Número 146 Fevereiro Fever eiro 201 4
Visita aos Arautos
Vosso amor triunfa sobre meu egoísmo C
omo é generoso o amor neste mistério! Todos dão. Simeão Simeã o dá sua vida em troca das consolações que recebe do Céu. Ana dá seus louvo louvores, res, sua su a alegria ale gria expan expan- siva àquel àqueles es que esper esperam am a liberli bertação de Israel. José oferece seus humildes presentes. Maria oferece a glória de seus privilégios que Ela cobre com o véu de sua obediência e sua heroica aceita ção das dores que Lhe são anun anun-ciadas. Jesus dá-Se por inteiro: int eiro: os sacrifíc sacr ifícios ios de toda tod a sua vida, vida , até a suprema humi humilhaç lhação ão do Calv Calváá“Apresentação no Templo”, por Bartolo di Fredi - Museu do Louvre, Paris rio estão condensados na oferenda que faz de Si mesmo a seu Pai. graça. Tomai Tomai meu coração com todos os seus afetos. “Ecce venio! — Eis que venho”, diz Ele. E eu tam- Tornai-Vos seu mestre, o único Deus deste santuábém, ó doce Cordeiro, eis-me! O amor do qual sou s ou tes- rio tantas vezes profanado por ídolos enganadores. temunha neste mistério de vossa Apresentação, triun- Tomai minhas paixões e transformai transfor mai estes inimigos fa sobr sobree meu egoís egoísmo mo.. Daqu Daquilo ilo que quer queroo dar dar--Vos, de minha perfeição em escravos afeitos a só temer nada escolho. Escolhei Vós mesmo; ou melhor, não vossos julgamentos. escolhais nada, mas tomai tudo, pois tudo é vosso, Tomai meus sentidos, tomai minha vida. Só assim o quero. Despojar-me por Vós, esta é a minha desejo permanecer neste mundo para Vos amar e alegria, doçura, verdade e única felicidade. servir, estando disposto a deixá-lo se for de vosso Ó doce Cordeiro, Cordeiro, tomai o meu espírito com todos t odos agrado. Se eu tiver esquecido algo, apressai-Vos em os seus pensamentos. Atraí-o para vossas infinitas tomá-lo, meu bom Jesus, pois retive por demasia perfeições, para que as contemple sem cessar cessar.. To- do tempo aquilo que Vos pertencia. Hoje, dou-me mai minha vontade, com todas as suas resoluções. todo; tomai-me por inteiro! Submetei-a, sem reserva, ao vosso poder adorável Pe.e. Jacques-Marie-Louis Monsabré, P Mon sabré, OP. OP. e tornai-a dócil a todas as moções de vossa santa Petites P etites méditations pour la récitation du Rosaire
n n a m l l o H o i g r e S
SumáriO 4 4
Escrevem os leitores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Introibo ad altare Dei”
Revista mensal dos
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A esmola do bom exemplo exemplo (Editorial) . . . . . . .
Associação privada internacional de fiéis de direito pontifício Ano XIII, nº 146, Fevereiro 2014
Viver de amor A voz do Papa Papa – Luz das nações
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ISSN 1982-3193
Publicada por: Associação Arautos do Evangelho do Brasil CNPJ: 03.988.329/0 03.988.329/0001-09 001-09 www.arautos.org.br Diretor Responsável: Pe. Pedro Paulo de Figueiredo, EP Conselho de Redação: Guy Gabriel de Ridder; Ir. Juliane Vasconcelos A. Campos, EP; Luis Alberto Blanco Cortés; M. Mariana Morazzani Arráiz, EP; Severiano Antonio de Oliveira
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6 A palavra dos Pastores Pastores – Servidores da Palavra de Deus
Comentário ao Evangelho – O sal do convívio e a luz do bom exemplo ......................
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Administração Rua Bento Arruda, 89 02460-100 - São Paulo - SP
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SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: (11) 2971-9050
(NOS DIAS ÚTEIS, DE 8 A 17:00H)
Como chegou a Bíblia até nós? ......................
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História para crianças... A oferta mais agradável agradável a Jesus e Maria
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...................... Simplicidade, perenidade e... cerveja
Os santos de cada dia
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Arautos no mundo mundo
As cores do Paraíso Paraíso
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A revist revistaa Arauto Arautoss do Evan Evangelho gelho é impress impressaa em pape papell
Aconteceu na Igreja Igreja e no mundo
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certificado FSC, produzido a partir de fontes responsáveis
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Montagem: Equipe de artes gráficas dos Arautos do Evangelho Impressão e acabamento: Divisão Gráfica da Editora Abril S/A. Av. Otaviano Alves de Lima, 4.400 - 02909-900 - SP
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S CREVEM E SCREVEM
H OUVE OUVE UMA UMA MUDANÇA MUDANÇA MUITO MUITO GRANDE NA GRANDE NA MINHA MINHA VIDA VIDA
A Revista é um meio de comunicação muito importante para se conhecer mais de perto todos os pontos de vista de nossa Religião. Nota-se em nosso mundo a falta de valores em geral, e isso começa dentro do lar, pois nossos filhos refletem o que vivemos em família. Sinto-me muito feliz por pertencer à comunidade dos Arautos, por sua organização, seu carisma, seu amor e acolhimento para com cada um de seus integrantes e para com os que lhe são próximos. Houve uma mudança muito grande em minha vida, desde que, pelo contato com esta Associação, passei a viver mais intensamente cada Eucaristia, recebendo bênçãos para mim e para minha família. E com esta Revista valorizamos ainda mais o trabalho feito por vocês, bem como os imitamos no que nos é possível.
R EFERÊNCIAS EFERÊNCIAS A A TEÓLOGOS TEÓLOGOS
A RTIGOS SOBRE S ACRAMENTOS RTIGOS SOBRE OS OS S ACRAMENTOS E E
DOMINICANOS
TEMAS DE TEMAS DE TEOLOGIA TEOLOGIA FUNDAMENTAL FUNDAMENTAL
Nesta Revista, tudo me encanta. Todos os temas são interessantíssimos para a formação cristã. Estão escritos de forma tão amena, que sua leitura recreia e não cansa. Sou dominicana e agrada-me ver que seus artigos contêm muitas referências a teólogos dominicanos. Nota-se que os Arautos estão muito bem informados de sua teologia.
Esta Revista é maravilhosa. A seção dos contos infantis é muito atraente e formativa. Gostaria, entretanto, de fazer uma sugestão: que haja em cada edição algo sobre os Sacramentos e sobre temas específicos de teologia fundamental. Na Bolívia, a formação teológica católica é muito pobre, sobretudo acerca dos Sacramentos, o que dificulta o trabalho dos catequistas, por desconhecerem as riquezas da própria Religião.
Ir. Sarita Valcárcel Muñiz Dominicanas de la Anunciata Oviedo – Espanha
F ORMA ORMA EFICAZ DE EFICAZ DE NOS ENSINAR ENSINAR PALAVRA A P ALAVRA DO DO S ALVADOR ALVADOR
Ma rco Antoni Marco A ntonioo Michel Mic hel Sauc S aucedo edo Santa San ta Cruz Cr uz de l a Sierra Sie rra – Bolí B olívia via
LUZ , FÉ E ESPERANÇA E ESPERANÇA
A Revista é rica em exemplos de conduta e uma constante busca do conhecimento mais profundo da verdade. O Comentário ao Evange lho feito por Mons. João Scognamiglio Clá Dias tem uma forma eficaz de nos ensinar a Palavra do Salvador. Meus cumprimentos pelo bem que estão fazendo para as almas.
Agradeço o envio pontual da re vista Arautos do Evangelho, a qual recebo há quase três anos, junto com outros complementos que nos enviam e nos ajudam a crescer espiritualmente. Cada número nos traz luz, fé e esperança. Leio a Revista completa e sempre acompanho todas as notícias e fatos relacionados com os Arautos do Evangelho, que Marco Ma rco Antoni A ntonioo Arruda Arr uda Mend Mendes es são um contínuo e belo exemplo de Campo Grande – MS evangelização.
Himelda Rivera Chiquinquirá – Colômbia
PROBLEMA ROBLEMA COM COM AS AS REMESSAS
V ARÕES ARÕES E E DAMAS QUE MARCARAM QUE MARCARAM A A HISTÓRIA
O S LEITORES
Agos tinhoo Ciridini Agostinh Ciri dini Arroio Arr oio Trinta Tri nta – SC
As matérias que são mais interessantes na Revista são aquelas que relatam a vida e os feitos dos Santos da Igreja. É de suma importância para nós, católicos, c atólicos, conhecermos um pouco mais sobre a vida destes varões e damas de fé que marcaram a História. É a Revista um veículo de grande valor espiritual para seus leitores e de grande utilidade para o apostolado.
Desejo, em primeiro lugar, cumprimentar toda a equipe da edição desta que reputo ser a melhor revista católica até agora publicada. Estou muito agradecido por poder ler tudo quanto ela vem noticiando a cada mês. Houve algum problema com as remessas para mim e deixei de recebê-la. Mas espero que estas se restabeleçam, pois não quero dei xar de obter o bem espiritual espiritual que me proporciona sua leitura.
Quem abre a revista Arautos do Evangelho e a lê cuidadosamente se agrada com tudo, pois seu conteúdo é tão bom que dispensa comentários... Ela é muito útil para nossas conversas com amigos e excelente meio de divulgação do intenso e meritório trabalho evangelizador desenvolvido pelos Arautos.
Durvalino dos Reis Suzano Suz ano – SP S P
Man uel Mola Manuel M olano no Franco Fra nco Montijo Mont ijo – Espanh Esp anhaa
Armelin Arm elindo do Pedro Pedr o Foza Maring Ma ringáá – PR
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Arautos Ara utos do Evangelho Evangelho · Fevereiro 2014
Ú TIL TIL PARA PARA NOSSAS NOSSAS CONVERSAS COM CONVERSAS COM AMIGOS AMIGOS
Editorial A
ESMOLA
DO BOM EXEMPLO
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u to s o s A ra a a t i s i V
O Cardeal Zenon Grocholewski preside a Santa Missa na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Caieiras (SP), 12/12/2013 Foto: Stephen Nami
uando se fala em amor ao próximo, logo nos vem à mente a ideia da ajuda material aos mais necessitados. Auxílio esse limitado à generosidade e à real disponibilidade dos bens de cada qual. Concretizado esse ato de caridade, em geral, o benfeitor se considera merecedor do louvor divino: “Em verdad ver dadee Eu vos vos declar declaro: o: todas todas as vezes vezes que que fizest fizestes es isto isto a um um destes destes meu meuss irmãos irmãos mais pequeninos, foi a Mim mesmo que o fizestes!” (Mt 25, 40). Estaria, portanto, quite com o Criador. Entretanto, não temos todos nós um dever moral, primeiro, para com Deus e depois para com todos os homens, sem excluir os detentores de grandes fortunas? Com efeito — como nos adverte o Divino Mestre no trecho do Evangelho comentado neste número da Revista (ver p.10-17) —, todo batizado deve ser sal da terra e luz do mundo, fazendo brilhar suas boas obras diante dos homens, de maneira que estes glorifiquem a Deus (cf. Mt 5, 13-16). Todos são, portanto, credores do bom exemplo e da vida virtuosa de cada um. Esta é a caridade compreendida em seu aspecto mais elevado. E dela ninguém está dispensado, desde o multimilionário até o mais pobre dos homens. Tal realidade espiritual se baseia no fato de que, para o bem ou para o mal, é o exemplo que arrasta outros a seguirem o mesmo caminho. c aminho. Isto é consequência do instinto de sociabilidade, mais arraigado no homem do que o próprio instinto de conservação. Ora, a civilização contemporânea esmerou-se em proporcionar a todo cidadão os meios para ficar conectado com o mundo inteiro, acompanhando os principais acontecimentos em tempo real. Mas, enquanto a técnica avança, cada um se sente mais só no meio da multidão, paradoxalmente paradoxalmente isolado até de seus mais próximos. Nessa situação se encontra grande parte da humanidade, com o consequente esfriamento das relações sociais, até mesmo nos círculos familiares. Promove-se, assim, a exacerbação do egoísmo e definha o amor ao próximo, por onde cada vez menos o homem se preocupa com os infortúnios alheios. Tal desvio de visão tem gerado desordens de alma dos quais decorrem problemas psíquicos sem conta, levando até ao suicídio jovens das class classes es abast abastadas, adas, nas quais abunda abundam m bens materiai materiais, s, mas está ausente a verdadeira caridade. Ora, se todos resolvessem, com o auxílio auxí lio da graça, ser de fato sal da terra e luz do mundo — ou seja, praticar os Mandamentos da Lei de Deus na sua integridade, dando aos outros a nobre esmola do bom exemplo —, não se solucionariam incontáveis problemas espirituais, e até físicos, levando o homem hodierno a reencontrar o autêntico sentido da vida, perdido há tanto tempo? ² Arautos Ara utos do Evangelho Evangelho
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VOZ DO P APA
Luz das nações O exemplo dos Reis Magos ensina-nos a não nos contentarmos com uma vida medíocre, a nos deixarmos sempre fascinar pelo que é bom, verdadeiro, belo: por Deus, que é tudo isso elevado ao máximo!
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umen requirunt lumine”. Esta sugestiva frase de um hino litúrgico da Epifania refere-se à experiência dos Magos: seguindo uma luz, eles procuram a Luz. A estrela aparecida no céu acende, nas suas mentes e corações, uma luz que os move à procura da grande Luz de Cristo. Os Magos seguem fielmente aquela luz, que os penetra interiormente, e encontram o Senhor. Neste percurso dos Magos do Oriente, está simbolizado o destino de cada homem: a nossa vida é um caminhar, guiado pelas luzes que iluminam a estrada, para encontrar a plenitude da verdade e do amor, que nós, cristãos, reconhecemos em Jesus, Luz do mundo. E, como os Magos, cada homem dispõe de dois grandes “livros” donde tirar os sinais para se orientar na peregrinação: o livro da criação e o livro das Sagradas Escrituras. Importante é estar atento, velar, ouvir Deus que nos fala — sempre nos fala. Como diz o Salmo, referindo-se à Lei do Senhor: “A tua pala vra é farol para os meus passos e luz para os meus caminhos” (Sl 119/118, 105). E, de modo especial, o ouvir o Evangelho, lê-lo, meditá-lo e fazer dele nosso alimento espiritual permite-nos encontrar Jesus vivo, ter experiência d’Ele e do seu amor. 6
Na escuridão da mundanidade não se vê a estrela A primeira leitura faz ressoar, pela boca do profeta Isaías, este apelo de Deus a Jerusalém: “Ergue-te e sê iluminada!” (60, 1). Jerusalém é chamada a ser a cidade da luz, que irradia sobre o mundo a luz de Deus e ajuda os homens a seguirem os seus caminhos. Esta é a vocação e a missão do Povo de Deus no mundo. Mas Jerusalém pode falhar a esta chamada do Senhor. Diz-nos o Evangelho que, chegados a Jerusalém, os Magos deixaram de ver a estrela durante algum tempo. Já não a viam. Em particular, a sua luz está ausente no palácio do rei Herodes: aquela habitação é tenebrosa; lá reinam a escuridão, a desconfiança, o medo, a inveja. Efetivamente Herodes mostra-se apreensivo e preocupado com o nascimento de um frágil Menino, que ele sente como rival. Na realidade, Jesus não veio para derrubar um miserável fantoche como ele, mas o Príncipe deste mundo! Todavia o rei e os seus conselheiros sentem fender-se os suportes do seu poder, temem que sejam in vertidas as regras do jogo, desmascaradas as aparências. Todo um mundo construído sobre o domínio, o sucesso, a riqueza, a corrupção é posto em crise por um Meni-
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no! E Herodes chega ao ponto de matar os meninos: “Tu matas o corpo das crianças, porque o temor te matou o coração”, escreve São Quodvultdeus (Sermão 2 sobre o Símbolo: ML 40, 655). É assim: tinha medo e, com este medo, enlouqueceu. Os Magos souberam superar aquele perigoso momento de escuridão junto de Herodes, porque acreditaram nas Escrituras, na palavra dos profetas que indicava Belém como o local do nascimento do Messias. Assim escaparam do torpor da noite do mundo, retomaram a estrada para Belém e lá viram de novo a estrela, e o Evangelho diz que sentiram uma “enorme alegria” (Mt 2, 10). Precisamente a estrela que não se via na escuridão da mundanidade daquele palácio.
É necessária uma “astúcia” santa, para guardar a fé Entre os vários aspectos da luz, que nos guia no caminho da fé, inclui-se também uma santa “astúcia”. Também esta é uma virtude: a “astúcia” santa. Trata-se daquela sagacidade espiritual que nos permite reconhecer os perigos e evitá-los. Os Magos souberam usar esta luz feita de “astúcia” quando, no caminho de regresso, decidiram não passar pelo palácio tenebroso de Herodes, mas seguir por outra estrada.
Estes sábios vindos do Oriente ensinam-nos o modo de não cair nas ciladas das trevas e defender-nos da obscuridade que teima em envol ver a nossa vida. Com esta “astúcia” santa, eles guardaram a fé. Também nós devemos guardar a fé. Guardá-la daquela escuridão, se bem que, muitas vezes, é uma escuridão tra vestida de luz! Porque às vezes o demônio, diz São Paulo, veste-se de anjo de luz. Daí ser necessária uma santa “astúcia”, para guardar a fé, guardá-la do canto das sereias que te dizem: “Olha! Hoje devemos fazer isto, aquilo…”. Mas, a fé é uma graça, é um dom. Compete-nos a nós guardá-la com esta “astúcia” santa, com a oração, com o amor, com a caridade. É preciso acolher no nosso coração a luz de Deus e, ao mesmo tempo, culti var aquela astúcia espiritual que sabe combinar simplicidade e argúcia, como Jesus pede aos discípulos: “Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10, 16).
Os Magos nos ensinam a levantar os olhos para a estrela Na festa da Epifania, em que recordamos a manifestação de Jesus à humanidade no rosto de um Menino, sentimos ao nosso lado os Magos como sábios companheiros de estrada.
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“Importante é estar atento, velar, ouvir Deus que nos fala” Missa da Epifania na Basílica de São Pedro, 6/1/2014
O seu exemplo ajuda-nos a levantar os olhos para a estrela e seguir os anseios grandes do nosso coração. Ensinam-nos a não nos contentarmos com uma vida medíocre, sem “grandes voos”, mas a deixarmo-nos sempre fascinar pelo que é bom, verdadeiro, belo... por Deus, que é tudo isso elevado ao máximo! E ensinam-nos a não nos deixarmos enganar pelas aparências, por aquilo que, aos olhos do mundo, é grande, sábio, poderoso. É preciso não se deter aí. É necessário guardar a fé. Neste tempo,
isto é muito importante: guardar a fé. É preciso ir mais além, além da escuridão, além do fascínio das sereias, além da mundanidade, além de muitas modernidades que existem hoje, ir rumo a Belém, onde, na simplicidade de uma casa de periferia, entre uma mãe e um pai cheios de amor e de fé, brilha o Sol nascido do alto, o Rei do universo. Seguindo o exemplo dos Magos, com as nossas pequenas luzes, procuramos a Luz e guardamos a fé. Homilia, 6/1/2014
Deus sempre toma a iniciativa Deus nos atrai para nos unir a Ele. Seu amor antecede o nosso. Deus sempre dá o primeiro passo: nos chama, nos procura, nos espera.
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elebramos hoje a Epifania, isto é, a “manifestação” do Senhor. Esta solenidade liga-se ao relato bíblico da vinda dos Reis Magos do Oriente a Belém para prestar homenagem ao Rei dos
judeus: um episódio que o Papa Bento comentou de modo magnífico no seu livro sobre a infância de Jesus. Foi essa precisamente a primeira “manifestação” de Cristo aos gentios. Por isso a Epifania salienta
a abertura universal da salvação trazida por Jesus. A Liturgia deste dia proclama: “Os povos de toda a terra hão de adorar-Vos, ó Senhor”, porque Jesus veio para todos nós, para todos os povos, todos! Arautos do Evangelho
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O amor de Deus sempre antecede o nosso Esta festa, com efeito, mostra-nos um duplo movimento: de um lado, o movimento de Deus para o mundo, para a humanidade — toda a história da salvação, que culmina em Jesus —; de outro, o movimento dos homens para Deus — pensemos nas religiões, na procura da verdade, no caminho dos povos rumo à paz, à paz interior, à justiça, à liberdade. E este duplo movimento é impulsionado por uma atração recíproca. Da parte de Deus, o que O atrai? É o amor a nós: somos seus filhos, ama-nos e quer libertar-nos do mal, das doenças, da morte, e conduzir-nos à sua casa, no seu Reino. “Por pura graça, Deus atrai-nos para nos unir a Si” ( Evangelii gaudium, n.112). Também de nossa parte há um amor, um desejo: o bem sempre nos atrai, a verdade nos atrai, a vida, a felicidade, a beleza nos atrai... Jesus é o ponto de encontro dessa atração recíproca, desse duplo movimento. Ele é Deus e homem: Jesus. Deus e homem. Mas quem toma a iniciativa? Sempre Deus! O amor de Deus sempre
antecede o nosso! Ele sempre toma a iniciativa. Ele nos espera, nos convida, a iniciativa é sempre d’Ele. Jesus é Deus que Se fez homem, encarnou-Se, nasceu por nós. A nova estrela aparecida aos Magos era o sinal do nascimento de Cristo. Se não tivessem visto a estrela, aqueles homens não teriam partido. A luz nos precede, a verdade nos precede, a beleza nos precede. Deus nos precede. Dizia o profeta Isaías que Deus é como a flor da amendoeira. Por quê? Porque naquela terra a amendoeira é a primeira a florescer. E Deus sempre nos procura primeiro, dá o primeiro passo. Deus nos antecede sempre. Sua graça nos precede e esta graça apareceu em Jesus. Ele é a Epifania. Ele, Jesus Cristo, é a manifestação do amor de Deus. Está conosco.
A alegria de evangelizar A Igreja está por inteiro nesse mo vimento de Deus para com o mundo: sua alegria é o Evangelho, é refletir a luz de Cristo. A Igreja é o povo daqueles que experimentaram essa atração e a trazem em seu interior,
no coração, na vida. “Sinceramente, eu gostaria de dizer àqueles que se sentem longe de Deus e da Igreja, dizer respeitosamente aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor!” (Ibidem, n.113). O Senhor te chama. O Senhor te procura. O Senhor te espera. O Senhor não faz proselitismo, dá amor, e este amor te procura, te espera, a ti que neste momento não crês ou estás afastado. Este é o amor de Deus. Peçamos a Deus, para toda a Igreja, a alegria de evangelizar , porque “foi enviada por Cristo a manifestar e a comunicar a todos os homens e povos a caridade de Deus” ( Ad gentes, n.10). A Virgem Maria nos ajude a sermos todos discípulos-missionários, pequenas estrelas que reflitam a sua luz. E roguemos que os corações se abram para acolher o anúncio, e todos os homens consigam ser “participantes da promessa por meio do Evangelho” (Ef 3, 6).
Angelus, 6/1/2014 – Tradução: Arautos do Evangelho
O Juízo nal Jesus, nosso Redentor, será também nosso Juiz. Ele nos dá todas as graças para nos salvarmos. Somos nós que, com nossos atos, podemos nos condenar.
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oje, gostaria de começar a última série de catequeses sobre a nossa profissão de fé, discorrendo sobre a afirmação: “Creio na vida eterna”. Medito em particular sobre o Juízo Final. Mas não devemos ter medo: ouçamos o que diz a Palavra de Deus. A este propósito, lemos no Evangelho de Mateus: então, Cris8
to “voltará na sua glória e todos os Anjos com Ele... Todas as nações se reunirão diante d’Ele e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. Colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda... E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna” (Mt 25, 3133.46). [...]
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A Igreja é uma mãe que procura o bem de seus filhos No Evangelho de Mateus, o próprio Jesus prenuncia que no fim dos tempos aqueles que O tiverem seguido ocuparão um lugar na sua glória, para julgar juntamente com Ele (cf. Mt 19, 28). Depois, escrevendo à comunidade de Corinto, o Apóstolo Paulo afirma: “Não sabeis que os
santos julgarão o mundo? [...] Quanto mais as pequenas questões desta vida!” (I Cor 6, 2-3). Como é bom saber que naquele momento poderemos contar não só com Cristo, nosso Paráclito, nosso Ad vogado junto do Pai (cf. I Jo 2, 1), mas também com a intercessão e a benevolência de muitos dos nossos irmãos e irmãs mais velhos, que nos precederam no caminho da fé, que ofereceram a própria vida por nós e que continuam a amar-nos de modo indizível! Os Santos já vivem diante de Deus, no esplendor da sua glória, intercedendo por nós que ainda vi vemos na Terra. Quanta consolação suscita esta certeza no nosso coração! A Igreja é verdadeiramente uma mãe e, como tal, procura o bem dos seus filhos, sobretudo dos mais distantes e aflitos, até encontrar a sua plenitude no corpo glorioso de Cristo com todos os seus membros.
Em certo sentido, podemos tornar-nos juízes de nós mesmos Uma sugestão ulterior é-nos oferecida pelo Evangelho de João, onde se afirma explicitamente que
“Deus não enviou o Filho ao mundo para o condenar, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem n’Ele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no nome do único Filho de Deus” (3, 17-18). Então, isto significa que aquele Juízo Final já está em curso, que ele começa agora, durante a nossa existência. Este Juízo é pronunciado em cada instante da vida, como referência do nosso acolhimento, com fé, da salvação presente e concreta em Cristo, ou então da nossa incredulidade, com o consequente fechamento em nós mesmos. Mas se nos fecharmos no amor de Jesus, condenamo-nos a nós mesmos. A salvação é abrir-se a Jesus, e Ele salva-nos; se somos pecadores — e todos somos — peçamos-Lhe perdão; e se O procurarmos com o dese jo de ser bons, o Senhor perdoa-nos. Mas por isso devemos abrir-nos ao amor de Jesus, que é mais forte que todas as outras coisas. O amor de Jesus é grande, o amor de Jesus é misericordioso, o amor de Jesus perdoa; mas tu deves abrir-te, e
abrir-se significa arrepender-se, acusar-se das coisas que não são boas e que fizemos. O Senhor Jesus entregou-Se e continua a doar-Se a nós, para nos cumular com toda a sua misericórdia e com a graça do Pai. Portanto, somos nós que podemos tornar-nos, num certo sentido, juízes de nós mesmos, autocondenando-nos à exclusão da comunhão com Deus e com os irmãos. Por isso, não nos cansemos de velar sobre os nossos pensamentos e atitudes, para prelibar desde já o calor e o esplendor da Face de Deus — e será maravilhoso! — que na vida eterna contemplaremos em toda a sua plenitude. Em frente, pensando neste Juízo que começa agora, que já começou. Em frente, fazendo com que o nosso coração se abra a Jesus e à sua sal vação; em frente sem receio, porque o amor de Jesus é maior, e se pedirmos perdão dos nossos pecados, Ele perdoa-nos. Jesus é assim. Então, em frente com esta certeza, que nos levará à glória do Céu! Excertos da Audiência Geral, 11/12/2013
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“O amor de Jesus é grande, o amor de Jesus é misericordioso, o amor de Jesus perdoa; mas tu deves abrir-te, e abrir-se significa arrepender-se” Aspectos da Audiência Geral de 11/12/2013
Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana. A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va
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“Cristo pregando aos seus discípulos” - Detalhe do púlpito da Basílica do Sagrado Coração de Jesus, Montreal (Canadá); ao fundo, o Lago de Genesaré visto do Monte das Bem-aventuranças
j l a r K o v a t s u G y a l u o B s i o ç n a r F
a E VANGELHO A “Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 13 ‘Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens. 14 Vós sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um
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monte. 15 Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro, onde ela brilha para todos que estão na casa. 16 Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos Céus’” (Mt 5, 13-16).
COMENTÁRIO AO EVANGELHO – V DOMINGO DO TEMPO COMUM
O sal do convívio e a luz do bom exemplo O convite à santidade, feito a todos os cristãos por Nosso Senhor, tem como corolário a obrigação de trabalharmos pela salvação de nossos irmãos, com a palavra e o exemplo de vida. Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – A ESTRATÉGIA EVANGELIZADORA DE JESUS Ao estudar a vida pública de Nosso Senhor Jesus Cristo, podemos comprovar a existência de um plano de apostolado muito bem traçado, lógico e coerente. Depois de quase trinta anos de vida oculta e da primeira fase de sua vida pública, chegado o momento de começar as suas mais importantes pregações, devia o Salvador escolher um centro estratégico a partir do qual anunciaria aos homens o Reino de Deus. Rejeitando Jesus da maneira mais vil, a ponto de desejar matá-Lo, os moradores da pequena cidade onde Se havia criado, Nazaré, se tornaram indignos de continuar convivendo com “o filho de José” (Lc 4, 22). Entretanto, mesmo que a acolhida tivesse sido respeitosa, era improvável que Ele permanecesse ali, em razão de sua localização desfavorável: isolada no fundo de um vale, em região de difícil acesso e pouco
povoada, ficava distante das zonas mais importantes da Galileia.
Cafarnaum: a cidade de Cristo Por isso, além dos motivos referidos no comentário ao Evangelho do 3º Domingo do Tempo Comum,1 quis Nosso Senhor estabelecer-Se próximo das grandes vias de comunicação: “Quando, pois, Jesus ouviu que João fora preso, retirou-Se para a Galileia. Deixando a cidade de Nazaré, foi habitar em Cafarnaum” (Mt 4, 12-13). Situada ao leste da Galileia, nas terras que haviam pertencido às tribos de Zabulon e Neftali, a cidade contava, nos tempos evangélicos, entre 15 e 20 mil habitantes, e constituía o núcleo comercial dos arredores. Aos seus pés, o Lago de Genesaré — conhecido também como Mar da Galileia ou ainda Mar de Tiberíades —, com cerca de 21 km de comprimento por 12 km de largura, abundava em peixes e era sulcado, todos os dias, por centenas de barcos de pes-
Nenhuma outra região de Israel parecia tão apropriada para receber a doutrina de Nosso Senhor
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j l a r K o v a t s u G : s o t o F
À esquerda: Lago de Genesaré visto do Monte das Bem-aventuranças; à direita: Sermão da Montanha, Convento de Tyburn, Londres
Já era chegado o momento de o Divino Mestre expor sua doutrina e indicar aos discípulos o caminho da salvação
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cadores que singravam suas límpidas águas. Às margens erguiam-se numerosas outras cidades, como Betsaida, Tiberíades, Magdala, sendo esta última, então com 40 mil almas, a mais prestigiosa dentre elas. 2 Cafarnaum encontrava-se em um lugar particularmente fecundo — a Galileia era considerada o celeiro da Palestina 3 —, que serviria como fonte de inspiração das belas parábolas do Divino Mestre. Nenhuma outra região de Israel parecia tão apropriada para receber a doutrina de Nosso Senhor, “pois os galileus do lago, apesar do trato com milhares de estrangeiros, tinham conser vado a simplicidade dos seus pais. Viviam tranquilos do produto da pesca e esperavam pelo novo reino pregado por João Batista”. 4 Por essa razão foram as palavras de Jesus mais bem acolhidas nos prados e sinagogas da Galileia do que no Templo de Jerusalém. Além disso, por sua condição fronteiriça e mercantil, e graças à proximidade de diversas estradas importantes — dentre as quais a Via Maris, que unia a Síria ao Egito —, Cafarnaum oferecia muitas vantagens ao Redentor. Sem sair dela, podia instruir não só os seus conterrâneos, como também os numerosos estrangeiros que transitavam por esse movimentado entroncamento de caminhos. Ali “faziam alto os mercadores da Armênia, as caravanas de Damasco e da Babilônia, carregadas com os produtos do Oriente, as guarnições romanas que marcha vam para a Samaria ou para a Judeia e as multi-
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dões de peregrinos que nos dias festivos subiam à Cidade Santa. Aqueles mercadores, soldados, pagãos e peregrinos rodearão a Jesus nas margens do lago e recolherão, de caminho, os seus divinos ensinamentos”. 5 Todas estas características fizeram de Cafarnaum a cidade de Cristo, como nos é referida pelo Evangelho (cf. Mc 2, 1; 9, 33). A partir dela começou Nosso Senhor a pregar a iminência do Reino dos Céus e a necessidade de conversão. Ele libertava os possessos, restituía a saúde a epiléticos e paralíticos, curava todo tipo de doenças, e, em consequência, sua fama crescia a cada dia. Além de galileus, acompanhavam-No grandes multidões vindas da Decápole, de Jerusalém, da Judeia e das localidades do outro lado do Jordão (cf. Mt 4, 23-25).
A Carta Magna do Reino de Deus Na área abarcada pela pregação de Jesus se levanta uma colina verdejante. Ele, “vendo as multidões” (Mt 5, 1) que tinham chegado de toda parte à sua procura, subiu a essa montanha e pronunciou seu mais sublime sermão, síntese de todos os seus ensinamentos. Como tivemos oportunidade de considerar em outras ocasiões, 6 já era chegado o momento de expor sua doutrina e indicar aos discípulos o caminho da salvação. Assim, contradizendo de modo frontal as máximas e os costumes vigentes em sua época, nas oito Bem-aventuranças o Divino Mestre prega “aos avarentos a pobreza,
aos orgulhosos a humildade, aos voluptuosos a castidade, aos homens do ócio e do prazer o trabalho e as lágrimas da penitência, aos invejosos a caridade, aos vingativos a misericórdia e aos perseguidos as alegrias do martírio”. 7 Não sem razão receberam estas Bem-aventuranças o título de “Carta Magna do Reino de Deus”. Segundo explica o Catecismo da Igreja Católica, elas “traçam a imagem de Cristo e descrevem sua caridade; exprimem a vocação dos fiéis associados à glória de sua Paixão e Ressurreição; iluminam as ações e atitudes características da vida cristã; são promessas paradoxais que sustentam a esperança nas tribulações; anunciam as bênçãos e recompensas já obscuramente adquiridas pelos discípulos; são iniciadas na vida da Virgem Maria e de todos os Santos”. 8
II – AS CARACTERÍSTICAS DA MISSÃO DOS DISCÍPULOS
O sal do convívio humano
“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 13a ‘Vós sois o sal da terra’”. Foi o sal sempre muito apreciado e valorizado pela humanidade, por ser bom conservante dos alimentos e por realçar o seu sabor. No Império Romano o pagamento aos soldados era feito com ele ou também se destinava uma quantia em dinheiro para sua aquisição, originando o termo salário. O elevado grau de salinidade do Mar Morto facilitou o uso frequente de tal condimento na Palestina, desde tempos imemoriais. Havia no Templo, inclusive, um depósito no qual se guardava o sal a ser empregado nas diversas cerimônias, uma vez que no Antigo Testamento não se oferecia a Deus animal algum sem antes temperá-lo com sal (cf. Lv 2, 13; Ez 43, 24), que também era usado na preparação dos perfumes litúrgicos (cf. Ex 30, 35). Ao afirmar: “Vós sois o sal da terra”, Nosso Senhor declara que seus discípulos — ou seja, todos os batizados — devem enriquecer o mundo propiciando um novo sabor ao convívio humano, evitando a brutalidade e a corrupção dos costumes.
O simples enunciado das Bem-aventuranças pressagiava uma renovação do mundo, o advento de uma nova civilização, de uma humanidade libertada do paganismo. Enfim, algo que a História ainda não conhecera. Não nos esqueçamos de que em geral vigorava a A graça: o sal da vida sobrenatural escravidão e a lei de talião — olho por olho, 13b “Ora, se o sal se tornar insosso, com dente por dente —, que hoje nos causa hor- que salgaremos? Ele não servirá para ror, mas que na Antiguidade representou uma mais nada, senão para ser jogado fora e mitigação da violência arraigada na sociedaser pisado pelos homens”. de em que prevalecia sempre o mais forte e a vingança desapiedada, Para bem compreera prática comum. endermos o que o Sal i k c Logo depois de pro vador nos quer ensinar i n e i clamá-las solenemencom esta figura, po S z s a te, Jesus vai Se dirigir demos imaginar uma m o T sobretudo aos Apósmatéria neutra, semetolos e discípulos, utilhante à areia branca, lizando uma linguafiníssima, que ao ser gem muito expressiva objeto de um influxo para lhes indicar as passasse a ser sal. Ela qualidades necessásalgaria porque transrias ao cumprimenmitiria uma propriedato de sua missão. E o de que não pertence à faz diante de todos, de sua natureza, mas lhe modo a tornar manifoi infundida. Ora, se festa a obrigação daesse sal se tornasse inqueles mais chamados sosso, voltaria a ser o a guiar, ensinar e sanque era antes, ou seja, Sal produzido em Læsø (Dinamarca) tificar os fiéis. areia!
Ao afirmar: “Vós sois o sal da terra”, Nosso Senhor declara que seus discípulos devem enriquecer o mundo propiciando um novo sabor ao convívio humano
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s e u g n i m o D d i v a D
Vista panorâmica de Civita di Bagnoregio (Itália)
Nada no agir humano é neutro, e tudo o que fazemos repercute no universo em benefício ou prejuízo das demais criaturas
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De modo análogo, pelo Sacramento do Batismo, que nos confere a graça santificante, somos elevados da ordem natural à ordem sobrenatural , e recebemos uma como que capacidade salífera para dar um novo sabor à existência e fazer bem aos outros. Todavia, o discípulo que perde a vida da graça e renuncia a ser “o sal da terra”, “não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens”.
A luz do bom exemplo 14a
“Vós sois a luz do mundo”.
Confiando-nos a missão de sermos “a luz do mundo”, Jesus nos convida exatamente a participar de sua própria missão, a mesma que fora proclamada pelo velho Simeão no Templo, quando, tomando o Menino Deus nos braços, profetizou que Ele seria “luz para iluminar as nações” (Lc 2, 32). Nosso Senhor veio trazer a luz da Boa-nova e do modelo de vida santa. A doutrina ilumina e indica o caminho, enquanto o exemplo edificante move a vontade a percorrê-lo. Neste mundo imerso no caos e nas trevas, pela ignorância ou pelo desprezo dos princípios morais, os discípulos de Jesus devem, com o auxílio da graça e o bom exemplo, iluminar e orientar as pessoas, ajudando-as a reavivar a distinção entre o bem e o mal, a verdade e o erro, o belo e o feio, apontando o fim último da humanidade: a glória de Deus e a salvação das almas, que acarretará o gozo da visão beatífica. Para que isso se concretize, a condição é sermos desprendidos e admirativos de tudo o que no universo é reflexo das perfeições divinas, de modo a sempre procurarmos ver o Criador nas
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criaturas. Assim, nossas cogitações e nossas vias terão um brilho proveniente da graça. Expressiva figura dessa realidade espiritual nos é proporcionada pela lâmpada elétrica incandescente. O tungstênio é, em si, um elemento vil e de escassa utilidade. No entanto, perpassado pela corrente elétrica e em uma atmosfera na qual o ar foi substituído, ele ilumina como nenhum outro metal. A eletricidade representa a graça di vina, enquanto a debilidade do tungstênio bem simboliza o nosso nada. A necessidade de certo vácuo para a incandescência do filamento ressalta ainda mais como, para refletirmos a luz sobrenatural, precisamos reconhecer com alegria o nosso vazio, o nosso pouco mérito, as nossas limitações e faltas, e não opor nenhuma resistência à ação de Deus. Deste modo, como filamentos de tungstênio ligados à corrente da graça, poderemos ser transmissores da verdadeira luz para o mundo.
O pregador deve ser coerente
“Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte”. 14b
Relativamente próxima do monte das Bem-aventuranças se eleva a cidade de Safed, situada a cerca de mil metros de altitude. 9 Supõe-se, então, que Jesus tenha feito alusão a ela nesta passagem, utilizando uma imagem familiar a todos os presentes. Ao mencionar a impossibilidade de permanecer oculta uma cidade com essas características, Nosso Senhor chama a atenção para a visibilidade de todas as ações do homem, a fortiori se ele recebeu uma missão especial de Deus: “fomos entregues em espetáculo
ao mundo, aos Anjos e aos homens” (I Cor 4, 9). Nesse sentido, nada no agir humano é neutro, e tudo o que fazemos repercute no universo em benefício ou prejuízo das demais criaturas. Por conseguinte, temos a obrigação de irradiar o bem, pela palavra e pela vida. Em virtude disso, Santo Antônio de Pádua afirma ser indispensável para o pregador viver o que prega: “A linguagem é viva, quando falam as obras. Cessem, por favor, as palavras; falem as obras. Estamos cheios de palavras, mas vazios de obras, e, por isso, somos amaldiçoados pelo Senhor. Ele mesmo amaldiçoou a figueira em que não encontrou fruto, mas somente folhas. Ao pregador foi dada a lei, escreve São Gregório, de realizar aquilo que prega. Em vão se gaba do conhecimento da lei quem destrói com as obras a doutrina”.10
A luz deve brilhar para todos
“Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão na casa”. 15
Postas em lugar alto para melhor difusão da luz, as lâmpadas de azeite, naquela época, eram em geral feitas de argila, sendo dotadas de dois orifícios: um para o azeite e outro para o pavio. A linguagem do Divino Mestre, co-
mo sempre, é ao mesmo tempo simples e muito cogente, e o exemplo não poderia ser mais significativo, pois só um insensato ocultaria uma lâmpada acesa debaixo de um alqueire — vasilha para medir cereais — ou de uma cama (cf. Mc 4, 21; Lc 8 , 16), onde, além de ser totalmente inútil, correria o risco de provocar um incêndio.
Não tenhamos medo de praticar a virtude
“Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos Céus”. 16
Como lâmpadas a reluzir na escuridão, Nosso Senhor quer que os cristãos iluminem os homens com suas boas ações. Isto é, o bem precisa ser proclamado sem respeito humano e aos quatro ventos, num mundo que estadeia a luxúria e o ateísmo. Ao se encontrar em um ambiente hostil, o bom muitas vezes tende a se encolher, a se intimidar, quase se desculpando por não ser dos maus... o que é absurdo! Pelo contrário, de vem a verdade e o bem gozar de plena cidadania, onde quer que seja. Contudo, caberia perguntar se tal recomendação não estaria em conflito com os conselhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, transmitidos
. s e d e p s é C o i g r e S
Como lâmpadas a reluzir na escuridão, Nosso Senhor quer que os cristãos iluminem os homens com suas boas ações
Procissão luminosa em Castanhal (PA)
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Jesus não quer que nossas boas obras sejam movidas por interesses mundanos ou por desejo de chamar a atenção, como acontecia aos fariseus
pouco mais adiante pelo próprio São Mateus: Se isso era válido para o século XIII, quan“Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante to mais o será para os nossos dias! Por tal razão, dos homens, para serdes vistos por eles” (6, 1), e sentimo-nos nós, Arautos do Evangelho, mo“que tua mão esquerda não saiba o que fez a di- tivados ao uso cotidiano de nosso característireita” (6, 3). co hábito: envergando-o sem respeito humano A resposta é simples: Jesus não quer que e manifestando de forma pública nossa inteira nossas boas obras sejam movidas por interesses adesão à Santa Igreja, pomos em prática o manmundanos ou por desejo de chamar a atenção, dato de Jesus. como acontecia aos fariseus, os quais faziam “todas as suas ações para serem vistos pelos hoIII – SE QUEREMOS SER SANTOS , mens” (Mt 23, 5) e mandavam tocar a trombeDEVEMOS SER SAL E LUZ ta quando davam alguma esmola. Ele pede de nós, isto sim, uma vida tão edificante que os hoO Evangelho de hoje expressa com muimens se sintam impelidos a imitá-la, glorifican- ta clareza a obrigação de cuidarmos de nosdo a Deus cuja face resplandece nos que Lhe sa vida espiritual não só pelo desejo da salsão fiéis. vação pessoal. Sem dúvida, é mister abraçar Acrescente-se a isso que o reluzimento do a perfeição para contemplar o Criador face justo é fruto de sua união com Deus e da ação a face por toda a eternidade no Céu, o mais da graça, não dependendo, portanto, da vonta- precioso dom que possamos obter; e precisade de cada pessoa. mos ser virtuosos, porque o exige a glória de “Sejam os cristãos no mundo aquilo que a al- Deus, para tal fomos criados e disso prestama é no corpo”. 11 Por isso, é necessário não ter remos contas. Entretanto, Nosso Senhor nos receio de proclamar por toda parte a nossa Fé, quer santos também com vistas a sermos sal a nossa vocação, a nossa determinação de se- e luz para o mundo! Enquanto sal, devemos guir a Cristo. Expressivo nesse sentido é o céle- empenhar-nos em fazer bem aos demais, bre episódio da vida de São Francisco de Assis, pois temos a responsabilidade de lhes tornar ao convidar frei Leão para acompanhá-lo a uma a vida aprazível, sustentando-os na fé e no pregação. Os dois simplesmente andaram pela propósito de honrar a Deus. São eles credocidade, imersos em sobrenatural recolhimento, res de nosso apoio colateral, como membros e retornaram ao convento sem dizer uma pala- do Corpo Místico de Cristo. E seremos luz vra. Ao ser indagado acerca da pregação, o San- na medida em que nos santificarmos, pois to respondeu ter ela sido realizada pelo fato de ensina a Escritura: “O olho é a luz do corpo. dois homens se mostrarem de hábito religioso Se teu olho é são, todo o teu corpo será ilupelas ruas, guardando a modéstia do olhar. 12 É o minado” (Mt 6, 22). Deste modo, nossa diliapostolado do bom exemplo. gência, aplicaç ão e zelo no cumprimento dos
“O inédito sobre os Evangelhos” Editada pela Libreria Editrice Vaticana, a coleção “O inédito sobre os Evangelhos” contém comentários de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, aos Evangelhos de todos os domingos e solenidades do ciclo litúrgico. Pedidos pela internet (evangelhocomentado.arautos.org) ou pelo telefone (11) 2971-9040 Volumes em formato brochura (157x230mm) com impressão colorida em papel couchê
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n i Mandamentos servirá R isso a um destes peque y h t ninos, foi a Mim que ao próximo de referên o m i cia, de orientação pelo T o deixastes de fazer” exemplo, fazendo com (Mt 25, 45). que ele se beneficie das Em última análise, graças que recebemos. tanto o sal que não sal Assim, seremos acolhiga quanto a luz que não ilumina são o fruto da dos por Nosso Senhor, falta de integridade. O no dia do Juízo, com discípulo, para ser sal estas consoladoras pae para ser luz, deve ser lavras: “Em verdade um reflexo fiel do AbEu vos declaro: todas as vezes que fizestes issoluto, que é Deus, e, to a um destes meus irportanto, nunca ceder mãos mais pequeninos, ao relativismo, vivendo foi a Mim mesmo que o na incoerência de ser fizestes!” (Mt 25, 40). chamado a representar Pelo contrário, se a verdade e fazê-lo de sou orgulhoso, egoísforma ambígua e vacita ou vaidoso, se solante. Procedendo desmente me preocupo em ta maneira, nosso testemunho de nada vale chamar a atenção soe nos tornamos sal que bre mim, significa que só serve “para ser jome converti num sal ingado fora e ser pisado sosso que já não salpelos homens”. Quem ga mais, e privo os outros de meu amparo; se convence é o discípulo “Nossa Senhora da Luz” Altar-mor do Convento da Luz, São Paulo sou preguiçoso, signifiíntegro que reflete em ca que apaguei a luz de sua vida a luz trazida Deus em minha alma e já não proporciono pelo Salvador dos homens. a iluminação que muitas pessoas necessitam Peçamos, pois, à Auxiliadora dos Cristãos para ver com clareza o caminho a seguir. E que faça de cada um de nós verdadeiras todevo me preparar para ouvir a terrível con- chas que ardem na autêntica caridade e iludenação de Jesus: “Em verdade Eu vos de- minam para levar a luz de Cristo até os conclaro: todas as vezes que deixastes de fazer fins da Terra. ²
Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. O início da vida pública. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.73 (Jan., 2008); p.1017; Comentário ao Evangelho do III Domingo do Tempo Comum, na coleção O inédito sobre os Evangelhos, Volume I. 2 Cf. FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Je sucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, 162-165; RENIÉ, SM, Jules-Edouard. Manuel d’Écriture Sainte. Les Évangiles. 4.ed. Paris: Emmanuel Vitte, 1948, t.IV, p.207-209. 3 Cf. WILLAM, Franz Michel. A vi da de Jesus no país e no povo de 1
Israel. Petrópolis: Vozes, 1939, p.119-122. 4 BERTHE, CSsR, Augustin. Je sus Cristo, sua vida, sua Paixão, seu triunfo. Einsiedeln: Benziger, 1925, p.112. 5 Idem, p.112-113. 6 Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Radical mudança de padrões no relacionamento divino e humano. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.109 (Jan., 2011); p.1016; Comentário ao Evangelho do IV Domingo do Tempo Comum – Ano A, e na coleção O inédito so bre os Evangelhos, respectivamente nos Volumes I e VII.
Para ser sal e luz, o discípulo deve ser um reflexo fiel do Absoluto, que é Deus, e portanto, nunca ceder ao relativismo
BERTHE, op. cit., p.144. 8 CCE 1717. 9 Cf. RENIÉ, op. cit., p.208. 10 SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA. Sermões Dominicais. Pentecostes. Sermão V, n.16. In: Fontes franciscanas III. Biografias - Ser mões. Braga: Franciscana, 1998, v.I, p.411. 11 CONCÍLIO VATICANO II. Lu men gentium, n.38. 12 Cf. SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. La dignidad y santidad sacerdotal. La Selva. Sevilla: Apostolado Mariano, 2000, p.306. 7
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n n a m l l o H o i g r e S
Como chegou a Bíblia até nós? Não se conservam os originais, nem muitas das cópias subsequentes, dos 73 livros da Bíblia. Como pôde, pois, ter chegado intacta até nós a Palavra de Deus neles contida? Pe. Arnóbio José Glavam, EP
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iscorremos em precedente artigo sobre a formação do cânone da Bíblia, isto é, da relação dos Li vros Sagrados que contêm a Palavra de Deus, comunicada originariamente por via de tradições orais. Conser vadas, pela ação do Divino Espírito Santo, na autenticidade e integridade dos divinos ensinamentos, essas tradições foram mais tarde postas por escrito por homens assistidos pelo carisma da inspiração: os hagiógrafos. Ao leitor interessará, por certo, saber quando e de que modo se elaboraram esses escritos e como chegaram até nós. Uma primeira pergunta, então, se impõe: ter-se-iam conservado, ou não, os textos originais dos hagiógrafos? Em caso negativo, como foram eles transmitidos 18
às sucessivas gerações e quais são hoje as fontes mais importantes do texto bíblico que conhecemos? Na época em que os livros da Sagrada Escritura foram redigidos, os instrumentos para a escrita eram muito precários e o material usado para isso não poderia resistir aos milhares de anos decorr idos entre aqueles tempos e os nossos dias. É, pois, perfeitamente explicável que os textos originais da Bíblia ( autógrafos) e mesmo muitas das sucessivas cópias tenham se perdido, com exceção de alguns raros fragmentos.
Quando a Bíblia foi escrita? Sabe-se hoje que a Bíblia foi escrita num período de pouco mais de mil anos.
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Acreditou-se, por muitos séculos, que o primeiro e um dos maiores hagiógrafos fosse Moisés que teria escrito o Pentateuco. A Bíblia, portanto, teria começado a ser escrita por volta do ano 1200 a.C. Tal crença é contestada, hoje em dia, pela generalidade dos especialistas que, baseados em posteriores descobertas científicas e minuciosos estudos, preferem datar os primeiros escritos no tempo de Salomão, aproximadamente no ano 1000 a.C.
“São Lucas escreve seu Evangelho sob o olhar de Nossa Senhora” Museu São Pio V, Valência (Espanha)
Na época em a Sagrada Escritura foi redigida, os instrumentos e o material usados eram muito precários
O fato de o Novo Testamento referir-se, por vezes, a Moisés como autor desses livros 1 não nos deve causar embaraço, uma vez que sabemos ter sido a intenção dos hagiógrafos — e, sobretudo, a do Espírito Santo — não a de nos comunicar através das Sagradas Escrituras conhecimentos científicos ou históricos precisos, mas sim as verdades que importam à nossa salvação. Os hagiógrafos, pois, exprimiam-se nessas matérias segundo as concepções comuns e correntes na época. Do mesmo modo acredita-se ho je, em geral, que os primeiros escritos do Antigo Testamento não foram os do Pentateuco, mas alguns livros históricos. Muitos estudiosos sustentam mesmo que o primeiro texto escrito foi o canto de Débora, do Livro dos Juízes. Não é possível determinar com exatidão as datas em que os livros sagrados do Antigo Testamento foram redigidos, mas a cronologia mais comumente aceita é a que exporemos a seguir. Até o reinado de Davi e Salomão (aproximadamente anos 1000 a 930 a.C.) teriam aparecido o cântico de Débora, os livros de Samuel e alguns episódios do Gênesis. No tempo que vai deste último até o exílio babilônico (930 a 586 a.C.) teriam surgido alguns livros proféticos: Amós, Oseias, Miqueias, Isaías (1– 39), Jeremias, Sofonias, Naum, Habacuc e Deuteronômio. Seriam do período do exílio (586 a 538 a.C.) os livros de Ezequiel, a segunda parte de Isaías, o chamado deutero Isaías (40–55), Josué, Juízes e Reis. Na primeira época pós-exílica (583 a 300 a.C.) teriam surgido os livros de Ageu, Zacarias, a terceira parte de Isaías — o trito Isaías — (56–66), Malaquias, Jó, Jonas e Cântico dos Cânticos; também teriam sido concluídos os Salmos, ampliados os Provérbios e teriam aparecido Esdras e Números. É só neste período que se teria completado o Pentateuco.
Na segunda época após o Exílio (300 a 50 a.C.), que é a dos Macabeus, teriam aparecido os livros de Tobias, Eclesiastes, Eclesiástico e Sabedoria. E por fim, no século que antecedeu o nascimento de Jesus Cristo, os últimos livros: Joel, Daniel, Judite, Primeiro e Segundo dos Macabeus. Quanto ao Novo Testamento, foram seus livros redigidos provavelmente entre os anos 50 e 100 da Era Cristã. E os primeiros não foram os Evangelhos, mas algumas cartas paulinas.
Papiros e pergaminhos Nos anos em que reinaram os soberanos de Israel, quando presumi velmente foi elaborada a maior parte dos livros do Antigo Testamento e nos tempos apostólicos, em que o foram quase todos os do Novo, não se conhecia a máquina de escrever e muito menos os modernos computadores. Nem sequer o papel e a caneta! Como então teriam sido escritos esses textos? Causa-nos espanto saber que em certo período da Antiguidade se escrevia com frequência em pedra, placas de metal ou cerâmica. Eram estas últimas, tábuas de argila sobre as quais se imprimiam, com o auxílio de um estilete, os caracteres adequados compondo os textos. Tais placas eram, em seguida, levadas ao forno para serem cozidas e assim conservadas. Quando os livros bíblicos começaram a ser escritos, entretanto, já haviam surgido meios mais simples de se escrever, usando tinta sobre papiro ou pergaminho, materiais precursores do papel. O primeiro provém de um vegetal, abundante nas margens do Nilo, cujo caule prensado oferecia algo à maneira de uma folha de papel. Os israelitas bem o conheciam do tempo em que permaneceram no Egito e os egípcios o comercializa vam largamente. Com ele se produ Arautos do Evangelho
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ziam também embarcações 2 e outros objetos. A cesta na qual Moisés fora colocado entre os juncos do rio para fugir à ira do Faraó era de papiro. 3 O pergaminho tem sua origem na cidade de Pérgamo, capital da Mísia e importante cidade da Ásia Menor, de onde lhe vem o nome. Ele é couro de carneiro tratado de modo especial, resultando numa folha consistente e relativamente fina. Bem mais resistente e durável, entretanto mais custoso do que o papiro, começou a ser amplamente usado para os documentos mais importantes. Os livros escritos em papiro eram em geral conservados em rolos, guardados no Templo e nas sinagogas, para serem lidos nas cerimônias litúrgicas. Os pergaminhos, mais consistentes e oferecendo dificuldade para se conservarem em rolos, propiciaram a importante invenção dos cadernos ou códices. Formavam-se estes dobrando em quatro as folhas de pergaminho e compondo assim volumes semelhantes aos nossos atuais livros. Talvez se deva aos cristãos esta grande descoberta, pois os códices já eram usados nos primeiros séculos do Cristianismo. Os hoje chamados Códices — as cópias mais antigas da Bíblia existentes entre nós — datam , entretanto, dos primeiros séculos do Cristianismo. Alguns deles contêm versões quase completas das Escrituras. Os principais se encontram na Biblioteca do Vaticano, no Museu Britânico e em alguns outros grandes museus do mundo. Desses “originais” são feitas as diversas traduções modernas das Sagradas Letras. Da Idade Média, pelo meritório trabalho dos monges copistas, uma grande quantidade de cópias das Escrituras chegou até nós. E as mais recentes descobertas arqueológicas vêm atestar a admirável fidelidade dos manuscritos medievais às mais antigas versões. 20
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Página do Código Áureo de Estocolmo (séc. VIII) e fragmento dos Papiros de Oxirrinco contendo versículos do Êxodo Freer & Sacler Gallery, Smithsonian Institution, Washington
Bem mais resistente e durável do que o papiro, embora mais custoso, o pergaminho começou a ser amplamente usado para os documentos mais importantes Os idiomas da Bíblia Nas épocas e lugares em que foram escritos os textos bíblicos, predominavam os idiomas hebraico, aramaico e grego. E foi nestas línguas que foram redigidas as Escrituras. O hebraico, idioma de origem cananeia, identificou-se entretanto com os hebreus na história da salvação, tornando-se a língua sagrada do povo eleito. Com a expansão do poder assírio e as suas numerosas incursões na Palestina, culminando com o ca-
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tiveiro babilônico, o aramaico foi se tornando cada vez mais conhecido. Como os arameus formavam uma espécie de entreposto natural entre os assírios e os israelitas, usava-se seu idioma nas relações diplomáticas entre uns e outros. No tempo da hegemonia persa, o aramaico já era mesmo a língua vulgar na Palestina, e o hebraico ficara reduzido quase apenas ao uso litúrgico. As posteriores conquistas de Ale xandre Magno trouxeram a predominância da cultura helênica. Com isso, o grego substituiu aos poucos o aramaico como idioma vulgar, tornando-se universal já nos primeiros tempos do Cristianismo. O fato de, após o exílio babilônico, muitos israelitas terem permanecido no exterior ( diáspora), onde predominava o grego, e a atenção que, nessa ocasião, numerosos gentios passaram a dar às Escrituras judaicas, tornaram necessária uma tradução delas para o grego. Segundo antiga concepção, tal empreendimento ter-se-ia iniciado em Alexandria, por cerca de 70 sábios judeus. Trabalhando separadamente, eles teriam chegado a idênticos resultados. Razão pela qual esta tradução é conhecida como a Septu aginta, ou dos Setenta. No tempo de Jesus, entre o povo já quase não mais se falava o hebraico, e o aramaico foi o idioma mais usado pelo Divino Mestre em suas pregações. Nos primeiros tempos da Era Cristã, na área de civilização onde se desenvolveu o Cristianismo, predominava uma versão popular do grego chamada Koiné. Foi este, precisamente, o idioma usado para a elaboração de quase todos os primeiros escritos cristãos. O Antigo Testamento foi escrito em hebraico e aramaico, exceto o Livro da Sabedoria, Segundo dos Macabeus e alguns trechos de Daniel e Ester, que o foram em grego.
O Novo Testamento foi escrito em grego ( Koiné). Segundo alguns — opinião muito desacreditada hoje em dia —, o Evangelho de São Mateus teria sido escrito em aramaico (ou hebraico), mas dele só se conhecem cópias em grego.
Vulgata e traduções modernas A pedido do Papa São Dâmaso (366-384), São Jerônimo empreendeu no século IV uma tradução das Sagradas Escrituras para o latim. Conhecida pelo nome de Vulgata (a divulgada), foi esta durante muitos séculos o texto oficial da Bíblia e serviu de base para as traduções feitas, então, para as diversas línguas vernáculas. Recentemente, muitos especialistas se entregaram à tarefa de traduzir os Livros Sagrados diretamente das fontes “originais”, ou seja, das mais antigas cópias conservadas em hebraico, aramaico e grego. Dessas cópias antigas, isto é,
dos grandes códices medievais, pro vêm as diversas versões modernas da Bíblia. Deste modo — além da Vulgata e de sua edição revista e corrigida, conhecida como a Nova Vulgata —, existem muitas outras traduções. É, pois, inevitável haver entre elas alguma variedade de linguagem, mesmo entre edições católicas aprovadas pela Igreja. Temos, por exemplo, no Brasil, a Bíblia de Jerusalém, a edição da Ave Maria, a Bíblia Pastoral da CNBB e muitas outras. São, de fato, traduções com pequenas variações de linguagem, refletindo a preocupação dos tradutores de apresentar o sentido original dos textos sagrados de modo acessí vel ou adequado ao público que tinham em vista. O pensamento fundamental, porém, de todas as versões autorizadas — isto é, revistas e aprovadas pela Autoridade Eclesiástica — é o mesmo e é sempre a mesma Palavra de
Deus, expressa com os recursos da linguagem humana.
Códices e fragmentos Vejamos agora algo sobre a transmissão dos textos das Sagradas Escrituras ao longo dos séculos. Se o leitor considerar que os mais antigos fragmentos conhecidos de manuscritos relativos ao Antigo Testamento datam do século II a.C., e que os livros veterotestamentários começaram a ser escritos provavelmente no reinado de Salomão, por volta do século X a.C., temos um período de 800 anos entre esses primeiros escritos e os mais antigos fragmentos conservados. Isso significa que as Escrituras chegaram até nós através de uma longa sucessão de cópias de cópias manuscritas ho je perdidas. No tocante ao Novo Testamento, é bem menor o tempo decorrido entre a redação dos autógrafos e os pri-
Os principais códices unciais bém no Museu Britânico. Seu nome, provavelmenCódice Vaticanus — É conservado na Biblioteca Vaticana, de onde seu nome. É talvez o mais antite, é uma referência à cidade de Alexandria, que na go códice — data do século IV —, como também o Antiguidade foi um importante centro de estudos mais importante e precioso por seu estado de condas Escrituras. Contém todo o Antigo Testamento servação e valor documental. Contém todo o Antigo com numerosas lacunas, e todo o Novo com lacuTestamento a partir de Gn 46, 28 e todo o Novo, nas em Mt, Jo e II Cor. menos Hb 9, 15–13, 25, as cartas pastorais, Fl e Ap. Códice Ephræmi Rescriptus — Alguns pergaminhos contendo textos da Sagrada Escritura foram Códice Sinaítico — Apesar de ter sido escrito também no século IV, foi encontrado somente no raspados e reutilizados ( rescriptus) com outras finaséculo XIX, no convento de Santa lidades, e este em concreto foi reu lj Catarina no Monte Sinai, pro- ra tilizado com escritos de um certo K Efrém ( Epfræmi). Daí o nome re vindo daí o seu nome. É con- a vo t s cebido. Recursos técnicos moservado no Museu Britânico. u G dernos permitiram extrair o texContém todo o Antigo Testo bíblico, provavelmente do tamento, com várias lacunas, e todo o Novo. É o único que século V. Contém partes do reproduz integralmente o Antigo Testamento e todo o Novo Testamento. Novo Testamento também muiFragmento do “Codex Sinaiticus” Freer & Sacler Gallery, Smithsonian to fragmentário. Conserva-se na Códice Alexandrino — Do Institution, Washington Bibliotèque Nationale de Paris. século V, conserva-se tam-
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meiros textos parciais conservados. Existem fragmentos, por exemplo, do Evangelho de São João até do século II. Portanto, com menos de 100 anos de intervalo. Textos mais amplos e quase completos, porém, se conhecem apenas a partir do IV século. Descobertas arqueológicas do século XIX e, sobretudo, os Manuscritos do Mar Morto, encontrados em 1947, vieram enriquecer de modo extraordinário o acervo de documentos relativos ao Antigo Testamento. O longo percurso dos textos sagrados até chegarem a nós permanece um campo amplo e fértil de pesquisas para os estudiosos. Entretanto, quem se dedica a esse gênero de estudos precisa compreender que deles nunca podem estar ausentes os dados da fé. O especialista que a tais estudos se entrega com preocupações meramente científicas, amputa a realidade de uma dimensão fundamental. Com efeito, como poderia alguém estudar, por exemplo, a caminhada de Tobias até Ragés à casa de Gabel, os obstáculos do trajeto e as soluções encontradas, sem considerar Rafael, o Anjo que o conduzia? O “anjo” condutor da Palavra de Deus é o Espírito Santo. 4 Sua ação na história da salvação nunca pode ser esquecida ou menosprezada.
Os manuscritos do Mar Morto Documentos veterotestamentários anteriores à Era Cristã são relativamente raros e muito fragmentários, razão pela qual dirigiremos nossa especial atenção aos textos escriturísticos dos primeiros séculos do Cristianismo. Daqueles, os textos mais antigos que possuímos procedem dos séculos II-I a.C.: o principal é o pequeno papiro de Nash, descoberto em 1002 em Fayum, no Egito, que contém citações do Êxodo e do Deuteronômio; e os documentos de Qumran. Corria o ano de 1947 quando alguns comerciantes de antiguidades encontraram à venda, nos mercados de Belém, antigos manuscritos em papiro, contendo textos bíblicos e comentários dos livros sagrados. Destacavam-se textos de Isaías. Descobriu-se então provirem tais manuscritos das grutas de Qumran nas proximidades do Mar Morto. A atenção dos especialistas voltou-se para esta descoberta e as pesquisas e escavações se multiplicaram. Constatou-se então ter-se encontrado um tesouro arqueológico de valor inapreciável. Este material se conservou ao longo de tantos séculos graças às condições climáticas do lugar onde
j l a r K o v a t s u G
foi descoberto, pois o papiro se deteriora facilmente. “Os textos descobertos nas grutas de Qumran propriamente parecem ter constituído a biblioteca de uma comunidade que se costumava designar como monges de Qumran, oriundos da seita dos essênios — sacerdotes inconformados com a situação do Templo de Jerusalém —, descritos por Flávio Josefo nas Anti guidades Judaicas”.5 Esses manuscritos depositados nas grutas de Qumran um pouco antes da queda de Jerusalém, no ano 70 de nossa era, foram provavelmente escondidos pelos remanescentes da comunidade religiosa acima referida, em face do assédio sempre crescente dos romanos. Presume-se que eles tenham sido copiados entre o século III a.C. e o século I d.C.6 Em Qumran foram encontradas cópias parciais, por vezes apenas fragmentos, de todos os livros bíblicos com exceção do Livro de Ester. A importância dos manuscritos de Qumran está, sobretudo, no fato de propiciar um panorama novo para os estudos bíblicos. Com efeito, os documentos bíblicos anteriores aos grandes manuscritos medievais eram muito escassos e o texto mais antigo conhecido antes de 1947 é o referido
A descoberta do códice propiciou grande facilidade em guardar e manusear os livros, beneficiando tam bém o apostolado Livros antigos e códices manuscritos conservados na Biblioteca do Convento de São Francisco, Lima
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papiro de Nash, que não continha propriamente um texto bíblico completo, mas excertos do Pentateuco. 7 Pode-se calcular o valor documental do acervo arqueológico de Qumran considerando-se que seus documentos são um milênio mais antigos do que os grandes manuscritos medie vais conservados.
O período dos unciais e o da escrita cursiva Trataremos agora da escrita desses livros antigos e, sobretudo, dos grandes manuscritos medie vais através dos quais a Bíblia chegou até nós. Podemos dividir a história dos textos antigos da Sagrada Escritura em dois períodos: o da escrita em maiúsculas ou unciais, e o da escrita cursiva. De início, até por volta do século IX d.C., os textos das Escrituras eram copiados em caracteres maiúsculos, desenhados separadamente, chamados unciais, o que tornava a escrita por demais trabalhosa. A partir daí, passou-se a usar a escrita dita cursiva, com caracteres minúsculos interligados, como hoje fazemos. Tal processo facilitou muito a tarefa dos copistas e legou-nos uma riquíssima coleção de milhares de textos bíblicos. Interessa-nos mais, no momento, o estudo dos unciais, por sua antiguidade e valor documental e seu caráter de fonte das traduções modernas das Sagradas Escrituras. Chegaram até nós por volta de 30 manuscritos unciais com conteúdo mais ou menos amplo de escritos do Antigo e do Novo Testamento, e em diferentes graus de conservação. Por exemplo, em Rm 10, 5. 2 Cf. Is 18, 1-2. 3 Cf. Ex 2, 3. 4 Assim se exprime o Concílio Vaticano II: “As coisas reveladas por Deus, contidas e manifestadas na Sagrada 1
ampla dos pergaminhos, difíceis de serem conservados deste modo, devido à sua maior espessura, sobreveio a descoberta dos códices ou cadernos. Consistia tal método em dobrar em quatro as folhas de papiro ou pergaminho, formando cadernos e permitindo escrever nos dois lados da folha, coisa impossível com os rolos. Tal descoberta propiciou grande facilidade em guardar e manusear os livros, e é considerada para essa época como uma invenção não muito inferior à da imprensa no século XV.8 O uso do códice beneficiou também o apostolado, pois possibilitava aos missionários carregar com facilidade em sua bagagem os livros sagrados num só volume, em vez de dezenas de rolos.
s e u g n i m o D d i v a D
O diácono porta o livro dos Evangelhos numa Missa Solene na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Caieiras, 22/4/2013
A Palavra de Deus atravessou os milênios
A ação da Divina Providência propiciou misteriosamente que a Palavra de Deus atravessasse os milênios e chegas se intacta até nós Antes de descrevermos os principais códices unciais, digamos umas poucas palavras sobre a forma dos volumes contendo tais escritos. Como já vimos acima, na Antiguidade os escritos eram guardados em rolos. Com a divulgação mais
Escritura, foram escritas por inspiração do Espírito Santo” ( Dei verbum, n.11). 5 KONINGS, Johan. A Bíblia nas suas origens e hoje. Petrópolis: Vozes, 2002, p.125. Flávio Josefo, historiador israelita do
Ao leitor interessado por estudos bíblicos, esperamos ter oferecido aqui uma breve síntese do rico e amplo panorama relativo à história literária da Bíblia. Nele se revelam com clareza a fé e a fidelidade de tantos homens que se dedicaram à sublime tarefa de transmitir às gerações futuras as Sagradas Escrituras. Descortina-se também o esforço meritório, por vezes heroico, dos copistas entregues a esta tarefa. Mas ressalte-se, sobretudo, a ação da Di vina Providência, propiciando misteriosamente que a Palavra de Deus atravessasse os milênios e chegasse intacta até nós. ²
século I, autor da famosa História dos Hebreus, cuja primeira parte se intitula Antiguidades Judaicas. 6 BARRERA, Julio Trebolle. A Bíblia judaica e a Bíblia cristã. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p.305.
Idem, p.331. VAN DE BORN, Adrianus. Códice. In: VAN DE BORN, Adrianus (Ed.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1992, p.278.
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Simplicidade, perenidade e... cerveja Transmitida e respeitada de geração em geração, a “Lei da Pureza”, promulgada em 1516, tornou-se condição indispensável para a preparação de uma cerveja arquetípica. Diác. Antonio Jakoš Ilija, EP
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ma das mais curiosas características das coisas ditas modernas é que depois de alguns anos — quando não meses ou dias — deixam de ser modernas... Após uma existência agitada e efêmera, acabam por ser descartadas ou esquecidas quase com tanto ímpeto como foram aceitas. Assim, muito daquilo que faz 50 anos era considerado a fina ponta da modernidade hoje é qualificado de retrógrado. Retrógrado, note-se, e não antigo, pois o antigo possui valores perenes que o tempo não consegue destruir.
O simples e o perene Não faltam, entretanto, ao nosso redor exemplos de coisas que permanecem após terem sido acrisoladas pelo passar dos séculos. Elas costumam ser confiá veis, estáveis e, sobretudo, simples. Dispensando enfeites supérfluos, possuem características próprias que pairam acima dos aspectos meramente utilitários. 24
Consideremos, a título de exemplo, certas construções romanas, em particular algumas pontes. Elas são despojadas, robustas e veneráveis na sua longeva autenticidade. Depois de terem enfrentado guerras e tormentas durante dezenas de séculos, continuam em pé com invejável solidez, suportando altaneiras o peso e as vibrações dos atuais veículos a motor, inimagináveis para os cidadãos do Império.
Esta relação entre o simples e o perene não é fortuita, mas sim um reflexo do Ser por excelência, que São Tomás de Aquino define na Suma Te ológica como “totalmente simples”. 1 Estas considerações vêm-nos ao espírito a propósito de um fato sem vínculo aparente com elas: a fabricação da cerveja.
Um país com tradição cervejeira
O surgimento desta bebida parece ter acontecido de forma concomitante em di s o r versas partes do mundo a c e L antigo. Encontraram-se o c s vestígios de sua prepa i c a r Fração na antiga Mesopotâmia e no Egito. Os romanos a chamavam de cerevisia e os celtas de korma. Na Idade Média existiam variedades com um teor alcoólico bastante baixo, para o consumo inclusive de crianças. Hoje, ela é uma das bebidas mais consumidas no mundo e faz parte Depois de terem enfrentado séculos de guerras e tormentas, certas pontes romanas continuam em pé com da cultura de muitos poinvejável solidez vos. Mas em poucos dePonte de Trajano, Alcântara (Espanha) les se fundiu de maneira
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mais íntima e harmônica com a sociedade e suas tradições do que no mundo germânico, mais especificamente a Baviera. Bebida para todas as idades e classes sociais, era preparada para crianças, adultos e anciãos, camponeses, estadistas, nobres e clérigos. As abadias e conventos da região costumavam fabricar cerveja para consumo próprio, variando a forma de preparo segundo os diversos tempos do ano. Assim, por exemplo, a Paulaner Salvator era elaborada pela Ordem dos Mínimos — Paulaner Orden, em alemão — com vistas ao jejum feito pelos monges durante a oitava da festa do Fundador. Como essa bebida, embora muito nutritiva, não quebrava o preceito, seu consumo ajudava a sustentar os religiosos nos períodos de penitência. Muitos mosteiros beneditinos também produziam sua própria cerveja, e não apenas para consumo próprio. A abadia de Weltenburg, situada nas margens bávaras do Danúbio, é a que possui a mais antiga destilaria, fundada em 1050. Desde então, vem ela produzindo sem interrupção a mesma variedade de cerveja, e transcorrido um milênio, sua qualidade por certo não deixa a desejar, pois consta ter sido fornecida regularmente para a mesa de Bento XVI.
no país, os únicos ingredientes usados para a fabricação da cerveja devem ser lúpulo, malte e água. Qualquer um que negligenciar, desrespeitar ou transgredir estas determinações, será punido pelas autoridades da corte que confiscarão tais barris de cerveja, sem falta”. A simplicidade e candura desse dispositivo legal não podem deixar de chamar a atenção nos nossos dias, tão pródigos em conservantes, estabilizantes, corantes, espessantes, acidulantes, aromas artificiais e demais aditivos, usados às vezes em tais proporções que tornam difícil distinguir o sabor real do que está sendo degustado. Transmitido e respeitado de geração em geração, o procedimento de fabricação da cerveja alemã, muitas vezes artesanal, tem se imposto ao longo dos tempos como condição indispensável para a preparação de uma cerveja arquetípica. A ponto de muitas embalagens ostentarem com orgulho a indicação: “Fabricada de acordo com a Lei de Pureza de 1516”.
UNESCO o reconhecimento da cer veja assim fabricada como patrimônio da humanidade. A decisão poderá ser tomada em 2016, quando se comemorará o V Centenário da promulgação do mencionado Decreto. Alguns produtores, inclusive alemães, têm objetado que tal lei condena à imobilidade algo que poderia ser aperfeiçoado. Em suma: ela é retrógrada. Mas basta analisar a questão com um pouco de isenção de ânimo para constatar quão errado é esse posicionamento. Atualmente existem, por exemplo na Bélgica, cervejas excelentes feitas segundo outros métodos que acrescentam ingredientes tão pouco “ortodoxos” como a cereja. Não se trata de proibir os aprimoramentos, mas sim de proteger da voragem moderna uma tradição venerável que, queiramos ou não, está na essência de uma das mais populares bebidas dos nossos dias. ² SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teo lógica. I, q.3, a.7. 2 Cabe notar que a levedura de cerveja não era conhecida naquela época. 1
Patrimônio da humanidade No fim do ano passado, a Associação de Cervejeiros Alemães pediu à
h t i i a h S
O Decreto de Pureza de 1516 Ora, para produzir uma cerve ja como a de Weltenburg, os ingredientes não podiam ser mais simples: lúpulo, malte e água. 2 Quase cinco séculos depois, esses três elementos foram sancionados num decreto promulgado em 23 de abril de 1516 pelo duque Guilherme IV da Baviera: o Reinheitsgebot ou “Lei da Pureza”. Além de estipular os preços do líquido dourado entre as festas de São Jorge e de São Miguel, prescreve o decreto: “Desejamos enfatizar que no futuro em todas as cidades, nos mercados e
A simplicidade e candura da “Lei da Pureza” não podem deixar de chamar a atenção nos nossos dias, tão pródigos em conservantes, estabilizantes e demais aditivos Cerveja, flores de lúpulo e espigas de trigo e cevada
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Rápida visita, bela surpresa
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o regresso de sua viagem ao Chile, onde recebeu o título de doutor honoris causa pela Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso (PUCV), o Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica, deparou-se diante de uma situação difícil de resolver: onde rezar a Santa Missa nesse dia? O vôo partia de Santiago do Chile muito cedo, tornando difícil celebrar com antecedência, e a chegada a Roma estava prevista para um horário por demais tardio. A Providência, cuidadosa como a melhor das mães, não iria permitir que se frustrassem os piedosos desejos do purpurado. Seguindo o conselho dado por Mons. Massimo Francesco Pepe, oficial da mesma Congregação, decidiu aproveitar uma escala em São Paulo para visitar o Seminário dos Arautos do Evangelho, situado na Serra da Cantareira, e ali celebrar a Eucaristia. Um intervalo de seis horas entre voos tornava possível esse programa.
Embora não isento de riscos, o plano atingiu o objetivo. Dom Zenon e seu acompanhante puderam oficiar a Santa Missa e numerosos arautos beneficiaram-se do Santo Sacrifício e da presença de tão ilustre autoridade, colocada por seu cargo bem junto do Papa, no coração da Igreja. O Fundador dos Arautos do Evangelho, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, teve a alegria de ouvir dos lábios do Cardeal esta exclamação: “Quantas pessoas, quantas vocações!”. Terminada a Missa seguiu-se um frugal almoço para partir em seguida rumo ao aeroporto. Foi uma visita breve, mas, sobretudo, uma bela surpresa para todos, alimentando a esperança de um futuro conví vio mais prolongado.
Um dos maiores especialistas em Direito Canônico
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esponsável por traçar os rumos para as Universidades Eclesiásticas e Católicas do mundo inteiro, Dom Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica desde 1999, ilustra com seu próprio exemplo as altas qualidades humanas e intelectuais que se espera dos cristãos formados pelas instituições acadêmicas pontifícias. Nascido em 11 de outubro de 1939 em Bródki (Polônia) e fluente em várias línguas, escolheu o idioma latino para redigir sua tese doutoral intitulada De exclusione indissolubilitatis ex consensu matrimonia li eiusque probatione. Qualificada com summa cum laude pela Universidade Gregoriana, da qual é atualmente Grande Chanceler, ela lhe abriu as portas para a docência nessa influente instituição, na qual lecionou ao longo de 20 anos.
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O Cardeal Zenon Grocholewski preside a sessão de abertura da 24ª Assembleia Geral da FIUC, em São Bernardo do Campo (SP), em 23/7/2012; à sua direita, o Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Dom Zenon é considerado um dos maiores especialistas em Direito Canônico da atualidade, e seu trabalho em prol das ciências eclesiásticas tem sido reconhecido com numerosas distinções, entre as quais o doutorado honoris causa pela Universidade de Passau, na Alemanha, e pela Universidade Católica San Vicente Mártir de Valência, na Espanha. Designado Secretário da Signatura Apostólica e ordenado Bispo em 1982, tem servido à Igreja como Prefeito da Congregação para a Educação Católica sob três pontificados. Em fevereiro de 2001 foi criado cardeal por João Paulo II.
Missa – Breve, mas muito solene e emotiva, foi a Eucaristia presidida por Dom Zenon Grocholewski na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, tendo Mons. Massimo Francesco Pepe e Pe. Carlos Werner Benjumea, EP, como concelebrantes. No fim, o sacerdote arauto dirigiu calorosas palavras de agradecimento em nome de todos.
Cumprimentos – Durante sua curta permanência entre os Arautos do Evangelho, o Prefeito da Congregação para a Educação Católica dedicou alguns momentos a cumprimentar alguns dos j ovens diáconos recém-ordenados (foto à esquerda) e trocar breves palavras com Fundador e Superior Geral dos Arautos (foto à direita).
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São Paulo
“Estive enfermo e me visitastes...”
É
poca especialmente propícia para manifestar o amor pelo próximo, os Arautos do Evangelho apro veitaram o feriado de Natal para confortar aqueles que sofrem pela doença em hospitais e casas de repouso. Assim, em São Paulo, um grupo de participantes do Apostolado do Oratório visitou no dia de Natal o Hospital Municipal do Tatuapé, distribuindo objetos religiosos e presentes. Quatro sacerdotes arautos acompanharam a visita, da qual foram beneficiados 350 enfermos e mais de 200 funcionários. Em Juiz de Fora (MG), missionários arautos acompanharam seu Arcebispo, Dom Gil Antônio Moreira, na sua longa visita aos enfermos da Santa Casa de Miseri-
córdia. E em Mogi das Cruzes (SP), Cooperadores visitaram o Asilo São Vicente de Paulo, onde o Pe. José Luis de Zayas y Arancibia, EP, celebrou a Santa Missa e ministrou os Sacramentos. Jovens do setor feminino dos Arautos de Joinville (SC) levaram o Menino Jesus aos idosos do Lar Betânia, e em Nova Friburgo (RJ), missionárias e aspirantes da associação participaram das atividades da Pastoral da Saúde da Diocese, indo rezar junto a cada um dos doentes do Hospital Raul Sertã. Na cidade de Campos (RJ), os Cooperadores dos Arautos visitaram os doentes do Hospital Ferreira Machado, percorrendo os cinco andares do estabelecimento.
Juiz de Fora (MG)
Joinville (SC)
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Campos (RJ)
Mogi das Cruzes (SP)
Nova Friburgo (RJ)
Solene consagração a Nossa Senhora
Montes Claros (MG)
Itaperuna (RJ)
Porciúncula (RJ)
Caieiras (SP)
Cuiabá
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resce por todo o Brasil o número de fiéis que procuram os Arautos do Evangelho a fim de fazer o curso preparatório para a consagração solene à Virgem Santíssima segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort. Em algumas cidades, como Montes Claros (MG) são feitas diversas turmas por ano. Em 29 de novembro, 120 pessoas se consagraram a Maria na Igreja de São Sebastião dessa cidade do norte de Minas. No município de Itaperuna (RJ), 67 fiéis fize-
Laje do Muriaé (RJ)
ram sua consagração na Paróquia de São José do Avahy. E na matriz de Santo Antônio, em Porciúncula (RJ), foram 55 as pessoas que praticaram este ato de devoção. Na Casa Mãe da Sociedade de Vida Apostólica Regina Virginum, em Caieras (SP), 128 pessoas das cidades de São Paulo, Mauá, Jundiaí e Várzea Paulista se consagraram no dia 8 de dezembro. Em Cuiabá foram 20 as pessoas que se entregaram nas mãos de Maria, e 56 em Laje do Muriaé, (RJ). Arautos do Evangelho
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Colômbia – Por motivo da Solenidade da Imaculada Conceição, Dom Ettore Balestrero, Núncio Apostólico na
Colômbia, presidiu uma Celebração Eucarística na Catedral de Bogotá para os participantes do Apostolado do Oratório. Dois sacerdotes arautos tiveram a honra de concelebrar a Santa Missa com o Núncio.
Canadá – O Arcebispo de Montreal, Dom Christian Lépine, presidiu a Santa Missa realizada em primeiro de dezembro na Igreja de Santo Inácio, durante a qual foram recebidos 18 novos Cooperadores e 60 pessoas realizaram sua consagração a Nossa Senhora. O Pe. Joshua Alexander Sequeira, EP, foi concelebrante.
Brasil – Na Catedral Metropolitana de São Paulo, precedendo a Missa do Galo, foi oferecido ao Cardeal Odilo Pedro Scherer um concerto de músicas natalinas. Após a apresentação, Dom Odilo cumprimentou o Maestro, Pe. Pedro Morazzani Arráiz, EP, e dirigiu calorosas palavras de agradecimento aos Arautos do Evangelho.
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Novos ministros para a Igreja
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om Sérgio Aparecido Colombo, Bispo Diocesano de Bragança Paulista, ordenou no dia 10 de dezembro os 16 arautos que receberam o diaconado na Basílica de Nossa Senhora do Rosário (fotos 1 a 3). De origens muito diversas, eles provêm da Colômbia, Costa Rica, Equador, Espanha, Paraguai e dos estados brasileiros de Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro.
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Dois dias depois, Dom Benedito Beni dos Santos, Bispo emérito de Lorena, elevou ao presbiterado 12 diáconos oriundos de países situados em três Continentes: Índia, Moçambique, Colômbia, Paraguai, El Salvador e Brasil (fotos 4 a 8). Um resumo das homilias de Dom Sérgio e Dom Beni pode ser lido nas páginas 37 a 39 desta edição.
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BEATO NOËL PINOT
“Introibo ad altare Dei” Revestido com seus paramentos sacerdotais por decisão dos carrascos, o padre Pinot pronunciou antes de subir ao cadafalso aquelas palavras que tantas vezes repetira diante dos degraus do altar. Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP
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orria o ano de 1791. Num frio domingo de janeiro, os habitantes de Le Louroux-Béconnais, localidade próxima de Angers, comprimiam-se na igreja. Um sentimento de ansiedade os dominava, pois o prefeito Jean Boré os convocara para assistir, terminada a Missa, ao juramento que o pároco Noël Pinot estava intimado a prestar ante a junta municipal ali reunida. No dia 12 de julho do ano anterior, a Assembleia Constituinte aprovara a Constituição Civil do Clero, com a qual visava reestruturar as circunscrições eclesiásticas da França e converter os Bispos e sacerdotes em cidadãos-funcionários. Para garantir sua aplicação, todos os clérigos deviam jurar fidelidade a ela, sob risco de sofrer uma severa repressão da parte das autoridades revolucionárias. Entre a população do Anjou, 1 marcadamente religiosa e muito influenciada pelo recente apostolado de São Luís de Montfort, o descontentamento e a inconformidade com 32
tão injusta imposição eram patentes. “Cada um, padres e fiéis, tinha os olhos fixos no padre Pinot, para saber como e em que medida ele resistiria às ordens do governo. Tal era seu renome de virtude e santidade que seu exemplo, em qualquer sentido, teria grande repercussão e arrastaria numerosos imitadores”. 2 Mas naquela manhã de inverno, o pároco de Louroux não parecia ter pressa em pronunciar seu juramento. Demorou-se tanto na sacristia, retirando os paramentos e rezando suas orações após a Comunhão, que o prefeito foi buscá-lo, exigindo-lhe imediata submissão às suas ordens, sob pena de ser demitido de suas funções. Por única resposta, obte ve uma recusa tão firme quanto calma, baseada num irretorquível argumento: nem a lei nem o prefeito poderiam retirar-lhe os poderes que de Deus recebera.
Pároco entregue à sua missão Grande foi a alegria do povo perante essa atitude. Na verdade, ninguém duvidara da integridade do
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padre Pinot, a quem todos conheciam de sobra e ao qual devotavam profunda afeição. Desde sua chegada àquela paróquia, a maior de toda a diocese, ele se entregara à sua missão com o mesmo ardor com o qual cuidara, durante sete anos, da capelania do Hospital dos Incuráveis, em Angers. Infatigável, percorria as distâncias que o separavam das aldeias mais afastadas desdobrando-se em atenções e não poupando esforços. Segundo o testemunho de seus contemporâneos, a virtude na qual mais se distinguia era, sem dúvida, a caridade. “Ele se dava todo a todos, e oferecia aos fiéis e ao clero dos arredores o modelo acabado da perfeição sacerdotal”. 3 Como pároco exemplar, preocupava-se sobremaneira em distribuir os Sacramentos, converter os pecadores, resgatar os extraviados e dar a todos uma sólida formação cristã. No púlpito revelava-se um teólogo seguro; no confessionário, um inigualável diretor de consciências; na catequese, um mestre ameno e atraente.
Virtudes aparentemente opostas
Obrigado a desfilar pelas ruas de Angers de mãos amarradas como um malfeitor, o padre Pinot foi encarcerado na prisão. Poucos dias depois, recebeu a sentença pelos seus “crimes”: deveria permanecer por dois anos a oito léguas de distância de sua paróquia.
Após o tormentoso episódio ocorrido com o prefeito, o padre Pinot decidiu quebrar o silêncio e afirmar de público sua posição. Alguns domingos depois, ante os oficiais municipais e o próprio prefeito, acompanhados por numerosa assembleia, pronun“Convertedor ciou um longo discurso, irresistível expondo as razões pe e incorrigível” las quais rejeitava aquele decreto. Decidiu, então, exerSua voz clara, resolucer o ministério em outa e eloquente ressoou tras cidades do Anjou. no recinto sagrado, afir Angers, Corzé, Beaumando ser seu dever repréau e toda a região de jeitar a Constituição CiMauges se beneficiaram vil do Clero, contrária durante longos meses aos princípios da Igreja de seu apostolado, cujos e cujo juramento o torfrutos não demoraram a naria indigno de seu miexasperar seus adversánistério. Bem conhecia rios. À sua passagem, a ele as tribulações que o vida cristã se incremenO sangue do servo misturar-se-ia ao do Senhor, aguardavam, mas o retava, o fervor crescia e — como as gotas de água que o celebrante mescla ao vinho ceio de perder o cargo, o que lhes parecia pior “Martírio do Beato Nöel Pinot” a liberdade ou mesmo a — muitos sacerdotes juAfresco da Paróquia de Le Louroux-Béconnais (França) própria vida, jamais o faramentados retratavamria capitular. -se e voltavam à comuTodos os presentes, acostuma- prolongar madrugada adentro, veio nhão com a Igreja. dos à habitual bondade e doçura de abrir a porta. Recebeu-os com corteComo crescia cada vez mais a seu pároco, viam agora reluzir ne- sia, deixou-se algemar sem resistência fama desse “convertedor irresisle grande firmeza e intransigência. e foi conduzido a Angers. tível e incorrigível, que por toMaravilhoso equilíbrio, do qual só Impossível não estabelecer um da parte ressuscitava Jesus Cristo as almas santas são capazes, saben- paralelo entre esse incidente e o nas almas”, 4 as autoridades resoldo harmonizar virtudes aparente- sucedido no Horto das Oliveiras, veram dar-lhe caça e lançá-lo num mente opostas, que, no entanto, se quando o Redentor do mundo en- calabouço, na esperança de fazêcomplementam de modo admirável. tregou-Se livremente nas mãos dos -lo calar-se definitivamente. Mas, ímpios. O tardio da hora, o núme- por especial proteção de Deus, ele De mãos amarradas, como ro exorbitante de soldados — ex- sempre conseguia escapar, viajan um malfeitor plicável apenas pelo medo de uma do de aldeia em aldeia e passando Poucos dias depois, cem homens reação popular — e sua insolência de casa em casa sem cessar sua atida Guarda Nacional atravessaram du- recordam as narrativas evangélicas vidade missionária. Uma preocupação, porém, enrante a noite e em silêncio a pequena (cf. Lc 22, 47-54). Mais ainda, a decidade, e cercaram a casa paroquial, terminação nobre e serena da vítima sombrecia-lhe o espírito: os habitantrazendo um mandato de arresto pa- diante dos perseguidores é imitação tes de Louroux estavam privados da ra o cidadão Pinot. Ele mesmo, inter- fiel da sublime atitude do Prisionei- assistência sacramental havia mais rompendo as preces que costumava ro do Getsêmani. de dois anos... Arautos do Evangelho
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Ainda não havia chegado sua hora Em meados de 1793, um acontecimento inesperado veio facilitar a atuação do padre Pinot. As vitór ias do exército da Vendeia em Thouars, Saumur e Angers dei xaram desimpedido o caminho de Louroux para o nosso fiel sacerdote. Sua chegada à antiga paróquia foi um autêntico triunfo: aquela gente simples, mas de fé robusta, recebeu-o ávida de seus ensinamentos, saudosa de suas cerimônias religiosas. Não obstante, pouco durou aquela paz: a derrota do exército vandeano diante de Nantes, em 29 de junho, redundou num recrudescimento do Terror. O virtuoso sacerdote via-se novamente em perigo de vida; todavia, decidido a não deixar seu rebanho, optou por permanecer
clandestinamente no território paroquial. Durante o dia ocultava-se em granjas e moinhos isolados, dividindo as horas entre a oração, a leitura e o sono. E quando as primeiras sombras da noite envolviam os bosques e os campos, saía da reclusão e exercia seu ministério: ouvia Confissões, assistia doentes, batiza va crianças, realizava casamentos. À meia-noite celebrava a Eucaristia num estábulo, num celeiro ou mesmo ao relento, para uma assistência sempre numerosa. Suas movimentações noturnas, embora discretas, despertaram a suspeita dos esbirros da municipalidade. Muitas vezes esteve na iminência de ser apanhado, e em certa ocasião, precisou esconder-se num amontoado de roupas; em outra, deitou-se sob o feno de uma manjedoura; pouco depois, escapou do refúgio no qual se encontrava minutos antes da irrupção de um contingente da Guarda Nacional...
A Divina Providência velava sobre aquele filho dileto, pois ainda não era chegada sua hora; mas ele, convicto de que cedo ou tarde acabaria por cair nas mãos dos perseguidores, alegrava-se na expectativa do martírio.
Traído e humilhado como Cristo Na noite de 9 de fevereiro de 1794, quando se preparava para celebrar a Missa numa casa da aldeia de La Milanderie, ouviram-se fortes golpes na porta. Escondeu-se numa arca de madeira, com todos os ornamentos litúrgicos e o próprio cálice, enquanto a dona da casa foi abrir. Cinquenta homens invadiram a humilde moradia, proferindo ameaças e revistando tudo minuciosamente. Encontraram-no, afinal, e fizeram-no sair, em meio a insultos e zombarias. O Divino Mestre — a quem o padre Pinot tanto procurara imitar — reservava para seu fiel ministro atrozes sofrimentos, dese jando configurá-lo mais a Si. Com efeito, na origem desta detenção
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Angers, Corzé, Beaupréau e toda a região de Mauges se beneficiaram durante longos meses de seu apostolado, cujos frutos não demoraram a exasperar os adversários A cidade de Angers com a Catedral de São Maurício no centro; acima, prefeitura de Le Louroux-Béconnais
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estava um delator outrora soo holocausto derradeiro de sua corrido pelas esmolas do bom vida! O sangue do ser vo mistupároco: tendo divisado seu rar-se-ia ao do Senhor, como as benfeitor no quintal da casa, gotas de água que, no Ofertóapressara-se em denunciá-lo rio, o celebrante mescla ao viàs autoridades, atraído, como nho para se tornarem, com Judas, pela remuneração proeste, uma única bebida de salmetida. vação. O padre Pinot foi conduziSubiu com passo firme, presdo de imediato a Louroux, onsuroso de encontrar-se com de teve lugar uma ignominiosa Deus. Num instante a lâmina cena, reflexo da Paixão de Crisda guilhotina executou sua tareto: juízes e guardas cuspiramfa, interrompendo sua vida ter-lhe no rosto, esbofetearam-no rena e fazendo-o nascer para o e feriram-no a pauladas. Um Céu. Era o dia 21 de fevereiro deles, que também havia sido de 1794. objeto dos favores do caridoso Noël Pinot acabava de render pároco, ouviu da inocente vítio espírito ao Criador. Alma sama estas palavras, qual paternal cerdotal, compenetrada da digconvite e terrível censura: “Innidade de sua missão; alma infeliz; entretanto, não te fiz seteiramente cônscia de ser mero 5 não o bem!”. instrumento nas mãos de Deus, Após breve interrogatório, o desempenhando com humildaOuviu a sentença com paz e acolheu com prisioneiro foi transferido para de seu ministério; alma esquesatisfação a decisão dos carrascos de ser Angers, onde, à espera do julcida de si mesma para só fazer executado com seus paramentos sacerdotais gamento, permaneceu dez dias brilhar seu caráter sagrado; alma de fogo, sempre arrastannum escuro e inóspito cárce“Beato Pinot diante do tribunal que o condenou a morte” do os outros para o bem; alma re, alimentado apenas a pão e Paróquia de Le Louroux-Béconais que soube antepor os direitos da água. Igreja a seus interesses pessoais Perante o tribunal, respondeu às perguntas com segurança e Narra o padre Gruget, testemu- ainda que isso lhe custasse à própria serenidade. Afirmou não ter jurado nha ocular do fato: “O mártir reza- vida! a Constituição porque sua consci- va em profundo recolhimento. Sua Com sua morte, legou à posteência o impedia, e não se haver exi- fisionomia estava calma e em sua ridade um insigne memorial de lado, segundo a exigência das leis, fronte serena resplandecia a alegria heroísmo e santidade, “um noporque devia cuidar da paróquia a dos eleitos. Podia-se, por assim di- bre exemplo de zelo generoso, seele confiada por Jesus Cristo, por zer, acompanhar os cânticos de ação gundo o qual é preciso dar a vimeio de sua Igreja. de graças que brotavam de seu co- da pelas santas e veneráveis Leis” ração”.6 (II Mac 6, 27). ² Em sua fronte resplandecia Junto à guilhotina, antes de pi a alegria dos eleitos sar no primeiro degrau da escaEm consequência, o cidadão da, elevou os olhos e, tomado de 1 Histórica região da França que corresponde, em termos gerais, ao atual deNoël Pinot foi condenado à guilho- sobrenatural entusiasmo, exclapartamento de Maine et Loire. Sua catina. Ouviu a sentença com paz, e mou: “ Introibo ad altare Dei! — E pital era Angers. acolheu com alegria a decisão dos me aproximarei do altar de Deus” 2 SÉGUR, Anatole de. Un admirable marcarrascos de ser executado com seus (Sl 42, 4). tyre sous la Terreur . Paris: Charles Amat, paramentos sacerdotais. Revestido, Com estas palavras iniciava-se a 1904, p.36. 3 pois, de amicto, alva, estola e casu- Missa na antiga Liturgia, e o padre Idem, p.26. la, atravessou a cidade até o local Pinot as pronunciara incontáveis 4 Idem, p.70. onde se erguia o sinistro cadafalso, vezes antes de subir os degraus do 5 Idem, p.124. que logo se tornaria para ele o pórti- altar. Mas agora galgava o patíbulo 6 GRUGET, apud SÉGUR, op. cit., p.155. co da eterna bem-aventurança. para fazer a imolação de si mesmo, Arautos do Evangelho
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Viver de amor Assim como é pura a água saída das entranhas da terra... puro é o amor que, nascido nas profundezas do coração humano, eleva-se a Deus e de lá desce sobre as criaturas. Raphaela Nogueira Thomaz
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uando se ama, a vontade se volta para o ob jeto amado como a um fim que tem por bem. Não existe o agir apenas pelo sabor da ação, e sim para encontrar este fim próximo, o seu próprio bem, ou o
“Em teu ardor fixo minha morada. É no teu fogo que eu canto alegremente: ‘Vivo de Amor’” Santa Teresinha do Menino Jesus aos 16 anos, sendo noviça em Lisieux
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fim último, a bem-aventurança que, nas palavras de São Tomás, é “o bem perfeito e suficiente, [que] exclui todo mal e satisfaz todo desejo”. 1 O homem, então, ou ama a Deus a ponto de esquecer-se de si mesmo, ou ama a si mesmo até olvidar-se de Deus. 2 Como nossa alma está sempre à procura do bem existente nas coisas, para nele repousar, se ela não tiver o Bem infinito por objeto último, acabará por apegar-se às criaturas, as quais, de si, não podem proporcionar-lhe tranquilidade nem satisfazê-la. Há, entretanto, almas generosas que decidem pôr-se ao serviço de Deus consagrando-se inteiramente a Ele. E efetivam sua radical entrega, vivendo num estado de castidade perfeita e perpétua, dentro do qual a pessoa oferece a Deus o holocausto de seu corpo e dos seus afetos naturais, pois “jamais alguém é casto a não ser por amor; e a virgindade não é aceitável nem expansiva senão a serviço do amor”. 3 Personificação arquetípica da virgem consagrada é Santa Teresinha do Menino Jesus, que assim canta num de seus poemas: “Viver de amor é banir todo temor, / Qualquer lembrança das faltas do passado. / Dos meus pecados não vejo nenhum vestígio; / Num instante, o Amor tudo queimou... / Chama divina, oh!, dulcíssima Fornalha! / Em teu ardor
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fixo minha morada / É no teu fogo que eu canto alegremente: ‘Vivo de Amor!’”.4 O amor a Deus não encerra a alma em si mesma, mas a faz arder em desejos de se entregar no serviço ao próximo. Por isso, dizia Santa Teresinha: “Sinto no meu interior outras vocações. Sinto em mim a vocação de guerreiro, de sacerdote, de Apóstolo, de Doutor, de mártir. Enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar por Ti, Jesus, todas as obras, as mais heroicas...”. 5 Assim como é pura a água saída das entranhas da terra, puro é o amor que, nascido nas profundezas do coração humano, eleva-se a Deus e de lá desce sobre as criaturas, como um límpido e cristalino regato se lança do alto da montanha. ² SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teo lógica. I-II, q.5, a.3. 2 Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XIV, c.28. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVII, p.985. 3 ROYO MARÍN, OP, Antonio. La vida Re ligiosa. 2.ed. Madrid: BAC, 1965, p.298. 4 SANTA TERESA DE LISIEUX. Viver de Amor. Poesia 17, v.6. In: Obras Completas. São Paulo: Paulus, 2002, p.547. 5 SANTA TERESA DE LISIEUX. Manuscrito B. Todas as obras, as mais heroicas. In: Obras Completas , op. cit., p.171. 1
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PALAVRA DOS P ASTORES
Servidores da Palavra de Deus Os diáconos devem ser homens de oração, e somente assim poderão estar repletos do Espírito Santo e da Sabedoria. Dom Sérgio Aparecido Colombo Bispo de Bragança Paulista
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s diáconos são servidores da palavra de Deus, não somente na proclamação do Evangelho, na Liturgia, mas também pregando e anunciando a palavra com ardor, no seu agir quotidiano. Receberão os Evangelhos com o compromisso de testemunhar aquilo que pregam, por mais desafiadora que se ja sua missão. Devem ser homens de oração, e somente assim poderão estar repletos do Espírito Santo e da Sabedoria, como lemos no episódio da escolha dos diáconos, relatado nos Atos dos Apóstolos (cf. At 6, 1-6).
A oração é dialogo entre Deus e sua criatura predileta, que somos nós. É como que uma religação do humano com o divino. É comunicação amorosa com Deus, como nos disse o Papa emérito Bento XVI. A oração, com o jejum e as obras de misericórdia, formam a estrutura que rege nossa vida espiritual. O cuidado com a vida espiritual e a prática da misericórdia devem ser preocupações constantes na vida do diácono, resultado do dobrar todos os dias os joelhos diante do Santíssimo Sacramento. Que na oração, meus irmãos, vocês façam a experiência do quanto é bom deixar-se amar por Deus.
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Quando oramos, estamos de algum modo solidários com os nossos irmãos que, pelo mundo afora, experimentam o sofrimento, a dor Um aspecto da cerimônia de ordenação de novos diáconos Arautos do Evangelho, presidida por Dom Sérgio Aparecido Colombo em 10/12/2013
Os candidatos afirmarão ainda o propósito de rezarem a Liturgia das Horas, entrando assim em comunhão com a oração da Igreja no mundo inteiro. O Saltério contempla a pessoa, a comunidade que reza em situações diversas: na súplica, na angústia, no louvor, na gratidão, na vitória sobre os inimigos — como lembra o Salmista, quando Deus os passa ao fio da espada, dando-nos a impressão de um Deus vingativo. Na verdade, os Salmos nos ajudam a perceber a presença de Deus em qualquer situação de nossa vida. Nosso Deus é o Deus-Justiça que ontem, hoje e sempre defende os seus eleitos. Quando oramos, estamos de algum modo solidários com os nossos irmãos que, pelo mundo afora, experimentam o sofrimento, a dor, a perseguição e até a morte. Na recitação dos Salmos encontramos o modo de como superar hoje nossos principais inimigos: o egoísmo, o individualismo, o orgulho, a in veja, males que precisam ser passados ao fio da espada pelo amor de Deus. ² Excerto da homilia na Cerimônia de Ordenação de novos diáconos, Arautos do Evangelho, Basílica Nossa Senhora do Rosário, Caieiras, 10/12/2013
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PALAVRA DOS P ASTORES
Mestres, ministros e pastores Para ser de fato voz da Palavra, o sacerdote necessita deixar que, à semelhança de Nossa Senhora no “Magnificat”, a Palavra exerça o seu primado em sua vida.
Dom Benedito Beni dos Santos Bispo emérito de Lorena
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o pequeno trecho da Carta aos Gálatas proclamado na segunda leitura desta Missa, São Paulo registra a promessa de Deus de enviar ao mundo o Redentor. Escreve ele: “Quando chegou a plenitude dos tempos” — ou seja, o momento mais importante da história da Salvação — “Deus enviou o seu Filho ao mundo, o qual nasceu de uma mulher” (Gal 4, 4). Essa mulher é Nossa Senhora. Portanto, Ela é a mulher da plenitude dos tempos, do momento mais importante da história da Salvação.
A pressa de quem tem um grande segredo guardado no coração O Concílio Ecumênico Vaticano II afirma, no capítulo VIII da Lumen gentium , que a Virgem Maria é a excelsa Mãe do Divino Redentor. E como Mãe do Redentor, desempenha um papel único na história da Salvação, sobretudo na economia da graça, na dispensação da graça, cuja fonte é Cristo. E o Evangelho da Anunciação mostra justamente esse papel de Nossa Senhora. Quis Deus servir-Se do seu consentimento, do seu 38
“sim”, para que viesse ao mundo o Redentor, seu Filho. E como narra São Lucas no Evangelho há pouco aqui proclamado, logo após a Anunciação, Nossa Senhora partiu apressada em direção à casa de Zacarias e Isabel, que neste trecho evangélico simboliza todo o povo de Israel. Partiu apressada. Não se trata de uma pressa qualquer. Não é a pressa do peregrino ou do turista, mas a de alguém que tem um grande segredo guardado no coração, uma boa nova que não consegue guardar só para si, sente necessidade de anunciá-la aos outros. E foi justamente neste sentido que Isabel interpretou a visita de Nossa Senhora. Logo que esta colocou os pés na porta da sua casa, Isabel deu um grande grito, como relata o Evangelho. Exclamou perplexa: “Como é possível que a Mãe do meu Senhor me venha visitar?”. Mãe do meu Senhor significa Mãe do meu Deus.
Missão de Maria: conduzir as almas a seu Divino Filho Portanto, foi Isabel, inspirada pelo Espírito Santo, a primeira a proclamar Nossa Senhora Theotókos, Mãe de Deus. E a resposta da Vir-
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gem à exclamação de Isabel foi o seu Magnificat, no qual proclama que só Deus é grande, e Ela é a sua serva. Mas logo acrescenta: “O Todo-Poderoso realizou maravilhas em Mim”. Irmãos e irmãs, todas as maravilhas realizadas por Deus em Nossa Senhora — sua Conceição imaculada, o carisma da Virgindade, pelo qual Ela colocou todo o seu ser feminino a serviço do projeto salvífico de Deus, sua maternidade Divina, sua Assunção — todas essas maravilhas, Ele as realizou em nosso favor, para a nossa salvação. Mas podemos dizer que Deus não apenas realizou maravilhas em sua Mãe Santíssima: para nosso pro veito e nossa salvação, Ele continua a operar n’Ela maravilhas ao longo da História. Exemplo disso são as diversas aparições de Nossa Senhora. Estamos celebrando hoje a festa de Nossa Senhora de Guadalupe, que no México apareceu ao índio Juan Diego. Em todas as suas aparições, a Santíssima Virgem vem para repetir as palavras ditas por Ela nas Bodas de Caná: “Fazei tudo o que Jesus vos disser”. A missão de Nossa Senhora, no Evangelho e em
do (cf. Jo 17, 11-18). Estar no mundo sem ser do mundo significa estar presente no mundo, mas sem assimilar o espírito do mundo: o secularismo, o consumismo, o hedonismo, a procura pelos primeiros lugares. Estar no mundo sem ser do mundo significa dar testemunho de uma vida que transcende esta nossa vida presente, a vida eterna. Quando a Igreja se esquece de anunciar as verdaQuem evangeliza é Cristo, nós somos apenas vozes, sons através des escatológicas, sobretudos quais chega às pessoas a Palavra do a vida eterna, ela perde Dom Benedito Beni dos Santos (ajoelhado) durante a Cerimônia de Ordenação Presbiteral a sua identidade. Quando por ele presidida; em primeiro plano, Mons. João Scognamiglio Clá Dias o sacerdote se esquece de todas as suas aparições, é somen- todas as coisas. Pela sua Palavra, Ele anunciar as verdades escatológicas, te esta: conduzir as pessoas ao seu leva à conversão, conduz à salvação. sobretudo a vida eterna, também ele Divino Filho, fazer com que todos Santo Agostinho mostra outro aspec- perde a sua identidade. se tornem discípulos e discípulas de to da natureza da Palavra de Deus. Estar no mundo sem ser do munJesus. Por isso mesmo, esta festa de Ao comentar a expressão de João do significa também ser irmão. O Nossa Senhora de Guadalupe enche Batista: “Eu sou a voz que clama no autor da Carta aos Hebreus se refenossos corações de alegria, de espe- deserto”, afirma: “João Batista não re ao maior título que o Cristo, Suera a Palavra, ele era a voz da Pala- mo Sacerdote, possui: Filho de Deus rança, de gratidão a Deus. vra”. E conclui dizendo que vozes da e nosso irmão. Portanto, prezados A primeira tarefa do sacerdote Palavra foram os profetas, os Após- ordenandos, a fraternidade, ser ir é anunciar a Palavra tolos; todos aqueles que pregam são mão, pertence à identidade do saMas nesta manhã, irmãos e ir- vozes da Palavra. Aqui está um ensi- cerdote. Aliás, o nosso povo vê no mãs, temos outro motivo de alegria: namento importante para nós: quem sacerdote antes de tudo um irmão, estão sendo ordenados presbíteros evangeliza é Cristo, nós somos ape- aquele que tem capacidade e pacidoze diáconos Arautos do Evange- nas vozes, sons através dos quais che- ência para ouvi-lo, aquele que conlho, que serão colocados imediata- ga às pessoas a Palavra que é Cristo. sola, que perdoa os seus pecados. mente a serviço da Igreja, Povo de Entretanto, para ser de fato voz Vamos, pois, pedir a Nossa SenhoDeus. [...] da Palavra, o sacerdote necessita ser ra de Guadalupe, Padroeira principal A primeira tarefa do sacerdote é antes de tudo servo da Palavra, dei- da América Latina, nossa Mãe, que anunciar a Boa-Nova, a Palavra de xar que a Palavra modele a sua vi- Ela interceda junto ao seu Filho para Deus. Mas para que alguém possa da. À semelhança de Nossa Senhora que os novos sacerdotes sejam semanunciá-la de modo adequado é ne- no Magnificat, deixar que a Palavra pre fiéis à missão que nesta manhã lhes vai conferir a Igreja: mestres da cessário tomar consciência da natu- exerça o seu primado em sua vida. Palavra, ministros dos Sacramentos, reza dessa Palavra. Na Sagrada Es Estar no mundo sem ser do mundo pastores da comunidade cristã. ² critura, Palavra de Deus é chamada de (dabar), vocábulo da língua O sacerdote desempenha sua mishebraica que significa palavra-ação. são no mundo. Por isso mesmo, no dia Excertos da homilia na Cerimônia Deus age de muitos modos, di- da ordenação sacerdotal, é sempre de Ordenação de novos presbíteros, versos dos quais são misteriosos pa- preciso recordar as palavras de Cris Arautos do Evangelho, Basílica ra nós, mas age sobretudo através da to aos Apóstolos, na Última Ceia: es Nossa Senhora do Rosário, sua Palavra. Pela palavra Ele criou tar no mundo, mas sem ser do munCaieiras, 12/12/2013
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que o Catecismo vai atuar como forma da família dialogar e conhecer os ensinamentos da Igreja”.
Arquidiocese de Natal quer que haja um Catecismo em cada lar Durante a Missa de encerramento da festa de Nossa Senhora da Apresentação, a arquidiocese de Natal lançou uma interessante iniciativa intitulada Um Catecismo em cada lar . O anúncio foi feito nestes termos pelo Arcebispo, Dom Jaime Vieira Rocha, Arcebispo de Natal: “Com alegria e satisfação, apresento a todos o Catecismo da Igreja Católica, edição especial da Arquidiocese de Natal, em parceria com as Edições CNBB. Esta edição do Catecismo quer marcar entre nós, o encerramento do Ano da Fé, instituído pelo Papa Emérito Bento XVI, para comemorar o 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II e o 20º da publicação do Catecismo”. É intenção da Arquidiocese empregar o Catecismo como meio de formação permanente para os agentes pastorais, fiéis e das famílias. “Nada mais gratificante e renovador para a vida de fé do nosso povo”, acrescentou Dom Jaime, “do que as ações concretas e sistemáticas de formação permanente, possibilitando aos nossos agentes de pastorais uma formação específica sobre a Palavra de Deus”. Por sua vez, o Pe. João Nascimento, coordenador arquidiocesano da campanha, comentou sobre os 25 mil exemplares que começaram a ser distribuídos em cada paróquia da arquidiocese a partir do dia 20 de dezembro: “É importante destacar 40
Raphaël I Sako através de uma carta enviada ao Primeiro Ministro Nouri al-Maliki, na qual se solicitava que o Natal do Senhor fosse oficialmente s w festejado como “um dia de festa pa e N a ra todos os iraquianos”. i s A Com esta resolução o governo reconhece o valor e a importância da comunidade católica, que durante séculos tem contribuído para o desen volvimento do país. A decisão foi tomada pelo Conselho de Ministros no dia 22 de dezembro, determinando Concerto beneficente em Jacarta também a instalação de enfeites na A Associação Pukat Kaj, que talinos em diversos pontos da cidade congrega empresários católicos da “mostrando o respeito pela presen Arquidiocese de Jacarta, organizou ça” da comunidade cristã. Já no iníno mês de dezembro, na capital da cio de dezembro, em reconhecimento Indonésia, um concerto destinado a pelos trabalhos da comunidade catóarrecadar meios para projetos edu- lica, o governo de Bagdá tinha mancativos e de ajuda aos mais neces- dado erguer uma árvore de Natal de sitados. O programa esteve a cargo cinco metros na margem oriental do da Jacarta Concert Orchestra, os Ba- rio Tigre, no bairro Karrada. tavia Madrigal Singers e o Resonanz Quase a metade do milhão de Children Choir . Cabe destacar a pre- fiéis que seguem o rito caldeu no sença entre o público do Núncio mundo se encontra no Iraque. Os Apostólico, Dom Antonio Guido Fi- católicos representam cerca de 3% lipazzi, e os embaixadores da Suíça, dos habitantes do país. Dinamarca, Líbano e Rússia. Por ocasião do evento, o presidente do Pukat Kaj, Alex Paul Budiman Soerjadi, explicou: “Como empresários católicos estamos moral e espiritualmente obrigados a fazer o bem aos outros”. E outro dos membros da associação acrescentou que “dar dinheiro e ir embora” não era a Hungria inaugura “forma de trabalhar” da instituição, exposição permanente sobre mas sim a criação de “programas o Cardeal Mindszenty sustentáveis com objetivos claros”. Dom András Veres, Bispo de Os aproximadamente 7 milhões Szombathely, Hungria, inaugurou de católicos da Indonésia represen- em Csehimindszent, cidade natal de tam 3% da população. Dom József Mindszenty, uma exposição permanente sobre o célebre Iraque declara feriado Cardeal falecido em 1975, no exílio, o dia de Natal em Viena. O evento coincidiu com À proposta do Patriarcado da Ba- o 65º aniversário do seu aprisionabilônia dos Caldeus, o governo de mento pelo governo comunista em Iraque declarou o dia 25 de dezem- 26 de dezembro de 1948. bro feriado nacional para todos os Participou no evento o Ministro habitantes do país. Atendeu assim de Recursos Humanos do País, Zolo pedido feito pelo Patriarca Louis tán Balog, que salientou a importân-
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Dom Orani, novo Cardeal Brasileiro
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o Domingo 12 de janeiro, após a oração do Angelus na Praça São Pedro, o Papa Francisco anunciou a elevação ao cardinalato de 19 Arcebispos e Bispos, entre os quais Dom Orani Tempesta, OCist, Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro. O Consistório Ordinário Público para a criação dos novos Cardeais terá lugar no dia 22 de fevereiro. Nele, além do prelado brasileiro, receberão o capelo: Dom Pietro Parolin, Secretário de Estado; Dom Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos e Núncio Apostólico Emérito no Brasil; Dom Gerhard Ludwig Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé; Dom Beniamino Stella, Prefeito da Congregação para o Clero; Dom Vincent Gerard Nichols, Arcebispo de Westminster; Dom Leopoldo José Brenes Solórzano, Arcebispo de Manágua; Dom Gérald Cyprien Lacroix, Arcebispo de Quebec; Dom Jean-Pierre Kutwa, Arcebispo de Abidjan; Dom Gualtiero Bassetti, Arcebispo de Perugia-Città della Pieve; Dom Mario Aurelio Poli, Arcebispo de Buenos Aires; Dom Andrew Yeom Soo-jung, Arcebispo de Seul; Dom Ricardo Ezzati Andrello, SDB, Arcebispo de Santiago do Chile; Dom Philippe Nakellentuba Ouédraogo, Arcebispo de Ouagadougou; Dom Orlando B. Quevedo, OMI, Arcebispo de Cotabato; Dom Chibly Langlois, Bispo de Les Cayes; e os Arcebispos Eméritos Dom Loris Francesco Capovilla, Dom Fernando Sebastián Aguilar e Dom Kelvin Edward Felix. Em entrevista à rede Globo, Dom Orani externou sua surpresa pelo anúncio: “Realmente eu não sabia
cia do prelado na vida do País e para a Europa Cristã da época. Durante a homenagem foi lembrada a abertura do processo de beatificação em 1993, com a entrega de uma positio de 4 mil páginas à Congregação para as Causas dos Santos. Desde 1991 os restos mortais do Cardeal Mindszenty repousam na Sé Primaz de Esztergom.
Obras de arte florentinas são expostas em Bonn Desde o dia 22 de novembro, a cidade alemã de Bonn é palco de uma
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Dom Orani Tempesta com o Papa Francisco no início da Vigília de Oração de 27/7/2013
de nada, o Papa não avisou com antecedência. Foi uma emoção muito grande e uma grande responsabilidade”. Nascido em São José de Rio Pardo (SP) em 1950, Dom Orani João Tempesta ingressou em 20 de janeiro de 1968, no Mosteiro de Nossa Senhora de São Bernardo da sua cidade natal e quatro anos depois fez sua profissão solene na Ordem Cisterciense. Em fevereiro de 1997 o Papa João Paulo II o nomeou Bispo de São José do Rio Preto e em janeiro de 2004, confiou-lhe a Arquidiocese de Belém do Pará. Desde 27 de fevereiro de 2009 é Arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro.
exposição que apresenta algumas das melhores obras de arte produzidas em Florença ao longo de 700 anos, várias das quais jamais tinham saído da Itália. No evento, que terminará no dia 9 de março, podem-se contemplar pinturas, esculturas, desenhos, tecidos e textos antigos. Entre os ob jetos expostos encontram-se esculturas ou pinturas representando Nossa Senhora ou São João Batista, padroeiro da república toscana. Dá-se também especial destaque à construção da Catedral de Santa
Maria das Flores e sua famosa cúpula, obra de Filippo Brunelleschi. Além de admirar as valiosas peças históricas expostas em ordem cronológica, os visitantes podem percorrer virtualmente a cidade em cinco épocas distintas ou assistir ao filme Florença, a cidade de pedra que põe em realce os trabalhos de artistas como Dante Alighieri, Giotto, Fra Angelico, Leonardo da Vinci, Petrarca e Boccaccio. Annamaria Giusti, historiadora de arte e uma das curadoras da exposição explica que “Florença já Arautos do Evangelho
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Manuscritos bíblicos disponíveis na internet
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idade do Vaticano (VIS) — A Biblioteca Apostólica Vaticana (BAV) e a Bodleian Libraries da Universidade de Oxford uniram esforços para digitalizar e pôr à disposição na internet algumas das Bíblias mais importantes e singulares do mundo, junto com textos bíblicos de suas coleções. Desde 3 de dezembro do ano passado, eles estão disponíveis em http://bav.bodleian.ox.ac.uk . Essa iniciativa é o primeiro passo de um projeto de colaboração quadrienal entre as duas instituições, o qual prevê a difusão de conteúdos digitais na mencionada página web. Um comitê de acadêmicos e peritos de todo o mundo selecionou para a digitalização uma parte da coleção de manuscritos em hebreu e grego e incunábulos da Bodleian e da Biblioteca Vaticana. O processo de seleção tomou em conta tanto as exigências de estudo como as necessidades práticas. Por isso, os restauradores das respectivas bibliotecas colaboraram para estabelecer não apenas o valor dos conteúdos, mas também o estado de conservação das obras. Embora tanto a Biblioteca Apostólica Vaticana quanto a Bodleian venham há vários anos reproduzindo digitalmente parte de suas coleções, este projeto lhes proporciona a oportunidade de aumentar a escala e a capacidade numérica dos volumes digitalizados, tomando sempre muito cuidado para não expor as obras a eventuais danos, devido à sua antiguidade que repercute em seu delicado estado de conservação. A página web, recentemente inaugurada, oferece imagens em alta resolução, que permitem o estudo detalhado e a análise científica. Conta ela também com uma série de apresentações em vídeo e dissertações a cargo de peritos interessados no projeto, como o Arcebispo Jean-Louis Bruguès, Arquivista e Bibliotecário da Santa Igreja Romana, e o Arcebispo de Cantuária e Primaz da Igreja Anglicana, Justin Welby. Completa a página web um blog com artigos em inglês e italiano, sobre a conservação, as técnicas de digitalização e os métodos usados na execução do projeto. Alguns dos fac-símiles disponibilizados no site: duas páginas pertencentes a uma Bíblia de 1470 e ilustração tirada de um códice grego do século X
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era rica no século XII. O mais tardar a partir do século XIII, o comércio passa a florescer” e “para os habitantes, as artes estavam acima de tudo. Não importava quanto custasse: a beleza tinha prioridade”. Isto se vê de modo preponderante na construção de belíssimos mosteiros e igrejas. Dai que o Bundeskunsthal le, museu que acolhe a exposição, tenha dado a ela um nome simples, mas que é ao mesmo tempo uma exclamação de admiração: Florenz! — Florência!
Pautas para o diálogo intercultural na escola católica O Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica, apresentou em conferência de imprensa no Vaticano o documento Educar para o diálogo intercultural na escola católica — Viver juntos para uma civi lização do amor . Nele, a Congregação analisa a tarefa evangelizadora da Igreja no meio escolar, campo de proporções imensas e dá pautas para o ingente trabalho a ser realizado. Segundo o Anuário estatístico da Igreja existem no mundo mais de um bilhão de crianças em idade escolar e cerca de 58 milhões de professores. O número de escolas católicas aumentou em apenas três anos, de 2008 a 2011, em mais de 6 mil, atingindo um total de 209.670. Os alunos de escolas católicas somam 57.617.936 em todo o mundo. O texto, explicou o Cardeal, parte da base de que “hoje, o relevante fenômeno das migrações globalizou a realidade do multiculturalismo e da multireligiosidade, com a consequente necessidade de uma adequada educação intercultural. Em tal contexto, a escola católica é chamada a fornecer às jovens gerações os elementos necessários para desen volver uma visão intercultural do vi ver juntos”.
Nessa conjuntura, é preciso dirigir-se sobretudo “aos progenitores, primeiros e naturais responsá veis pela educação dos filhos, assim como aos organismos que representam a família na escola; aos dirigentes, aos docentes e aos funcionários das escolas católicas”. O objetivo, explicou o Cardeal, “é a construção de uma civilização do amor. A civilização do amor para os cristãos não é uma vaga solidariedade, mas exprime a caridade de Cristo”. O documento faz parte da preparação à celebração do 50º aniversário da declaração conciliar Gra vissimum educationis, assinada pelo Papa Paulo VI em 28 de outubro de 1965. Intervieram também na apresentação Dom Angelo Vincenzo Zani, secretário da Congregação, e o Professor Italo Fiorin, especialista em didática e pedagogia.
deste movimento e ressaltou os surpreendentes resultados por elas obtidos: nas suas seis décadas de história, os meninos arrecadaram perto de 350 milhões de euros para apoiar mais de 10 mil projetos de ajuda em países de todo o mundo, sobretudo na Ásia, África e América Latina. Nas suas palavras de agradecimento, o Bispo disse aos cantores: “Nós, na Áustria, nos sentiremos sempre bem enquanto ajudemos a que outras pessoas também se sintam bem”. Os Sternsinger são crianças que, vestidas de “Reis Magos” e levando uma estrela de Belém, percorrem as casas das aldeias e das cidades da Áustria e de outros países. Nestas visitas eles entoam canções natalinas e recitam alguma oração em louvor do Menino Jesus. Em seguida dão a “bênção” dos Reis Magos e pedem uma ajuda para os mais necessitados. Em meados do século
n o i t k a s g i n o k i e r D / l h o S a s e r e h T
Cantores da estrela ajudam a financiar 10 mil projetos No dia 13 de dezembro, Dom Stephan Turnovszky, o Bispo Au xiliar de Viena e responsável pela pastoral juvenil, comemorou o 60º aniversário do movimento dos Sternsinger (cantores da estrela) com uma cerimônia realizada no Weltmuseum, na qual também este ve presente o Núncio Apostólico na Áustria, Dom Peter Zurbriggen. Durante o evento Dom Stephan elogiou o trabalho das 85 mil crianças de todo o país que fazem parte
Santo Sudário será exposto em homenagem a São João Bosco
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Arcebispo de Turim, Dom Ce- tado, Dom Nosiglia declarou ter resare Nosiglia anunciou no dia cebido “o comunicado da anuência 4 de dezembro a exposição extra- do Santo Padre para tal ostensão ordinária do Santo Sudário de Tu- pública, na área das celebrações perim que acontecerá em 2015, ano lo II Centenário de Nascimento de em que se celebra o bicentenário do São João Bosco, pai e mestre dos jonascimento de São João Bosco. A vens, cujo fecundo carisma continua preciosa relíquia que envolveu Nos- hoje mais atual e vital do que nunca, so Senhor morto no sepulcro se- também nas obras por ele iniciadas rá exposta à veneração dos fiéis por e no serviço que os seus Filhos e Fium período de 45 dias, entre a Pás- lhas, das Congregações salesianas, realizam em favor da Igreja univercoa de 2015 e 16 de agosto. A Arquidiocese deseja homena- sal”. gear assim a São João Bosco, talO Santo Sudário é exposto ape vez o mais ilustre santo da diocese, nas em grandes datas da Igreja e que teve a cidade como principal Universal ou da Igreja local de Tumarco de seu prodigioso apostola- rim. As últimas exposições ocorredo. Consultada a Secretaria de Es- ram nos anos de 1998, 2000 e 2010.
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XX a igreja austríaca passou a dar um destino caritativo ao dinheiro assim arrecadado, transformando esta tradição imemorial numa obra em favor dos desvalidos.
Quatro milhões de paraguaios veneram Nossa Senhora de Caacupé No dia 8 de dezembro, o povo paraguaio acorreu em peso à Basílica de Caacupé, situada a cerca de 50 km de Assunção, para celebrar a festa de sua Padroeira, Nossa Senhora dos Milagres, também conhecida como Virgem Azul por causa do manto que a cobre. Como é tradição, os peregrinos acorreram de todos os cantos do País, tendo a maioria deles caminhado a pé, pelo menos alguns quilômetros, antes de chegar ao Santuário como forma de implorar ou agradecer graças recebidas. Muitos dos peregrinos iniciaram o percurso vários dias antes da festa, de tal forma que em todas as estradas que levam a Caacupé era possível ver um fluxo contínuo de pessoas de todas as idades, inclusive mães ou pais de família levando seus bebês ao colo. Fontes da prefeitura afirmam que a afluência deste ano — mais de 4 milhões de peregrinos — superou a dos anteriores. Considerando que o
Paraguai tem pouco mais de 6,5 milhões de habitantes, essa cifra significa que mais da metade do país visitou sua Padroeira durante a novena. Apenas no dia da festa, calcula-se que foram perto de 2,5 milhões os fiéis que frequentaram a Basílica. Da Missa presidida por Dom Claudio Giménez, Bispo de Caacupé e Presidente da Conferência de Bispos do Paraguai, participaram quase 600 mil fiéis, entre os quais o Presidente da República, Horacio Cartes, e vários dos seus ministros. O Núncio Apostólico no Paraguai, Dom Eliseo Ariotti, que concelebrou a Eucaristia junto a Dom Claudio, manifestou sua admiração diante da enorme quantidade de pessoas presentes.
“L’Osservatore Romano” renova sua apresentação na internet Diário oficioso do Vaticano fundado em 1 de julho de 1861, L’Osservatore Romano, renovou
recentemente a configuração de sua página web ( www.osservatoreromano.va) a fim de melhor aproveitar as possibilidades dessa forma de comunicação. A nova apresentação online facilita a leitura ao mesmo tempo em que apresenta um maior número de notícias, imagens e seções, que podem ser livremente consultadas sem necessidade de se registrar. O novo desenho, aplicado no dia 17 de dezembro do ano passado, é fruto de estudos realizados pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais em colaboração com a agência de comunicação espanhola 101 e o Ufficio internet da Santa Sé. Além da edição impressa diária em italiano, L’Osservatore Roma no conta com uma versão mensal em polonês, e edições semanais em português, espanhol, inglês, francês e italiano. A página web é atualizada no mesmo momento em que o diário está sendo impresso pela Tipografia Vaticana. Piero Di Domenicantonio, Chefe de Redação, explicou que “o novo site representa uma virada na difusão do jornal” e o entrelaçamento do site com o mundo das redes sociais, pois cada página poderá ser facilmente reenviada por Twitter e Facebook.
A POSTOLADO DO ORATÓRIO AINHA DOS CORAÇÕES M ARIA R S EJA TAMBÉM UM COORDENADOR DO O RATÓRIO DO I MACULADO C ORAÇÃO DE M ARIA! ENTRE EM CONTATO CONOSCO: TEL.: (11) 2971-9060 R UA FRANCISCA JÚLIA , 182 - CEP 02403-010 - S ÃO P AULO-SP E-MAIL:
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UMA DAS MAIS ANTIGAS REPRESENTAÇÕES DE CRISTO SOFREDOR
Histórico crucixo franciscano retorna à Basílica de Santa Cruz
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o dia 16 de dezembro voltou a ser exposto à veneração dos fiéis na Basílica de Santa Cruz, em Florença, o célebre Crucifixo de Cimabue, um dos primeiros exemplos da iconografia franciscana do Cristo Sofredor. Ele foi gravemente danificado pela enchente do rio Arno em 1966, e após a restauração passou a ser conservado no museu do convento. Depois de ser instalado na sacristia da igreja, o Crucifixo foi abençoado pelo Arcebispo, Cardeal Dom Giuseppe Betori, que afirmou: “As obras de arte devem voltar a desenvolver a sua função principal, que neste caso é a da adoração do sinal da Redenção”. Do seu lado Stefania Fuscagni — presidente de l’Opera di Santa Croce, responsável pela administração e manutenção da Basílica — assim manifestou sua satisfação à Rádio Vaticana: “É um regresso a uma sacralização, ou melhor dito, uma reconsagração de uma obra que volta do museu e reentra na igreja. Foi belíssimo ver este rosto to-
do coberto entrar pela entrada principal da Santa Cruz, para logo depois ser colocado no local onde o visitante pode respirar a sacralidade do Crucifi xo”. E acrescentou: “Este foi o primeiro Crucifixo a interpretar em termos artísticos o espírito de São Francisco, dos estigmas... Sem o espírito religioso, aquela obra de arte não teria sido feita. Isto é o que nós queremos comunicar”. São Francisco, que pregava a pobreza, não poupava meios para louvar a Deus, e como consequência entre as mais fastuosas igrejas da Cristandade não raro é encontrar templos franciscanos. Assim a ordem procurou desde os primórdios os artistas mais conceituados para a realização de obras sacras. Giovanni Cenni di Pietro, mais conhecido como Cimabue, o autor do Crucifixo agora reinstaurado foi um dos artistas sacros mais importantes do século XIII. Também Giotto, descoberto por Cimabue, fez maravilhas para a ordem do Poverello .
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t e c j o r P k r c o Y h e T
À esquerda, Basílica da Santa Cruz, uma das primeiras igrejas construídas pela ordem franciscana; acima o Cristo de Cimabue, fotografado antes de 1966
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HISTÓRIA PARA CRIANÇAS ... OU ADULTOS CHEIOS DE FÉ?
A oferta mais agradável a Jesus e Maria Inês saiu de casa bem cedo, com seu ramalhete de rosas. Tinha já percorrido um bom trecho de estrada, quando ouviu passos atrás de si... Irmã María Carolina Vindas Morales, EP
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frio ainda estava pene- festa, a alegria da meninada torna- colate ou de doce, fazer os deveres trante e a neve não cessa- va-se mais intensa. Ao mesmo tem- da escola sem resmungar ou levan va de cair naquele fim de po, suas listas iam engrossando com tar-se cedinho de um salto só, apeinverno europeu, mais ri- as mortificações que faziam, e que sar de tiritarem de frio e os cobergoroso que de costume. No entanto, para elas constituíam verdadeiros tores quentinhos convidarem a um a severidade do clima não impedia a holocaustos, como privar-se de cho- pouquinho mais de sono... pequena Inês de sair de sua Para Inês, o percurso até casa, situada na encosta de a igreja era um sacrifício a uma íngreme montanha, pamais, pois, enquanto as oura ir assistir à Missa na altras crianças viviam a pouca deia vizinha. Era o dia 3 de distância do templo, para descer a montanha e chegar fevereiro, quando todas as à aldeia ela se via obrigada crianças da região recebiam a percorrer um caminho eslindos papéis dourados, oncarpado e pedregoso, code anotavam os pequenos berto de neve, sob o vento sacrifícios que ofereciam a Nossa Senhora de Lourdes, inclemente. Cheia de ferdurante sua novena. vor, porém, a menina nem Nesses dias, todos se emsequer se dava conta do espenhavam em participar da forço que aquilo significaSanta Eucaristia, e quanto va, e nem o considerava co“Como podem ter aparecido estas rosas em pleno inverno?”, disse consigo mesma mais se aproximava o dia da mo algo de valor, próprio 46
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a ser oferecido a Jesus e a Maria, e digno de constar em seu papel dourado. Ao contrário, ficava desolada porque seus pais não lhe permitiam fazer todos os sacrifícios que deseja va, e achava que sua lista não estava suficientemente cheia. Chegada a vigília da festa, Inês saiu da igreja um pouco preocupada, pois já estava bem escuro. Os últimos raios do Sol se haviam ocultado atrás das montanhas, enquanto ela conversava animadamente com as companheiras sobre a cartinha que seria posta junto à imagem de Nossa Senhora de Lourdes, no dia seguinte, acompanhando suas listinhas de sacrifícios e penitências. À luz do pequeno lampadário que levava suspenso a uma vara, empreendeu com decisão o trajeto de volta, e a certa altura do caminho notou, com estupefação, que este se achava salpicado de belas rosas frescas e perfumadas. — Como podem ter aparecido estas flores, em pleno inverno? — disse consigo mesma — Quem as terá deixado aqui? Bom... Não importa! Vou recolhê-las e oferecê-las amanhã, quando for à Missa, a Jesus e à sua Mãe Santíssima! Ao amanhecer, ela saiu de casa com seu ramalhete de rosas. Tinha já percorrido um bom trecho da estrada, quando ouviu passos atrás de si. Voltou-se para ver quem a seguia e viu, então, um jovem de aparência celestial, de luzidio e magnífico semblante, vestindo uma túnica lilás bordada de prata e com asas de di versas tonalidades. Era seu Anjo da Guarda. Em sua mão esquerda portava uma cesta de rosas, as quais ia espalhando ao longo do caminho, justamente nas pegadas que a menina deixava sobre a neve. Na mão direita segurava outra cesta, com flores de uma beleza incomparável e de variadíssimas cores. Cheia de mara vilhamento, ela não se atreveu a bal-
c r e l c t i t e P h t i d E
“Inês, minha protegida, eu recolhi nesta cesta todos os passos que destes enfrentando os rigores da neve e do frio”
buciar uma palavra sequer. Contudo, o Anjo lhe disse: — Inês, minha protegida, eu recolhi nesta cesta todos os passos que destes enfrentando os rigores da neve e do frio, vencendo o cansaço para chegar à igreja e participar da Santa Missa! Cada um deles está representado por uma destas rosas. Eu as entrego a ti, a fim de que as ofertes a Nossa Senhora neste dia de sua festa! — Ó meu Santo Anjo, eu não sabia que algo tão pequeno poderia agradar a Jesus e a Maria! Mas... e esta outra cesta tão linda, cujas flores são superiores a todas as que cobrem os campos na primavera?! — Elas simbolizam os méritos que Deus te concedeu por teres comparecido à Santa Missa e
comungado todos os dias. Inês, por mais que tenhas oferecido mortificações durante a novena que ontem terminou, nada pode se comparar à assistência devota e fervorosa ao Santo Sacrifício do Altar! E depois de entregar-lhe as duas cestas, o Anjo desapareceu num raio de luz. A pequena correu, então, para a igreja levando aquele precioso presente e participou da Missa com uma devoção como nunca tivera na vida. E com as amiguinhas depositou aos pés da Virgem de Lourdes suas listas douradas e a carta que escreveram, repleta de manifestações de carinho por Ela e por seu Divino Filho, adornadas pelas esplendorosas flores celestiais que o Anjo lhe dera. ² Arautos do Evangelho
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1. São Sigisberto III, rei (†656). Filho do rei merovíngio Dagoberto I. Construiu os mosteiros de Stavelot, de Malmedy, na Bélgica. Distribuiu esmolas às igrejas e aos pobres. Morreu em Metz, França, aos 26 anos.
Itália, conservando os hábitos da vida monástica. 10. Santa Escolástica, virgem (†c. 547 Monte Cassino - Itália). Beato José Sánchez del Río, mártir (†1928). Jovem de 14 anos morto com um tiro na cabeça durante a Guerra dos Cristeros, em Cotija, México, após sofrer com sobranceria inúmeros tormentos. Expirou sobre uma cruz traçada por ele no solo com o próprio sangue.
2. Domingo. Apresentação do Senhor. Santa Joana de Lestonnac, viúva (†1640). Após a morte de seu esposo, fundou em Bordeaux, França, a Sociedade das Filhas de Nossa Senhora, à imitação da Companhia de Jesus, para formação da juventude feminina. 3. São Brás, Bispo e mártir (†c. 320 Sebaste - atual Turquia). Santo Oscar, Bispo (†865 Bremen - Alemanha). Santa Vereburga, abadessa (†c. 700). Ingressou no mosteiro de Ely, Inglaterra, onde foi abadessa. Fundou depois vários outros mosteiros. 4. São Rábano Mauro, Bispo (†856). Abade do mosteiro de Fulda, foi eleito Arcebispo de Magúncia, Alemanha. 5. Santa Águeda, virgem e mártir (†c. 251 Catânia - Itália). Beata Isabel Canori Mora, mãe de família (†1825). Sofreu com paciência e caridade a infidelidade e maus tratos de um mau esposo. Ingressou na Ordem Terceira da Santíssima Trindade, em Roma, oferecendo sua vida pela conversão dos pecadores. 6. São Paulo Miki e companheiros, mártires (†1597 Nagasaki - Japão). 48
São Bento de Aniane
São Brinolfo Algotsson, Bispo (†1317). Bispo de Skara, na Suécia, célebre por sua ciência e dedicação à Igreja. 7. Beato Pio IX, Papa (†1878). Proclamou os dogmas da Imaculada Conceição e da Infalibilidade Pontifícia. Estimulou o florescimento das Congregações religiosas e convocou o Concílio Vaticano I. 8. São Jerônimo Emiliani, presbítero (†1537 Somasca - Itália). Santa Josefina Bakhita, virgem (†1947 Schio - Itália). Beata Josefina Gabriela Bonino, virgem (†1906). Fundadora da Congregação da Sagrada Família de Savigliano, Itália. 9. V Domingo do Tempo Comum. São Rainaldo, Bispo (†1222). Monge camaldulense na abadia de Fonte Avellana, exerceu o ministério episcopal em Nocera,
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11. Nossa Senhora de Lourdes. Santa Sotéria, virgem e mártir (†c. 304). Por amor à Fé, renunciou às honras e riquezas de sua nobre estirpe e, recusando-se a imolar aos ídolos, foi martirizada à espada, em Roma. 12. São Bento de Aniane, abade (†821). Educado na corte de Carlos Magno, fez-se monge sob a regra beneditina e erigiu um mosteiro em Kornelimünster, Alemanha. 13. São Martiniano, eremita (†c. 398). Viveu como eremita pró ximo a Cesareia, na Palestina. Mais tarde viajou a Atenas, Grécia, onde faleceu. 14. São Cirilo, monge (†869 Roma) e São Metódio, Bispo (†885 Velehrad - República Checa). São João Batista da Conceição Garcia, presbítero (†1613). Religioso trinitário, empreendeu a renovação da Ordem e a defendeu com ardor em meio a dificuldades e tribulações, em Córdoba, Espanha. 15. Santo Onésimo (†séc. I). São Paulo o acolheu como escravo fugitivo e na prisão o gerou co-
mo filho na Fé em Cristo, como ele mesmo escreveu a seu amo Filêmon.
-Béconnais, perto de Angers, guilhotinado durante a Revolução Francesa.
16. VI Domingo do Tempo Comum. Beato Francisco Toyama Jintaró, mártir (†1624). Nobre samurai cuja vida cristã exemplar, influenciou na conversão de muitas pessoas. Por não negar a Fé, foi decapitado em Hiroshima, Japão.
22. Festa da Cátedra de São Pedro Apóstolo. Beata Maria de Jesus d’Oultremont, viúva (†1879). Após a morte do marido, fundou e dirigiu na Bélgica a Sociedade de Maria Reparadora, sem em nada negligenciar os cuidados maternos dos seus quatro filhos.
17. Sete Santos Fundadores dos Servitas (†1310 Monte Senário, junto a Florência - Itália). São Flaviano, Bispo (†449). Bispo de Constantinopla, que por defender a Fé Católica no Segundo Concílio de Éfeso, foi agredido pelos partidários de Dióscoro, morrendo pouco depois no exílio.
23. VII Domingo do Tempo Comum. São Policarpo, Bispo e mártir (†c. 155 Esmirna - atual Turquia). Beato Vicente Frelichowski, presbítero e mártir (†1945). Ape-
18. São Teotônio, presbítero (†c. 1162). Após duas peregrinações à Terra Santa, fundou em Coimbra, Portugal, a Congregação dos Cônegos Regrantes da Santa Cruz.
24. Beato Marcos de Marconi, eremita (†1510). Religioso da Ordem dos Eremitas de São Jerônimo, em Mântua, Itália, levou vida de estudo, oração e mortificações. 25. Beata Maria Ludovica De Angelis, virgem (†1962). Italiana de nascimento, ingressou na Congregação das Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia e foi en viada à Argentina, onde se dedicou ao cuidado e formação de crianças e enfermos num hospital de La Plata. 26. São Porfírio de Gaza, Bispo (†421). Filho de uma família da Tessalônica, viveu como anacoreta no deserto. Ordenado Bispo de Gaza, Palestina, abateu muitos templos dedicados aos ídolos e converteu numerosos pagãos.
19. Santa Lúcia Yi Zhenmei, virgem e mártir (†1862). Decapitada na aldeia de Kaiyang, China por ter confessado sua Fé.
27. Beato José Tous y Soler, presbítero (†1871). Religioso capuchinho, fundou a Congregação das Irmãs Capuchinhas da Mãe do Divino Pastor, em Barcelona, Espanha, para a formação cristã da infância e juventude.
20. São Serapião, mártir (†c. 248). No tempo do imperador Décio, teve de suportar cruéis suplícios e depois foi precipitado do alto de sua própria casa, em Alexandria, Egito. 21. São Pedro Damião, Bispo e Doutor da Igreja (†1072 Faenza - Itália). Beato Noël Pinot, presbítero e mártir (†1794). Pároco de Le Louroux-
sar de passar por várias prisões, nunca fraquejou na fé. Faleceu no campo de concentração de Dachau, Alemanha, após atender a muitos companheiros enfermos.
Beata Josefina Gabriela Bonino
28. Beato Carlos Gnocchi, presbítero (†1956). Fundou em Milão, Itália, a obra “Fundação Pro Juventute”, hoje chamada Obra Don Gnocchi, para ajudar aos mutilados pela Guerra e aos filhos dos sobreviventes.
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As cores do Paraíso Verdadeiras joias vivas, estes passarinhos são preciosidades postas por Deus na natureza para deleitar o homem e fazê-lo ter saudades do Paraíso. Irmã Juliane Vasconcelos Almeida Campos, EP
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arram os céus a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 18, 2), cantam belamente as Escrituras. Não conheceu o salmista nossas cidades atuais, verdadeiras selvas de concreto armado, iluminadas por potentes luzes artificiais, onde já não é mais possível contemplar a mara vilha de uma noite estrelada. Contudo, ainda podemos admirar-nos, por exemplo, com o suave movimentar das brancas nuvens, que a imaginação infantil concebe como imponentes montanhas de algodão, ou com espetaculares pores de Sol, que pintam 50
toda a natureza de exuberantes cores, tão vivas como nenhum artista seria capaz de conceber. Mas, quiçá, em todo o mundo natural, o que mais nos atraia seja o reino animal. E no vastíssimo leque de espécies existentes, podemos pensar na agilidade, elegância e beleza das aves. O pequeno tico-tico se destaca pela vivacidade com que faz algazarra em bandos. O cisne desliza suave na placidez de um lago, como se dispensasse qualquer esforço para se locomover. O beija-flor, na delicadeza de suas asas e seu bico, voa veloz cortejando as flores. E as
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andorinhas buscam os telhados e a proximidade com o homem, como à espera de uma mão amiga que queira compartilhar com ela as migalhas de seu pão. E como falávamos de cores, tal vez sejam as aves a classe mais rica em colorido do reino animal. A variedade de tonalidades é enorme, deixando atônito um obser vador pouco versado em ornitologia. É o que podemos apreciar nas simpáticas saíras, que exercem um atrativo especial justamente pelas cores de sua plumagem. Apresentam uns azuis, uns vermelhos, uns verdes ou dourados que mais pare-
, d u a t u a è L o l b a P / s e h c n a S o i r a D / r e n e v a T n e B : s o t o F
Acima: sanhaço-de-fogo fêmea (piranga flava) em Campos do Jordão, saíra-sete-cores (tangara seledon) em Juquiá (SP), saí-azul (dacnis cayana) no Horto Florestal de São Paulo, bonito-do-campo (chlorophonia cyanea) no Parque Nacional do Tatiaia (RJ), tiê-sangue (ramphocelus bresilius) no Vale do Ribeira (SP), saí-verde (chlorophanes spiza) em Ubatuba (SP). Na página anterior: saíra-militar (tangara cyanocephala) em Morretes (PR)
cem pedras preciosas aladas, sublimando com a vida o reino mineral. Tanto que têm servido de modelos para incontáveis escultores que modelam em pedras semipreciosas, e até mesmo preciosas, lindas figuras destes pássaros. Verdadeiras joias vivas, estes passarinhos, saídos das mãos do Di vino Artífice, são maravilhas postas por Ele na natureza para que, em harmonia com a diversidade
de outras cores presentes no mundo vegetal e mineral, possam deleitar o homem e fazê-lo ter saudades do Paraíso, com um desejo ainda maior de conhecer as grandiosas belezas celestiais. Saibamos admirar os encantos deste mundo com os olhos postos na eternidade, pois, como diz poeticamente Santo Agostinho, “se são belas as coisas que fez, quão mais belo é Aquele que as fez”.1 E tenhamos a
certeza de que o que Deus tem reser vado para os que se salvam é ainda mais belo, pois “os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (I Cor 2, 9). ² 1
SANTO AGOSTINHO. Enarratio in Psalmum CXLVIII, n.15. In: Obras. Madrid: BAC, 1967, v.XXII, p.894.
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