois muitas vezes os homens se dedicam a apresentar sua conduta sob uma falsa luz. Mas a obra de um grande poeta, de um grande inventor, de um fundador de religião ou de um autê ntico filó sof o jamais ser será á outra coisa senão a expressão verdadeira de sua vida psíquica; nesta sociedade humana, cheia de mentiras, uma obra deste género é sempre verdadeira e, diferentemente de qualquer outra expressão fixada, é suscetível em si de uma interpretação completa e obje tiva.42 tiva.427
do saber na vida
(o
“é
a
vida que apreende aqui a
vida”) que representa o limiar ínstransponível: a possibilidade de
dilatar o própno eu, de acolher outras expenências de vida, não é infinita. Mas essa constatação não implica necessariamente que seja renunciar: por mais cruel que seja, esse limiar comporta p r e c i s o
também algo de positivo. O ponto mais doloroso concerne indubitavelmente à relação entre as partes e o todo. Dilthey não atnbui ao dilema biográfico 0 caráter quantitativo que sublinhamos em Carlyle. Não aspira a conhecer todos os elementos que alimentaram a evolução histónea. Coloca o problema num plano mais qualitativo. Afirma que nào podemos apreender diretamente a totalidade histónea, uma vez que cada parte é um conjunto interativo que tem seu centro em si mesm mesmo o e em si mesm o enco ntra sua significação. Mas dizn os também que a decomposição da totalidade não tem sentido algum. As part partes es não po de m ser com pree ndid as singularmente, ja que nao estão fechadas em si mesmas; ao contráno, cada uma delas esta ligada às outras numa unidade que não é uma s i m p l e s justaposiçao. A análise análise deve. se quer comp reende r o partic particular ular,, se esforçar esforçar por
VII VII Sem dúvida, dúvida, a fé no conhec imen to tem limites. O desejo de de apreender de uma vez por todas a significação dos acontecimen-
apreender suas suas relações relações co m o geral. Q uero descrever descrever os k w u ? conceitos gerais gerais listas de D iire r sou então obr igado a me servir dos conceitos que oferece a teona da arte pictónca; devo falar, além Asso, ios temperamentos e da maneira com o eram concebidos na epocu de
tos históricos parece a Dil the y “ ao menos tão aventurosa quanto
Diirer . Se qu ero analisar essa essa obrapnma , dev o me lem rar «.os recursos de que a pintura dispõe para representar grani is tigura
o sonho do filósofo da natureza que pensava, graças à alquimia,
da históna históna universal co mo São João ou São Pedro |...| |...|. ie vo
arrancar arrancar à natureza sua sua última palavra. Assi m c om o a natureza, a
tegrar em seguida em todas essas relações gerais de tatos a
históna não pode entregar sua última palavra, uma palavra simples
pertencentes à teona da pintura a particulandade concreta que
em que se enunciar enunciaria ia seu seu sentido verda deiro” .428 O mesmo ocorre
reside na maneira co m o a Renasc ença trata trata tais temas, temas, .
com os acontecimentos biográficos, pois toda com preensão permaineffabile", e", repete nece sempre relativa. “Individuum est ineffabil repete várias vezes. Co mo muitos muitos de seu seuss contemporâneos, D ilthe y viu, ele também, a naturez natureza a trágica trágica do con hecim ento. Sob certos aspectos, é justamente
•
deve ser situada, no fim das contas, a onginalidade da obrapnma de Diirer. São, portanto, em toda a parte, relações entre tatos gerais e o individual q ue permite m uma anális análisee deste deste úl
Donde algumas dúvidas imtantes sobre o valor cientíhci gra grafia fia: se cada cada ind iví du o é o pon to de enc ontro de ditere
Wilhelm Dilthey, Nai ssan ce de 1’hermé neu tiqu e, op. ril ., p 294. A dep endên cia da históna históna para para
junto juntoss interativos, co m o po de m os pro ce de r a partir dele, aj
com a literatura será igualmente sublinhada por Hans Magnus Enzensberger. "Letteratura come stonografia", op dl. Wilhelm Dilthey, Intro ducti on au x sciences de 1'espr il, op. cit, p. 250.
111
" '‘ Íhel Íhelm m Dilth Dilthey. ey. Psychologie descnplivt el analytique, op. cit.. p 2332.14
151
njM *
O PEQUE PEQUENO NO X - D a BOGRAflA A HISTÓRIA
A PLURALIDADE DO PASSADO
o conteúdo da natureza humana através dele? Donde também uma
inacabada da história, e parar de tentar concluir o que é inesgotá-
necess necessida idade de infinita de históna: “ O des env olvim ent o da essê essênc ncia ia
démarche fácil. Isso significa reconhecer vel, está longe de ser uma démarche
humana se encontra na históna, é aí que se pode ler em letras
que que toda toda interpretação implica uma arte hermenêutica e, portanto,
maiúsculas os impulsos, os destinos íntimos, as relações vitais da
aceit aceitar ar a importância da imaginaç ão histórica: “ Conside remos um
natureza natureza humana”.43 humana”.430D on de , en fim , a con vic çã o de qu e na histó históna na
homem que não tenha nenhuma lembrança de seu passado, mas que
não reina nem o indiv idua l nem o geral, mas “ a combina ção do do geral e do i ndiv idua l” .431
pense e aja somente em função do que esse passado provocou nele
Profundamente sensível à vitalidade periférica da históna, Dilth ey enfrenta a sensação sensação de ve rtig em que atravessa tod o projeto projeto
sem ser consciente de nenhuma de suas partes: tal seria também a situação das nações, das comunidades, da própria humanidade, se esta esta não conseguisse c om ple tar os ves tígio s” .434
de histór história ia biográfica. biográfica. Mas, fiel ao ex em plo do jui z que, de queb quebra ra,,
VIII
compõe versos, não se deixa abusar pela ilusão de poder descobnr um ponto miraculoso em que se refletiria a totalidad e histórica. histórica. Com Humboldt, sugere outra via: aceitar o caráter circular do conheci-
Contranamente ao que afirmam os historiadores que preten-
mento. Para apreender o todo, devemos compreender suas partes,
dem encontrar os fatos pu ro s, para Dilthey, a vida exige ser guiada
mas, para apreender as partes, énos preciso compreender o todo.
pelo pensamento: “ Nossa faculdade limitada de reprodução teria teria
Existe entre as duas operações uma dependência recíproca, uma se
muita dificuldade de se encontrar através das complicações e dos
alimentando da outra: outra: se “a visão his tóric oun ivers al da totalid totalidade ade
enigmas do particular se as linhas do conjunto vivo não fossem
pressupõe pressupõe a compree nsão das das partes que estão reunidas nela” , inverinver-
deduzidas” .43' É p or isso qu e lhe parece necessário reagrupar as as
samente, a com pree nsão de um a parte do cur so da históna só só atinge atinge
expenências expenências históneas em tom o de tipos.43 tipos.436 Esse Esse projeto faz log o
sua sua perfeição graças graças à relação relação da parte c om o t od o” .432Ass im como
pens pensar ar naquele de M ax W eb er que, quase quase ao mesmo tempo, funda a
a significação de uma frase frase não reside nas palavras palavras que a compõem,
conceitualização da realidade no tipo ideal.43 ideal.43 Para We be r, o tipo não
mas na ligação que as une, um fato singular só tem significação em
é definido nem por caracteres comuns a todos os indivíduos, nem
relação relação com a vida em seu conju nto : “ A cada instante de no nossa ssa
por caracteres médios; ele deriva de uma construção formalizada,
vida, no pensamento mais tolo ou na rotina mais insignificante, há
uma utopia que, em sua pureza, jamais encontra correspondente
uma uma conexão com aquilo que, enquan to sign ificação da vida, vida, relig religa a todos seu seuss momento s num t od o” .433
dade ou de uma categoria no seio de uma classificação, tratase de
Em vez de buscar vencer a sensação de vertigem, Dilthey
uma tentativa de colocar ordem, pela distinção e pela acentuação
na realidade empírica. Mais do que de uma reprodução da reali-
aceitaa aceitaa e se dedica a tirar tirar pr ov eit o dela. Q ue m sabe? O fato de que que cada espaço, cada tempo, remete a outro espaço e a outro tempo (fazendo assim da contextualização uma empresa interminável) não é talvez um entrave, entrave, e menos ainda um a mald ição. Ta lve z se tra trate te ao contráno de uma sorte e de um recurso. Rest a q ue aceitar a natu nature reza za
Wilhelm Dilthey. Pia ,i der Fortsetzung zu m A ujbau dergeschichtlichen Welt in den Geisteswissenschaften, Geisteswissenschaften, op- cit.. p. 279. *' Wilhelm Dilthey, Contributions á l’étude de 1’individualité, op. cit., p. 284. Sobre as as diferentes fases de elaboração do con ceito de tipo em Dilthey. cf. Lu dwig Landgreb , Wilhelm Dilthey Th eon e der Geisteswis Geisteswissensch senschaften. aften. Analse Analse ihrer ihrer Gran db eg nffe Jah ' rbu ch fur Philosophie und phãnomenologische Forschung, Ed. por Edmund Husserl, 19_8, 9, p. 237 366. identificação identificação entre "tipo " e "expressão” , proposta proposta por Langrebe, é rejeitada rejeitada por Antonio
Wilhebn Dilthey. Aus ar hei tun g de, des kri ptw en Psy cho logi e. op. cit ., p. 183. ik'!™ *
Conlnk" "°™ à 1'élude 1'élude de findiuidualité. op. cit., cit., p. 263.
Dllthey' L ÉdiJvat,on du monde histonque, op. cit., p. 105. Wilhelm Dilthey. Leb en un d Er ke nn en, op. cit ., p. 382.
152 152
gn,
M ilão, 1959, 1959, assim como por Giuliano Marini. D Marini. D ilt he y e la com prm sio ne Saggi sullo storicismo tedesco. tedesco. M det mando umano, Milão, Giuffré, 1965. " < I A mold Uergstraess Uergstraesser, er, "Wilhelm Dilthey and and Max Webe r: An Empincal Approach Approach to Histoncal Histoncal Synthesis", Ethics. Ethics. 1947, 57, p. 92110.
O
PfQUENO
x - Da
biografia
à história
A
pluralidade pluralidade do passado
unilateral unilateral de certas certas características características típicas .43 .43" O mes mo ocorre com
certos personagens; no Sonho de uma noite de verão, as ilusões e os
Dilthey que considera o tip o c om o fa tor de in teligibilidade se sem
extravios do amor são concentrados em algumas relações típicas,
relação relação com a ideia de representatividade: “ A conceitualização nã não [...] com o uma brincadeira co m que a consciênci consciência a soberana soberana
é, portanto, aqui uma simples generalização que extrai o elemento
se deleita precisamente porque ela toca na grave questão da
comum vale ndose da série dos casos casos particulares. O conceit o exex-
conservação da vida [...]. E é na maneira como um artista cria
prime um tipo. Proced e do m étod o c om par ativ o” .43'' Assim como como
uma atmosfera, um mun do, na maneira como seus personagens personagens
desconfia, ele também, de toda solução naturalista:
se mov em e são ligados en tre si, que toda sua sua mentalidade [encon tra sua] ex pressão mais pr ofunda .443
O original era um indivíduo; todo retrato autêntico é um tipo, com mais mais forte razão, tod o per sonag em de um quadro. A poe poesi sia a tampouco pode copiar pura e simplesmente as coisas. Se um dramaturgo resolvesse transcrever u m d iálo go real, com tudo tudo o que este este pode ter de acidental, d e ín corr eto, de tolo, de dif difus uso, o,
Fortalecido pela convicção de que a arte representa um modelo apropriado para a história, Dilthey imagina em certos mome moment ntos os o ben efici o heurístico que uma verdadeira roteirização roteirização
acabaria por entediar o leitor. [...] Mas tal tentativa de copiar
do pass passad ado o pro porc iona ria: “ Qu an do revi vem os um passado passado graças graças
fielmente o objeto estará sempre condicionada, ela também,
àarte com que o historiador nolo toma presente, extraímos um
pela subjet ividade daq uele qu e escuta, lembr a, reproduz.44 reproduz.44'1
Entretanto, Entretanto, à diferenç a talvez de W eb er , quando Dilthey Dilthey considera o trabalho de condensação, é sobretudo na arte, tida por fundamento fundamento de todo con hecim ento, que e le se inspir inspira. a. “ Não pospossuiríamos mais do que uma medíocre parte de nossa inteligência atual da condição humana se não estivéssemos habituados a olhar pelos olhos do poeta e a ver nos homens que nos cercam Hamlets e Margaridas, Ricardos e Cordélias, marqueses Posa e Felipes Para Para extrair o essencial essencial de u ma re alidad e, frequ en tem ent e bast bastan ante confusa, o poeta condensa as experiências. Insere inicialmente um
ensina ensiname mento nto,, com o a con tec e co m a própria vida; sentimos que nosso ser se dilata e que forças psíquicas mais poderosas do que as nossas inten sifica m nossa exi stê nc ia” .444A car icia a esperança de que o trabalho de condensação permita revivificar o passado, dar uma segunda vida a suas sombras exangues, e exprimir sua diversidade: o tip tipo contém contém “ um au men to da exp eriência vivida, não no sentido de uma idealidade vazia, mas, ao contrário, no de uma representação da diversidad diversidadee sob uma form a imag ética, cuja estrutura estrutura forte e clara tom toma compre ensív el a significação de experiências vividas de menor intere interesse sse,, ainda nã o di sti nta s” .445
grupo humano num tipo; estiliza a seguir as relações entre as personagen sonagens: s: a vida “jog a os hom ens tod os misturado s; mas, mas, por mais realista que seja u m artis artista, ta, sua sua grandeza imp lica nec necessariamente essariamente que coloqu e em relevo seus seus traços essenciais” .442 Ra fae l e Shakespeare não se limitam a imitar a vida, dão ao geral uma forma singular. A
escola de Atenas e A di sp ut a representam culturas inteiras através de ^
’ P 284285. Essa partilha da vitalidade e ntre as diferentes figuras e os diicrwn jco ntcc mic n
•°s, •°s, que se se alimenta inev itave lme nte da subjetivida de d o autor, não é uma característica característica da arte. arte. Ainda Ainda que trazendo frutos bem men os n otáveis, ela escarule nossa viiii de todos os dias. Segundo
Max W ebcr, L*Obj ectii ftté de la co nnai ssanc e d ans les s de tu es et la p oli tiq ue sod ales (1904), in Essau
la thíorie de la snence, op. dt., p . 11 sq
Papers. U e Pn+lem Ajfted t ed Sc Schi hiitz itz ("O n M ultiple R ealines ealine s ” , in in Colected Papers.
{Soaal Reality. La Haye,
artin artinus Nyh off, 1962), o eu perc ebe se mpre o outr o através ite uma uma «n c de estandartizaçòes, estandartizaçòes,
Wilhelm Dilthey, Dilthey, L'É diJi cati on du mo nd e hist oriq ue, op. d l. , p. 136.
Contribution à 1‘ 1‘itude de rindw idualtté, op. dt ., p. 286. Wilhelm Wilh elm Dilthey, Contribution Ibid ., p. 278.
mas caas se niultiplit jm * se com am cada v ez mais in ónm u* i m cdid i qwc no* ifastamos ifastamos do cara cara CJra c que cresce a distância (um am igo se toma um inglês r
*«in« po»
ilhelm ilhelm D ilthey, Intr odu cti on au x sáe iice s de 1'esp rit, op. d t. , p. 251
441l b,d., p. 284.
helm Dilthey, L'I tn ag in ati on du poè te, op. at ., p. 116
154
155
CAPÍTULO V
O homem homem patológico
Co mo uma apaixon ada, que, à beira do mar, olha, olha, com com os olh os chei os de lágr ima s, o ser am ad o qu e se afa sta, sem esperança de jama is revê-lo, crê perceber ainda sua imagem na vel a qu e desa par ece, não tem os ma is, como ela, do que a so mb ra de nos sos des ejos ; ma s ela des per ta um a nos talg ia ta nt o ma is fo rt e pe lo qu e p erd em os , e con tem pla mo s as cóp ias da s fo rm as ori gin ais com um a aten ção bem ma ior do que teríamos feito se delas tivéssemos tivéssemos a posse plena.
Johann Joachim Win ckelman n446
I O tempo, lêse em L e Sp lee n de Paris , "retomou sua brutal ditadura” ditadura” .447 Charles B audelaire certamente não é o ún ico a pensar nesses termos, no coração de um século que deve encarar um novo tipo de tempo. O antigo tempo local, local, lento e variega variegado, do, que reconhecia a cada cidade sua hora, é, com efeito, progressivamente afastado, por exigência das companhias ferroviárias que não conseguem gerir as dezenas de horários particulares em vigor no continente europeu.44 europeu.448 N o início, ele pôde coexistir coexistir com o tempo
Johann Joachim Wm cke lma n, Geschichte der Kunst desAltertums (1764), Parmstadc, 1982, p 393394. Charles Baudelaire. Lc Sp lee n de Pari s, pet its poè me s em prvs e, Ed. estabelecnU por R.oNm Kopjv Paris, s , Gallimard, 2006, “ La chambre doub le” , p. p. 112. '"C f. D avid S. Landes Landes.. L ’Eu rop e te rh m an m r
Ré vo lut wn teclm ique et litw ov? m Jm tttrl rm rm F.uropt
ocadentale ocadentale de de 1 75 0à nos jours (1969), jours (1969), traduzido do inglês por Louis Evranl, lfârw. (ralliiruni. 1975. 1975.
157 157
O
PEQUENO
x - Da
biografia
A história O HOMEMPATOtÒGICO
ferrov iário, depois é rele gad o aos celeiro s da história para para ser ser enfim enfim
II
suplantado pelo tempo mundial. E o que ocorreu em 1884, quando os representantes de vinte e cinco países, reunidos em Washington Meridiano, estabelecem o compri para a Conferência Internacional do Meridiano, mento padrão do dia e dividem o globo em vinte e quatro fusos horários, 15° de lon gitu de distantes entre si, si, a partir do observat observatório ório de Greenwich. Esse novo tempo público, desejado pelas estradas de ferro, não é apenas apenas mais mais ho m og én eo que o antigo. É també também m mais rápido e invasor: segue o ritmo do telégrafo, que anula todo
Burckhardt começou muito cedo a se sentir em profundo desacordo com seu tempo. Desde 1846, aos vinte e oito anos de idade, revelava ao médico Hermann Schauenburg sua vontade de cortar as pontes com sua sua época: “ E por isso isso que me fundo na amenidade do Sul [...], mas que deverá, admirável e silencioso monumento fúnebre, me resserenar, com seu frémito de antigui-
intervalo de tempo entre dois lugares bastante distantes e escande
dade, tão cansado que estou da modern idade” . Deseja Deseja liberarse liberarse de todo s (“ radicais, comunistas, industriais, industriais, sábios, sábios, ambiciosos,
a vida de milhões de pessoas graças à extraordinária difusão do reló gio de bols o.44 o.449
Estado, idealistas, istas e icos de to da esp écie!” 452), pret ende
A decisão de impor um tempo público neutro e uniforme não é uma questão de som enos importâ ncia. E tampo uco foi fru fruto de um em preend imento pacífico . D ez anos após após a conferê conferência ncia de Washington, um certo Martial Bourdin, sem dúvida um agente provocador infiltrado num grupo anarquista, decide colocar uma bomb a no observ atório d e Gr een wic h. O atentado fraca fracass ssa: a: Bour Bourdi din n
meditativos, abstratos, absolutos, filósofos, sofistas, fanáticos pelo afastarse dos combates do presente. Na esteira de Goethe, de Chateaubriand, de Madame de Staél e de Stendhal, o historiador suíço atravessa os Alpes. Sabe que sua decisão deve suscitar a reprovação de numerosos amigos que escolheram o engajamento político: “ Cr eio ler no olhar de vocês todos uma reprovação muda muda ven do m e ceder com tanta tanta leviandade leviandade aos prazer prazeres es do Sul, Sul, à arte arte
Outrage, que inspira ajoseph Conraduma nista do Greeminch Bomb Outrage, que
e à antiguidad e, enqua nto no mun do reina o sofrimen to” . Mas, antes que a barbárie geral se deflagre (é esse seu diagnóstico), deseja deseja fazer “ um bo m e nobre empanturramento de cultura cultura .45'
reflexã o acerba sobre a filos ofia do terr oris mo .45 .450 Além do mais, is,
Tr ês anos mais tard e, con fir ma ter a impressão de se enco ntra r
é morto pelo próprio engenho e passará a história como o protago-
a hostilidade em relaçã o ao te m po mun dial persiste muito temp tempo o
cotitrarius em relação à marcha “ pessoalmente num estado de de motu s cotitrarius marcha
ainda, mesmo naqueles que nenhuma aspiração revolucionária
do tem po” .454 Rep eteo em 1855: 1855:
anima. Na virada do s éculo X X , a literatura acusa acusa o nov o temp tempo, o,
Que sensação desagradável de constrangimento experimentamos
clock), de aquele do quadrante (time on the clock), de ser superficial, arbitráno e
quando nos encontramos presos nas grandes engrenagens do
terrificante, e reivindica a realidade irredutível do tempo subjetivo
mundo atual [...]. Outros séculos aparentamse a nos, tempes-
(time in the mind).45' Mas, bem antes de Mareei Proust, Franz Kafka
tades, tades, chamas; mas, mas, quando se fala fala do século em curso, o X IX ,
e James Joyce, um historiador toma a palavra: Jakob Burckhardt.
são sempre estas malditas máquinas que me vêm ao espírito.
Em momentos bastante raros, espera poder se reconciliar com seu Georg Simmel, D ic Gr of rlà dl c un d das Ge isl esl eb en (1903), in Michael Landman e Margarete
tempo, mas, o mais das vezes, prefere manterse afastado desse
Susman (dir.), Brii cke un d Tu r, Stuttgart. Stuttgart. K F K oeh ler. 1957, p. p. 227242. C f. Joseph Conrad, L Ag en t se mi (1907), tradu zido do inglês por Syl vèn e M ono d, Pans, Gallim Gallimard ard,, 1995. E Virgínia Wo oli que introduz a oposição entre lime in lhe clock e e lime in lhe mind em em Orlando, op àt., p. 103.
Uma hora no o co d e nossos loucos cére bros, p ode se estender cinquent cinquenta a ou cem cem
vezes mais do que sua duração de relógio; inversamente, por vezes não é mais do que um segun*k\ exacamente, exacamente, no quadrante de nosso espirito” . Sobre os desvios temporais, cf. Paul Ricoeur, temp rérit. Pans, Édmons du Span. n. « rérit. du Seuil, 1984, t.t. II. cap. IV; S tephen K em , The Cultu rt of Time and Spa 1 8 8 0 1 9 1 8 . . Cambndge (Mass.), Harvard Umversity Press, 1983, cap. I e V.
159 158
° HOmem ^ t o l ó g i c o ru
ri OGRAFIA
O PEQUE PEQUENO X - DA B K***
À HISTÓRIA
ba«alb» ‘'on,r‘ •' •'••'•■anedade ( salvaguartl.i, ) Quero Quer o contribuir contrib uir ........f()r r3 a s 5 ’ ' p « )s s ív cl cl f c * C0I« ri ri b ui ui desta desta posição. |.. .| Q uero a< a<> mn,o s esc escol olh( h(,r ,r , d" n«l n«ll«m o nela cultura da velha Europa (die Bildum A , quc morrer e é com paixã o dian te de seus estudantes estudantes da Uni Repete-o Repete-o “A história do m un do antigo, ao ao men menos os a dos ^ ^ ^ ^as^e ^as^eiia: prolo nga na nossa , é co m o um acorde fundamental0* fundamental0* ^ X , escutam i n c e s s a n t e m e n t e ressoar ainda através da ma«a A hum ano s” .-1 .-1'" Nossa No ssa dívid a para com o pass passad adoo °° ecime ecimento ntoss quc estamo esta mo s ligados liga dos aos egípcios, aos babilóni babilónicos cos já aos aos gregos po r u ma conti nuid ade íntima e profunda^Tud1'01 profunda^Tud1'0100* * que que pode servir, serv ir, m esm es m o de longe, long e, para aumentar noss nossos os conhec conhecime ime deve ser reunido, custe o esforço e o sacrificio que custar até aue cheguemos a reconstruir inteiramente os horizontes espirituais‘dl outro ou trora” ra” . P o r essa razão , podemos, ou melhor, melhor, deve devemo moss procur procurar ar pro teger teg er o continuum espintual da civilização: “Mas, se na infelici dade deve haver ainda uma felicidade, ela só pode ser de natureza espiritual, voltada para trás, para a salvaguarda da cultura do passado, virada p ara fren fr en te, te , para pa ra um a defesa serena e incan incansáv sável el do do espír espírito”. ito”.4463 Assim co m o Nietzs Ni etzs che , e antes de Nietz Nietzsch sche, e, Burc Burckha khardt rdt está está firmemente convencido de que, para sermos independentes, é-nos preciso ig ua lm en te ser inatuais: somente nos abst abstend endoo de de nos nossa sa époc épocaa pod emo s “ gu ard ar —com o um nã o polites polites ( Nicth Nicth-Po -Polit lites) es) mantendo-se à parte —o s en tid o histór his tórico ico de nosso próprio tempo, tempo, cont contra ra este este . Mas, co ntra nt raria ria m en te a Nie tzsch e, sua inatuali inatualidade dade não não lan lança ça nenhum nenhum descrédito sobre a consciência histórica. Sem dúvida, ele conhece também a importância do esquecimento. Sabe muito bem que existe ...
M
• século em loucura, que vive que dilapida antecipadament
p
n dia, que aboliu a Stimmuno, e j ^ ô m o das das gerações futuras...456
~ia*~, s a Itália Itália,, aue inspiram inspiram O Gcero,,e (um extraor viagens viagens ..a IQi . , An tigu idade greg a a Claude dinário euia da arte da Peninsuia, ua & Cenuss) infimto: Eu podena gu Lorrai Lor rai n45 n457) suscitam nele um gozo go zo (oer* (oe r* ' ^ Lorrdin ) olhos finalmente se abn indicar indicar no Vaticano, Vaticano, o ponto em que que ..ív i» ’ r n m p r e i a compreender alguma coisa d a A n t i g u i d a d e , ram em que comecei a o , . Ar rlp rlpns Nilo deitado. deitado. A Italia Italia „me forne ceu Foi diante da estatua Ar, do, deus inuo
u
.
uma nova escala escala de valores para uma rrnnade de coisas . Ma s também um grande sofrimento pelas perdas imensas do passado: onde foram pois, pois, para pararr os os mate materiai riaiss do Circus Maximu s de R om ar E o que foi feito dos revestimentos de mármore da vila de Adnano em Tívoli ? Poderemos algum algum dia nos representar representar exatam ente o c éleb re grupo das Nióbides? Além da devastação causada pela natureza (é o caso das fachadas pintadas das igrejas de Verona), há os abusos da história: os mármores da Antiguidade, reutilizados pelos primeiros cristãos cristãos para para construir sua suas basílic basílicas, as, alimen taram os f om os de cal da Idade Média, foram recobertos de decorações em estuque para satisfazer as exigências da arquitetura barroca, sofreram numerosas restaurações anacrónicas... A força destruidora do ser humano é tal que a Rom a modema “ é tanto tanto menos capaz de dar uma ide ia [do que foi] por obstinar obstinarse se em acu acusa sarr os os ‘bárbaros do N o rt e ’ de todas estas horríveis devastações 459 ”
A partir partir de de então, então, o “saltimbanco” , com o gos tava de assinar assinar por vezes, que, aos doze anos, tivera uma intuição clara e indelével da ‘ caducidade fferal fferal das das roisíK tprrpçfrfK” tprrpçfrfK” nrpfpnrlp t rava r um a
Na esteira de Emil Diirt, Lionel Gossman (Base! in the Age ojBurckhardt, A Study in Unseasonablc Ideas, ChicagoLondres, ChicagoLondres, The University of Chicago Press, 2000) aprofu nda a ligação existe nce entre a inatuahdade inatuahdade de Burckhardt e a sua cidade natal.
*
“ J « 0b Burckhardt. Bnef,.
” ° Cm COme COmemP mPlar lar f0rm f0rmaS Perfeit Perfeitas as
Ibid., 1.1, p. 20.
sobretudo sobretudo em v.ver em meio à
e. U. p. 210. 210. « t t . Hermann
ch T *t! G«e foramclassificados foramclassificados .
ordem cronológica por Emil Durr em 1929.
w
akm5o por Sven StelUng-
Jacob Burckhardt, Co nsidém tiom sur 1’hist 1’histoire oire du monde, monde, traduzi o
jacob Burckhardt, Burckhardt, Briefe, op. cit., t. IH, p. 63, carta a Eduard Schauenburg, 25 de março de 1847.
459
9
Jacob Burckhardt, Fragments historiques historiques (18 57) , traduzido do flebra, Droz, 1965, p. 2. Esses fragm entos foram escritos entre entre
-♦SB
^ Conservadâ no muse“ de Ch.aramonti no Vaticano, cf. Jacob Bur T ' al' ’ l' *’ P ' 461' Nessa °*3rana °*3rana página 269, ele esclarece que o v erd ade iro
^
ntos
Jacob Burckhard Burckhardt, t, Le Cicerone, guide de Va n an tique et de Yart modem e en Italie (1855). traduzido do
rkhl^Hr T T
v
.
457
aiemao por por August Gérard, Pans, Pans, FirminDidot, 18921894. Sobre as viagens de B urckha rdt, cf. Lionel Gossman, Basel in the Age of Burckhardt, op. cit.
« ---- 41 t t " 'íl í Al )
• Michaud, Paris, Alcan, 1938, p. 39. O texto foi publicado em
f exccutor único do legado de Burckhardt, sob o título l V d « * f
« « « t t m a , v o m J l d e B u rc rc kh kh ar ar d, d, e le le
direçâo deJacob Oeri, •
^ h w n g e n : de acordo Marc Sieber, Siebe r, “Le opere
1 99 99 7. 7. 1. 1. p. * M *
j
C°^ ®Urckhardt: la stori a si ngolare delia loro edizi°n
^
b burckhardt, F ra çm cn ts h is to ri qu es , op -
P* ^
160 1Ó1
»
/iq^
Stuttgart» Metder>1984,p-*1
O
PEQUENO X -
Da
BIOGRAFIA
k
HISTÓRIA
O HOMEM PATOLÓGICO
umajusta justa medida do passad passado: o: que nos é precis o bastante Antiguidade, para para estimular, mas mas não demais, para não o pr im ir. 465 Ad mi te que,
modés modéstia tia um tanto agressivas: agressivas: "M inh a pobre cabeça jamais esteve
por vezes, a desaparição de obras sublimes pôde dar à arte um novo impulso criativo: o extraordinário florescimento da poesia alemã do
últimas, sobre os fins derradeiros, e sobre o que é desejável para
minimamente à altura de bem refletir como você sobre as razões a ciênci ciência a históne a” , escrev elhe em 1874. Cin co anos anos mais mais tarde, tarde,
século XV III teria sido possível se as obras obras líricas gregas tivessem tivessem sido conservadas? Mas a própria ideia de que o sentido do passado
escla esclare rece ce,, na mesma óptica: “ C om o todos sabem, sabem, jamais penetrei
poss possa a ser ser noc ivo (no plan o pessoal pessoal assim assim com o n o plan o coletivo)
a divertirme no corredor e nas salas do per ibol os, onde reina o figu-
no templo do verdadeiro pensamento, mas passei toda minha vida
élhe totalmente estranha: para ele, a civilização só aparece quando
rado rado no sentido sentido mais amplo do term o” . No entanto, entanto, em 1882, 1882, toma
cess cessa a o simples presente sem história.46 história.466 Para doxal men te, a consciconsci-
distância abruptamente. Após terse comparado a um velho cocheiro
ência histónea é a única dimensão da modernidade que ele defende
que que persis persiste te em freque ntar sempre os mesmos caminhos, levanta duas
contra tudo e contra todos: um privilégio a que só renunciam os bárbaros que vivem na inconsciência, e os americanos a quem o
questões cruciais: a definição da grandeza (dada por Nietzsche no § 325 da Gaia Ciência : “ Qu em poderá jamais jamais atingir atingir a grandeza grandeza se se
pass passad ado o do Velho Mu ndo “ atulha atulha,, me smo que não queiram, como como
não não sent sentir ir em si mes mo a força e a vont ade de causar grandes grandes dores?” )
um bncabraque inútil” .467 É justam ente po rqu e desfaz a tradi tradição ção e impede por isso mesmo de ter uma percepção imediata do passado,
não não contena uma pen gosa propen são à tirania?4 tirania?469 E o qu e acont e cena cena se Nietzsc he ensinasse ensinasse a história? história? A o lon go dos anos seguintes, seguintes,
que a modernidade atribui a esse um valor cognitivo fundamental:
ele defenderá ainda algumas vezes a perspectiva terrestre da história,
por enquanto, a cultura europeia ainda não se acostumou à ideia de deixar o passado entregue a si mesmo, escreve em 1885, mas haure
que que aborda aborda co m o dirá Sie gfrie d Krac auer as coisas coisas penúltimas, penúltimas, as as
na contemplação do tempo a maior parte de seu conhecimento. O
decide, enfim, se abster de qualquer comentário:
sentido sentido histórico histórico da modernidade é favor ecid o p or uma série série de concondições: hoje em dia, é mais facil viajar, as fontes estão mais acessíveis, os governos quase não testemunham mais interesse pela pesquisa (e está aí uma vantagem!), as religiões se tomaram impotentes... Mas são sobretudo as as convulsões políticas, iniciadas pela R ev ol uç ão Fran France cesa sa que alimentaram alimentaram nos nossa sa necessidade necessidade de c om pre en de r o passado passado:: Se não queremos perder o ente nd ime nto ” , o contrape so da histó históna na e primordial. Foram eles que pr ovoc aram uma rev isão geral do pass passad ado o inteiro numa perspectiva historicista. historicista. “ Sabem os nos posicionar em pontos de vista variados para julgar todas as coisas e procuramos ser equânimes para para com os fen óm eno s mais estranhos e mais mais terríveis . A virtude da consciência histórica é ainda recordada em certas
últimas coisas antes das definitivas, the last things before the last, até até que
Para mim é um g oz o mu ito particular particular escreve em respos resposta ta ao recebimento de As sim fala va Zaratust ra - escutar alguém proclamar em alta alta voz, do alto d e um observatório que me domina, os horizontes e as profundezas que percebe. Doume conta assim do quanto vivi superficialmente até agora e de que, por conta de minha natureza pouco diligente, permanecerei certamente como sou: pois na minha idade não se muda, a gente se toma no máx imo vel ho e mais fraco.47 fraco.470
Cf. Fnednch Nietzsche, Le C ai Sa vo ir (18811882 ). traduzido do alemão por Pierre Klossowski, 1ins. Gallimard, 1982, p. 217. B urckha rdt exprim e mais amplamente seu pont o de vista vista numa célebre carta a Ludwig Pastor: “Jamais túi um adorador do homem sem escrúpulo e dos oul-laws da
cartas bastante lacónicas endereçadas a Nietzsche. Quando muito,
histór história ia e sempre os considerei antes com o flag ella De i [...]. Segui e principalmente principalmente procurei o que
Burckhardt Burckhardt tenta tenta esconde r sua sua perp lexid ade co m profissõe profissõess de de
dá felicidade e cria, o que vivifica, e acredito ter reconhecido tudo isso em coisas bem diferentes C 1 Jac°b Burckhardt, Bri efe , op. cit ., t. X, p. 263, carta a Ludwi g Pastor, 13 de janeir o de 1896. w . carta carta a Fnednch Nietzsc he, 10 de setem bro de 1883. Sobre a relação complexa entre Burckhardt
Jacob Burckhardt , Considéraíions sur 1’histoire du monde, op. cit., p. 95. Jacob Burckhardt, Fragments histonques, op. cit., p. 35, Jacob Burckhardt , Considéraíions sur Vhistoire du monde, op. cit., p. 39.
**Ibid.,
p. 238
e Nietzsche, Nietzsche, ambos “ sismógrafos m uito sensíveis cujas bases bases tremem q uando rece bem e transmitem ondas ondas , cf, além além do livro de Lõw ith, o pequ eno texto de Aby Warburg, 'Te xte de clòture du du “ minair minairee Jacob Burckhardt" (1927 ), traduzido do alemão por Diane Meur, Les Cah iers
imionald'art modeme, 1999, 68 , p. 2125. Cf. Georges DidiHuberman, L'i ma ge sur viv ant e. His toi red e *** *i temps temps fantómes selon A by IVuriturç, Paris, Éditions de Minuit, 2001, p. 117141. Em L Hist oire ,
162
163 163
O
PfOUENO X -
D*
BIOGRAFIA
À HICTÔHIA
O HOMEM HOMEM PAIOÍÔGICO CO
De fato, Burckhardt não pensa que a história tenha um valor
gosto de fazêlo; meu desejo era que essas pessoas aprendessem
exemplar exemplar a fortiori numa época em que o valor paradigmático
a colher os frutos graças a suas próprias forças. [...] Quis apenas
da tradição é comple tame nte n egl ige nc iad o. N ão aspira aspira a que ela possa servir de instrumento para o conhecimento do porvir, pois esse só toma forma quando tem lugar (aliás, é bem pouco desejável conhecer o porvir, visto que a vontade só pode se desenvolver
que cada ouvinte foijasse em si mesmo a convicção e o desejo de que cada um tem a possibilidade e o direito de apreender de maneira independente o passado que é particularmente de seu gost o, e que aí esteja a font e de uma certa felicidade .474
quando vive e age espontaneam ente). N o fiando, n em sequer é cert certo o
III
que o estudo do passado contribua para compreender o presente em tod o caso, ele recusa redu zir a re flex ão histórica a ess essa a úni única ca
O sentime nto de inatualidade de Burckhardt Burckhardt se alimenta alimenta de
tarefa. Mas considera que a contemplação histórica constitui uma
uma uma análi análise se política extrem ame nte precisa.4 precisa.475A inda muito jovem ,
forma de con hec ime nto pessoal que ajud a a viv er: “ Ela repre represe senta nta
tinha partilhado a convicção de Leopold von Ranke de que a paz
noss nossa a liberdade de espírito em m eio à imensa obr igaç ão das cois coisa as
de 1815 devia garantir um equilíbrio internacional duradouro: A
e ao ao imenso impé rio das necessidades” .411 Ain da que não penetre penetre
revolução fora declarada terminada, e a monarquia constitucional
a essência das coisas, ela pe rm ite qu e no s to m em os mais sábio sábios
parecialh parecialhee uma b oa m edia ção entre o antigo e o porvir. 476Mas, após após
(donde a evocação do R ei Lear: “ Só a maturidade conta” .472 De
a guerra do Sonderburd, que pôs a Suíça a fogo e sangue em 1845,
que mane maneira ira? ? Transformando a mem ória em saber: saber: “ Nosso espí espínt nto o
e após os tumultos que abalaram tantas capitais europeias três anos
deve incorporar as lembranças que deixa em nós sua experiência
mais ais tarde, tarde, essa essa certez a c om eç ou a claudicar: claudicar: os pequeno s Estados Estados
do passad passado. o. O que foi outrora alegria o u d or d ev e se trans transfor forma marr em conhecimento, com o na vida d e cada um de nós” .43E por es essa razão razão,, com o escreve justamente a Nietz sch e, que a histór história ia é
“não são os únicos a se sentirem menos seguros do que nunca; ao longo de quarenta e quatro anos de paz, mesmo os grandes jamais depuseram as armas e devoraram antecipadamente o dinheiro das
[...] uma maténa propedêutica: eu devia fornecer às pessoas a
geraç gerações ões futura futuras, s, co m o ú nico fim de se impedirem reciprocamente
ossatura particular de que não podemos prescindir se queremos
de crescer".4
Segu ndo toda probabilidade, os três três decénios, em
que as coisas fiquem de pé. Fiz tudo o que estava em meu poder para tormálas de algum modo num aprendizado do passado de qualquer qualquer natureza natureza que seja seja ou pelo menos para d e s p e r t a r nelas o
"Jacob Burckhardt, Burckhardt, Bn efe , op. a t t. V, p. 223, carta a Fnednch Nietzsche, 25 de fevereiro de 1874. Considerações análogas sào propostas por Ralph Waldo Emerson, Hist oire (1841), in Essais Pans, F. F. Alcan, 1912, 1912, p. 126: 126: Qual choisis, traduzido do inglês por Hen net te Mirab andT horens , Pans, e a razão do interesse que experimentamos estudando a históna grega, suas letras, suas artes, sua
op àt., Kracauer levanu rrês caracteres do universo históneo. Em primeiro lugar, ele é formado por fatos intrinsecamente contingentes, o que impede toda previsão; está, portanto, excluída a possibilidade de associálo ao princípio determinista. Em segundo lugar, ele é potencialmente
poesia, poesia, e isso isso em todas as épocas, d esde a idade heróica de Hom ero até a época que viu florescer as cidades cidades de Atenas e de Esparta, quatro ou cinc o séculos mais tarde? tarde? A razão é que nós mesmos somos gregos. Ser grego é um estado pe lo qual todo hom em passa passa num momento dado .
ínhnito esteve em gestação numa obscuridade long ínqua e dá para um po rvir ilimitado. Enfim, nfim,
Cf. Jòm Riisen, "Jac ob Burck hardt: P ohtical Standpoint and Historical Insight Insight on the Border
cie não contém mentido determinado. Suas características se assemelham à natureza dos matenai
of PostModernism", PostModernism", Hi sto ry an d Th eo ry, 1985, 24, p. 235246; Richard F. Sigurdson, "Jacob
que o tecem. Em outros termos, o conteúdo do mundo históneo remete à vida em sua plemnidf,
Burckh Burckhard ardt; t; Th e Cultural Histonan as Political Think er” , The Revieu*of Politics Politics, 1990, 52, 3, p.
como a vivemos com umente, dia após dia. Para afirm ar seus direit os, a história deve aceitar aceitar estar
417440; 417440; Roberta Gam er, "Jacob Burckhardt as a Theorist of Modemity: R eading The Civiliza-
suspendida a uma altura muito menor que aquela das ciências da natureza, da filosofia da histona
íwn of the Renaissance in Ital y”, Sociological Theory, 1990, VIII, 1, p. 4857; 4857; John R. Hinde, " Th e
ou da arte. Ela ocupa um lugar médio, híbndo, que toca a vida cotidiana, marcado pelo
Development ofjacob Burckhardt’s Early Polirical Thought" Jo ur na l o f Hist ory ofl de as, 1992, 53,
precário, indeterminado e cambiante. Jacob Burckhar dt, Considéraíions sur 1'histoire du monde, op. cit., p. 4041. ' Ibid . p. 296. 4(1. Sobre Sobre o trabalho trabalho da Memória, cf. Paul Ric oeu r, La Mé mo ire , l'hi stoi re, 1'oubh. P»ns. Ibid .. p 4(1. Edinons du Seuil. 2000.
3P 425436; Lionel Gossman, “Jacob Burckhardt: Burckhardt: Cold W ar Liberal?”. Liberal?”. The Journal of Modem
Histo ry, 2002, 74, 3 , p. 538572. Cf. L e o p o ld Sammtliche W erke, op. cit., vol. 49ld v o n R a n k e , Uber dte Restauration in Frankreich, in Sammtliche 50, Leipzig, 1887, p. 9 . Jacob Burckhardt, Fragments hisioriques , p. 59.
O
PEQUENO PEQUENO X -
D* HOGUAflA A HISTÓRIA
O HOMEM PATCXÒGtCO
aparência pacíficos, que vão de 1815a 1848, não foram mais que
Co m o tud o isso terminará? O q ue será será,, no porvir, do progresso
um “interm édio no grande drama” : “S abemos que é uma única única e
de 1830? Que arte e que literatura poderão resistir numa época tão
mesma tempestade que tomou a humanidade a partir de 1789 e que
agita agitada da e precária? “ A decisão final só p ode surgir das das profundezas da
continua a nos arrebatar” arrebatar” .478 A inq uie tud e cre sce nos anos 1860. 1860.
alma humana. Quanto tempo o otimismo, marcado hoje pelo sentido
Em razão, primeiramente, do conflito austroprussiano:
do ganho e do poder, conseguirá se manter ainda? Ou, como poderia
N o céu da metade da Europa jun tam se som brias nuvens, pres pressáságios das das violências por vir. O filisteu se sente isolado e está está apavoapavorado quando não pertence a um Estado de certa envergadura que possa lhe prometer, além da segurança, um serviço notumo de trens e todo o conforto imaginável. Seus filhos, filhos, provavelmen te, podem mesmo m orrer n um lazareto militar, se m que ele se indigne.479
fazêlo crer a filosofia otimista atual, produzirseá uma mudança geral de nossa maneira de pensar, semelhante àquela que se realizou nos nos séculos III e I V de nossa era?”41 era?”41*2 C om o te mpo , um pessimismo lúcido toma co nta dele: “ E possível que advenham tempos de de terr terror or e de profu nda miséria” 4"’ U m pessimismo pessimismo que permite a Burckhardt Burckhardt ele que nega co m todas sua suass forças forças que o historiador
Depois vem a guerra francoprussiana e a fundação do Reich ale-
este esteja ja em co ndi ções de pressentir o por vir formular certas certas profecias
mão. mão. N o fim de 1870, 1870, escreve:
estupefic estupeficant antes. es. Com pr ee nd e qu e a expansão colonial provocará uma guerra guerra das das raça raças: s: “ Qu an to m ais rapid amen te a terra for ocupad a pela
Repensar ei durante toda min ha vid a nesse fim d e ano! E minha minhass vicissitudes pessoais não terão aí mais que um papel menor. Os dois grandes povos, emblemas da civilização atual da Europa continental, continental, estão estão col ocand o sistematicamente em pedaços pedaços toda toda sua cultura, e o que suscitava no indivíduo prazer e interesse, antes de julho de 1870, não surtirá, na maior parte dos casos, nenhum efeito sobre ele em 1871 1871 mas será um for mi dáv el espetáculo se em seguida, entre tantas dores, algu ma coisa de no vo vir a luz.4 luz.4*"
raça branca, mais rápido explodirá em seguida a luta entre os diferentes povos povos que a co m põ em ” .484P rofundamente hostil hostil ao Groflstaat ou ou
Mach tstaa t (Goethe e Schiller não teriam sido possíveis na Alemanha de Bismarck), prevê uma violenta onda autoritária: Os povos imaginam que, se toda a potência do Estado estivesse em suas mãos, poderiam empregála em instaurar uma vida nova. Mas, no intervalo, há lugar para uma longa servidão voluntária
E a Comuna de Pans que acaba de arrebatar suas ilusões, varrendo todo conceito de autoridade:
sob a condução de tal ou tal chefe ou usurpador; não se crê mais nos princípios, mas sim, de tempos em tempos, num salvador. Incessantemente apresentamse novas possibilidades de despo-
Sim, o p etróleo nos subterrâneos subterrâneos do Lou vre e as chamas chamas dos outro outross
tismo que se exer cem muito tempo sobre povos extenuados.4 extenuados.4"5
edifícios incendiados são também a expressão do que o filósofo
Enfim, ele capta a lógica particular do terror moderno que, sob o
[Arthur Schopenhauer] chama o qucrer-viuer, q uerer ue rer assim caus causar ar tanta tanta impress impressão ão no m undo é a última vo ntade dos demónios loucos loucos
pretexto da ameaça exterior, transforma o adversário em inimigo
funosos; [...] aqueles que encenaram estes acontecimentos sabiam
c visa visa a seu seu aniqu ilame nto (“ não dev em sob reviver nem filhos
todos ler e escrever, e mesmo redigir artigos de jornal e outros
nem herdeiros: colla biscia muore II veleno*Sb") com base em critérios
géneros de escritos. E aqueles que na Alemanha poderiam ter em mente coisas coisas semelhantes cert amen te não são men os “ instruídos instruídos . 19471992, vol. V II , p. 67. Sobre a influência de Schopenhauer, ve r a análise (bastante severa) de Hayden White, Metah istory, Balom oreL ondre s, John Hopkins Urav ersity Press, 1973, 1973, parte parte II, cap. cap. 6 . ' ' Ibid ., p 198. 198. CL Maunzio Ghelardi. "Jacob "Jacob Burckhardt: Burckhardt: 'L epoca delia R ivolu zione '”, m Sludi 1997, XX XV III, p. 546. storia, 1997, ^ Jacob Burckhardt. Bnef e, op. u , t. IV, p. 238, carta a Fmdrich Thtodor Visclier, 17 de fevereiro de 1867. ^
btd., t. V, p 118119, carta a Fnednch von Pr een, 31 de dez em bro de 1870. Ibi d. t V, p. 129130, cana a Fnednch von Preen, 2 de julho de 1871. Sobre a importância do penodo c 1867 e 1872, 1872, d. W emer K aegi.Jacob Burckhardt, Eine Biographie. BasileiaSttutgait, Schwabe.
Jacob Burckhardt, Considéraíions sur l*histoire du monde, op. cit., p. 233234. Jacob Burckhardt, Fragments historiques, op.
rir., p. 197.
“ * IM -, p. 62. Ele se refere a Eduard von Hartmann. Philosophie de l inconscient (1871). traduzido do alemão por Desiré Nolen, Paris. G. Ballière. 1877.
Jacob Burckhardt, Fragments historiques, op. cit., p. 194. " C o m 3 cobra, cobra, morre morre o veneno. (N .T.).
O PEQUENO PEQUENO * - D* BIOGRAFIA à HISTORIA
O HOMEM PATOLÓGI PATOLÓGICO CO
escolhida idass objetivos: “ Exterm inams e os adversários p or cate gorias escolh
exalta as obras de Delia Robia, de Benozzo Gozzoli, Ghirlandaio e
em virtude de princípios gerais; comparados a essas execuções pe-
Rubens. É a seus olhos sobretudo a arte de Rafael, qualificada de
riódicas e que se repetirão indefinidamente, os maiores massacres
pintura da existência, que desvela as expressões etemas (Ewigungen)
em massa, anónimos e às cegas, têm pouca importância, porque
mais do que as manifestações temporárias ( Z ei tu ng en ): “ Em suas suas
sào sào exce pcio nais ” .487
Madonas Madonas e seus seus M en in os Jesus, Jesus, é a mulher e o menino que Rafa-
Essas apreciações políticas implicam todas uma crítica intran-
el revela, pois sabe depreender do acidental o característico e do
sigent sigentee do Estado Estado mod em o: a violên cia “ é sem d úvida sempre sempre o
efémero efémero o e tern o” .489 N o plano h istórico, afirma afirma que a verdadeira verdadeira
seu princípio inicial. [...] Muitas vezes mesmo, o Estado não foi
atividade não reside nos acontecimentos, mas nas intuições e nos
mais mais que uma simples simples sistematização da fo rça ” . Burckhardt recu recusa
pensamentos que estão em obra nos acontecimentos. Explicitao
radicalmente radicalmente a ideia, proposta p or H eg el e esposada p or numero numerosos sos
numa longa carta endereçada a Friedrich von Preen no último
historiador historiadores es alemães alemães que c on ceb iam o Estado co m o a mais mais alta lta
dia dia de 1870: “ O que sobre viverá d eve ter em si uma boa dose de
expressão ética:
conteúdo válido para todos os tempos. [...] Enquanto professor de
O desejo do Estado de realizar ele própno a moralidade, o que
históna, deime conta de um fenómeno bastante estranho: a perda
nào pode e não deve ser senão da alçada da sociedade, é uma
súbita de valor de todos os ‘acontecimentos’ puros e simples do
anomalia ou uma presunção filosóficoburocrática [...]. O do-
passad passado” o” .490 E o d eclar ará ain da p or ocasi ão de seu curso sobre a
mínio da moral é essencialmente diferente daquele do Estado.
civilizaç civilização ão grega: “ O que é desejado e pressupos pressuposto to tem portanto portanto
[...] O Estado Estado conservará tan to m elh or sua integridade na na meme-
tanta importância quanto o que acontece, a maneira de ver, tanta
dida em que per mane cer co nv en cid o d e que, por sua natu nature reza za,,
importân importância cia quanto um ato qu alquer” .491 N o lugar lugar de partir partir em
e talvez mesmo em razão de suas origens essenciais, é antes de tudo uma institu ição nascida so b o im pé no da necessid necessidade.4 ade.48"
IV Quase todas todas as as escolhas escolhas histo nográ ficas de Burckh ardt pod em se ser compreendidas à luz de suas reflexões inatuais. Assim, em primeiro lugar, o privilégio que atnbui à históna cultural. Numa época caracterizad rizada a pelo provisório e em que triunfam os aggiomamentos, Burckhardt sublinha sublinha mais mais de uma vez seu fraco interesse p elos acontecimen tos. No plano artístico, cndca os excessos dramáticos de Bemini e de Tintoreto,
busca de milhares de ações, frequentemente incoerentes, o histo nador nador deve fazer e me rgir os pensamentos que testemunham testemunham a continuidade e a persistência do espírito humano. Isso vale tanto mais a pena pena visto que o pensam ento encerra bem mais verdade do que a ação ação:: “ A história da civilizaçã o tem o pr im um gr ad um cer titu din is, pois ela vê numa medida bastante ampla aquilo que as fontes e os monumentos nos ensinam de maneira fortuita e desinteressada, senão involunt involuntána, ána, inconsc iente e por vezes m esmo atravé atravéss de ficções ficções .4■ E daí daí que pr oce de a sensibilidad e particular de Burckhardt aos aos mitos que alimentaram o passado: embora desprovidos de realidade, não são menos autênticos e representam extraordinária possibilidade de apreender a vida espiritual do passado.
Jacob Burckhard t, Considéraíions sur 1'histoire du monde, op. nt., p. 207. autude cnQC Ibid.. p. 58, 65. Amaldo M omig liano prop õe interessantes obse rvaçõe s sobre a autude de Burckhardt para com a tendência despótica e demagógica da modernidade in Contributia
dizionano storico.J. J . Burckhardt e la parola "cesarismo" (1962), hoje in Sui fondamenti delia stona Ton no. 1984. p 38939 2; W em er Kae gi, “Jac ob Bur ckh ard t e g li in m dei cesansmo modemo
““ Karl Lõwith, Jafoí) Jafoí) Bu rck har dt, op. d t. , p. 9 9 .
“ Jacob Burckhardt, Bri efe. op d t . t V p 119120, carta a Friednch von Preen. 31 de dezembro de 1870.
dissenso de Burckh urckhard ardi Ri ns ta storua aaha na, 1964, LX X VI . p 150171. N o que co nce rne ao dissenso
" Jacob Burckhardt, Hi sto ire de la dv ili sat ion grec que (19291934), traduzido do alemão por Fredenc
com a histo historiog riografi rafia a alemã, alemã, cf. Hugh T revo rR ope r, “Jacob Burckhardt” , Procetdmp ofthe Bnt*
Mugler, Mugler, Vevey, Hditions de 1’Aire, 2002, vol. I, p. 13. 1,2Ibid.. 2Ibid.. p. 13.
icademy, 19 85. 711, p. 359378 (Master Mind Lecture, 11 de dez emb ro de 1984).
169
O
PEQUENO PEQUENO X-
D* NOGdAFIA À HISTÓRIA
O HOMEM PATOIÓGICO PATOIÓGICO
Sua polemica contra a noção de progresso, a ilusão dos anos
Seja como for, o aperfeiçoamento técnico não tem nada a ver
18301848, é também alimentada por suas reflexões inatuais. Quào
com com o progresso progresso intelectua l: “ Um a v ez que a divisão divisão do trabalho trabalho
ridícula e pretensiosa é a teona da perfectibilidade crescente do es
traz o nsco de estreitar cada vez mais o campo do conhecimento
pínto, que reputa o presente s up eno r ao passado! Burck hardt ata ataca, ca,
individual; [...] bem poderia acontecer que a cultura se estatelasse
especialment especialmente, e, a filosofia da históna qu e ele julg a d oen te de egonsmo
um dia por ter da do uma rasteira rasteira em si mesma” .497 E bem menos ainda com o progresso moral:
(ela considera nossa nossa época c om o a conc lusã o de todo s os tempos) tempos) e de cinismo (ela ignora o dilaceramento mudo daqueles que foram
Pois o espínto não esperou os anos para conhecer a plenitude! Quanto à enquete sobre os moral progresses, deixamola de bom grado a Buckle que se espanta com ingenuidade de não constatá los. uma vez que o progresso moral não poderia se aplicar a um período, mas somente à vida de um indivíduo. Já na Antiguidade, acontecia de um homem sacrificar sua vida por outrem; não consegu imos fazer m elhor do que isso isso hoje em dia.4 dia.498
quebrados). quebrados). E, entre os histonadores, ataca Eme st Ren an , que aval avalia ia a Idade Média a partir da h u m a n i d a d e e do progresso da civilização: Mas é preciso admitir ao menos que na Idade Média viviase sem guerras nacionais constantes ou constantemente ameaçadoras, sem indústria escravizando as massas e acarretando uma concorrência mortal, sem ódio contra a pobreza de maneira inevitável (se se tivesse explorado então o carvão como se faz agora, o nde estaríamos nós? ).41'3
Sem dúvida, não existiríamos mais. Todas as periodizações fun-
Diferentemente de H eg el, ou contra ele, Burckhardt conside considera ra que o êxito êxito históneo não en cerra em si nada nada de louvável nem de necessári sário: o: “ O ho me m mais forte não é necessariamente o mel hor ” .499
dada dadass em conceitos tais co m o o d e a pe rfeiç oam en to ou de atr atra aso
Por vezes, por razões bem mistenosas, o mal é compensado por
lhe parecem absur absurdas: das: “ Há espí ritos i mp aci en tes para os qua quais is a
alguma coisa de vital (por exemplo, uma epidemia pode resultar
históri história a não anda anda suficiente ment e r áp ido ” .494 As lentidões da Ida Ida--
num crescimento da população). Mas não é verdadeiro de modo
de Média não foram, no fim das contas, salutares? A exemplo de
algum que o ato da destruição provoque necessanamente um re-
Ranke, Burckhardt estima que cada época existiu, ao menos no
juve nesc imen to, “ e os gran des destr uidor es da vida perm anec em
início, principalmente para si si mesma, “ mais do que em rela relaçã ção o
para nós um en igm a” :500 em face de Áti la, de Gengis Khan ou de
a nós” .41''' Don de a necessidade d e ace itar, c om o recomendava
Tamerlão, fic am os sem palavras. D e qual quer maneira, ainda que o
Herder, Herder, o carát caráter er relativo relativo do julga m ento histórico: Para muitas pessoas, os gregos são bárbaros porque tinham escravos e exterminavam seus adversários políticos. Os romanos têm a mesma reputação, se mais não fosse por causa das vidas humanas que sacrificavam no circo e nos anfiteatros. A Idade Média, por sua vez, é bárbara também, mas por razoes diferentes, que são as perseguições religiosas e os massacres de hereges. O e mp reg o dessa dessa palavra é fina lme nte uma questão questão de sentimento pessoal: considero, de minha parte, barbárie colocar os pássaros em gaiolas.496
mal fosse fosse compe nsa do p or um bem , a compens ação jamais poderia ser uma reparação pelos sofrimentos infinitos que foram infligidos: Tod a vid a in di vi du al ve rd ad ei ra destr uída prem atur ame nte é absolutamente insubstituível, mesmo por outra existência igualmente mente bem suc edid a” .501 Os hircanianos, os arianos, arianos, os sogdianos, os gedrosianos e todos os outros povos vencidos por Alexandre, o Grande, em guerras sanguinárias merecem nossa compaixão. Mas
Jacob Burckhardt, Considéraíions sur 1'histoirc du monde, op. dl., p. 93. *" W -. p. 282283 " ® W . p . 2 88 88.
Jacob Burckhardt, Fragments histonques, op. at p 3031 "“ Ibid., p. 148.
Ibid ., ** Ibid..
p.
_ Jacob Burckhardt, Fragments historiques, op. dt., p. 27. Jacob Burckhardt, Considéraíions sur 1'hisloirr du monde, op. dt., p. 293. A críbca da divinização u /3? cons consumado um ado aparece também em Fnednc h Nietzsch Nietzsche. e. Considéraíions inactuelles, inactuelles, op. a t., p.
61
^
p. 4.
admiração pela ‘potê ncia da históna' praticamente se transforma transforma a cada instante instante numa
Pura admiração pelo sucesso e conduz à idolatna do real".
170
171
O
PEQUENO
x - Da
O HOMEM PATOIÔGICO PATOIÔGICO biografia
K
história
V
uma uma compaixão bem distante da idealiz ação : “ Po de ser também também que, se tivesse subsistido mais tempo, a parte perdedora não nos parecesse mais merecer simpatia: um povo aniquilado muito cedo [...] [...] produz o mesmo e feito que homen s d e v alor mortos jovens” .502
Professor extraordinário por sua paixão e sua generosidade na cátedra que ocupava na Universidade de Basileia, Burckhardt não fornece, entretanto, nenhuma indicação precisa de natureza me-
À históna do espírito, reivindicada pela filosofia da história,
todológica.50 todológica.506 A razão é simples: não acredita nisso. nisso. N ão acredita
que propõe uma representação geral da evolução do mundo im-
que exista um método histórico universal válido e é com orgulho
pregnada de otimismo, Burckhardt opõe a história do homem,
que assume sua incredulidade. Para ele, a história é, ou deveria ser,
uma históna concreta, enraizada na existência, carregada de con-
uma expenência pessoal:
tradiçõ tradições, es, de aporias, aporias, de parad oxos: “ Nossa própria vida” . Pa Para ele, assim como para Sõren Kierkegaard, o centro permanente da história não é o homem providencial da filosofia da história, nem mesmo essa impostura romântica que é o herói, mas antes
O que é impo rtant e a nossos olhos, somos os únicos a considerálo como tal. Nenhuma obra de referência no mundo, com suas citações, pode substituir o laço orgânico que uma afirmação encontrada por nós mesmos estabelece com nossa intuição e
o homem mortal, que sofre normalmente, o indivíduo “in-
nossa nossa atenção, de m aneira qu e se forma uma verdadeira riqueza riqueza
dependente” , livre ainda que co agi do , q ue sabe e reconhece sua
para nosso e spír ito .507
dependência para com os acontecimentos gerais do mundo: “O homem com seus seus sofriment os, suas suas ambiç ões e suas suas obras, obras, tal como como foi, é e será sempre. Desta forma, nossas considerações terão, até certo ponto, um caráter caráter pat oló gic o” .503 Em març o de 1856, 1856, nu numa cart carta a endereçada endereçada ao jo ve m Alb ert Bren ner, evo ca a conot conotaçã ação o ética da históna patológica. Após ter qualificado a filosofia hege liana liana de ponta de estoque, esclarece: “ Se v oc ê q uer permane permanecer cer poeta, deve conse guir amar de ma neir a rea lm en te pessoal: pessoal: Io os einzelne Erscheinung] seres humanos, 2o os fenómenos singulares f f einzelne
A esse título, é importante, como escreve a Bemhard Kluger (o cicerone), escolher um filho de seu mestre Franz, a quem dedicou O cicerone), tem tema que que tenha “ uma relação de afinidade e de familiandade com a parte mais íntima” de si mesmo. Nessa carta de 30 de março de 1870, como em diversas outras, Burckhardt volta com insistência a cert certas as recom end açõe s. A prim eira delas concern e à defini ção da históna como fornia de contemplação liberada de todo e qualquer desígn desígnio. io. Hostil à ideia de um co nh ecim ento ligado a uma vontade de potência, Burck hardt exalta a gratuidade da história história que não deve
da natureza, natureza, da vida e da hist ória” .504 D ois meses mais tarde, tarde, afiafi-
ser útil à ação ou, mais exatamente, que, para ser verdadeiramente
nará seu conselho. Para se aproximar do passado, é preciso repetir
útil, não deve colocarse a questão de sua utilidade: somente sob
mentalmente três fras frases: es: ‘“ E eu n o fu nd o não sou mais que uma
essa condição é possível abnr uma brecha no presente. Em outros
simple simpless gota d’água em relação à potên cia do mu ndo exterior , e
termos, o histonador não deve perder o contato com a vida e se
tudo isso não tem de modo algum o mesmo peso que um grama
encerrar em sua torre de marfim, mas tampouco deve ceder às exi-
de sensibilidade e de contemplação autêntica’, ‘e a personalidade
Tendenzgeschichte: gências do presente e escrever uma Tendenzgeschichte:
entim é de qualquer forma o que existe de mais a lto’ ” .505 Divergimos bastante, você e eu, sobre uma coisa: você procura um tema que goze tanto quanto possível do favor da época e Jacob Burckhardt, Considéraíions sur 1'histoire du monde, op. cit., p. 292. Ibid . Ibid . p. 35. Burckhardt emprega o termo pa tho log isc h, distinguindoo daquele de patheti sth, p sublinhar a distância que o separa de Hegel.
Jacob Burckhardt, Bne je, op. a t. . t. III, p. 248, carta a Albert Brenner, 16 de março de l ^ 6 Ibid , t III, P 250. carta a Alben Brenner, 24 d e m a i o d e 1856.
” Cf. KarlJ. KarlJ. Wemtiaub, Visions Visions ofCultu n, ChicagoLondres, Chicago Uraveraty Press, 1966, p. 115160.
Jacob Burckhardt, Hi sto ire de la civ ilis atio n gr ecq ue, op. cit-, p. 2 1 .
O
PEQUENO X -
D*
BIOGRAFIA A HISTÓRIA
O HOMEM PATOLÓGICO PATOLÓGICO
que ande no mesmo passo que os humores do momento. Em
do que restos informes, e a alegria que causam pura loucura.
sua idade também eu pensava da mesma maneira, depois nào foi mais assim, felizmente para minha salvação. Antes de tudo,
a reconstituir, e não ex igir uma impressão impressão imediata sobre restos restos
no caminho de semelhantes temas encontrase sempre uma quantidade de pessoas superficiais e prontas a tudo, que chegam
Deve, à vista de um fragmento, adivinhar o conjunto, aprender cuja beleza só se com pleta pela reflexã o.510
antes antes de nós, exploram o m om ent o e tiram ao que fazemos fazemos o
A constatação é ainda mais verdadeira quando não buscamos apenas os
ar e a luz; ou então pode acontecer que cheguemos de qual-
fàto fàtos, mas també m os pens amentos do passado passado.. C om o esc reve em 1887,
quer modo tarde demais, quando a aprovação e os humores do mom ento já se voltaram para outra coisa. Pod e acontecer, pelo pelo
[...] em históna da arte, min ha tarefa pessoal, pessoal, parece me, consiste
contrário, que recebamos imprevisíveis aplausos por um tema
em dar conta da imaginação de épocas passadas, de dizer que
que ninguém cogitara e que tem a capacidade de transportar o
tipo de visão do mundo tiveram este ou aquele mestre e seus
leitor para uma região diferen te daquela que ele já conhecia.508
alunos. Certos pesquisadores ilustram mais os meios empregados na arte do passado, enquanto eu me inclino mais para as
Da contemplação e pela contemplação nasce a imaginação.
int ençõ es qu e estavam na orig em dessa dessa arte.511
Tratase de um po nt o fun dam ent al. Ass im co m o W ilh elm von Humboldt, Burckhardt também sublinha a importância da imagi-
Em vez de se conten tar em descrever o passad passado, o, Burckhardt se se anschaulich ) a história em curso de se propõ propõe, e, então, então, a tom ar vis ível ( anschaulich)
nação (Phantasie ( Phantasie)) histónea: Durante toda minha vida escreve já em 1842 jamais pens pensei ei filosoficamente e jamais tive pensamento que não estivesse ligado a alguma coisa de exterior. Quando minha reflexão nào é engatada pela intuição (Anschauung), permaneço improdutivo. Por intuição, entendo igualmente a intuição espiritual, como por exemplo a intuição histórica que deriva da impressão suscitada citada pelas pelas fontes. fontes. O que r econst ruo historicamen te não é o fruto da crítica e da especulação, mas antes da imaginação que aspira aspira a preenc her as lacunas lacunas pela in tuiçã o. A históna é para mim mim ainda, em grande parte, poesia; é para mim uma sequência das
fazer, a colocar em imagens o passado ou, mais exatamente, a vida espir espiritu itual al do passado, passado, de m od o a estimular a imagina ção do le itor que poderá, em seguida, prosseguir em sua sua elaboração elaboração do passad passado o no presen presente. te. Co m o isso? isso? Graças a um labor e mo tivo bastan bastante te com plexo, feito de impregnação, de estupefação (a natureza misteriosa da viagem ao passado não cessa de ser recordada) e de afastamento. Esse labor acompan ha o histo nad or ao lon go de tod o seu percurso: percurso: da reconstrução (pois as fontes não são um lugar de descoberta de fatos, mas um testemun ho) à narração, passando passando pela interpretação. D ond e
mais mais belas belas composições pictóricas. Nã o posso, por consegui conseguinte, nte, crer num pon to de o bser vaçã o a p rior i; este pr ocede do espírito espírito do
a metáfora da viagem, por ocasião da qual aprendemos a abarcar a
mundo e não do h om em da história.50 história.509
inst insta ante nte em que o es pínto h uman o se fez etem o. U m v aivém c ontínuo
paisagem num só olhar e a perceber nas formas em movimento o
O que vale para os monumentos vale igualmente para as fontes
que nos permite sair do presente, bordejar emotivamente o passado,
históricas. Num e noutro caso, temos sempre que lidar com ruínas,
mas também respeitar sua irredutível estranheza.
com o fragmentário e o relativo, cuja forma originária podemos apenas imaginar; O observador deve dese nvo lver e m si mesmo essa essa faculdad faculdadee de de
A imaginação aproxima o historiador do artista. Numa longa
restauração sem a qual as ruínas antigas não lhe parecem mais
carta a Karl Fresenius (um dos membros do círculo poético dos
op. àt „ t. V, p. 74-75, c a r ta ta a B e m a r d K l u g e r . 30 de março de 1870. 1, p. 204, carta a Willibald Beyschlag, 14 d e ju ju n h o d e 1842.
Jacob Burckhardt, Bne fe. •
VI
174 174
Jacob Burckhardt, Jacob Burckhardt,
Le cicerone, op. cit., t. Briefe, op. at.,
I, p. 13 .
t. VI, p. 165, carta a Robert Griininger, 10 de agosto de 1877.
175
O
PEQUENO
x - Da b i o g r a f i a A h i s t ó r i a
O HOMEM PATOIÓGI PATOIÓGICO CO
Ma ikà ife r), r), de 19 de jun ho d e 1842, Burc khar dt evo ca a históna históna como um processo de metamorfose pictórica:
To da trad ição aut êntic a p are ce à prim eira vista abo rrec ida po r-
Considerame c om o um artist artista a que aprende, qu e aspir aspira a já já
reflete seus pontos de vista e seus intere interesses sses sem nenhuma consi-
que enquanto isso também eu vivo de imagens e de intuição
deração para conosco, enquanto os falsos produtos modernos são
O trabalho intelectual não deve querer ser um simples simples gozo. que e na medida em que nos é estranha. Filha de certa época,
e pensa pensa na na tristeza tristeza que po r vezes opr im e durante longos longos
feitos à nossa medida, vale dizer, embelezados e complacentes
momentos os pintores, apenas porque estes não conseguem dar
co m o as pseu doantig uidad es costuma m ser.513
uma forma à quilo q ue se elev a d e suas almas poderás assim assim te explicar explicar por que também eu fic o triste triste de tem pos em tempos tempos,,
VII VII
a despeito de minha natureza, de resto tão alegre.
Mas a imaginação de que fala Burckhardt não procede em nada da ficção poética:
Convencido de que só a imaginação pode lançar uma ponte entre o presente e o passado, Burckhardt atnbui um papel de primeiro plano à escritura histónea:
A história é e permanece para num poesia no mais alto grau; bem entendido, não a considero de maneira, digamos, român român
Fiz um voto: escrever durante toda minha vida num estilo legível
ticofantástica, ticofantástica, o qu e não levaria a nada, mas com o um maramara-
e perseguir sobretudo o interessante, mais do que o acabamento
vilhoso processo de metamorfose ( Vcrpuppungen ) e de inédito,
árido dos fatos. [...] Falase sempre de uma arte da historiografia historiografia e
um desvelamento do espírito eternamente novo. Paro na soleira
alguns creem terem feito o bastante quando substituem a inextri-
do mu ndo e es tendo os braços para a orig em de todas as coisa coisas, s,
cável frase schlosseriana por uma rebarbativajustaposição dos Jacta.
e nisso a história é para num poesia pura de que podemos nos
Não, boa gente, tratase de uma seleção dos jac ta, de escolher o
apoderar pela cont emp laçã o.51 o.512
que pode interessar o hom em . [...] Eu, com meu trabalho, cai no momento certo; mesmo o público se dirige de novo bem mais
Reconhecer as afinidades que existem entre a história e a
do q ue antes à história e jamais teria posto seu olhar fora dela se
literatura literatura não significa que seja seja preciso con fun dir ou assimilar assimilar os dois dois
nossos historiadores não tivessem perdido a confiança em seus
géneros. Longe disso, as trocas entre um e outro só podem ter lugar
objetivos , e sob retud o nos maiores deles.51 deles.514
a partir partir de uma delimitação b em precisa, pois, co m o é recordado em cicerone, cada O cicerone, cada género deve v ive r de acor do c om as próprias necesnecessidades essenciais. Incansável partidário (também no plano estético) da autohmitação voluntária, Burckhardt estabelece duas distinções precisas em relação ao romance. Em primeiro lugar, a história está
Eis porque porque não gosta m uit o do s fil ól og os .51 .515 E aprecia certos historia riadores res frances franceses es (Augu stin Th ie rry e François G uiz ot, e ntre outros) e admira os historiadores florentinos da Idade Média (especialmente Giovanni Villani), verdadeiros mestres da linguagem falada, direta,
ligada à verdade factual: o historiador lança sobre a realidade um olhar apenas arbitráno, já que efetua uma seleção subjetiva do material e
Jicob Burckhardt, Considéraíions sur 1’hisíoire du monde, op. cit., p. 48. Hippolyte Taine também 1 wpnmc nesse sentido em L ’histo ire de la liíí éra tur e ang lais e, op. op. ríf, t. IV, p. 302, a propósito de
tenta tenta imaginar as razões que inspiram as ações d o ho me m. Al ém disso disso,,
^aàter ^aàter Scott: Scott: Ele para no limiar da alma e n o vestíb ulo da história, só escolhe, na Renascença
ela não busca busca domestica r o passado passado (c om o o fàz o r oma nce histórico
na
Média, o conv enie nte e o agradável, apaga a linguagem ingénua, a sensualidade sensualidade de
freada, t ferocidade bestial. N o fim de tudo, seus personagens, personagens, qualquer que seja o século a que os t ferocidade bestial.
oferecendo uma imagem falsamente familiar e atrativa do passado).
traflsporta, sào seus vizinhos, taíendeiros finórios, cavalheiros enluvados, senhontas casadoiras, todos
Conserva dele, ao contrário, toda alteridade:
** * ou menos burgueses, vale di zer, posicio nados , situados por sua educação e seu caráter caráter a cem léguas ^
loucos loucos voluptuosos da Rena scen ça ou dos brutos heroicos e das das bestas ferozes da Idade Média . Burckhardt, Brie fe, op. cit ., ., t. I, p. 197, carta a Gottfhed Kinkel, 21 de março de 1842.
. t t I. p. 208, carta carta a Karl Fresenius. 19 de ju nh o de 1842.
' KjrlJ°achim KjrlJ°achim Weintraub. "Jacob Burckhardt: Th e Histonan among the Philologist". Philologist". Am Am eri can ' ,l" primaver primavera a de 1988, 1988, p. 273282.
177
O
PEQUENO PEQUENO X-
D*
BIOGRAFIA A HISTÔ81A
desprovida de ênfase, da vida prática. Suas crónica s são “ esplên esplêndi di
O HOMEM PATOLÓGICO PATOLÓGICO
imper imperad adore ores, s, reis, bispos, dinastias inteiras (os Aragões, os Médi cis, os
das, das, tão ncas de vida e de re lev o” ; em comp araçã o, “ com o tud tudo o
Viscontis, os Sforzas, os Estes, aí compreendidas suas descendências
que escrevem os humanistas [...] parece afetado e convenciona] ao
condottieri (dos Malatestas de Rimini ilegítimas, etc.), uma multidão de condottieri (dos
lado destes belos trabalhos! Que abismo entre Leonardo Aretino e Po ggio e esse essess ilustre ilustress cronistas de Flo ren ça! ” 516
aos Baglionis de Perúgia), comerciantes, humanistas, doges, cardeais, pintores, escultores, arquitetos, artistas e conspiradores. Nenhum deles tem direito a uma biografia desenvolvida, mas todos recebem uma
Sua atenção para com o individual procede igualmente dessas anotações estilísticas. Está aí um ponto extremamente complexo
conotação histónea e humana: de Júlio II, o homem que salvou o
pois, em se tratando de Burckhardt, a distinção entre ética e esté-
papado, ao usurpador Ezzelino da Romano, autor de crimes mais
tica não tem sentido. Basta pensar em seus comentários artísticos
atrozes do que os de César Borgia; de Savonarola, que esteve na ori-
A principal qualidade de R afae l “ não era de natureza estética estética e sim sim
gem de uma mudança radical que só pode ser comparada à convulsão
moral: quero dizer o sentimento de honra e a firme vontade de
sobr sobrev evind inda a após após ele com Lute ro, ao tiraninho Pandolfo Petrucci,
atingir aquilo que considerava o ideal sup remo da bele za” .517Quanto 7Quanto
cujo passatempo favorito consistia em fazer rolar blocos de pedra do
ao Laocoonte, “ o pon to mais elevad o é a luta contra a dor [...]. A
alto alto do mon te Ami ata. Um a após outra, essa essass figuras figuras singular singulares es dão
moderação na dor não tem apenas uma base estética, mas uma razão
à narra narração ção uma extr aod inár ia tensão dramática, que contnb ui para
moral”.518O mesmo acontece co m o h om em patoló gico: para para além lém
expnmi expnmirr a contradição mais íntima e profunda da experiência vivida
do sentido ético, ético, de que já falei, ele tem um e vide nte valor esté estétic tico, o,
do Renascimento: a descoberta das faculdades individuais, que, por
pois permite oferec er mais mais vivacid ade e m ov im en to à cena hist histón ónea ea.. Essas exigências se encontram novamente em A civiliz ação do Re nas cim ent o ital ian o, o, uma das poucas obras de Burckhardt publica em vida. Seu projeto é conhecido e foi muitas vezes debatido, nuto me, por conseguinte, a recordar que, para além do tema (o enascimento), o livro apresenta duas novidades importantes. Em primeiro lugar, a abordagem que propõe: pouco inclinado, desde mpre, a concebe r a história história da arte co m o uma análise estilís estilístico tico Kunstgeschichte) e rma . Burckhardt pretende aliar a história da arte ( Kunstgeschichte) st°na da cultura (Kulturgeschichté). A segunda inova ção concerne concerne a de um estilo narrativo: é difícil encontrar outra obra de a da arte que pulule tanto de figuras individuais. Só na primeira ^ ^ Estado Estado considerado co m o criação de arte” , de cerca cerca de cem paginas), vemos desfilar mais de duzentas personagens: papas,
certo, deu lugar ao florescimento artístico e literário do Renascimento, mas que também en cor ajo u form as desenfreadas de egotism o amoral, engendrando uma cultura decadente e corrompida. Sob certos aspectos, está aí uma escritura própria aos medalhões. Mas medalhões generis, visto que cada um deles tem uma dimensão particular e sui generis, porque, em vez de procurar o elogio, visam a revelar a variedade e a ambiguidade de uma época. Aliás, Burckhardt diz claramente que o importante reside na proporção das figuras em relação ao conjunto. Longe de querer privilegiar os monumentos individuais, para ele tela de fundo permanece a parte principal da composição. cicerone e e Certas avaliações artísticas, especialmente em O cicerone e algu algum mas confer ência s, perm item compre ender melhor o sc sem sem reserva a Ra fae l, justa men te po r sua sua destreza na na arte e in
iv i -
duahza duahzarr os temas hist óric os tradicionais. Desc onfia, entretan
,
tQda forma de c ul to da personalid ade. E é daí que Jaco b B urck hard t Lu P '
7■
•
S c hm hm i tt tt , P ar ar u , G o n t h j c r í ç s r "
ecorr
reticências (éticas e estéticas) em relação a Michelangc o
• ^ ReW llSSa n“ en li al lt (18 60>* traduz,do do a ,cm io Por LoU1S
Esse mestre tem um lugar extraordmino nos desnnos da
Jaco b Burc khar dt Lr n
Johan W olts ane C r , P‘ 697 ‘ Con side raçõcs análogas são porpostas por °P a t' P l ac ac oh oh R li , M aX 'm es el W ^ o n s , op. at .. p. 69. Jacob Burc khardt, Lr cicerone, op dt .
178 178
^
dessa escolha. C o m o já sublinhei, Burckhardt vota uma admiraçao admiraçao
O cart o do, tr* últi últim mos aqui sob a forma de uma potência
179 179
O
PEQUENO
* - D*
BIOGRAFIA
A HISTÓRIA
aqui nào de uma potência involuntária e inconsciente, como acontece muitas vezes nos grandes esforços intelectuais do século XVI. mas, ao contráno, de uma enérgica premednaçào. Parece que Michelangelo teve da arte que cna o mundo e o postula uma ideia tão sistemática quanto aquela que certos filósofos tiveram do Eu que, segundo Fichte, cna o universo.519
CAPÍTULO VI
A história infinita522
Por subjetividade, Burckhardt enten de essencialmente o arbitr arbitrári ário o (as figuras simbólicas não são mais do que uni pretexto para os tormentos subjetivos) subjetivos) e a ompo tência (o artista artista pretende ser o cnador do m undo). A fim de aumentar a mas massa sa e o volu m e espacial espacial de cada cada figura, os princípios de proporcionalidade (entre a parte e o todo) do classicismo arquitetural e escultural do Renascimento não são respeit respeitados ados.. E, paradoxalmente, é o sentido da individualidade que
A dúv ida verdadeira tem certamen te se u lugar num mun do de que ignoramos o inicio inicio e o fim e cujo meio está em perpétuo movimento. Jacob Burckhardt52’
acaba sendo anulado, pois rema uma contradição espantosa entre o indivíduo, imponente não apenas em termos de tamanho, e sua existência existência esmag esmagada: ada: “ Aqu ele que o co ntem pla procura em vão a linha simples, simples, natural, natural, das naturezas naturezas gregas, um traço que nenhuma nenhuma virtuosidade virtuosidade pode substituir” substituir” .520 U m dos exe mp los mais mais contuncontundentes, que ilustra o quanto um excesso de subjetividade pode ser
I
contraproducente, concerne às duas estátuas de escravos, hoje conserva servadas das no Lo uvre, que dev eriam ter feito parte da tumba de Júlio Júlio
O requ isitó rio mais veem ent e contra esse essess “ animais particulares particulares
• O tormento apoplético de toda uma série série de homens simp simple les, s,
chamados heróis” , enco ntra mo lo sem dúvida alguma alguma em Guerra
eroicos, musculosos que apenas se contorcem, sem poderem se
asserção, o, a dignid ade hue p a z : “ Po r mais estranha que pareça tal asserçã
mexer, que não estão livres para avançar um passo, é, em todo caso, uma ideia tirâni ca” .52'
mana me diz que cada um de nós, se não é mais, certamente não é menos um home m do que o grande Nap oleã o .
Impregnadas Impregnadas
de uma raiva que parece por vezes não querer se extinguir, nume rosas páginas insistem na imoralidade da figura do grande homem, demasiado frequentemente explorada para excluir a possibilidade da medida do bem e do mal: aos grandes perdoase tudo, mesmo sua tuga, tuga, abrigados num a pele, abandonando seus seus companheiros entre as mãos do inimigo... Mas Tolstoi não se contenta em exprimir seu desgosto moral pela dupla contabilidade humana, tão comum s'” Ibid s'” Ibid ., ., t. II,
p.
45 9
Uma versão reduz.da deste capítulo foi publ.cada sob o titulo p or or M a u ™ c t c l l r d ^ / J 0 ' Einaudi. 1 9 9 1 , p ' p V
Rm ai ss ‘“,ee Se lml ,en w de , A ul a des .\f us cu m s (18581859). ciudo ^
R ' n ú s d m e " t 0 ’ " L ' e t i d' d' R a f a e b " d i J a co co b Bu Bu r ck ck h ar ar d t.t. Tonno.
511 Ibid .. p. 180.
Tolsto , dam le sceptic.sme de
1histoirc" na revista Esprit, junho Esprit, junho de 2005, p. 625. "'Jacob Burckhardt, Considéraíions sur l'histoire du monde, op. cit., cit., p. 40. Léon Tolstoi, La Xu en e e, la pa ix . traduz,do do russo por Bons de Schloezer, Pans, Galhmard. 1972, livro III. t. II, p. 224.
18 0
181
O
PEQUENO PEQUENO * -
A
Da BIOGRAFIA A HISTÓOIA
nos livros de história, que distribui os homens em heróis e seres ordinários. Toda sua obra recoloca em questão a adequação de tal critério para a com preen são do passado: passado: “ Os a ntigos nos deixara deixaram m modelos de poemas épicos cujos heróis concentram em si todo interesse, interesse, e não chegam os ainda a com pre en de r que, para para nos nosso so tempo , uma históna desse gén ero é destitu ída de sen tido ” , lêse na segunda segunda parte do te rceiro liv ro. 525 Aos heróis oficiais de 1812 (Barclay de Tolly, Raievsky, Er
HISTÓRIA INFINITA
Quando as tropas napoleônicas entraram em Moscou, poderiam facilmente ter mantido sua brilhante posição e impedir o saque da cidade, de maneira a reunir os víveres e as forças necessárias para enfrentar o inverno. Mas as disposições do imperador nao foram observadas, permaneceram suspensas no vazio: como os ponteiros de um um mostrador de reló gio separado separadoss do mecanismo, elas elas giravam arbitrariamente e inutilmente, sem mover outras engrenagens. E os franceses franceses se suicida ram assim, assim, pisoteando , “ co m o um rebanh o sem sem vigilância” , o alimento que poderia têlos salvado da da morte:
molov, Flatov, Miloradovitch), sempre exaltados em verso e em Dizer que Napoleão perdeu seu exército porque quis ou por-
pros prosa, a, opõemse homens como o pacífico Do ktu rov ou o modest modesto o
que era muito tolo. seria tão falso quanto dizer que Napoleão
Konovnitsine, que suportam o peso da guerra sem vacilarem. Mas
conduziu suas tropas a Moscou porque quis ou era muito in-
os pivôs invisíveis da guerra são os sargentos: E evidente que só
teligen te e genial. N um caso com o no outr o, sua sua ação ação pesso pessoal, al,
nos será possível apreender as ditas leis passando por esta via e que
que não tinha mais importância do que a ação pessoal de cada
ainda não realizamos na direção que ela nos indica a milionésima
um de seus soldados, coincidiu simplesmente com as leis que
parte dos esforços que envidaram os historiadores para descrever
regiam os aconte cimen tos.52 tos.527
os atos dos reis, chefes de guerra e ministros, e expor as considerações que lhes inspiraram inspiraram seus seus atos” .526 Bona parte , sím bolo por excelência da insolente pretensão de fazer história, não é mais que
Fazendo entrar na cena da históna as unidades mínimas, Tolstoi afirma que a ação procede da periferia, e não do centro.
um puro epifenómeno no seio de um processo que teria, de qual-
Enquanto o oceano da históna permanece calmo, compreende
quer jeito, seguido seu seu curso. curso. C om seu olhar limitad o e feliz com
se que o admimstradorpiloto, que, em seu frágil esquife, apoia
o infortúnio dos outros, ele não é mais a prodigiosa expressão da
seu gancho no enorme barco do Estado e se move com ele, possa crer que o barco avança graças a seus esforços. Mas basta
vontade individual capaz de transformar o mundo, mas antes um
que o vento aumente, que o oceano fique agitado, arrastando
homenzinho, de sobretudo cinza, impotente e caprichoso, cuja
o barco, e já não é possível enganarse: o barco prossegue sua
única grandeza é a de crer que nada é mal para sua pessoa. Quem
com da imponente, independente, independente, o gancho nao mais o atinge,
saber A guerra não teria talvez eclodido se ele tivesse aceitado re-
e o piloto passa subitamente da situação de chefe, fonte de toda
tirar suas tropas de trás do Vistula e se não tivesse ordenado a suas
energia, àquela de um pobre homem fraco e inutil.
tropas continuar adiante, mas ela certamente não teria ocorrido se todos os sargentos franceses se tivessem recusado a prolongar seu serviço. Não há nada, mas verdadeiramente nada —nem a vitória de Austerlitz, nem o sacrifício de 80.000 homens em Borodino —que seja exclusivamente imputável a Napoleão, tudo é o produto da ati\ idade de centenas de milhares de homens que tomaram parte
Longe de governar os acontecimentos, acontecimentos, Alexandre e Napoleão são são escravos da históna: seus seus atos, atos, “ dos quais quais depend ia, aparentemente, que os acontecimentos tivessem lugar ou não, e pouco livres quanto o ato de qualquer soldado que parti parti -
S29
guerra desig nado pela sorte ou recrutado .
na ação comum. A derrota final do exército francês é a prova disso. 527 Ibid., livro IV, t. II, p. 479. * * Ibid., livro
III, t. II,
p. 189.
Ibid., livro
III, t. II, p. 346.
Ibid., livro
III, t. II,
p. 271.
Ibid., livro
III, t. II, p. 9.
183 183 182 182
A * ”
p
O PEQUEN PEQUENO O X- Da
b i o g r a f i a à HISTOdlA
Assim, a guerra, que os dois imperadores creem governar, vai adiante independentemente de seus projetos, de suas ordens, sem jamais c oin cid ir co m o q ue t inham plan ejad o, mo vid a essencialmente pela iniciativa das massas. Donde o paralelo entre a ação militar e o mecanismo do relógio: Como no relógio em que o resultado do movimento das inumeráveis engrenagens nào é mais do que o movimento lento e regular dos ponteiros que indicam a hora, assim, o resultado das centenas de ações complexas desses cento e sessenta mil homens, russos e franceses, das paixões, dos desejos, dos remorsos, das humilhações, dos sofrimentos, dos elàs de orgulho, dos temores, dos entusiasmos de todos esses homens, foi unicamente a batalha de Austerlitz, a batalha dos três imperadores como a chamam, vale dizer, um ligeiro avanço do ponteiro da história universal no quadrante do destino da humanidade.53 humanid ade.530
A
MISTÔdIA INFINITA
tentavam fazer o mesmo, pressionavamna, por vezes a destruíam, por vezes se unia m a el a” .532 verdadeira história da campanha na Rússia, Tolstoi reCom a verdadeira verte certos lugares comuns sobre o poder. Não o caracteriza pela força física ou moral e não lhe atnbui qualidades intrínsecas, mas descreveo com o uma relação de dependência entre aqueles aqueles que comandam e aqueles que obedecem. É uma das significações da narrativ narrativa a do massacre massacre dos quarenta ulanos. ulanos. Estamos em 1812: N apoleão poleão acaba acaba de transpor uma das das pontes pontes do Niem en, “ ensurdecido pelas aclamações incessantes que evidentemente suportava apenas porque era impossível proibir esses homens de exprimirem seu amor” . Che gad o às margens do Vilija, dá a ordem de recon hecêlo. Embora haja um vau à meia légua dali, os ulanos poloneses se lançam imediatamente na água do rio, cuja corrente é profunda e rápida:
que os indivíduos formam simples elementos intercambiáveis, ou
"Mas o frio era grande, a rapidez da corrente apavorante: os homens se agarravam uns aos outros e caiam de suas montarias. Cavalos se afogaram, homens também. Os outros nadavam segurandose seja
que a sociedade procede de um mecanismo impessoal, autománco,
em suas suas selas, selas, seja na cri na de seus cavalo s” .533
Propondo a metáfora do relógio, Tolstoi não pretende sugerir
que e h f u n c io io n aa por si mesma; quer simplesmente dizer que a his-
C om o repartir as responsabilidades dess dessee massac massacre re inútil? inútil? Dev es e
tória é uma obra comum, uma trama densa e inextricável de forças
imputálo ao coronel polonês cheio de zelo que, o rosto feliz e os olhos flamejantes, ordenou a seus ulanos que o seguissem? A Napoleão, que continuava a fazer os cem passos em companhia de Berthier,
múlti múltipla plass em perpétuo movimen to: “ O mo vim ent o dos povos não não resulta nem do poder, nem da atividade intelectual, nem mesmo da conjunção dos dois, co m o pensam os historiadores, mas da atividad atividadee de todos os homens que tom am parte no aco nte cim ent o” .531 A vida vida todos os histórica é uma esfera móvel, sem dimensões, que nasce dos choques inumeráveis inumeráveis entre diferentes vontades: mult idões de seres hum humano anos, s, unidos e separados por laços vitais e dolorosos, ativamse, suas ações se confundem e acabam por produzir alguma coisa de único, de imprevisível, de irreparável e, muitas vezes, incompreensível. Algo que se assemelha assemelha a um ja to d água: “ E t odas essas essas gota s se moviam, e deslocavam e ora várias se confundiam para formar uma só, ora ma delas se di\ idindo dava nascimento a outras. Cada gota tendia
‘‘ao long o do rio e a lhe dar instruç instruções, ões, lançando lançando de tempos em tempos olhares descontentes aos ulanos que se afogavam, perturbando o curso de seus seus pensamento s” ? O u ao devot ame nto dos ulanos ulanos “orgulhosos de nadar e de se afogar nesse rio sob os olhos do homem sentado num tron co e que sequer o lhava o que eles faziam” ?534 Nesse episódio, Tolstoi não descreve apenas a crueldade distraída de Bonaparte. Diznos igualmente que o poder, tomado em seu sentido verdadeiro, nada mais é que a expressão da pesada dependência em que nos encontramos para com os outros. Sob certos aspectos, aqueles que o detêm podem contar ainda menos com a própria vontade do que aqueles que o aceitam; suas ações
e espalhar, a ocupar o máximo de lugar possível, mas as outras 530 Ibid ., ., livro I, t. I, p. 344 531 531 Ibi d., livro IV. t. II, p. 728.
Ibid., livro
IV, t. II. p. 558.
Ibid.. livro
III, t. II, p. 1314.
S3< Ibid., l,vro 111, t II, p. 131 4.
184
185 185
O
PEQUENO
x- Da
biografia a história
parecem intencionais e livres, mas são na verdade involuntárias e
A HISTÓRIA INFINITA
não tem o estofo de Anatole Kuraguine), Tolstoi vai bem além de
determinadas por tod o o curso da história passada: passada: “ Qua nto mai maiss
uma refutação da grandeza individual: ele a separa da vontade de
alto o homem está situado na escala social, mais a rede de suas relações com os outros homens é extensa, mais autorid ade possui possui sob sobre re
potência. Dá a palavra, a vida mesmo, a essa máxima de Goethe segundo segundo a qual “ nada de mais triste do que a aspiração aspiração ao absoluto
os outros e mais mais parece qu e cada u m d e seus atos é predeterminado e inevitá vel” .535A orde m, o ato de com anda r, nada mais é que uma
ness nessee mundo tão essenci almente lim itad o” .538
simples etiqueta, uma espécie de título atribuído ao acontecimento que tem apenas, como todas as etiquetas, uma relação longínqua com o acontecimento em si mesmo. E, aliás, uma das primeiras coisas que o príncipe André percebe, ele que conjuga no mais alto grau todas as qualidades que se podem expnmir pelo conceito de força de vontade. Em certo sentido, é um segredo de Polichinelo: ninguém quer reconhecêlo, mas todo o mundo sabe que as ordens praticamente não são observadas, e que, muitas vezes, nenhuma ordem vem do alto. O simpático capitão Tu chin e, que só decid decidee onde e como atirar após ter falado com o sargento Zakartchenko, por quem nutre profundo respeito, sabeo bem, assim como o sabe o príncipe Bagration, ele que, c om grand e tato, se contenta contenta em secundar os acontecimentos: sua presença é extremamente eficaz, pois ele dá a ilusão de que aquilo que se faz por necessidade, por acaso acaso ou por von tade dos com andan tes é ex ecu tado “ se não por por suas suas ordens, ao menos em con form ida de co m suas suas intenções” .536 Desse ponto de vista, o poder deriva daquilo em que se crê. Co mo escreveu Nico la Ch iarom onte, “ na ação, ação, não temos temos outr outro o guia além daquilo em que cremos uns dos outros e do mundo onde vivemos. Nap oleão, Kutuz ov, o último de seus seus soldados soldados,, o home homem m mais mais genial assim assim co m o o mais med íoc re, o mais lú cido e o mai maiss racional, racional, assim assim com o o mais tolo, nin gué m po de ultrap ultrapass assar ar o limite limite que, em última instância, instância, faz d e to do saber uma simples crença”.53 II Quando consegue moderar sua raiva polémica e esquecer suas frágeis convicções igualitárias (o príncipe André certamente
Na realidade, há um grande homem no campo de batalha: é Kutuzov, velhinho distraído, que despreza o saber e a inteligência, que adormece durante os conselhos de guerra, que detesta mesmo montar a cavalo. Sua indolência é tal que a atividade dos outros lhe parece parece ser uma censura censura pessoal. pessoal. Contrari amente a Napole ão ou, pior ainda, ao comandante austríaco Weirother, chefe de guerra presunçoso e obstinadamente agarrado à ilusão de dirigir e comandar seus soldad soldados, os, o velh o ge neral russo sabe sabe que durante o comba te com o na vida alguma coisa d e mais forte e de mais importante do que a vontade deve ser considerada, é a incógnita x , o sentimento dos homens, aquilo em que creem: Uma longa experiência militar lhe tinha ensinado, e sua inteligência de velho lhe fizera compreender, que nào estava no poder de um só dirigir centenas de milhares de homens que lutavam contra a morte, e sabia que o que decide o resultado das batalhas não são as disposições que toma o general em chefe, não é a posição que as tropas ocupam, o número dos canhões e dos mortos, mas essa força mapreensível que chamam o moral do exército; e vigiava essa força e agia sobre ela tanto quanto estava em seu pod er .53 .539
Kutuzov é lento, hostil a toda ação decisiva, indiferente às palavras, que lhe parecem incapazes de exprimir as verdadeiras razões dos homens, intol erante para com as declarações declarações de patriotismo, patriotismo, que não pode escutar escutar sem fazer caretas caretas.. Nã o pretende ser um condutor de homens, sequer vemlhe ao espírito poder dirigir os acontecimentos, não intima ordem alguma e se limita a dizer sim ou não às proposições que lhe são feitas, a constatar os fatos consumados. Pressente, entretanto, a significação do acontecimento (compreende que a batalha talha de Austerlitz está está perdida antes antes mesmo que ela comec e, depois
^ I b i d . livro III. t. II. p. 10. sv Ibid ., livro ., livro I, t. I, p. 252. hiaromonte, The Paradox Paradox of History, History, Londres, Wcindenfels & Nicolson, 1970, p 30.
Johan W olf ga ng Go eth e, M ax im es et Ré fle xio ns , op. cit. , m. 961, p. 256. " Léon Tolstoi. La Gu err e et la Pa ix, op. cit. . livro III. t. II, p. 250.
187
O
p e q u e n o *
-
Da b i o g r a f i a A h i s t ó r i a
sustenta, contra todos, que Borodino é uma vitória) porque é parte do nós, verdadeiro ser coletivo. A fonte de sua capacidade reside no espínto nacional russo que o amma e sua luta contra Napoleão, o herói modemo europeu, é também, e sobretudo, a luta de um povo que reconhece sua dependência (em relação a Deus) contra um povo
A
HISTÓRIA INFINITA
sobre o qual se mantinha, enfiara o outro pé e afundara ainda mais. Com pleta ment e atolad o, avançava agora com a lama até os os joe lh os ” .543 Só a prisão o salvará salvará dessa dessa moral, pod erosa unicam ente em aparência rência:: “ O mun do que desabara desabara começava a se reedificar nele com
demiúrgico, que crê v iver da vida que ele p róprio irradia.5 irradia.540N o fundo, fundo,
uma uma beleza no va, sob re fundam entos renovad os, inabaláveis” .544E, pouco a pouco, a frouxidão de outrora, que se expnrrua até mesmo
Kutuzov se vê e age como um receptáculo, com o uma simples forma.
no olhar, dá lugar a uma retomada de energia:
Sua força deriv a do fato d e que n ele nada há de pessoal: “ Ele não far fará á nada nada que venha de sua sua própria iniciativa. N ão inventará nem empreenderá nada, dizia a si mesmo o príncipe André, mas escutará tudo,
Procurara toda sua vida em diferentes direções essa paz, esse acordo consigo mesmo que tanto o impressionaram impressionaram nos nos soldasoldados em Borodino. Procuraraos na filantropia, na maçonaria,
se lembrará de tudo, colocará tudo em seu lugar, deixará que façam
nas distrações da vida mundana, no vinho, no sacrifício, em
o que pode ser útil e impedirá o q ue é no civ o” .541 Po r momentos, momentos,
seu amor romântico por Natacha; procuraraos pelas vias do
ele lembra um pouco o herói de Carlyle: possui a mesma propensão
pensamento e todas essas procuras e tentativas o enganaram.
à renúncia que esse admirava em Goethe. O mesmo se dá dá no que con cern e à vida privada. Inicialmente Inicialmente grandeza quando desprovido de caráter, Pedro Bezukov só chega à grandeza quando compreende e aceita que não lhe é possível prever os acontecimentos, menos ainda modelálos segundo sua vontade ou suas intenções. Enquanto desejava desejava ardentemente, com toda sua alma, alma, ser Napoleão, Napoleão, tomarse filósofo, vencer Napoleão, enquanto pretendia transformar o gé nero humano fun dando escolas escolas e hospitais e a lforriando seus seus mu mu jiqu es de Ki ev , ele perm aneci a o ma rid o ric o de uma mul her infiel, um camareiro aposentado que gostava de beber e comer e, em seus momentos de expansão, não desdenhava falar mal por vezes do governo: o que quer que fizesse, continuava a ser o que seria qualquer um em sua posição. Seu momento de maior impotência coincide, e não por acaso, com sua adesão à maçonaria, expressão máxima da moral demiúrgica segundo a qual fab er est su ae qu isq ue fo rtu na e :542 Quando entrou na francomaçonaria era como um homem que põe com confiança seu pé sobre a superfície unida de um pântano; tendo apoiado o pé, afundara; para se certificar da solidez do solo
E eis que, sem pensar, recebia esse apaziguamento e o acordo consigo mesmo, mas somente passando pelo terror da morte, pelas privaç ões e pelo qu e Karataiev o fizera comp reende r.''4'' r.''4''
Nas mãos dos franceses, franceses, Pe dro pod e repensar ou pensar pela pnmeira vez —certas —certas noções chave da moral demiúrgica. demiúrgica. Com preende , então, não pelo raciocínio, mas em todo o seu ser, que existe um limite para a vontade: no fundo, ao esposar a bela Helena, acreditara seguir a própna vontade, quando na verdade só se decidira, num estado de extrema confusão, porque todo mundo esperava isso dele e não tinha a coragem de decepcionar. Compreende, então, que há igualmente um limite para a responsabilidade: para a sua, quando no clube inglês provocou D olo ko v para para um du elo, ainda que se se dess dessee conta perfeitamente perfeitamente de que as noções de honra e de ofensa não eram mais do que besteiras, tolas tolas convençõ es; assim assim com o é limitada a responsabilid responsabilidade ade do vel ho c omerciante, injustamente acusado de assassinato, a quem não resta senão amar a vida em seus sofrimentos inocentes. Por outro lado, mesmo a grandeza grandeza nada nada tem de voluntário, de prometeico: quando muito, deve ser ser compreen dida co mo um signo de dependência. dependência. Se Kutuzov consegue escapar, graças à sua ligação com o espírito russo, à sedutora moral demiúrgica que contamina tantos tantos membros do estadomaior, estadomaior, P edro só
' Sobre a atitude atitude demiúrgica. demiúrgica. ver Alberto Savinio, “Fine dei m odelli" (1947), in O p m . Sn Sn i l lili i Itsprrsi Itsprrsi Traguenú e dopoguenú <1943-1952). Milão, Bompiam, 1989, p. 501 sq. 141 Leon Tolstoi, La G ue ne ei h PM X. op cit. . livro III, t. II, p. 178.
Cada um é artífice artífice da própria própria sorre. sorre. (N .T .).
1 Ibi d., livro II, t. 1, p. 556.
’ Ibi d.. livro IV, t. II, p. 442. ' I b i d . . . livro IV, t. II, p. 492.
189
A HISTÓaiA
O PEQUENO X D a NOGRAFIA à HISTÓNA
INFINITA
se transforma graças aos outros prisioneiros que apreciam sua força,
flanco para além de Krasnaia Pakra, que conduz os franceses a sua
sua indiferença para com as comodidades da vida, sua simplicidade, em suma, todas as qualidades que haviam sido anteriormente uma
algum algumas as coincidências a menos. Se Mo scou não tivesse tivesse sido sido incen -
fonte de embaraço na alta sociedade de São Petersburgo: e Pedro se sentia constrangido pela opinião que faziam dele.
tives tivesse se sido sido lançado imediatam ente com o o sugeria sugeria Benningsen, “ o
perda, poderia ter sido fatal para o exército russo. Teriam bastado diada? Se Murat não tivesse perdido os russos de vista? Se o ataque
Para Tolstoi, as noções de vontade e de responsabilidade são inadequadas, uma vez que supõem a existência de um sujeito com-
homem das das longas abas”? Se os franceses franceses tivessem marchado sobre
pletamente pletamente autónomo (um Eu sem N ós) . Na prisão, prisão, embalado pelo pelo
se tivesse tivesse verif icad o, “ a marcha de flanco teria se transformado em
ronco regular de Platão Platão Karataiev, Ped ro d escobre , en fim, que a vida vida
desas desastr tre” e” .547 O que é verdad eiro para para o ú ltimo e pisódio da ofensiva
do homem só tem sentido sentido enquanto partícula de um todo: reconhereconhe-
napoleônica vale para a campanha da Rússia inteira:
São Petersburgo? É provável que, se apenas uma dessas suposições
cer os os limites da da vontade e da responsabilidade p ermiti ulhe percebe perceberr a ligação, a conexão das coisas, dos homens e das circunstâncias, tomar consciência consciência da própria própria dep endênc ia. Um a dependência que que não é submissão, mas predisposição à ação e à resistência: é somente aceitando não ser um demiurgo, um sujeito soberano, que toma consciência de não ser um simples peão nas mãos de um demiurgo.
Enos incompreensível que milhões de homens, cristãos, tenham podido passar por tais sofrimentos e se matarem uns aos outros porque Napoleão amava o poder, Alexandre era firme, a Inglaterra Inglaterra intriguista intriguista e o duqu e de O ldenbou rg estava estava ofendido. [...] A nós, que não somos historiadores, a quem o próprio processo da pesquisa não obnubila e que, consequentemente,
De maneira mais simples, abandonandose aos sentimentos que
contemplamos o acontecimento mantendo intacto nosso bom
experimenta pela pela pnncesa Maria, N ico lau R os to v chega à mes mesm ma
senso, fazse manifesto que o número das causas ultrapassa o
conclusão: decidindo submeterse às circunstâncias, não apenas nada
cálculo. À medida que avançamos em sua pesquisa, pesquisa, descobri-
faz de mal, mal, mas, mas, pela primeira vez , realiza “ uma coisa extremamente extremamente
mos sempre novas, e qualquer que seja a causa ou a série de
importante, a mais mais importan te qu e jamais fe z” .346
causas visadas, todas parecem igualmente exatas consideradas em si mesmas e igualmente falsas vista sua insignificância em
III
relação à enormidade do acon tecimento que seriam incapaz incapazes es de produzir (fora de sua coincidência com todas as outras).
E é precisamente esse esse sentid o agu do da depend ênci a entre entre os seres seres humanos e entr e os seres hum ano s e as circunstâncias que conduz Tolstoi a analisar o passado num nível molecular. Integrando as unidades mínimas, vai além da evocação das significações afetivas do drama histórico. É no plano explicativo que quer levar em conta os fatores locais, os fatos minúsculos, infinitesimais. Para
É a lei do ac úmulo de causa causas, s, uma lei que lembra muito o volume de Carlyle . A história humana não é determinad a pela ação de grandes grandes causas necessárias, exclusivas e previsíveis, nem sequer é dirigida pela Razão, por um desígnio racional, mas é coberta por nul pequenos fardos fardos concomitant es: cada indi vídu o se encontra sempre sempre no coração
ele, não existe apenas uma multiplicidade de experiências vividas,
de uma série móvel de fatos. Dito de outro modo, Tolstoi descreve a
como nos conta Stendhal na cena famosa da batalha de Waterloo,
natureza temporal da causa: diznos que não se trata de um fator ou de
mas uma multiplicidade de causas: não há uma causa, nem mesmo duas ou três causas, mas uma cadeia infinita de causas minúsculas,
expressão da trama de dependências em que se afundam os homens.
um acontecimento exterior, mas de um conjunto de circunstâncias,
das quais nenhuma é em si mesma a verdadeira causa. A marcha de '* Ibid., livro IV , t. II, p. 463. 463.
Ibid , livro IV, t. II,
p. 4 19 .
Ibid., livro III, t. II, p. 8.
190
191
O PEQUENO UENO X- D a BIOGRAFIA A HISTÓRIA
A HISTÓRIA INFINITA
Ele, que em seu seu diáno se pergunta “ quand o pois com ece i?” , nar narra ra
intenção dos protagonistas, é impossível discernir precisamente o
em Guerra e pa z a absoluta continuidade do movimento: não existe
que se se pas passa sa.. Ass im, o p rínci pe An dré comp reend e, alguns dias dias antes antes de sua sua chegada ao cam po p róx im o de Drissa, que os planos mais mais
não pode existir condição inicial para um fenómeno, um fato denva sempre de outro, insensivelmente e sem in terrupçõ es.54 es.549 Nã o é por
meditados não valem nada, que tudo depende da maneira como se
acaso que Kutuzov não consegue datar o abandono de Moscou. Por
reage às manobras inesperadas e imprevisíveis do inimigo. E o que
mais que procure, não encontra e não pode encontrar resposta, pois a cadeia das causas e dos efeitos não tem inicio e não pode ter fim:
agita Kutuzov ao longo da noite de 12 de outubro de 1812. Ele
“ Adrrutir unidades separada separadass umas das outras, que um aco ntecim ento tem um com eço [...] é comp letam ente falso” .550
IV Nã o apenas apenas as as motivações que alimentam um ac ontecimen to são são numero numerosas, sas, muito numerosas, em n úme ro i nfin ito, mas mas são são também também muito pouco lógicas ou previsíveis. Para Tolstoi, o ser humano não é um animal pensante, mas um animal dramático, que praticamente não reflete sobre o que faz, que age antes de avaliar, de calcular, de saber. Sua capacidade de ação tem algo de involuntário e de irrefletido: Só a atividade inconsciente é fecunda e o homem que desempenha um papel nos acontecimentos históricos jamais c omp reen de sua sigsignificação. Se tenta tenta compre endêl os, é atin gido pela esterilidade” .551 O campo de batalha batalha é um ex em plo disso: ning uém se desloca desloca aí segundo um plano preestabelecido, mas num estado próximo do delíno da febre ou da embriaguez, sob a inspiração do momento, livremente, pois o hom em nunca é mais mais livre do que que no campo de batalh batalha a onde o que está em jog o é a vida e a morte” ." ’ As ordens, raramente ouvidas, são sistematicamente deformadas: O comandante da terceira terceira companhia ao genera l” se toma toma “a
passa uma noite sem dormir perguntandose se Napoleão se dirige a São Petersburgo ou se espera em Moscou, depois imagina mil outras suposições; mas, a despeito de sua experiência, tampouco ele é capaz de consid erar todas as as comb inaçõe s possíveis: possíveis: “ A única que não pôde prever foi precisamente aquela que ocorreu: esses absurdos saltos espasmódicos do exército napoleônico de um lado para o outro ao longo dos onze dias que seguiram sua partida de Moscou e que tomaram possível sua total destruição, com a qual Kutu zov n ão tinha ainda ousado sonhar” .554 O que q uer qu e se diga, a guerra, no curso da qual qual um batalhão pode derrotar uma divisão ou ser aniquilado por uma companhia, nada nada tem a ver com o xadrez, jog o fora do tempo, em que o cavalo cavalo é sempre mais forte do que o peão e dois peões mais fortes do que um só peão. A imagem do duelo com arma branca, frequentemente empregada co m o m etáfora da guerra guerra (e da vida social) social) tampouc o convém. A vitón a de B orod ino não permite aos aos franc francese esess conquistar conquistar a Rússia; ela marca ao contrário o início de sua derrota, já que os russos decidem em certo ponto lançar fora a espada e empunhar o porrete, em outros termos, os camponeses de Karp e de Vias, desprovidos de qualquer sentimento patriótico, param de levar o feno a Moscou e o queimam. O exér cito na poleô nico atinge, então, então, as condições químicas da dissolução: transformase numa turba de homens transidos
terceira companhia ao coman dante ” e dep ois “ o genera l à terceira terceira companhia
Porque as coisas coisas proc edem independentem ente da
amplificação dos erros na transmissão transmissão das das ordens à época do serviço militar assim, se a ordem era de início: "O cabo marche ã frente da coluna" , acabase acabase transmitindo atrás. Ao ca o a m ^ façam fila indiana!” ou a lgo de e quivalente para insisti insistirr sobre as dificuldades implícitas na na noçao
rtas rtas considerações de Tolstoi sobre a natureza ininterrupta do mov ime nto p recedem aquelas elas de Bergson sobre o caráter indivisível do tempo.
de causalidade histórica: histórica: “ O caminho da história não é pois o de uma bola de b ar que, tocada, segue de termin ado curso, mas assemelhase assemelhase ao trajeto das das nuvens, ao caminho de alguem
Leon Tolstoi. La G u m e e, h pa ix _ op op n(
que vagabundeia pelas ruelas, ruelas, distraindose aqui com outra outra sombra, sombra, ali ali com um grup p OU o contorno diferente de uma fachada, por fim chegando a um ponto que nao c on o n he h e ™ J i e i " quena atingir". * Ut.l.zome aqu, da tradução brasileira de Lya Luft e C a r l o s Abbenseth (Musil, Rober, O homem sem qualidades. 1989, 259.). Nesta, o capitulo qualidades. R.o de jane.ro: N ova Fronteira, 1989,
|1VTOm
t „ p 269
Ibi d., livro IV. t. II, p. 408. Ibi d., livro IV, t. II, p. 47 7 . n>id . . livro I, t. I, p. 172. No céleb re capítulo 83 de O homem sem qualidades. qualidades. "Sempre a mesma . ou. ou.
or que nào se se inventa a Históna ?", M usil se serve, também ele , da experiência experiência da
83 é intitulado "Aco nte ce a mesma coisa, coisa, ou: por que nao se inventa inventa a iston ' Léon Tolstoi, La Gu err e et h Pú ix, op. eit ., ., livro IV, t. II, p 508.
193 193 i
O
PEQUENO PEQUENO * -
D*
A HISTÓRIA
BIOGRAFIA A HISTÓRIA
INFINITA
de frio e esfomeados, sem calçados, que erram sem meta na neve e
dizer a verdade a seus auditores [...], não teriam acreditado nele,
no frio. Uma tragédia inexorável, bem diferente da retirada compacta sa na Ab er tu ra sol ene “ 1 8 1 2 ” de T cha ikov sky .555 e digna da Ma rse lhe sa na
ou, o que é ainda pior, teriam pensado que era unicamente culpa sua se não lhe acontecera o que acontece normalmente às testemunhas de um ataque de cavalaria. Ele não podia
V
contarlhes simplesmente que tinham partido todos a trote e que ele tinha corrido feito um louco para se refugiar num
Reconstituir a origem e a evoluç ão de um acon tecimen to é impossível. Assim, nos relatos que a seguem, seja oficiais, seja privado privados, s, sempre impregna dos de bons s entim entos e de grandes palavras, palavras, a
bosque e escapar aos franceses. E depois, para contar tudo o que se tinha passado e unicamente o que se tinha passado, era precis o fazer um esfor ço sobre si mes mo.55 mo.557
realidade da guerra é forçosamente deformada até se tomar algo de razoável, razoável, de consequente, de previs ível. Jerkov, o portaest portaestandar andarte te dos hussardos, que, quando da batalha de Austerlitz, presa de um terror insuperável, foi incapaz de enfrentar o inimigo, sabe algo disso. Uma vez o perigo passado, contará: “ Assist Assisti, i, vossa vossa alteza alteza,, ao ataque do regim ento de Pav logrado”, interveiojerkov lançando a seu redor olhares inquietos. Ele não
To do s me nt em . M es m o os generais con tam a batalha co m o gostariam que ela tivesse sido ou como a ouviram contar por outros narradores, ou ainda enfeitandoa pelo prazer do relato, mas de modo algum co m o ela decorreu. Alguns deles mentem por vaidade, vaidade, mas muitos muitos outros men tem simplesmente porque não pode m fazer de outra outra forma, pois “ contar a verdade é muito difíc il” .” " Existe Existe
tinha visto os hussardos o dia inteiro, mas apenas ouvido um
uma diferença dramática entre realidade e narração histórica (sem
oficial de infantaria infantaria falar deles. deles. “ Eles devastaram dois quadrados, quadrados,
mesmo falar de explicação):
alteza." Alguns somram quandojerkov se pôs a falar, esperando
Dizendo que o ataque fora repelido, [o comandante] preten-
uma de suas suas costumeiras piadinhas, mas da ndos e conta de que
dia qualificar com um termo militar o que se passara, mas na
o que ele dizia glorificava a ação de nossas tropas e o sucesso
verdade ignorava o que se passara
desse dia, tomaram um ar sério. Muitos, entretanto, sabiam
110
curso dessa meia hora no
regimento que lhe estava confiado, e não podia dizer de ciência
claramente que nã o era mais do q ue u ma m entira infundada.55*
certa se o ataque fora repelido ou se seu regimento fora posto O c a os os d e s p r o v i d o d e s ig ig n i f ic ic a ç ã o q u e r e i n a n o c a m p o d e ba ba -
em fuga pela cavalaria. Tudo o que sabia é que no inicio da
t al al ha ha e n c o n tr tr a u m a o r d e m p e r f e it it a m e s m o n a b o c a d e u m j o v e m
ação balas de canhão e granadas abateramse sobre seus homens
c o m o N i c o l a u R o s t o v , q u e “ n ã o t er er ia ia m e n t i d o c o n s c ie ie n t em em e n t e
dizimando um bom número deles e que em seguida alguém
p o r n ad ad a no no m u n d o ” :
gritara: “ A cavalaria!” O s nossos nossos começara m a atirar. atirar. [...] O príncipe Bagration fez um sinal com a cabeça como para dizer
Ele tinha a intenção, ao começar seu relato, de dizer as coisas
que tudo se passava exatamente como ele desejava e previra.
tais como se tinham passado, mas involuntariamente, imper
Enfim, é a vez dos historiadores, eles também incapazes de
ceptivelmente, acabou na mentira. Se tivesse se contentado em
preench er o hiato entre realidade e narração. narração. De qualquer No que concerne à descrição do campo dc batalha batalha e, em particular, ao rele vo dado ao imponderável
es-
cola” que sejam, estão convencidos de possuírem uma ciência,
e ao incalculável. Paul Boyer ((Chez Chez Tobtoi. Entretiens à lasnàia Pohana , Hans, Institut d Études
mas não com pre end em na realidade realidade mais que que uma parte parte ínfima
Slava , 1950) recordou a dívida de Tolstoi para com Stendhal, enqu anto Albe rt Sorel (“Tolstoi
dos fatos fundamentais do passado dos povos (0,01% em média,
histone n” . 1888. 1888. in in Lec tures histo riqu es, Pans. Plon, 1894) e Adolfo Omodeo (Un reazioiurio: il conte Joseph de Maistrc , Ban. Laterza, 1939) sublinharam a influência das célebres Soiries de Sainlanálise aprofund ada das raízes intelectuais da visão visão Petenboun; de Joseph de Maistre. Para uma análise tolitouiij da históna. cf. Isaiah Berlin, Les Pcns eur s russ es es (1953), traduzido do inglês por Dana Olivier, Pans, Albin Michel. 1984. Léon Tolstoi, La Cite rre et la Pa ix, op. cit ., ., livro 1, t. I, p. 272.
J M . b v r o l . 1 .
I.p
.12 5.
/fcij ll»TOI. ll»TO I. I I. p 2S4
195 195
O
PEQUENO X -
D* BIOGRAFIA A HISTÓRIA
ironiza To lst oi) .56 .560P or um lado, porqu e se cont entam em estudaras estudaras manifestaç manifestações ões do poder, negligen ciando os verdadeiros problemas problemas aqueles que concemem à causalidade histórica (qual é a causa dos acontecimentos, qual é a força que move os exércitos, qual é aquela que decide a sorte de uma batalha, etc.?). Por outro, porque acabam sempre por confinar a nqueza da vida social atrás de similitudes vagas e indefinidas. Remetemse a um único ponto de vista, como Berg e sua sua mulhe r que viv em na vã ilusão ilusão de que seu lar é representativo de todos os outros: ele, “julgando todas as mulheres a partir da sua, estava convencido de que eram todas fracas e tolas. Vera, julg an do a partir de seu mando e generalizando sua experiência, considerava que todos os homens acreditavamse os únicos razoáveis quando em verdade não com pree ndi am nada e eram egoístas e orgulhoso s” .561
VI Mas os historiadores historiadores não são são os únicos culp ados. N o relato do campo de batalha, Tolstoi não conta apenas a infidelidade da memória —inevitável, pois o espírito tende a racionalizar e a formalizar as lembranças. Evocando o número infinito de causas que alimentam e regulam a históri história, a, ele se choca com os limites do conhecime nto. Partilha Partilha,, ele também, o dilema biog ráfico que atormentava Carlyle: se a vida social é uma obra comum, o produto de uma multidão de ações humanas, deveríamos, então, para compreendêla em sua íntegra, poder ver, escutar, gravar, memorizar um número inimagináve l de gestos gestos e de pensamentos. O que eq uiva le a diz er que se se trata trata de uma empresa vã: o passado permanec erá sem pre inacessível, ninguém jamais poderá descrever cada um de seus ingredientes em sua essência específica e em todas as suas dimensões. Co m o vim os mais acima, Carly le cons eguia escapar a esse esse penoso sentimento de impotência graças à figura do herói, considerado como o foco irradiador miraculoso em que se cristaliza toda uma época. Tols toi não partilha partilha des dessa sa ilusã ilusão. o. N o ep ílogo , escreve que
Tols toi ataca espe cialme nte o posi tivis mo met afisi co d e C om te e d e H en ry Buck le, as concepçõe s materialistas de Nikolai Tchcmychevski e de Dinutn Pisarev, e o positivismo evoiucionista de Herbert Spencer. Léon Tolstoi, La Gue rre el la Pa ix, op. cit. , livro II, t. I, p. 559.
A
HISTÓRIA INFINITA
“ a vida de alguns personage ns não abarca a vida dos pov os, pois o laço entre esses esses persona gens e os povos n ão foi enc ont rado ” .562 E contao, ainda uma vez, através da expenência de Pedro Bezukov. Pedro é um espectador excepcional: deseja verdadeiramente compreender o que se pass passa a e sua alta alta estatur estatura a lhe p ermite perc eber sem esforço, durante a retirada dos franceses, o comboio de mulheres maquiladas, maquiladas, co m v estidos c olori dos , que suscita suscita a curiosidade dos outros prisioneiros. Porém, ao chegar a Borondino, é em vão que busca um lugar de onde pudesse abarcar com o olhar toda a batalha. Escala até um lugar alto que deveria lhe garantir uma visão excepcional, mas não adianta: Tu do o que Pe dr o via, tanto à dire ita qua nto à es querda, era tão vago que sua imaginação permanecia insatisfeita. Em lugar do campo de batalha que esperava ver, estavam campos, pradarias, darias, tropas, florestas, florestas, fumaças de bivaques, aldeias, mamilòes, riachos e, por mais que se aplicasse, não chegava a ver onde se encontrava, nessa paisagem viva, a posição e sequer podia distingu ir nosso exé rcito do d o inim igo. 553
Sob o fogo incessante dos fuzis e dos canhões, jamais se vê mais mais do que um fragm ento restrito, ora apenas apenas os russo russos, s, ora apenas apenas os franceses, ora os soldados da infantaria, ora os da cavalaria que “ surgiam, caíam, atiravam, se empurravam , sem saber saber ao ao certo o que deviam fazer, gritavam e refluíam” .564 Pedro c ompreend e que lhe é impossível reunir todos os cacos da realidade e ainda mais recompor a significação de cada um deles, porque o acontecimento deriva dos fatos, dos momentos, de uma infinidade de condições diferentes: “ Ela [a batalha] batalha] só apareceu em sua sua unidade quando, estando terminada, pertenc ia ao passado” passado” .565 O p ríncip e André , que pudera ver o horizonte ilimitado de Austerlitz, chega a mesma conclusão no momento exato de morrer: mesmo no artigo da morte, resta sempre algo de unilateral, de pessoal, de abstrato, uma impotência de perceber a realidade em sua totalidade.
Ibi d., livro IV, t. II, p. 719. 563 Ibid ., livro III, t. II, p. 197. 164 Ibi d., livro III, t. II, p. 243. 565 Ibi d., livro IV, t. II, p. 463.
197
O
PEQUENO X
- D*
BIOGRAFIA A HISTÓRIA
A
Da mesma forma que nenhum ho mem é capaz capaz de determinar o sentimento sentimento do pov o ninguém pode interpretar a significação geral de uma epoca. Pela boa razão de que não há signi ficação geral É uma abstraça abstraçao o „ n|izada e fo, ad a justamente p or aqueles que 3f escravos escravos de seu seu .nteres .nteresse se paracular paracular.. P or hom ens vis e pouco c o „ S ve,s como o conde Rostoptchine. que, após ter ordenado injusta e inutilmente inutilmente a execução do filho do mercador Veres, chagu. chagu.ne ne * just ifica aleg and o o m on vo , po uc o ori gi na l, do bem público: ’
HISTÓRIA INFINITA
Esse Esse ceticism o se tinge, aqui e ali, de fatalismo: fatalismo: “ Quan to mais nos esforçamos para explicar racionalmente esses fenómenos históricos, mais mais eles nos aparecem desp rov ido s de sentido e incomp reens íveis” .569 Então, o homem parece subordinado a uma força que o ultrapassa e que que ele não poderá jamais co nhecer nem controlar: controlar: a Necessidade. Necessidade. Abandonando seus bens para fugir da cidade consumida pelas chamas, os moscovitas part em cada um para seu seu lado, preocupad os co m seus seus inter interes esse sess pessoa pessoais, is, e no entan to, co m o um único hom em, c oncorr em
Desde que o mundo «este e que os homens se emremaom jama is algue m com ete u um cn m c contr a seu seme lhante sem recorrer pensame nto tranquihzante { } Q esta esta tomado pela paixão .gnora sem pre o bem dos outros mas mas o homem que comete um cnme sabe sempre com certeza em que consiste esse esse bem. E Ro stop tchin e tam bém o sabia sabia agora.5*
para para produ zir um únic o e form idáv el resultado: resultado: esse esse “ acont eciment o grandioso que permanecerá para sempre a mais alta glória do povo russ russo o ,57t) Po de s e diz er o me sm o da campanha da Rússia inteira. O s homens de 1812, cerca de 800.000 franceses, comandados pelo melhor capitão capitão do m und o, diante de 400.000 russos russos sem experiência são apresent apresentados ados com o os instrumentos involuntá rios da História, História, cum-
a™ ^ 3^ her° ÍC ÍCa’ ParCCe n5° s u b s i s t i r do d o que a via do ceticismo, aquele mesmo que aperta o príncipe Bolkonski durante o conselho de guena de Dnssa, quando se pergunta
prindo uma tarefa da qual tudo ignoram, mas necessária à realização de fins históricos da humanidade em geral: Tod as essas essas causas causas,, mil milhõe s delas, coincid iram para culmina r
Que teona e que ciência pode haver quando se trata de uma
naquilo que se produziu. produziu. Consequentemente, Consequentemente, o acontecimento acontecimento
nvidade cujas condições e circunstâncias são desconhecidas
não se deveu a tal ou tal causa, mas se produziu unicamente
ao podem ser determinadas de antemão, nào mais do que as
porque devia se produzir. Renegando seus sentimentos humanos e sua razão humana, esses milhões de homens deviam
num!
T
T
a
eSt5° eng3J eng3Jad adaS aS?? [ ] QUC Clênda P ° de haver haver
pratica, nada pode ser definido, pois tudo depende de inúmeras
se dirigir de leste a oeste e matar seus semelhantes, exatamente com o, vários séculos antes, antes, milhões de homens iam de leste a
condições cuja .mportância e significação serão descobertas
oeste matando seus semelhantes.* 1
numa atividade em que, como em toda atividade de ordem
gu ém ?a b" ente’ ente’ maS ^
está está ao aJc an ce ^3 ^ aos aos raci racion onah ah sr ninesen ninesen no '
^
n a d f d e ’ t u d SS SSUlr ^
m° ment0 ment0 Prec'same Prec'sament nte. e. nin nin
a COrre COrrelaça laçao o das das caus causas as dos fenómeno s não hUma hUmana na:: CO" tr™ tr™ t e aos aos posi positi tivi vist stas as e pretendem’ com o os generais generais Pfull e Ben ~ “ n a d a ’ n a da da h á d e
d°
m com teen ^ ° C° mpreendo e a «« "d ez a de de alguma alguma cois coisa a de inco mpr eensí vel mas essencial!” .568
' “ I b id id . , lavro III, III, t. t . II, II, p. 35 352. 2.
ffo d., l i v r o
I . t . 1, 1, p .
O fato de o curso dos aconteciment os ser ser predeterminad o de cima não engendra, entretanto, efeito tranquilizador. Ao contrá no, parece que Tols toi experimenta certo prazer punitivo —par —para a consigo mesm o mais do que para com o leitor — em rebaixar rebaixar a
169 Ibid ., ., livro III, t. II. p. 910.
* IM ., livro III, t, II, p 54 “ *
Nã o houve plano, nenhum programa, programa, somente somente “um jog o, dos dos mais complicados, de intrigas, de projetos, de desejos dos homens engajados na guerra que não desconfiavam do que ia acontecer e de que ela, a guerra, era a única chance de salvação para a Rússia .i72
570 Ibid ., ., livro III, t. II, p. 282.
38 7
' Ibid ., ., livro III, t. II, p. 9. 11 Ibid., Ibid., livro III, t. II, p. 105.
198 199
O
Da BIOGRAFIA A HISTÓRIA
PEQUENO PEQUENO X-
A HISTÓRIA INFINITA
liberdade da vontade humana, em não ver nela nada além de um
as convicções de St ephe n De dalus retomadas por tantos tantos roman-
resíduo de nossa ignorância, ou de uma ilusão, necessária para resistir, resistir, para para se preserva r dess dessa a “ terr íve l vid a” .573 E é precisame nte
cistas e poetas de nossa época (de Milan Kundera a Izail Metter, de
esse sentimento raivoso que lhe inspira o famoso paralelo entre o grande homem e a ovelha engordada para o abatedouro:
a esquecer: para ele, o que se passou nada tem de absurdo, e a odis-
Bruc Brucee Chatw m a Czes law Mi los z) que vê na histór história ia um pesadelo pesadelo seia pessoal de seus personagens é inseparável do drama histórico de
Para um rebanho de ovelhas, a ovelha que o pastor encerra
1812 1812.. Ele jamais p reten de se livrar do “ catarro catarro do passado”, passado”, mas crê, crê,
cada cada noite num recinto especial ond e ela com e à parte e se
ao contrário, que só a história pode ajudar a compreender por que
toma duas duas vezes mais gorda que as outras outras deve parecer um
o que que acontec e se passa passa de certa ma neira e não d e outra: “ Só a soma soma
gênio. E o fato de que, todas as noites, essa mesma ovelha nào
dos dos acontecim entos co ncre tos n o tem po e no espaço a totalidade totalidade
volte ao cercado comum, mas seja alimentada com aveia num recinto especial, e de que essa mesma ovelha, precisamente esta ovelha, cheia de gordura, seja morta para ser comida, esse fato deve aparecer ao rebanho como uma surpreendente conjunção
da experiência real de homens e mulheres reais em suas relações uns com os outros, e com um m eio físico real, real, tridimensional, conhecid o empiricamen te —apenas —apenas isso con teria a verda de .5l A única coisa que
do gênio com toda uma série de acasos extraordinários. Mas
ele receia e que o imta é a generalidade da maior parte das reconsti-
bastaria que as ovelhas cessassem de acreditar que tudo o que
tuiçõe tuiçõess históricas: históricas: a história lhe p arece in suficientemente precisa.3
lhes acontece nào tem outra razào além da de lhes fazer atingirem sua meta de ovelhas, [...] e veriam imediatamente que tudo o que acont ece à ovelha engordada é coere nte e ló gico .574
VII VII
Dois comentários, ambos notáveis, aprofundaram essa dolorosa particularidade de Tolstoi. Para o primeiro, proposto por Isaiah Berlin Berlin em 1953, 1953, o ce ticismo d e Guerra e Pa z consiste essencialmente numa forma extrema, sem apelo, de determinismo histórico. A tese principal é a seguinte: existe uma lei natural que deter-
O ceticismo de Tols toi, resultado resultado de sua sua arte arte “ de colo car questões questões
mina a vida dos seres humanos não menos do que aquela da
exageradamente simples, mas fundamentais” ,575 tem uma incidência
natureza; mas os homens, incapazes de enfrentar esse processo
fulgurante. fulgurante. Mas apresenta apresenta uma particularidade essencial: essencial: é pro por cional a seu apego à história. Por certo, acontece ao escritor de exprimir
escolhas, escolhas, e fixar a responsabilidade por aquilo que ocorTe sobre
um sentimento de distância distância em relação aos acont ecime ntos históricos, históricos, e pensar pensar que a vida, entretanto, c om suas suas preoc upaçõ es essenci essenciais ais ga
à saúde, saúde, à doença, ao trabalho, trabalho, ao repouso, com tu do o que
ela comporta pensamento, ciência, poesia, música, amor, amizade, o o, paixão em suma suma,, a verdadeira vida humana transcorria transcorria com o sempre alheia e independentemente das reformas políticas e das rela-
inexorável, procuram representálo como uma sucessão de livres personagens a quem atribuem virtudes ou vícios heroicos, e a que cham am “ grandes homens .579
O ceticismo ético, que considera que tudo é igual e nega a existência de fatos insignificantes e de fatos importantes, vai de par com a im possibilidade de se contentar com respostas fáceis ou escapatórias, uma uma impossib ilidade que faz de To lsto i uma espécie de nii ista ista
ções, mais mais ou menos amigáveis, co m N ap ole ão B onap arte” .57'’ Mas esse nao é mais do que um pensamento lateral. Tolstoi não partilha Isaiah Isaiah Berlin, O í Pensadores russos, op. cit., cit., p. 64. " Com mais de um sé culo de distância, Izrail M etter Li Cwhfwirmr Co m ' Rn1' ^ 5,3 Ibid ., livro II, t. I. p. 687. 5 * Ibtd ., livro ., livro IV. t. II, p. 641642.
Isaiah Berlin, Le s Pen seu rs russe s, op cit .,
p. 298.
Líon Tolstoi, Tolstoi, La Gu err e et la Pa ix, op. op. ar., livro II. t. I, p. 536.
200
d
do russ russo o por Dems Auch.er, Auch.er, Pans, Pans, Liana Liana Lev,. 1*92. P P 15 " « « v c » ‘ E« ude' manuais manuais todos os elem entos que c onstituíam minJw vicb. ivl * os histona histona ores ten fatos da realid ade co m uma r ede de malhas grandes dema.s; |...| |...| toda imnha v«i a passa através, sempre me en contr o em me io à peixarada miúda, sem interesse interesse para para Isaiah Berlin, Les Pen seu rs russ es, op. cit. , p. 77
20 1
s
O
PEQUENO
x - Da
biografia
A história
rabugento: “ O único grup o de que ele p oderia faz er parte parte seri seria ao grupo subversivo dos questionadores, a quem nenhuma resposta foi
A HISTÓRIA
INFINITA
Mas Tolstoi explica, por outro lado, que não existem circunstâncias materiais capazes de garantir ou impedir a liberdade inata
dada, dada, pelo menos nenhuma q ue eles mesmos, ou aqueles que os compreendem, poderiam cogitar aceitar” .58" P restando atenção sobretudo sobretudo a seus acentos impiedosamente destruidores, Berlin vê em Tolstoi
do indivíduo. Para ele, a liberdade não é uma condição, mas uma experiência interior. É o que Pedro compreende ao longo de suas
“ o mais trágico de todos os grandes autores, autores, um vel ho desesper desesperado ado fora do alcance de todo o socorro humano, errando, cegado por si mesmo, mesmo, em C olo no ” .581Ree ncontramos a figura figura de Édip o em Nicola Nicola Chiaromonte, o autor do segundo ensaio, servindo para sublinhar a
mundo nada nada de apavorante” :
redescoberta, redescoberta, em Tols toi, d o destino e da Nêmesis: “ Qua nto mai maiss o homem se engaja no tempo e no turbilhão das ações históricas, mais, do própno fundo de sua liberdade, emerge sua dependência em relação ao acaso e a uma neces sidade i nca lcu láv el” .582
três três últimas semanas de prisão, quand o desco bre “ que não há no
Ele aprendera que, assim como não existe no mundo situação em que o hom em seja seja feliz e inteiramente inteiramente livre, livre, tampouco existe situação em que ele seja totalmente infeliz e privado de liberdade. Aprendera que existe um limite para os sofrimentos e um limi te para a liberda de e que esse limite está está muito p róx im o.58 o.584
E ess essa a descoberta descoberta é tão poderosa que, uma v ez libertado pelo b ando de Denissov, Pedro sente a liberdade exterior como alguma coisa
Tratas e, já o dissemo s, de dois co me ntá rio s fundamentais. Pareceme, no entanto, entanto, que o ceticism o de G u e t r ã e p a z deve ser re-
de supérfluo, c om o um lu xo .58 .585
cond uzid o a prop orções mais justas. justas. Em re alidade, T ols toi não nega nega a liberdade. Ele d iz duas coisas coisas mais simples, e que são parcialmente parcialmente contraditórias. De um lado, afirma que a liberdade não é um estado absoluto e total, o produto de um indivíduo autónomo e separado
te sobretudo nos momentos do romance em que o autor se exprime diretamente (o segundo epílogo e os capítulos mais teóricos). Mas,
dos outros, mas que se trata de um estado relativo, a expressão da
se o risco de desnaturar o pensamento disseminado que alimenta o
dependência recíproca sobre a qual repousa toda experiência social:
conjunto do poema tolstoiano. Mesmo estando intimamente ligados
Se consideramos o homem fora de suas relações com tudo o que o cerca, então cada um de seus atos atos nos aparecerá c om o livre. Mas Mas
um ao outro, acontece frequentemente que o homem, o autor e o
se percebemos uma só que seja de suas relações com aquilo que o circunda, se percebemos o menor de seus laços com o que quer
talvez particularmente verdadeiro para para Tolsto i, que
que seja seja o ho mem que lhe fala, o livr o qu e lê, o trabalho que faz, faz, mesmo o ar que que o en vol ve, mesm o a luz que cai sobre os objetos à sua sua volta vemos que cada uma dessa dessass circunstâncias tem influência influência sobre ele e dirige uma parte de sua atividade. E nos damos conta de que, quanto ma ior o n úme ro dessas dessas influências, m en or sua liberdade liberdade e mais forte a ação que sobre ele e xer ce a necessidad e.58 e.583
Seja como for, o ceticismo está está bem presente presente e aparece aparece claramen-
atribuindolhe o valor de uma mensagem final, conclusiva, corre
romancista vivam uma relação conflituosa ou pouco coerente. Isso e certamente certamente tem
pensamentos pensamentos de que sente med o” .586 Ademais, com o sugeriu Berlin, Berlin,
esgotada esgotada por ter aleitado seu filho, que rouba comida, ou o home m forma do na disciplina, disciplina, que nia cumprindo ordens) nos aparece menos culpado, isto é, menos livre e mais sujeito à necessi Esse Esse elemento de reflexão será igualmente igualmente retomado e aprofundado aprofundado por Musil em O Ho me n qualidades atravé qualidades atravéss do personagem Moosbrugger. M lb id .t livro IV, t. 11, p. 552. A única circunstancia externa a que Tolstoi atnbui uma importância em si, si, que tenha, iire
ga
vehnente, uma incidência enquanto tal sobre os seres humanos, é a oposição entre a campo: esse é um dom ínio ond e a substân substância cia se se sobrepõe, encarnada pela pela figura e enquanto a cidade, cegada pelos "olhos azuis pálidos da vida social pro du~ inevitave me
. p. 298. Ibi d .
príncipe Vassilitch, que esc onde “ uma emoçã o que é sempre a mesma , e a con que pronuncia a palavra “am ante” c om o qualquer outra palavra. palavra. Sobre esse dualismo pnmano.
p. 118. N,C0b Ch,ar°mome. The Paradox of History, op. at.. p. 31.
representativo da distinção entre bem e mal, cf. George Steiner. Tob toy or Dostoevs y
Leon Tolstoi, La Gu err e et la Pa tx. op dt ., livro IV, t. II, p. 736. Nessa perspectiva, Tolstoi
1959, cap. cap. 2. 2. in lhe Old Criticism, Criticism, Ne w Yor k, Knopf, 1959,
d d
j
. Uma VCZ SUas PcrP lex|dades em face da noç ão de c ulpa bilida de e de responsabili responsabili uai. quando conhecemos as condições de um delito, o culpado (a mãe esfomeada,
202
Maxime Gorki, Rfmíntffrr Rfmíntffrrurs urs ofTotstoY, Chekh ovand Andreev, Andreev, Londres, Hogarth I res., por George Steiner, Tolstoy or Dostoeusky, op. cit., cit., p. 251.
203
n
y
O
pequeno
A HISTÓRIA INFINITA
x - Da b i o g r a f i a A h i s t ô s i a
ainda ainda que tenha tenha querido a todo preço ser um o uriço, ele não conseguiu conseguiu se desfazer de seu temperamento de raposa, sempre pronta a capturar “ a essência essência de uma vasta vasta gama de exp eriênci as e de o bjeto s po r aquilo que eles são em si mesmos, sem buscar, nem conscientemente, nem inconscientemente, insenlos numa visão interior unitária, imutável total, por vezes contraditória e incompleta, por vezes fanática, mas sem tampouco tampouco busca buscarr excluílos excluílos dela”. F el iz m en te , o romanc romancist ista a se reb rebel ela a por vezes contra o autor: são então seus personagens que exp rime m ess essa parte parte dele mesmo que o escritor não conh ece c omple tament e.588Nà o Weltanschauung, nem é por acaso que nenhum deles reflete uma única Weltanschauung, nem mesmo aquela do romancista que, ademais, adrmtirá alguns anos mais tarde: tarde: “ Perdi o controle sobre An a Karenina, ela faz o que quer” .589Por isso, permanece indispensável levar em consideração as partes plena e puramente narrativas do texto: ainda que seja quase impossível esgotar a densidade, o entrelaçamento e a complexidade dos estados de alma que nutrem o pensamento de T olsto i, elas permitem perfurar a tela tela de ceocismo que cerca suas reflexões explícitas sobre a história. Uma vez apaziguados os momentos de cólera, durante os quais prima a lei da fatalidade, abolindo a própria ideia de uma livre atividade humana, Tolstoi renuncia a anular as escolhas, cessa de afirmar que não há nenhuma diferença entre o fútil e o importante, para para dar a palavra palavra à necessidade de e scolher, de agir, de in tervir. Seu comportamento lembra aquele do príncipe Bolkonski quando esse busca em vão se convencer de que tudo é inútil e insignificante. Mas seu instinto mantêm um discurso totalmente diverso. Seja em sua sua juve ntud e, quan do, para salvar salvar a mulh er do m édi co d o 7o “ridículo, o que temia regimento de caçadores, aceita cobrirse de “ridículo, acima de tudo ,5' O u ainda na idade em qu e o entusiasmo juven il parece definitivamente comprometido, quando, após a campanha de Austerlitz e após ter ter encontrado Lisa já moribund a, d ecide não mais mais servir servir o exército e vive r “ só para para si” na grande p ropriedade de Bogu tcharo vo, sem empree nder mais nada nada e apenas “acabar sua sua vida
sem fazer o mal, sem se atorm entar e sem nada desejar”.59 desejar”.591 Mas não consegue: graças à sua tenacidade prática, no espaço de dois anos, ele distribui um de seus domínios de trezentas almas a camponeses libertos, diminui os encargos e organiza cursos de alfabetização para os filhos dos camponeses e de seus empregados. Sua quietude é inicialmente perturbada por uma longa conversa com Pedro, que marca o início de sua nova existência interior, mesmo se nada exteriormen te d eixa s upôlo .592 Em seguida, seguida, é assalta assaltado do por uma necessidade mcontrolável de se exprimir, que se desencadeia após sua primeira visita ao domínio de Rostov, na primavera de 1809. Não, a vida não está terminada aos trinta e um anos, decidiu subitamente o príncipe André, definitivamente, definitivamente, irrevogavelmente. Nã o basta basta que eu saiba saiba o que há em mim , é preciso que todo m undo o saiba, tanto Pedro quanto essa mocinha que queria fugir. E preciso que todos me conheçam, que minha existência não transcorra apenas para mim, que eles não vivam fora de minha vida, mas que esta se reflita na deles e que vivamos todos a mesma vida.
A necessidade necessidade de agir não é sempre algo que se dá de impro viso, unicamente desencadeada por uma ilusão —essa necessidade do homem de se imaginar, a todo custo, livre e que é sempre frustrada no epílogo. Ela nasce igualmente da possibilidade realista de transformar a própria vida, de reconhecer a existência dos outros em si mesmo e de si mesmo nos outros. Por vezes, mesmo, ela nasce da possibilidade de simplesmente influenciar os acontecimentos. “ E cada cada um, do ge neral ao soldado, tinha consciência de não ser mais mais do que um grão de areia insignificante nesse nesse mar humano, mas experimentava ao mesmo tempo uma sensação de potência como parte desse todo for mi dá ve l” .594 Já falamos da lenta e substancia substanciall metamorfose interior de Pedro (precisemos apenas que, uma vez terminada a guerra, ele não renuncia a se erguer contra o governo). Nicolau Rostov segue uma via mais simples, talvez mais superficial, mas, sob certos aspectos, tão eficaz quanto a de Pedro. Inicialmente
Isaiah Berlin, Le s Pens eurs russes , op. at ., p. 5 7 . '“ George Steiner Steiner,, ToUtoy o, Dostoevsky, op. rít., cap. rít., cap. 3 . Claudia Magns. "II mistero delle due scntture", II Co me re deli a seta , 2 de abril de 2000. A esse respeito, Henry James observou que os pereonagens de Tolstoi estão impregnados de "uma maravilhosa
s” Ibi d., livro II. t. I. p. 539. ,u Ibi d., livro II, t. I, p. 502.
massa massa de v,da . Cf. também Mi lan Kunde ra, Les ra, Les Tes tam ents trahis, Pans, Galiinurd, 1993. p. 22.
m l bi bi d. d. , , livro II, t. I, p. 543.
Leon Tolstoi, La Gu err e e t la Pa ix, op. cit. , livro I, t. I, p. 234.
w I b id id . ,, livro I, t. I, p. 32H
205
O
PEQUENO
* - D*
BIOGRAFIA A HISTÓRIA
aterrorizado pelas pelas possibilida possibilidades des de escolha que dev e enfrentar, enfrentar, decide se refugiar no seio do quadro estreit o e imutá vel d o Exército'. Lá ao menos, ele espera estar ao abngo das turbulências da vida e se tomar um homem excelente. Esse desígnio, que lhe parecia tão árduo no meio mundano, tomase, no seio do regimento, bastante realizável Essa incoerência da vida livre em que ele nào encontrava seu lugar e se enganava em suas escolhas, não existia mais aqui. Nada mais de Sonia com quem era preciso ou nào era preciso se explicar. Não era mais possível ir ou não ir aqui ou acolá não se dispunha mais destas vinte e quatro horas que se podiam utilizar de tantas maneiras diferentes; nada mais dessa multidão de pessoas entre as quais nenhuma é verdadeiramente próxima nem c omple tamente estranha; estranha; nada mais de relações financei financeiras ras confusas e embaraçadas com o velho conde; nenhuma chamada à terrível perda no jog o.. . aqui no regim ento , tudo era claro claro e simples. simples. O mun do in teiro se dividia em duas partes partes disti distint ntas: as: uma. nosso regimento de Pavlogrado, a outra, todo o resto. E esse esse resto nào nos importa de m od o a lgum .595
E, no entanto, bastará que ele encontre a força de reconhecer seu amor pela pnncesa Maria, para descobrir que ele po d e f a z e r, r, e será justa men te ele, o te m o Ni ko lu ka , am ed ro nt ad o pela desord em o mundo livre, que tratará o camponês não apenas como um instrum instrument ento, o, mas mas como um fim em si e um juiz: juiz: “ N o domínio mais importante para ele, não estava o azoto e o oxigénio do solo e o ar nem tal arado ape rfeiço ado ou tal adubo especial, mas mas [...] [...] o trabalhador, trabalhador, o camponês” .s% .s% VIII To lst oi não apenas com ba te o pr óp ri o cet ici sm o éti co, mas mas a por to os os meio s viola r a inacessibilid ade d o passado. passado. Seu Seu prezo pe os os historiadore historiadoress (co m o T hiers ou , pio r ainda, ainda, Henry e, que toma suas categorias científicas por fatos reais) é da ma natureza que aquele que André experimenta pelos milita e arc arc ay de Tol ly a Pfull e Benning sen). É um sentimento sentimento
acrimonioso, apodíctico, aparentemente sem apelo, e, no entanto, profundamente impregnado de um desejo de desafio. Ele pede para ser desmentido: por si mesmo. Queremos dizer que nesse desprezo não entrava nem o personagem, nem o romancista: ele conduz o primeiro a abandonar o estadomaior para conduzir pessoalmente um batalhão, e o segundo a propor outra maneira de pensar a históna. C om grande frequência, Tols toi cess cessa a de agitar agitar o espectro da não exaustividade da históna. Mais do que se submeter a ela, tenta controlála. A m eia voz , através através da simples narração, ele reage ao dilema biográfico, que partilha com Carlyle, de uma maneira que não é nenhum po uco destruidora ou resignada. Com o? Graças Graças a três três pnncípios narrativos particularmente persistentes: personalizando a ação, multiplicando os pontos de vista, e dando livre curso ao movimento contínuo dos indivíduos e das situações. To do s os person agen s de Guerra e paz estão profundamente marcados por suas experiências sociais, mas raros são os raciocínios impessoais fundados sobre as massas, as classes, as gerações e assim por diante (com exceção da dualidade cidadecampo) ou os personagens representativos, representativos, ordinários, normais. Cada personagem tem um nom e e uma história: história: m esmo os personagens aparentemente insignificantes insignificantes (como o cocheiro Efim, o empregado Tikon, a ama Savichna e o palafreneiro Prokofi), mesmo os mais medíocres, como Beg e Vera, sempre em rivalidade com os outros, nunca são são banais banais e têm sempre alguma coisa coisa de pessoal. pessoal. Co m o diz T olst oi, têm uma personalidade legítima. legítima. Poderíamo s dizer — parafra parafrasea seando ndo o início de A n a Ka re nideles é med íocre “ a seu seu mod o” . Nesse Nesse sentido, sentido, o na — que cada um deles determinismo de T olsto i nada tem a ver com o determinismo natunaturalista, ralista, que “ esmaga a vida, substitui a ação humana por meca nismos de sentido ú nic o” .597Sem dúvida, esse esforço de personalização, tão tenaz e intenso, dá a todos os aspectos da narração uma dimensão antropomórfica. Contrariamente a Flaubert, que quer descrever o mundo da natureza e os ob jetos materiais materiais com uma precisão absolu absoluta, ta, To lst oi utiliza as árvore s, os c orpo s celestes, os gorr os, para descrever as emo ções dos seres seres humanos. humanos. Co m o observo u, justamente, Ge orge Steiner, essa escolha, discutível sob certos aspectos, permitelhe
livro [I, t. I, p. 509. Levine de An a K a m m a ’1 ^ ^
A HISTÓRIA INFINITA
^
N‘C° laU“ ra levada
adlante Pel° personagem Conscantino Conscantino JeanPau l Sartrc, Qu*esl-ce que la littérature?, littérature?, Paris, Galliinard, 1948, p. 163.
206
207
O
PEQUENO X-
Da
biografia A h istória istória
omper com a tradição realista um pouco mecânica, que dá ao leitor uma sensação de coaçâo e de inumanidade: o pivô de seus escritos jamais deixa de ser o ser hum ano, co m seus erros e suas suas dores.59" Provido de um sobrenome, de um nome e de um pouco de
A
HISTÓRIA INFINITA
de uma uma noite que vê o jo ve m Niko luch ka Bolkonsk i presa presa de pesa pesadelo delos. s. Como tudo isso terminará? Essa solução narrativa não exprime unicamente mente a press pressão ão da enação, c om o se “ esse esse êxtase êxtase oculto, que nasce do fàto de dar dar forma à vid a através da lín gua, ainda não se tivesse esgo tado ” .601
históna, cada personagem pensa, olha e sente as coisas a seu modo
É um ponto a que já f izem os alusão, alusão, a propósito da marcha marcha de flanco
Um hom em não tem um determinad o aspecto, é sempre outra outra pes pesso soa a
para além de Krasnaia Pakra, aquela que deveria ter sido fatal para o
que nota que ele tem esse aspecto: as mãos de Karenin são grosseiras e
Exército russo e que conduziu, ao contráno, as tropas francesas à sua
ossudas quando Ana as olha e são brancas e suaves através do olhar de
perdição. perdição. Isso Isso se toma ainda mais evi den te se, por um instante, tentamos
Lidi Ivan ovna.59 ovna.599O mesmo se dá com os acontecimentos histórico históricos. s. O encontro dos dois imperadores imperadores em Tilsitt não tem a mesma significação significação
escutar mentalmente o relato da ruptura entre André e Natacha. Se não
física e moral para aqueles que se encontram no QuartelGeneral e aqueles que estão no Exército: enquanto Bons Drubetskoi não con-
tivesse havido em Natacha um não sei quê de excessivo que a tomava
sidera sidera mais mais Napole ão com o um inim igo e sim com o um soberano soberano e
infeliz, infeliz, e se André, uma ve z lo nge dela, não lhe tivesse tivesse dado a impressão de viver uma verdadeira vida, de ver novos países e novas pessoas que lhe interessavam... se o príncipe Bolkonski, esse velho originalão,
organiza alegres jantares com os ajudantes de ordens franceses, Nicolàu
tivesse tivesse aceitad o que seu seu filho quisesse mudar de vida,
Ros tov expenmenta sempre o me smo sentimento mesclado de ódio, ódio, de desprezo e de medo. Longe de se irritar com esse caráter irredutí-
nela nela algo de n ov o, quan do, para ele, a vida já estava estava terminada , se se a princesa Maria não tivesse sido tão ciumenta, se Dolokov não tivesse
vel, Tolstoi faz dele um ponto de interesse para dar a palavra à imensa
se divertido manobrando a vontade de Anatole, se a mãe de Natacha não tivesse ficado com o pequeno Pétia nos campos de Otradnoie...
diversidade dos dos espíntos humanos, humanos, qu e faz co m que uma verdade não
introd uzin do
se apresente jamais do m esm o m od o a duas duas pessoas pessoas.6 .600 Ref orça nd o
Mas também se, se, se... talvez, então, Natacha não tivesse permanecido
uma forma literária clássica, aquela das duplas e das triplas intngas, ele cultiva, mais do qualquer outro, a coexistência das imagens diferentes
tanto tem po tomad a dessa tristeza que a fazia pensar que nunca mais mais acontecena nada, nada, que tud o o que havia de belo já acontecera , e
o mundo. Sua prosa ignora a unidade, e suas explicações fogem da
ela teria podido sentir também entre ela e Anatole a força dos obstáculos morais morais que experime ntava e m relação aos aos outros outros homens. homens. A o lo ngo de
generalização: a única coisa que une verdadeiramente todos seus personagens e a rebelião do múltiplo contra o uniforme. Enfim, Tols toi nào se contenta em contar os diferentes diferentes pontos de vista, ele faz com que se mexam: o múltiplo de Guerra e Paz nunca é movei. Não é, portanto, surpreendente que a trama não tenha nem inicio nem fim b em estabelecido: estabelecido: somos imediatamente projetados, projetados, sem sem pream ulo nem apresentações, no calor de uma conversa ção em casa casa de
todas todas ess essas as passagens passagens,, o efe ito de e co sugerindo que cada um deles evoca ainda outros, Tolstoi conta o conjunto de circunstâncias infelizes que deixam Natacha à mercê de Anatole como um movimento absoluto. Somos mergulhados numa melodia que continua a ressoar em nossos ouvidos muito tempo após a execução da peça. T o d o o relato está imp regn ado de uma esperança, e mbor a não
a avlovna, on de a alta socieda de de São Pete rsbu rgo (on ze de seus seus epresentantes presentes, mais vinte e três citados) comenta a execução
seja pensável reconstituir todos os gestos, as ações, os pensamentos que formaram um acontecimento, talvez seja ao menos possive
o uque de d Engh ien, para sermos em seguida dispensados dispensados ao longo
evoc ar as perdas, as discordâncias, as incoerê ncias, as possi 11 se, Tolstoi conta tam em não realizadas. Através de todos esses se, que não não teve seguimento, o que foi e se interrompeu. interrompeu. Diz no q o acon tecim ento só estabelece sua sua necessidade necessidade após ter se pro u ,
George Steiner, Steiner, Tohtoy or Dostoevsky, op. dt.. cap. 2 . 1981 t I p^303 Jo p^303 Jo um au .x (1976), traduzido do alemão p °r Philippe Jaccottet, Jaccottet, Éditionsdu Seuil, Seuil, “ °Leon Tolstoi, Tolstoi, L> Gu err e et la Pm x, op. dt ., livro II, t. I, p 5 5 9 .
**" George Steiner, Tolstoy or Dostoevsky, op. cit., cit., p 15.
209
O
PEQUENO X-
Da BIOGRAFIA à HISTÓRIA
CAPÍTULO VII
mas que, 110 momento da realização e do encadeamento das ações, existiam outros possíveis que po deriam se realizar: realizar: eles foram apagados, apagados, eliminados d o resultado final, mas iss isso o não sign ifica qu e tenham sido menos reai reais. s. Outro exemplo feliz, desta desta vez se desenro desenrola la pouco antes da fuga de Moscou, quando um oficial se apresenta a Rostov para lhe ped ir algumas algumas charrete charretess para para os feridos. O con de dá inicialmente
Sobre os ombros dos gigantes
seu assentiment assentimento, o, depois, “ com o ele falava falava sempre quando se tra tratav tava a de questões de dinhe iro” , fala fala disso disso timidamente com a condessa condessa,, que crianças” , imped e seu marido de dissip dissipar ar “tudo o que temos, os bens das crianças” até que Natacha faça sua sua aparição. aparição. O rosto de com pos to pela cólera, ela acusa sua mãe de ter ordenado uma ignomínia e convence seu pai a ced er as as charretes para para o transporte dos ferido s. N o espaço de alguns instantes, o que parecia impossível se toma bastante evidente: “ Lon ge de lhes parecer parecer estranho estranho agora, agora, parecialhes, ao contrário, que
i
não se se poderia agir agir de outra forma; do mesm o m od o que, quinze minutos antes, ninguém tinha achado estranho que se abandonassem
Carlyle, os historiadores historiadores alemães alemães Dilthey e Burckardt, Burckardt, Tolsto i.
os feridos para transportar os bens, todos considerando que as coisas
Esse encadeamento de nomes não é apenas cronológico: cada um
não pod ena m se dar de outra forma ” .602
démarche. Mas, desses autores colaborou para a evolução de minha démarche.
N o coração da narraç narração, ão, Tol stoi deixa d e lado seus seus estado estadoss de maneira de pensar a históna, 11 a qual os alma céticos e propõe outra maneira vazios são tão tão essenc essenciais iais quanto quanto os cheios. E voc and o os pon tos de divergência e as as possibili possibilidades dades inexprimidas da vida de P edro , de André e de Natacha, e de todas todas as outras “ quantidad es infin itesi mais” que participaram da campanha da Rússia, ele sugere inverter a perspectiva e ver nos limites da históna, em seu caráter inesgotável, uma de suas qualidades fundamentais. Nessa perspectiva, mais do que reconstituir as mil circunstâncias, pequenas, mais ou menos banais, que foijaram
como costuma acontecer quando se dialoga, não é simples fazer um balanço e discernir o que provém de um ou do outro. Essa dificuldade é ainda mais marcada visto que minha interrogação inicial sobre o valor heurístico da biografia gradualmente se ampliou e se transformou, para se abnr sobre uma série de questões concernen tes às possibil possibilidades idades e aos aos limites limites do c onhe cimen to histórico. Com ecei este livro tomando a contrapé a ideia de que a biografia era um novo problema historiográfico. Pouco a pouco, compreendi que não se tratava apenas de reabilitar um debate, de reparar um erro historiográfico, mas que me defrontava com um conjunto de argu-
o acontecimento, tomase importante fazer compreender que elas
mentos suscetíveis de dev olv er à História um po uco de sua sua qualidade qualidade
são mil, pequenas, mais ou menos banais e que bastava faltar uma
épica. Por isso me pareceu importante concluir esse percurso com
para que um fato não se produzisse. Em suma, o que conta, é parar
um vaivém entre o passado e o presente historiográficos. Tratase
de dissimular dissimular o não finit o para tentar sugerilo.
aí, bem o sei, de um exercício perigoso por causa dos inevitáveis nscos de anacron ismo que o acompanham, mas mas espero que a reflexão reflexão
Léon Tolstoi, La Gue rre el l a P aix , op. at .. livro III, t. II. p. 318. Para considerações extremamente
sobre o pequeno x que o século X IX nos propôs possa possa nos ajudar ajudar
interessant interessantes es sobre a lei da retrospecção que nos con duz a representar o passado como unia pre-
a dissipar alguns dos equívocos que embaralham a discussão atual
paração em vista de certo fàto sucedido, verjacques Bouveresse, Bouveresse, L L 'H om m e prob able. Rob ert Mu sil , le hasard, la moyenne el 1'escargot de 1'histoire. Paris, Édmons de l’Éclat, 1993.
210
sobre a história biográfica.
O
pequeno
x - Da
boguafia
A histôsia
II
So b r e
o s ombíos dos gigantes
grandes modelos de interpretação, marxista e estruturalista entre outros, sugenu a numerosos historiadores interrogaremse sobre a
Durante a segunda segunda metade do século XX , quan do o projeto
noção de indivíduo: em 1987, Bernard Guenée considera que o
biográfico parecia definitivamente abandonado, ele foi retomado
estudo das estrutu estruturas ras dá espaço demais ao que der iva da necessidade,
por alguns alguns autores autores difíceis difíceis de classific classificar ar (com o Rich ard Hogga rt,
e, alguns alguns anos anos mais tarde, Jacques Jacques Le G o ff esclarece esclarece que “ a biografia
Oscar Lewis ou Danilo Montaldi), todos desejosos de dar a palavra
[lhe] parece em parte liberada dos bloqueios onde os falsos pro-
àqueles que a Históna c om H m aiúsculo aban donara.60 donara.603E é precisa-
blemas a mantinham. Ela pode mesmo se tomar um observatóno
mente nessa óptica, tão distante da abordagem tradicional da história
pnv ilegia do” .606 Dece pcion ado s e insatisf insatisfeitos eitos com as categorias categorias
política, que se dissipou pouco a pouco a desconfiança para com a
abrangentes de classe social ou de mentalidade, que reduzem o sen-
dimensão individual. Esteja ela ligada à memória dos marginais, dos
tido das ações humanas ao efeito de forças económicas, sociais ou
vencidos e dos perdedores, ou ainda daqueles que, mais simples-
culturais globais, mesmo os historiadores sociais resolveram, então, refletir sob re as trajetórias pessoais.607 Em suma, suma, no de co ne r desse dessess
mente, não contaram (na esteira da históna oral, dos estudos sobre a cultura popular e da história das mulheres 61’4), a reflex ão biográ fica
últimos anos, a dimensão individual se tornou uma questão central,
progressivamente retom ou em toda historiogra fia.605 A crise dos
e a biografia, de certa forma, se democratizou: a aposta hoje não é mais o grande homem (noção descartada, e por vezes mesmo tida por pejorativa), mas o homem qualquer.
MJ C f R,c h‘“rd U CuUure áu PmWTe Étude sur le slyle de vie des classes classes populaires en Anglelerre Anglelerre (1961), traduz ido do inglês por Françoise e JeanClaud e Garcia e jeanC laud e Passeron, Pans, Pans, Editions de Mmuit, 1970; Oscar Lcwis, Lcwis, Les Les En fan ls de S an che z. Au io bi ^r ap hi e d'u ne fam ille mex icaw c (1961). traduzido do in gl « por Céline Zims. Pans, Gallimard, 1978; Dan.lo Mont aldi, Aut aldi, Aut obi ogm fie
As novas experiências historiográficas me parecem ter se caractenzado por duas tendências contraditórias. De um lado, a
alia leggera, leggera, Tonno, Einauldi. 1961; Danilo Montaldi, m U an ti pohtici pohtici d, base, base, Tonno, E.naudi,
biografia foi investida de esperanças desmesuradas, que iam muito
1961. Cf. igualmente os trabalhos de Rocco Scotellaro. Conlad.ni del Sud. Ban. Laterza, 1954.
além além de um trabalho de compreensão científ científica. ica. O sociólogo Da-
Cf., entre outros, Raphael Samuel (dir), Easl End Underuw ld: Chaplers in in lhe U/e o/A nliu t HardHard•ng , LondresBoston, Routledge & Kegan Paul, 1981; Paul Thompson, The Votces Votces of lhe Pasl.
niel Bertaux contou muito bem como, em 1968, o relato de vida
Oxf ord New York, Oxfor d Umversity Pres Press, s, 1978; 1978; She.la She.la Rowbotha m, Hi dd cn jr om His tor y: 33 0
lhe aparecera aparecera com o uma ferramenta de conhecim ento alternati alternativa, va,
ea nó/ Ho m en's Oppression Oppression and the Fighl against against it, it, Londres, Pluto Press, 1973;Jeremy Seabrook,
antiautoritária, antiautoritária, do passado, passado, mas também co mo um instrumento de
Work.ngClass Childhood. Londres, Gollancz, 1982; Lu.sa Passenm, Tonno operaia e fascismo: una La ttee rz rz a, a, 1 98 98 4; 4; J ul ul ia ia S w i nd nd e l k I t a slonaorale. R o m a , La side o f Silence, Silence, Cambndge, Polity Press, 1985.
IVr itm g an d H orking Women: V,e Other
luta luta para para transfonnar a sociedade n o presente.608N o outro extrem o
C f Michel Manan, “ fhistoire saisi saisie par la biographie", Espni. Espni. 1986, 117118, p. 125131; François ari biographique
,
revistas consag consagraram raram re une vie, Pans, vie, Pans, L j D écouve rte, 2(K)5. Numerosas revistas
emente um número monográfico à biografia biografia e à autobiografia C f, por ordem cronológica: cronológica: Ne Ne w Sdf "C ° nfr0nt*tl0n 0 n and Social Vision ” , 1977, 1977, IX. I, No uv ell e Re vu e de ps ychanal ise. ; Caluers inlematioiiaux de sociotogie, "H moires de vie et vie sociale”, sociale”, 198, XLIX , 2; Rev 2; Rev ue
,
v'e • 1983, 191; Sigma, “ Vende re le vite: la biografia letteraria", letteraria", , . L e b io g r a p h i q u e , 1985, 63 ; Sources, la Sources, “ Problème s et méthodes de la biographie . Ac t« du CoUoque, Pans, Sorbonne 1985, 34; Dio 34; Dio gèn c, “ La biographie” , 1987, 1987, 139; 139; „ f ' - ''Reflcct,0n' on th< Self\ 1987; Re vu e fr an ça s de psy cha nahs e, “ Des biograph.es, biograph.es, l 8 o, i l . t n q u ê t e , Biographie et cycle de vie” , 1989, 1989, 5;Caluers 5; Caluers de philosophie, “ vie philosophie, “ Biograph.es. La vie com me e e se dit... , 1990, 10; Rn/ue Rn/uedes 1991, 224; 224; Politix. des scierues humaines, humaines, “Le biogra phique” , 1991, U biographie. Usagej srientif.ques et soc.aux", 1994, 27; , I «
,
Pôle Sud. Sud. “B.ographie et pol.tique",
BiographieBiographienBiogiaphie e raverse. raverse. Zettschr if fur Geschichte. Rev ue d'histoire , “ BiographieBiographienBiogiaphi
1CS ' 2, R n u e d Al lnn ag iw el d es de l iiiiyi u' úii etna ndí'. "Le ^enre buigrjphique dins stonographies française française et allemande contempora ines” , 2(K)1, 33; Re 33; Re vu e des sciences hum aine s, lographies , 2001, 263; Li ttír atu re. "Biogr aphiq ues” . 2002, 128. 128. N o que concerne às revistas revistas
consagradas consagradas ao género biográfic o, cf. Bio gra phy . A n Inte rdi scip lina ry Qu arl erl y (desde 1 Q7 ÍN j 1W8). Au to /B ,o gr ap hy Stu d.e s (desde 1985), 77 ,e Jou rn al o f Na rr a,i ve an d U fe H. slo ry (desde 1991).
212
Bemard Guenée, Entre 1'Église et l'État. Quatre vies de prélats fran gis à la Jin du M oyen Age , Paris, Gnllimard , 1987, p. 14; Jacques Le Goff, Saint Louis, Louis, Pans, Gallimard, 1996, p. 15 N o que tange à redescoberta redescoberta da biografia, cf., entre outros, Natalie Z emon Davis, TJie Retum of Xlartin Guerre, Guerre, Pans, R. Laffont, 1982; Jacque Jacquess Louis Ménétra, Jou Ménétra, Jou rna l de m a we. Ja cque s-Lo uis A létiétra, compagnon vitner au lífsiècle, Ed. por Daniel Roche, Paris, Montalba, 1982; Robert A. Rosenstone, Xfirror in Xfirror in the Sfmne: Ame rica n E ncoun ters uit h Xlc ijiJ afu in, Cambndge (Mass.), Harvard Umversity Press, 1998; Alam Corbin, Le Mo nde retrouv é de Liiu b-Fr ançoi s Pinag ot, sur les traces d ’un iticonnu , 17 98 -18 76 , Paris, Flammanon, 1998; Donna Merwick. De ath of a Nota r: Con que st and Cha nge in Colo nial Ne w Ywfc, Ithaca (N.Y.), Comell Univenity Press, 1999; Phihppe Artières e Dominique Kalifh, Vidal, le tueur tueur des fbnmes. Lhe 1; Lucette Valensi, Mardo Valensi, Mardo chée Naggiar , Pans, Stock, 2(K)8. biographie soante. soante. Paris, Pemn, 2(M)1; Cf. o editonal “Tentons l'expérience” , An na les E SC , 1989, 44,6, p. 13171323. Haniel tíertaux, tíertaux, “ From the LifeHistory Approach to the Transformation Transformation of Sociological Prac tice”, in Bio gra phy an d Soci ety. Th e U fe Hi sto ry App roa ch in the Soci al Sciences , Berveriy Hills, Sage Publications, 1981. Essa esperança marca igualmente a reflexão do Popular Memory Group da Universidade de Uirmingham (Centre for Contemporary Cultural Studies): cf. Popular Memory' Group, "Popular Mem ory: Theory, Politics, Method” , in R i c h a r d Johnson, Gre gor McLe nnan, Bill Schwar 2 e David Sutton (dir.), Xía kit ig His torie s, s, Londres, Hutchinson, 1982, p. 205252.
213
O
PEQUENO
* - Da
biogra fia a HISTÔd HISTÔdlA
S o b r e o s o m b r o s do s g i g a n t e s
do espectro, predominava, ao con tráno, uma visão resignada, resignada, mini-
ciências sociais por permanecerem prisioneiras de uma ilusão própria
malista, que repousava sobre a estranha convicção de que o estudo de um indiv íduo permanecia, no fundo, uma empresa empresa relativamente relativamente simples.60'' Assim, em 1985, po r ocasião de um coló qu io organi zado
ao senso senso comum que “ descreve a vida como um caminh o, uma
na Sorbonne, as razões profundas (mas nem sempre conscientes)
começ o na vida ” ), etapas, etapas, e um fim, em dup lo sentido, de termo
que traziam de novo à cena a consideração de destinos individuais viramse comodamente despachadas pela invocação genérica dos
e de de finalidade” .612 Ap ós ter opo sto os conceitos de vida enquanto
registros da emotividade e da vivência. A biografia foi ali apresentada com o um recurso recurso agradável, agradável, “ uma modesta ferramenta, que ajuda ajuda
como uma criação especiosa, fruto de uma pulsão narcísica. A
a melhor observar ou ilustrar as tendências longas, as estruturas, os pesos; em hipótese alguma ela poderia pretender se tomar um fermento in telectual” .610 Con cedi aselh e, assim, assim, uma função de impulso, de exploração preliminar ou de simples ilustração. Enquanto as hipóteses teóricas requeriam ser estabelecidas por outros procedimentos, a anedota pessoal continuava a cumprir o oficio de suplemento de alma, de ornamento, ou mesmo de simples cereja em cima do bolo. Não se apelava à experiência biográfica com o desígnio de melhor com preend er o con texto social, mas mas unicamente unicamente com a finalidade de en feitar um d iscurso geral .611 Desse primeiro momento da renovação biográfica, bastante entus entusia iasta sta,, mas também, p or vezes, bem pou co refletido, emergiram entretanto três questões de fundo. A primeira concernia ao relato biográfico; a segunda, à relação existente entre a biografia e a história, enquanto a terceira tangia às relações entre história e ficção. III
rota rota,, uma carreira, co m suas suas encruzilhadas encruzilhadas (Hércu les entre o ví cio e a virtude), suas suas emboscadas [...], com portan do um com eço (“ um
s,613 ele denu nciava o relato biográ fico históna e enquanto h a b i t u s,6 literatura literatura se via toma da co m o testemunha para sustentar sustentar esta esta tese: tese: “ É lógico pedir assistênci assistência a àqueles àqueles que tiveram que rom per com [o arbitrário da represen tação tradicion al do discurso discurso romanesco] . Segundo Bourdieu, as ciências sociais deviam de agora em diante tomar como exemplo a literatura contemporânea que soubera, desde William Faulkner, libertarse de toda contaminação biográfica. Em realidade, toda a análise de Bourdieu repousava sobre uma nítida, embora implícita, tnpartição hierárquica entre o senso comum, o discurso romanesco tradicional e a vanguarda moderna. Os dois primeiros estariam ainda subordinados à ilusão biográfica, ao passo que a terceira terceira teria defin itivam ente rejeitado as noções de sentido, sentido, de sujeito, sujeito, de consciência : “ É significativo que o abandono da da estrut estrutura ura do roman ce c om o relato linear tenha tenha coincidid o com o questionam ento da vida co m o existência dotada dotada de sentido, no duplo sentid o de significaç ão e de direção .6I4 Outras objeções de peso foram mais recentemente levantadas por Galen Strawson. Nu m artigo pub licado em 2004 contra contra a “ mod a” da narratividade narratividade (aí compreend ida aquela aquela da da biografia), biografia), ele
A questão do relato biográfico foi posta de maneira radical
recolo ca em questão dois pontos em particular. particular. De um lado, a tese tese
por Pierre Bourdieu. Num artigo célebre, de 1986, ele criticava as 1’icrre Bourdieu, “ L'illusion biographique", Ac tes de la rech enhe en sciences soo ales . 1 t i * .
P
Ver a esse esse respeito respeito lacquo Le Goft (“C omm ent écnre une biographie historique historique aujourd’hui?', Le aujourd’hui?', Le Déb ar, 198 > 54, p. 4853) que obse rvi: “ O qu e me desola na atual prolifera ção de biografias é que
6 2 6 6 3 ,6 ,6 9 . . . . Donde a célebre metáfora do metrò: "Tentar compreender uma vida como uma sene umca e
muitas del.is são puros e simples retornos à biografia tradicional superficial, anedótica, rasamente
suficiente em si de acontecim entos sucessivos, sucessivos, sem outro laço além da da associação associação a um siy
cronológica, daquelas que sacrificam a uma psicologia obsoleta, incapaz de mostrar a significação
cuja constância . sem dúvida, não é mais do que aquela de um nome próprio, e quase ta
histórica geral de uiiu vid.i individual. É o retomo dos emigrados após a Revolução Francesa e o imp éno que não tinham aprendido nada nada e nada esq uec ido'".
quanto tentar explica r um trajeto n o met rô sem levar em conta a estrutur estrutura a da re e, isto e. das relações objetivas entre as diferentes estações". Os nscos de r e d u c . o n .s .s m o associados a essa
Hubert Bonin, La biographie biographie peutellejou er um ròle en histoire histoire économ ique contemporaine?'', in Ihob lèm es et mc lhod es de la biogr aphi e, op. cit. p. 173; cf. também Félix Torres, “ I)u champ des des
Re vu e frai ifai se de socio logie . 1989. 31. p. 322; e Ol.vie r Schwartz, "Le baroque des b.ograph.es .
Annales a la biographie: réflexions sur le retour d'un genre". ibid. ibid. p. 141148.
Les Cah ier s de phi los oph ie, 1990, 10, p. 173183.
Cf. Godfrey Davies, "Biography and History", M od em La ngu age Qi ,a ne rl y, 1940, 1, p. 7994.
Pierre Bourdieu, "L'illusion biographique , op. cit., cit., p. 69.
.
metáfora foram sublinhados por jeanClau de Passeron. "B,ograph>es. "B,ograph>es. flux. itineraires itineraires trajectoires .
215
O
PfQUENO
X
- D* BIOGRAÍIA
A HISTÔSIA
S o b r e o s o m b r o s do s g i g a n t e s
desc ntiva ” , segund o a qual a narração representaria um prin cípio
Outras formas narrativas são, sem dúvida, evocadas especia lment e
organizador da vida e da ação humana (para responder à questão
a escntura de vanguarda e o géne ro picaresco
“ quem sou eu?” é preciso contar a história história de uma vida). D e ou-
tação visa sobretudo a narração dita tradicional. Bourdieu assimila
mas a argum en-
tro, a “ tese normativ a” , segundo a qual a narração constituiria uma
a históna ( “ falar de histórias de vi da é pressupor ao menos q ue a
condição de eticidade (a busca busca do relato biográfi co sendo percebida
vida é uma uma históna” ) à coerên cia (“ a ‘vida ’ constitui constitui um todo, um conjunto coere nte e orie ntad o” ). Strawson, por sua sua vez, estima que
como essencial à conduta responsável no espaço público). Assim, após ter distinguido o eu episódico do eu diacrônico, ele postula que certas pessoas podem perfeitamente conceberse de um modo não narrativo, e que não há nenhuma necessidade psicológica ou moral de se conform ar a ele. Sem abordar diretamente o problema da biografia, Strawson sugere, portanto, que as noções de relato e
a narração encerra a existência no seio de uma unidade de sentido. Nos dois casos, a vida é considerada como um material psíquico que a escntur escntura a elabora retrosp ectivamen te im pon dolh e uma estrutur estrutura a arbitrária: toda narração implicaria assim um processo de revisão e de manipulação da existência mais ou menos consciente.
de personalidade são convencionais, ultrapassadas, e que uma des-
Enfim, é uma imagem fragmentada do indivíduo que se de-
crição da realidade realidade pode perfeitam ente se poupar delas. A crítica crítica da
preende desses dois textos. Bourdieu afirma que o único suporte
narratividade narratividade vai de par com a crítica crítica da história história:: “ Sou um produto
constante constante da individualidade é o n ome próprio, a fim de negar mais mais eficazmente a iniciativa individual, assimilar os comportamentos habitus. Strawson pessoais pessoais e exaltar as as coaçõe s normativas , a força do habitus. Strawson
de meu passado. Mas não segue daí que a compreensão do que sou deva necessariamente rev estir uma form a narrativa ou h istórica” .615 Co m vinte anos anos de distância, distância, as críticas críticas de B ourdieu e de
é mais mais audacioso. audacioso. N o seu elo gio do ep isódico e da descontinuidade, descontinuidade, ele chega a apagar a estratificação temporal da experiência:
Strawson repousam sobre argumentos diferentes e não se dirigem aos mesmos interlocutores: enquanto o primeiro se interessava essencialmente pelo uso que as ciências sociais fazem dos relatos de vida, o segundo intervém no debate filosófico e cognitivista sobre a nature natureza za —real ou fictícia — do si. si. Seus argumentos con vergem , entretanto, em pelo menos três pontos importantes.
Te nh o clareza de q ue os acon tecim ento s de meu passado passado mais recuado não se relacionam com igo. [...] Isso Isso não significa significa que eu não tenha nen huma lembrança auto biográfica dess dessas as experiên cias. cias. Rec ord oa s [...]. Mas penso estar estar no justo e no verdadeiro quando penso que [ess [essas as experiências] experiências] não m e aconteceram.
to Strawson o sugere quando escreve que os representantes do que
Para além do que os separa, tanto Bourdieu quanto Strawson me parecem prisioneiros de uma dicotomia estrita entre um eu metafísico, tafísico, con ceb ido com o uma essência essência estáve estávell e permanente, e um eu nominal, que seria apenas uma realidade convencional, um
chama chama de “ maioria maioria prónarração” prónarração” (Paul Rico eur, Charles Charles Taylor,
ajuntamento de peças díspares.
Em primeiro lugar, o ato biográfico é apresentado por ambos com o de natureza natureza narcísi narcísica. ca. Bourdieu o diz explicitamente, enquan-
Alisdair Macln tyre, O live r Sacks Sacks,, Jerry Bruner, Dan Den net, Maria Schechtman ej oh n C amp bell) estão animados por um sentimento agudo de sua importância pessoal.
IV
Em segundo, ambos apresentam o relato como uma forma
Pareceme que a reflexão sobre a narração biográfica desenvolvida pelos pensadores pensadores do século X IX nos preserv preserva a de uma visão visão individu-
rígida, que imporia inevitavelmente uma coerência fictícia à vida.
alista alista do i nd ivíd uo e, portanto, da biografia. N ão se trata trata aí de um simples simples jo go de palavra palavras. s. A o l ong o do século X X , o contrast contrastee entre o
6ISGalen S Galen Stanvson, " Against NarT ativity” (2004), in GaJen Strawson. V i e S e l f í . . Malden (Mass.), Blackwell Publishing, Publishing, 2005, p. p. 6386. C f também Galen Strawson, “A Fallacy Fallacy of our Age. Not Evcry Life is Narrative", Times Ueterary Supplement, Supplement, 15 de outubro de 2004, p. 1315.
Strawson, “ Against Narrativity” , op. dt., p. 11 Galen Strawson, dt., p. 6 8 .
217
O
p e q u e n o x
-
Da b i o g r a f i a
a história
S o b r e o s o m b r o s do s g i g a n t e s
individual e o social frequentemente se fixou, como que mumificado, em duas não verdades opostas: uma escolha deveria ser feita, seja em favor do indivíduo, seja em favo r do cole tivo .'’17A tal tal ponto que hoje, por razões que não derivam apenas do debate historiográfico, longe disso, as noções de indivíduo, de pessoa e de sujeito desencadeiam automaticamente dois sinais de alarme: o mais antigo alerta contra a ideia de grandeza e de heroísmo, o mais recente contra o egoísmo e o narcisismo narcisismo.. N o entanto, os defensores defensores da dimensão individual da história nem sempre se deixaram extraviar pela retórica da grandeza e, sem dúvida, não teriam partilhado a vulgata neohberal sobre os direitos do indivíduo (que culminou, não faz tanto tempo, na famosa patacoad patacoada a de Margaret Thatcher: “ Nã o c onheç o nenhuma sociedad sociedade, e, para para mim há apen apenas as indivíduos” ). A lém do herói, cruzamos co m figur figuras as complexas, ambivalentes e mais mais sensíveis sensíveis tais tais com o o “ eu que aspi aspira ra ao tu” de Humboldt, a pessoa ética de Droysen, o homem patológico de Burckhardt: cada uma a sua maneira nos permite escapar à lógica simplista do ou/ou e nos aproximarmos do e/e. Essas figuras nada têm de autárquico. Burckhardt esclarece
substâncias separadas: de um lado a dimensão individual, do outro a dimensão social. Outros preferem tramas mais profundas ou imagens mais mais fluid fluidas. as. Eles nos nos fazem com preen der que o eu não é nem uma essência nem um dado invanável, mas uma entidade frágil, que se desenvolve na relação com os outros. É daí que procede a distinção fundamental proposta por Dilthey entre entre a noção de “ identidade” ( Id en ti tà t ) e aquela aquela de “ mesmid ade” (Selbigkeit). (Selbigkeit). Contrariamente à identidade (termo proveniente do baixo latim que deveria expnmir o caráter do ser em si, o semper idem, idem, e que fez um retorno obsessivo durante esses trinta últimos anos), a mesmidade tem dimensão temporal. Desse ponto de vista, a história não é apenas compreendida como uma disciplina ou uma profissão profissão,, mas com o um elem ento primordial da formação (no sentido alemão de Bi ld un g) social e políti ca de cada ind ivíd uo. 618 Ela é a condição sitie qua non para que alguém se afirme como sujeito. E nesse sentido que Burckhardt escrevia que a história é um fato pessoal que denva do c onh ecim ento qu e o hom em tem de si si mesmo,61 mesmo,619 e que Meinecke lembrava que os autores mais sensíveis aos destinos
que um excesso de subjetividade —ou seja, de arbitrariedade e de
individuais são aqueles que percebem o alcance da história sobre sua
intencionalidade — suprime as as individualidades ( dond e suas suas per
vida pessoal.6 pessoal.620 De acordo com tal tal concepção, tão pouco heróica e
plexidades diante da arte de Michelangelo) e que o essencial, na escntura histónea, reside na proporção entre as diferentes presenças
tão pouco narcísica, a biografia não é de modo algum uma forma de escritura escritura egótica. Bem pelo contrário, é a ocasião ocasião de apreender
humanas. E Humboldt, Droysen, Hintze reconhecem a dependên-
a densidade social de uma vida.
cia substancial do indivíduo. Uma dependência que não significa
Essa reflexão sobre o indivíduo, fundada sobre a ideia de
pe rt en ci m en to . Ao longo de diversos decénios, assombrados pela
Bt ld un g, dá lugar a uma definição dinâmica e não substancial das
obsessão de catalogar os seres humanos (pela nacionalidade, pela
diferenças. diferenças. Tratase de um p onto particularmente particularmente importante, que
cultura, pela raça —depois pela cor, o ângulo facial, o índice cefáli-
contrasta com uma visão naturalista que repousa sobre os concei-
co e outros), esses historiadores não cessaram de dizer e de repetir
tos de origem, de pertencimento e de identidade (social, nacional,
que cada indivídu o é uma pluralidade, pluralidade, uma estratificação estratificação temporal,
racial ou sexual). Ela nos convida a considerar a diferença como
comportando inevitavelmente algo de bastardo e que não é suscetível de ser arrumado num só e mesmo compartimento. Naturalmente, a relação indivíduocomunidade é declinada de diversas formas. Alguns autores autores consideram o ser humano com o uma soma de duas duas
18 Essa perspectiva foi retomada pela psicanálise. Sobre a noçao de consciência e de sujeito na a^or
dagem psicanalítica, cf. Paul Ricoeur, D e Vin terp réta tion . Ess ai sur Fre ud, Pans, ud, Pans, Editions du Seui , 1965, livro III, cap. 2. Cf. também Michèle líompardPorte, Le Su jet . his lan ceg ram ma tic ale se hn Paris, L’Espnt du Temp s, 2006. Freud , Paris,
Ct. Norbert Elias, Favard, 1991.
Lm
Sonèlè des individus (1987), traduzido do alemão porjeanne Étoré, Paris,
‘Jacob Burckhardt, Le Cic ero ne, op. cit ., ., p. XIX. Friedrich Friedrich Meineck e, “ Die Bedeutung der geschichtlich geschichtlichen en Welt , op. cit. cit. C f a esse respeit xandre Escudier, “ De Chladenius à Droysen. Théorie et méthodologie de 1histoire 1histoire allemande (17501860)", An nú les . 2003, 58, 4, p. 773775.
219
e
gu
O
píqueno
x -
Da b i o g r a f i a
a história
S o b r e o s o m b r o s do s g i g a n t e s
uma noção relacional: não é mais questão aqui de substância ou de determinação original, mas somente de experiências.
o trabalho, a escola, a religião, etc.) e o eu seria assim desprovido
Além disso, disso, os os pensadore pensadoress do século X IX eram menos ingénuos
da psicologia de seu tem po.62 po.623 Co nve nc ido de que o fato de ser ser autor, de autor, de se contar mesm o que de maneira descontínua descontínua e episódi-
do que por vezes se pensa e muitos deles estavam bastante conscientes do risco a que se se expunham atribuindo à vida uma coerência ou uma coesão forçada Des ejoso de ir além da superfí cie factual do passado passado os acontecimentos políticos, militares ou de corte , Carlyle compreende bem que a História não é uma sequência coere nte de fàtos, mas mas que ela
de toda espessura temporal. Dilthey evoca esse risco em sua crítica
ca constitui um a das con diç ões necessárias necessárias para vive r, pare celhe decisivo aplicarse em reconstruir o fio dos pensamentos que um indivíduo trança entre uma situação e outra. Somente levando em consideração esses três perigos é que
é feita de um encavalamento de fios entrelaçados ao longo do tempo.
podemos pensar o indivíduo ao mesmo tempo como ser impreg-
Entretanto, ele nos indica, com outros autores, que a ilusão biográfica não é o único obstáculo. Dois outros perigos devem ser evitados.
Willia m James James falaria falaria aqui de uma “ inteligência inteligen te” .624
nado de história e “ inte ligên cia qu e considera e anal analisa isa tudo isso”
O segundo concerne à lógica do p ertencimento (religioso, (religioso, socia social, l, temporal, etc.), que, de bom grado, inscreve o indivíduo em categorias sociais rígidas, ou que escande sua experiência de acordo com priori (o um calendário de acontecimentos históricos estabelecidos a priori (o advento da democracia, a ascensão do capitalismo, a independência nacional, etc.).62 etc.).621 Sobre esse pon to, a Hi stón a tem mu ito a aprender, aprender, pareceme, com a literat literatura ura.. S ensível aos impulsos incoerentes, frágei frágeiss e fragmentados da vida social, Tolstoi escreve que os acontecimentos não têm sempre a mesma significação e que os indivíduos vivem a História segundo modalidades muito diferentes e quase incomparáveis. veis. Co m o testemunham testemunham os relat relatos os pungentes do livreiro Mendel
V Abordemos agora a relação problemática entre a biografia e a História. A vida de um ind ivíd uo p ode esclarecer o passad passado? o? Os testestemunhos pessoais permitem formular hipóteses de ordem geral? E, além disso, o que é importante na vida de uma pessoa e o que não é? A partir do que apreciála e co m o dar conta dela? dela? E preciso levar em conta a liberdade, a independência nacional, a democracia, ou o exército, a escola, a família, ou ainda a classe social, o capitalismo, ou talvez mesmo outros ind ícios co m o o barulho, a doença, a poluição?... poluição?...
de Stefan Stefan Zwe ig, ou do antiquáno U tz (uma espécie de descendente descendente
E com base nessas questões, no coração mesmo dessas interroga-
do p nmo Pons de Balzac) Balzac) de Bruce C hatwin , que vive m as gue guerr rras as,, os golpes de Estado e as as expulsões com o v agos ruíd os de fu ndo, esse esse
ções, que se desenvolveu a microhistória. Essa experiência historio gráfica contribuiu, assim como a história das mulheres e os trabalhos
tema das discordâncias de significação que atravessam a história co
que versam sobre a cultura popular, para restituir aos vencidos da
letiva assombra assombra uma boa parte da literatura do s éculo X X .62 .622 O terceiro nsco é aquele de uma visão esfacelada esfacelada,, fragmentada da vida, como uma séne de clichés instantâneos: a experiência individual seria fracionada em compartimentos estanques (a família,
,23 ,23 E igualmente o sentimento que se pode depreender do artigo de Strawson e de certas análises do
interacionismo interacionismo simbólico, da etnom etodologia e da network analysis, analysis , que concebem o eu como um produto hic et nunc determ inado pelo context o relacional contingente, pelo
outro situacional situacional .
Cf. Sabina Loriga, Soldais. Un lahoratoire interdisciplirt interdisciplirtaire: aire: Vanttée Vanttée piémontaise au X V W siècle siècle (1991), Paris, Les Belles Lettres, 2007, introdução. William James James (Th e Principies of Psychology Psychology (1890), Cambridge (Mass.), Haivard Umversity Press,
Sobre o pertencimento temporal, cf. as observações de Jacques Jacques Rancière, “ Le concept
1983, cap. 1 ) constata que, contrariamente à limalha de ferro, que, em presença de um obstáculo,
d anachromsme et la venté de 1 'historien", Vinacluel, 1996, 6 , p. 5 3 68 .
nào consegue atingir o imà, R om eu im agina toda sorte de meios para para encontrar Julieta.
Outro bom exemplo é aquele do agente floresta] Engelber (personagem de M ons tro à e xplo são, do
não ficariam tolamen te cada um de seu lado, o rosto pressionado pressionado contra a parede . Esse Esse ponto
escntor tcheco JaromirJohn), JaromirJohn), evoc ado por Milan Kundera em Le Ri de au . Es sai en sep t par ties, Pans,
de vista é também o de SiegfVied Kracauer, Jac Jac que s Off enb ach ou Le Sec rtl du Seco nd Em pi rt rt (1937),
Eles
C.allinurd, 2005. O aconte cimen to pnncipal de sua vida nào é nem o nascimento da República
traduzido do alemão por Lucienne Astruc, Pans. Le Promeneur. 1994: Offenbach é apresentado
independente, nem alguma invenção técnica (o avião, o telefone, o aspirador, o telégrafo), mas simplesmente o barulho.
a um só tem po co mo uma sorte de ferramenta de precisão, reveladora das menores transformações
220
sociais, e como um protagonista capaz de exercer influência modificadora sobre o regime.
22 1
O
p e q u e n o x -
Da b ioio g r a f i a A h i s t ó r i a
So b r e
históna uma dignidade pessoal.625E m 1976, Car io Ginz bur g se vali, da celebre questão questão do leitor operáno de B ertolt Brecht (Ou em m m „u Tebas, a cidade das sete portas?) portas?) para para dar a palavra á ™ u ano do seculo XV I. Alguns anos ma.s ma.s tarde, tarde, Giova nn, Levi nào nào hesitou em ,r mais adiante: se o mole.ro Menocchio trana ™dã algumas marcas de heroísmo, Giambatrista Chiesa, o cura da aldeia piemontesa de Santena, Santena, e verdadeir amen te um h om em q ualqu er626 E dessa aliança entre convicção política e reflexão metodológica que nasceu a ideia de utilizar os materiais biográficos de maneira agressi a a fim de questionar certas certas homog eneid ades fictícias (tais (tais como a nstituiçao, a comu nida de ou a classe classe social) e d e se debruç ar assim assim sobr sobree as as cap capac acid idad ades es de de iniciat iniciativa iva pes pesso soa, a, dos dos a t o r t t S n c o s " a m i ^ T " a te te" B n, n, en en te te o s ■ " " ™ ' d o s d os os si sistemas no no rm rm at at iv ivo s a microhistona demonstra que o contexto históneo corresponde em maisa um tecido co njuntiv o atravessad atravessado o de campos elétncos elétncos de int en en si sida de de v an an áv áv el el do do q ue ue a u m c on on ju ju n to to c om om p a ct ct o e « e b a st a rd T t^ d sas “ T ™ H
' q U3 U3 lq lq Ue Ue r ‘ n d ' VÍ VÍd U° U° r ep ep r Ke Ke n ta ta u ma ma f « “’ n " ° cmzam en‘° experiência experiênciass socais diver diver
Ela é acomn h 7 ™ CrUC rUCÍl1 Íl1 Para Para >h.s tóna e para para a polis. de v e Z P " 0 entan entan'° '° ’ reconheçamolo, reconheçamolo, de uma uma sensação c t r f ' o c o nt nt e x to to c om om o uma s é n e d e ferínci a ,^ erp0' t0' os (3uals uals ° ce ntro de um se situaria situaria na circun circun ° ^ aS aSSI1'1
histónca se rn
d'ante’ d'ante’ ° trab trabaJ aJho ho de compr compree eens nsão ão
a o eespaço i l ne ne S8 S8 0t 0tempo. t ÍV ÍV el el ' C a ad d* a Zoutro e outro resistir a
e « d , t e m po po r em em et et en en do do
o s o m br br o s d o s g i g a n t e s
A pnmeira dessas utopias concerne à representatividade biográfica: ela se vanglona de poder descobnr um ponto que concentraria centraria todas as qualidades do c onju nto . O historiad or deveria, então, então, cindir seu trabalho em dois tempos: determinar inicialmente o indivíduo representativo (o camponês normal, a mulher comum, etc.), depois, por indução, estender suas qualidades a toda uma categoria (o campesinato, o género feminino, e assim por diante). Assim, Assim, Mich el V ov elle declara declara que Joseph Sec Sec “ testemunha testemunha por um grup o” (a burguesia burguesia franc francesa esa da da província no século XV III ), enquanto enquanto Joèl Co rnette procura procura em Benoit Lacom be “ não mai maiss o Único , mas mas um espelho que refrate tod o um mund o” .629C oloc ando a pesquisa biográfica na perspectiva de uma generalização, tal abordagem desemboca na busca obsessiva de experiências médias : os aspectos mais comuns (ou antes: aqueles que têm a reputação de o serem) são exaltados em detrimento daqueles que seriam mais pessoa pessoais is e particulares.63 particulares.630Q ua lqu er um que se tenha interessado po r fontes biográficas (diários íntimos, correspondências, memórias, etc.) sabe que, se aderimos a essa utopia, tenninamos inevitavelmente por embotar a especificidade dos destinos pessoais e por arruinar a vanedade da experiência passada: de maneira aparentemente inofensiva, fensiva, negligenciam os e me smo corrigimo s os elementos egotista egotistass da biografia (uma opera ção que não deixa de lembrar os conselhos conselhos dos positivistas sobr e as idiossincrasias indivi dua is).63 is).631 O resultado de semelhante trabalho de censura é dos mais melancólicos: o tempo histórico se to ma uma superfície desprovida de impressões digitais.6 digitais.632
se’ 30 ^on g ° desses desses últimos anos, soubemos soubemos ^ e n a í^ Zer se’
t e n Z Z T r SenS3Ça° e Vemg em PerSuntonie por vezes vezes se não abraca abracand nd d " tempen!"la tempen!"la ou m™ » negála. negála. A ponto de reme remediá diál la a abraçando abraçando duas duas utopias utopias Pau|R iCOeur iCOeur diria duas duas formas de h y b m .
' Cf. Michel Vovelle, L ‘Irrés istibl e As cen sio n d e Josep h Sec, bourgeoi s d ‘Ai x, A ixenProvence, Edisud Edisud,, 1975;Joèl Com ette , Um révolutionnaire révolutionnaire ordinaire. ordinaire. Benoit Lacombe, négociant, négociant, 175 9-18 19, Pans, Champ Vallon, 1986. Essa perspectiva da representatividade é partilhada partilhada também por AJain Coubin, Le Mo nd e retro uué de Lou is-F rati çois Piti agot, op. dt. Sobre os riscos riscos implícitos dessa operação de estandartizaçào, estandartizaçào, cf. cf. Bemard Lep etit,
De I échelle en
histoire” , in Je ux d ’échelles, op. dt ., p. 78; Alain Boureau, His toir es d ’un histo rien. Kan taro unc z, Paris, Cario Ginsburge Cario Poni "II
do italiano italiano por Mo rique ( 19 19 8 5) 5) , t ra ra d uz uz id id o d o í ta ta lili an an
p* w
Callimard, 1990, p. 7576.
i
Qtudemi >torid, 1979 t 40 p 181’ ] 9()n0mC *
C O m c M e r c a t o s t o n o g r a f i c o e s c a m b i o d i s eg eg u a l e" e" ,
traduzido J '“" m eu ," e' du X V t siè de ( de ( 1976)' traduzido a i nm nm a n on on G i ov ov a n m L e v i,i, Le Pou voir au vtllage
C f . J a c q ue ue s
' 989'
£ " ’ ■G
a C ^ É ^ m
r 7 \ Z ^ nJe“X nJe“X d’khe"e khe"eS ^ XIUT0-ú"úly "úlySe
a ~ e p r o p o s it it o T o m u l o u T o x ^ o ' “ " * ‘ ° CM,C" Q u a d e nnuu s , o n a - 1 9 7 7 35. P 506520. que, que, oximoro excepcional nomial” .
Ítalo Calvino e xperim entou isto: “ Hoj e dev o me resguardar resguardar de outro erro ou de outro mau hábito hábito próprio àqueles que escrevem lembranças autobiográficas: a tendência de apresentar sua própria experiência como a experiência ‘média’ de uma determinada geração e de um determinado meio, fazendo sobressair os aspectos mais comuns e deixando na sombra aqueles que são mais particulares e mais pessoais. Diferentemente do que fiz em outras ocasiões, gostaria agora de acentuar os aspectos que mais se afastam da 'média' italiana, porque estou convencido de que se pode tirar sempre mais verdade do estado de exceção do que da regra". Cf. ítalo Calvino,Ermite Calvino,Ermite à Paris. Pages autobiographúiues autobiographúiues (1996), traduzido d o italiano porJeanPaul Manganaro, Pans, Édidons du Seuil, Seuil, 2001, p. 41. usages de la biographie", biographie", An 2 Cf. Giovanm Levi, "Le s usages An nal es E SC , 1989, 44, 6 , p. 13251336.
223
O
PEQUENO
x- Da b i o g r a f i a A h i s t ó r i a So b r e
A segunda utopia é naturalis naturalista. ta. To m ad o por esta, esta, o historiad historiador or não persegue mais a identificação de um ponto miraculoso que refletiria o conju nto his tóri co em sua íntegr a, mas visa, visa, desta desta vez “ à históna históna de cada cada um” . A in teligente aposta lançada lançada por Giova nm Levi de abordar o passado de maneira intensiva (através da reconstrução dos “acontecimentos biográficos de todos os habitantes da aldeia
o s o m br br o s
dos gigantes
a históna, uma discordâ ncia, uma descontin uidad e.63 e.636 Impo rta, po r conseguinte, afast afastar ar toda lógic a de submissão submissão ou de dom inação (da históna sobre a biografia ou reciprocamente) e conservar a tensão, a ambiguidade, considerar o indivíduo, a um só tempo, como um caso caso particular e uma tota lidad e.63 e.637
de Santena Santena que deixara m algum rastro docu me nta l” 633 fez nasc nascer er
Tra ta se de uma emp resa dif íci l. É, aliás, aliás, p or isso que co m ec ei
muitas muitas vezes, vezes, no seio da segunda geração de m icrohistoriadores, o
essa essa reflexão com Carly le: co m ele, é com o se estivé estivéssemo ssemoss lidando
sonho de fazer concorrê ncia co m o estado civ il (para empregar uma uma
com um doente ultrassensível que, em certo momento, exausto, se
expressã expressão o cara cara a Balzac). E po r que não? de elaborar categori categorias as
engana de medicamento, mas que tem a coragem, antes do gesto
mterpretativas que aderissem plenamente à realidade empírica.
fatal, de se colocar algumas questões fundamentais. Poderíamos
Trat ase de uma co nc ep çã o qu e pr ete nd e faz er do con hec ime nto
dizer que o “ co rp o” de seu seu texto dá a refletir. refletir. O desejo de escrever
uma cópia integral da realidade. Ela lembra os cartógrafos evocados
uma história profunda, preocupada com os limiares do mundo, o
por Jorge Luis Borges qu e, desejando fazer um mapa perfeito do
atrai atrai a um precip ício. Esse Esse abismo está fortemente aparentado com
Impé rio, co nstro em um co m as mesmas dime nsões qu e esse. esse.6 634 O
aquilo que Jean Claud e Passeron definiu com o “ a ilus ilusão ão da pan
empreendimento é, claro está, impraticável. E, mesmo que fosse
pertinência do descrit ível” : “U ma vez que tudo isso isso faz faz parte parte do
possível, de que serviria? Esse mapa contribuiria verdadeiramente para a restituição da realidade viva de uma época?
real, real, do direto , do singular, singular, [...] tom ase afetivamente difícil deixar
São também essas solicitações utópicas, que vivi pessoalmente por ocasião de uma pesquisa consagrada a um exército do século X V III,
que me sugeriram sugeriram lançar lançar um olhar para para trás trás,, sobre sobre a época época
que precede o divórcio entre a história social e a história política.
VI
que se perca a menor parcela, já que cada uma participa do sabor total do relato [...]. Tudo parece pertinente porque tudo é sentido desse abismo, nenhuma descrição descrição como metonímico ", 638 N o coração desse é possível: o caos do passado se reveste de traços cada vez mais angustiados, gustiados, assi assim m com o o pesadelo evocad o por Feman d Léger, que imaginou o horro r suscitado suscitado pela tentativa tentativa de filmar vinte e quatro horas da vida de um homem e de uma mulher, sem omitir nem um gesto n em um a palavra.63 palavra.639 É igu alme nte para escapar escapar aos horrores
O projet o que visa visa personalizar a história, con duzid o atravé atravéss
do abismo que Carlyle se entrega tristemente ao culto dos heróis.
do século XI X , é do mina do p or uma tensão ética, ligada à heran herança ça
Em face da extraordinária vitalidade —e dos impulsos incoerentes, frágeis e fragmentados —do passado, o historiador experimenta
kantiana, que tendia a sublinhar a capacidade de autonomia e a responsabil responsabilidade idade individual. individual. A distinção entre ética e moral decorre dela. o trabalho do historiador não é moral, no sentido de que não propõe exemplos a seguir, mas é ético, pois faz aparecerem as
A esse propósito, Siegfned Kracauer (Tlteory of Fihn. The Redcmption o f the the Physical Physical Reahty , New
questões inseparáveis inseparáveis da escolha, do erro , d o fracasso. Alé m de fazer fazer
apenas um elemento da narrativa, mas também uma realidade autónoma que pode contrastar com
parte da históna, a biografia oferece também um ponto de vista sobre
York, Oxford University Press, 1960, cap. III) observa que, no cinema, o primeiro plano nào é o quadro gera] (por exemplo, as màos de Mae Marsh em Intoler ância) Jean Clau de Passeron e Jacques Re ve l (Penserpar ( Penserpar cas. s , Éditions de 1EHESS, cas. Paris,
Figures , 2005)
definem o caso como algo que vai além do exemplo (um obstáculo, um enigma). Giovanm Levi, Le pou voi r au villa ge, op. rir, p, 1 2 . Jorge Luis Borges e A do lfo Bioy Casares. Chroniques de Bustos Domecq (1967). traduzido do espanhol por FrançoiseMane Rosset. Pans. Denoel, 1970, p 41-44 Sabina Sabina Longa . Soldais, op. at.
224
Jean Clau de Passeron, "Bio grap hies , f lux, itinéraires, trajectoires*', op. cit. C f. ainda JeanClaud e Passero Passeron n ejaeques Rev el (dir.) Penser par cas, op. cit., cit., a propósito do positivismo de sempre que visa a uma completa inteligibilidade da realidade. Cí. A prop os du cinc ttia, in AA . VV., lnteUigence lnteUigence du anématographe, sob a direçào de Mareei L Herbier, Paris, Paris, Corrêa, 1946, p. 340, citado por Siegfned Kracauer, UHistoire, op. citt p. H7.
225
O
PEQUENO PEQUENO x -
Da
biografia A história
S o b r e o s o m b r o s do s g i g a n t e s
uma penosa penosa sensa sensação ção de vertig em . A lguns, co m o C arlyle (mas (mas também, em outros termos, Herder e Droysen), não a suportam:
de sismógrafo.641 Assim c om o Droyse n, ele insiste insiste sobre a diferença
para se subtrair ao sentimento de fragmentação e de desagregação eles sucumbem à mira gem da unidade da história. E mbora isso isso poss possa a parecer paradoxal, paradoxal, desse desse pon to de vista (e unic amen te desse ponto de
se contentar com a pnm eira sobretudo quan do não escreve uma
vista), a utopia naturalista e a da representatividade são a expressão
pode evocar um processo de metamorfose pictórica que repousa
do mesmo malestar.'’40 malestar.'’40 O histori ador “ naturalista” também esper espera a poder escapar à vertigem por um golpe de força: descobrindo um ponto mágico a partir do qual seria possível refletir a totalidade ou fazendo do conhecimento um duplo da realidade. Mas outros historiadores —ou outros pen sadores que se inte-
entre a exatidão e a verdade e estima que o historiador não pode crónica dos acontecim entos , mas mas deve se aplicar aplicar à apreensão apreensão dos pensamentos e do imaginário do passado. Nesse plano, a história essencialmente em duas operações: a impregnação (poderíamos dizer que o historiador deve estender seu eu para além de si mesmo) e a conexão (para imaginar e, talvez, preencher as lacunas do passado que nos é dado apreender). A analogia com a arte tem, no entanto, limites bem evidentes.
ressaram pela história —compreenderam que era preferível aceitar a sensaçã sensação o de ve rtigem e tirar partido dela mais do que tentar evacuá evacuála la..
Mesmo reconhecendo que a verdade histórica não é uma simples
Eles nos ensinam que, ainda que o trabalho de contextualização seja interminável, isso não é uma deficiência a evitar, mas uma possibi-
ginação e invenção: o histonador não pode modelar a matéria a seu
lidade positiva positiva de conh ecime nto. Em outros termos, o que está está em
reprodução da realidade, Burckhardt sublinha a diferença entre imabelprazer, sua imaginação deve pennanecer ancorada na documentação
jo g o para o histo riador não reside nem no geral ne m no particular, particular,
e se submeter à exigência da prova. O mesmo se dá para para Me yer que é
mas mas em sua sua conexão. Co m o escrevem Hu mb old t e Dilthey, a históna históna
favorável a uma espécie de autolimitação voluntária: o historiador não
é um conhecimento hermenêutico fundado sobre a circulação, não forçosamente viciosa, entre as partes e o todo.
tem o direito de enar livremente, como o poeta, porque sua imaginação deve pennanecer ligada aos fatos. Quanto a um segundo ponto, essencial, a história se distingue da literatura: tratase da finalidade do
Bem entendido, não é possível dissertar sobre a vitalidade do passad passado o sem se se debruçar sobre sua sua opacidade. C om o escreve M einecke,
relato. Contr anam ente à literatura literatura (na verdade, Burckhardt, assim assim com o
o historiador trabalha num campo de ruínas. Refletindo sobre a distância entre o passado e a históna, vários autores entre aqueles
segue (ou antes, não deveria seguir) uma lógica da sedução, ela não
Ran ke e outros, pensa sobretudo no romance h istórico), a histó história ria não
que examinamos descobrem que, para além dos fatos, há um resto
domestica o passado, passado, não o toma p ropositadamente familia familiar, r, bem pelo
fundamental que liga entre si os diferentes fragmentos e que dá ao todo uma forma que só pode ser apreendida pela imaginação histórica. histórica. O matenal histórico sendo a um só temp o inf inito, lacuna lacunarr
contrário, busca lançar luz sobre sua altendade.64' Sob certos aspectos, estamos em presença de uma espécie de definição avant la lettre da estranhamento.643 históna como processo de estranhamento.643
e aleatóno, Droysen constata que a exatidão do fato é certamente um elemento indispensável, mas não suficiente: todos os cacos de um edifício, colocados uns ao lado dos outros, não podem expressar a realidade viva do próprio edifício. Entre os historiadores, Burckhardt é sem dúvida aquele que sentiu da maneira mais aguda a evidência das das perdas perdas do passado: passado: essa essa percep ção lhe c on fere uma sensibilidade sensibilidade
1‘odenamos dizer que são novas formas formas da históna históna perteita: perteita: c f Georg e H uppert, f uppert, f ld é e del his toi re pa ane (1970). traduzido do inglês por Françoise e Paulette braudel, Pans, Fhmmanon, 1972.
226
retomar a imagem de Aby 641 Para retomar
Warburg. “ Tex te de clôture du sémina séminaire ire sur sur Jacob Burckha Burckhardt rdt , P
Sobre a pesquisa pesquisa histórica como criação de ausentes e, ausentes e, em geral, de altendade, cf M ichel de Ce» L'É cr itu re âc Vhis toir e. e. Paris, Gallimard, 1975. M’ A «se respeito, respeito, cf. igualmente Siegfned Kracauer, Kracauer, L cap. VII ^ raca^e raca^e L His toir e, op cit. , cap. vencido de que a história é estória (Sfory), ou seja, um intermediário n a r r a t i v o . ^ r a c .
K
nào tem apenas um valor ornamental (um livro de história bem escrito é mais >. e tem simplesmente um valor de com unicação (um livro de históna históna bem esento e num gr ler para os os nào especialistas). A aposta é mais importante. O histonad or prtcisa
ç
restituir a qualida de épica do passado. Mas, ao mes mo temp o, Kracauer suManha a
P
suigetteris , da narraçào histórica, pois ela está ligada à promessa de vive r num mu” * Com o o fotógrafo, o histonador deve também respeitar respeitar certas certas resm^óes, resm^óes, a *?r, e
227
ve
P
O
PEQUENO x
- Da
biografia a história br o s do s g i g a n t e s S o b r e o s o m br
VII VII Ao long o dos últimos decénios, a confrontação c om a lite litera ratu tura ra muitas vezes repousou sobre a negação da verdade histórica. A via
o, entre o conhecimento e conhecimento e o jo entre o fat o e a ficçã o, o jo go . Ap ós ter repetido repetido que os critérios de verdade e falsidade não podem ser aplicados às representações do passado, Franklin R. Ankersmit afirma que as
foi traçada por Roland Barthes, que, num texto célebre de 1967,
interpretações interpretações históneas se se equivalem: “ Para o pó smo dern o, as
se perguntava se a narrativa histórica se distinguia verdadeiramente
certezas científicas sobre as quais os modernos sempre construíram
da epopeia, do romance ou do drama. E com base nessa questão
[suas interpretações] não são mais do que vanações do paradoxo do
que o discurso histórico foi, repetidamente, definido como uma elaboração ideológica: ainda que finja ser a cópia fiel do passado,
mentiroso. A saber, o paradoxo do cretense que diz que todos os cretens cretenses es men tem ” .647 Um a versão mais desconfiada desconfiada se apoiou em
ele não seria seria mais mais que “ uma forma particular do imaginário, o pro-
Mich el Foucault e mais particularmente particularmente em sua sua reflexão sobre a
duto do qu e se pod eria cham ar a ilusão refe ren cial ” .644 Alguns anos anos
relação relação entre saber e pod er para para estigmatizar estigmatizar a noção de verdade
mais mais tarde, tarde, Hayden W hit e vai mais longe reduz indo a hist históri ória a a
histórica histórica (prop ond o um d eslizamento progressivo da história história à pro-
um artefato literário, a um registro de escritura que escaparia a toda
paganda: a históna é uma teoria, a teoria é o produto da ideologia
forma de verificação obje tiva.64 tiva.645 Desse p ont o de vista, a histón históna a e a ficção literária derivariam da mesma estrutura cognitiva: com a
dom inan te, a ide olo gia é o fru to de interesses interesses particulares, particulares, etc.).64 etc.).648
diferença de que o histonador dissimularia o artefato atrás de uma
dúvida. N o entanto, desta vez temse a impres impressão são de que, mais do
Desde sempre, a noção de verdade histórica é torturada pela
série de procedimentos retóricos (citações, referências bibliográficas,
que raiva e desespero, a notícia da morte da verdade suscita uma
etc.) que serviriam apenas para pro du zir um efe ito d e real.646 Em
espécie de consolo, e mesmo de entusiasmo entusiasmo e euforia. Com o se
alguns alguns anos, anos, as as pro voc açõe s de Barthes e d e W hi te se tornaram tornaram um um
finalmente fosse possível proclamar: enfim livres! Livres do passado?
leitmotiv leitmotiv obsessivo que, sob diferentes formas, retoma uma nova
Co m o se o historiador pudesse pudesse agora dizer o que bem entender:
vulgata: a verdade histónea é o produto de uma ilusão referencial,
o passado não está em condições, de qualquer maneira, de opor a
não existe realidade histórica, ou, mais precisamente, não existe
men or resistência a seus seus desejos interpretativos. Face a esse esse relativis
nenhuma realidade fora da linguagem que dela fala, tudo sendo não
mo narcísico, que não deriva da grande tradição cética (seja aquela
mais mais do que “ discurso” ou “ tex to” , uma simples combinação de
de Pirro e de Sexto Empírico, seja aquela do pirronismo histórico,
palavras palavras.. A esse esse respeito, ev oca se tod a uma série de comparações
seja seja aquela d o elo gio voltai riano da dúvid a64 a649), a tentação de afasta afastarr a
ou de contaminações entre a narração literária e a narração histórica, Franklin Franklin R. Ankersmit, "H istonograph y and Postmodeniism”, Hi sto ry an d The ory , 1989. 28, equilíbrio estnto entre o realismo e a criatividade. Cf. Sabina Longa, "L e mira ge de 1'unité 1'unité historihistori-
2, p. 142145. Cf. igualmente Linda Hutcheon, A Poeti cs o f Pos tm ode nii sm : Hi sto ry , Th eor y,
que . in Siegfned Kracauer, penseur de 1'hisloire, 1'hisloire, sob a direção de Philippe Despoix e Peter Schòttler,
1988: David Harlan, Harlan, "Intellectual History History and and the the Fiction. Fiction. Ne w Yo rkLond res, R outled ge, 1988:
Pans, Édmons de la Maison des sciences de 1'hommePresses de 1U niversit e Lavai, 2006, p. 2944. 2944.
Return o f Literature”, Literature”, Am er ica n His tor ica l Re vie w, 1989, 94, p. 581609 ; Patrick Joyce ,
Roland Barthes. Barthes. "L e discoun de 1’histoire" 1’histoire" (1967), in Le Bm is se m en t de la lang ue, Pans, Editions du Seuil. Seuil. 1984. Cf, igualmente, do mesmo autor, “ L’efFect du reei” (1968), in Uttérature et réalitè, Panj, Editions du Seuil, 1982.
tory and PostM odernism ” , Past and Present, Present, 1992, 131; Nancy F. Partner,
His-
History in an Age
of Re alityFiction s” , in in Frank Ankersmit et Hans Hans Kellner (dir.), A (dir.), A N ew Ph ilo so phy o f H ist ory , Londres, Reaktion Press, 1995, p. 2139.
‘ Hjyde n White. "Th e Histoncal Tex t as as Literary Artifact” , Clio, 1974, Clio, 1974, III, 3, p. 278, reeditado em
M"C f. Keith Jenkins, Jenkins, Re th in ki ng Hi sto ry , LondresNew York, Routledge, 1991; Beverly Southgate.
Robert A. Canary e Henry Kozicki, The Writinçi Writinçi ofHisto ry, Literary Form and Historical Historical Vnderst Vnderstand and
Hi sto ry: IVh at an d IV hy ? A nc ien t, M od em , Po stm od em Persp ective s, LondresNew s, LondresNew York. Routledge,
Press, 1978. 1978. mg , Madison, University o f Wisconsin Press, Isso significa que as obras históneas só pod em ser subm eodas a uma análise literána e linguística. O Ha\den White, Me tahi stor y, Balomo Stephen Bann Bann.. y, Balomo reLondres .John H opkins U mver sity Press, 1973; Stephen The Clothmg of Clio: of Clio: A St ud y of the Rep res ent ati on of Hi sto ry in Ni ne te en tli -C en tu ry Brit ain and France, Cambndge, Cambndge Umversity Press, Press, 1984; Anne Rigne y, The Rhetoric o f Historical Representa Representation tion:: Press,, 1990. 1990. Three Narram* Three Narram* Hist orie s of the Frenc h Re iv lu tio n, Cam bndge. Camb ndge U mversity Press
1996; Ellen Somekawa e Elizabeth A. Smith, “T heonz ing the Wntin g o f History. History. or, ‘I can’t think think why it should be so dull, for a great deal of it must be invention’" Jo ,Jo ur na l o f Soci al Hi sto ry , 1988, 22, p. 149161; Anil Wordsw orth, "D em da and Foucault: Foucault: Writing the History History of Histoncity". in Derek Atndge, C.eoff Benmngton e Robe rt Youn g (dir.). (dir.). Post-Stmcluralism Post-Stmcluralism and the Q uestion uestion o f Hi sto ry, Cambndge, Cambndge Umversity Press, 1987, p. 116. Mg Cf. Sabina Longa, “ Doutes sur le passe” passe” , in La in La Féc ondi tê du dou te, Pans, Quintette, no prelo.
229
O
PEQUENO X
- Da
S o b r e o s o m b r o s do s g i g a n t e s
biografia à história história
literatura, co m o se se tratass tratassee de unia presença con tagio sa, se fez, por
vai de par com a consciência de que a verdade histórica é algo de
um efeito mecânico de retomo, mais insistente. Donde a tendência
menos unívoco e de mais ambíguo do que fazem crer tanto Elton
a colocar impropriamente no mesmo plano as reflexões daqueles
quanto os pósmodernos. Ao histonador cabe estabelecer fatos,
que se debruçaram sobre a dimensão narrativa da história, como
muitas vezes descontínuos e heterogéneos, tornálos inteligíveis,
Paul Ricoeur ou Michel de Certeau, e aquelas de Hayden White,
integrálos numa totalidade significante. Isso implica que a verdade
ou m esmo as versões mais mais toscas toscas da historiografi a pó sm od em a.65 a.650
dos fatos não coincide sempre com sua significação. Ora, como
Assim, em 1990, pouco tempo antes de sua morte, o historiador
escreve Goethe, a história precisa de uma e da outra. E importante,
britânico Geoft rey Elton rogou aos historia historiadores dores que “ pusess pusessem em fim
por outro lado, re conh ecer que a história, história, enquanto discurso discurso sobre
às tagarelices e voltassem a o essencial” : ao essencial, a saber, ad fontes,
a realidade, é igualmente um relato que necessariamente recorre a
às fontes. Após ter acusado as ciências sociais de terem corrompido
alguns dos instrumentos da ficção: ela cria uma continuidade entre
a historiografia, ele sublinhava a natureza objetiva da história, pois
os rastros descontínuos do passado, desenha uma trama, coloca em
“ o m ome nto em que alguma coisa coisa se se passo passou u é e permanece ind e-
cena personagens, utilizase da analogia e da metáfora.63 metáfora.632
p e nd nd e nt nt e d o o b s e r v a d o r O t o m da da in in t er er v en en ç ã o d e E lt lt on on é se sem
Mant er juntas juntas essas essas dua duass perspectivas requer ao mesmo temp o
dúvida alguma alguma demasiado perem ptório. Mas creio que, mesmo que
paciência e prudência. N ão se trata trata aqui de reco locar a história história sob
poucos historiadores se reconheçam nas acusações que ele profere
a alçada alçada da da literatura, literatura, tanto mais que, com o dizia V irginia W oo lf, as
contra as ciências sociais, suas proposições são a expressão de uma
tentativas tentativas de apagar as diferenças que existem entre a narração narração histórica
posição defensiva que não cessa de se manifestar. Uma atitude que
e a ficção quase sempre deram resultados deploráveis, inclusive no
poderíamos esquematicamente resumir nestes nestes termos: é importante
plano estético. O desíg nio é, mais simplesmente, o de cultivar uma
restabelecer a noção de verdade e a lógica da prova, reafirmar a
política de confrontação com a literatura, a fim de conferir mais pro-
existência de um método históneo, fundado sobre as fontes, capaz de
fundidade e vanedade ao discurso histórico. Nesta óptica, pareceme
atestar atestar a verdade d o passado. passado. E isso custe o qu e custar. custar. M esm o sob o
possível, e talvez mes mo urgente, medita r sobre as estratég estratégias ias narrativ narrativas as
risco de negar a natureza ínterpretativa da história e de se contentar
a utilizar para dar relevo às incertezas, às dissonâncias e aos conflitos
com uma imagem ingénua e sem nuances da da objetivid ade históri histórica. ca.
do passado passado —em suma, suma, à história história tal tal com o ela acontece. T olsto i pod e assim nos ajudar a evocar o caso pessoal como um meio de romper o
VIII
excesso de coerência do discurso histórico, para meditar não apenas sobre o que foi, sobre o que adveio, mas também sobre as incertezas
Aqu i, ainda, ainda, as as reflexões do séc ulo X IX pod em nos ajud ajudar ar..
do passado, sobre o que teria podido se produzir e que se perdeu. As
Elas sugerem uma abordagem diferente, que se articula conforme
sugestões que ele oferece sobre as maneiras de multiplicar os pontos
um duplo movimento. É preciso, em primeiro lugar, defender a
de vista a respeito da História também podem ser preciosas para o
ideia de que a história vive sob a férula da verdade: o histonador se
historiador que se compromete a pennanecer num mundo em que
compromete a fornecer informações sobre uma realidade que lhe é
os fatos realmente se produziram.
exte rior e a submeter sua interpretação a uma verifi cação . Essa Essa defesa defesa
Ct. Allaji Megill,
Recou ntmg the Past: Past: ‘Descnption ’, Explanation, Explanation, and and Narrativc in Histonog Histonog
raphy", Am eri can His tori cal Re vie u', 1989. 94, p. 627653. Cf. Geoftrey R. Elton, Re tu m to Es sen tial s. So m e Re flec tio ns on tlic Pre setit St ate o f H isto rica l Stu dy , Cambndge, Cambndge University Pre«. 1991. 1991. p. 50 e 59.
"Esse ponto de vista foi defendido por Michel de Certeau, L Ecri ture de I hi stoir e, op. cit. , Paul Ricoeur, Tenips et récit, Paris, Editions du Seuil, 1983. Cf. igualmente Roger Chartier, A u bord de la falaise. L'hisioire entre certitudes certitudes ci inquietude, inquietude, Pans, Albin Michel, 1998, Krzysztoí Pomian. .Sur 1'htstoire, 1'htstoire, Paris, Gallimard, 1999.
<
s
E st e u v r o f o i c o m p o s t o c o m t i po p o g r a f i a B e m b o e i m pr pr e s s o EM PAPEL C h a m OIS OIS FlNE
80
G N A G r  F I C A E E D I T OR OR A D E L R e y .