O Narrador Contemporâneo - Luís Alberto de Abreu

O narrador contemporâneo Considerações a partir de O narrador, de Walter Benjamin Luís Alberto de Abreu, Dramaturgo e roteirista

Walter alter Benjam Benjamin, in, em seu precio precioso so ensai ensaioo O narrador: considerações sobre a obra de  Nicolai Leskov (1934),

investiga os elementos constitutivos da narrativa, sua importância, bem

como a da igura do narrador, para a coes!o e o desenvolvimento cultural das comunidades rurais no período pr"#industrial$ %espons&vel pela manutenç!o das tradições culturais da comunidade e, ao mesmo tempo, pela introduç!o de novas imagens e valores, o narrador era a igura central no dinâmico movimento de tradiç!o e ruptura 'ue caracteri(ava o imagin&rio da'uelas comunidades$ comunidades$ )mbora o g*nero utili(ado seja o masculino, tamb"m as mul+eres cumpriam a unç!o narrativa$ oram elas as principais respons&veis pela introduç!o e disseminaç!o na )uropa das lendas celtas, de car&ter ortemente matriarcal, a partir do s"culo -.$ ) mesmo anteriormente, visto 'ue oram respons&veis pela transmiss!o desde sempre dos c+amados /contos maravil+osos0$ 1 de se crer 'ue se a mul+er narradora n!o oi a igura principal na transmiss!o de imagens e valores por  meio das narrativas orais, pelo menos, estava em p" de igualdade com narradores do se2o masculino$ 3omemos, pois, o termo narrador  para   para indicar o universo de homens e mulheres 'ue desempen+avam a inestim&vel unç!o de transmissores da e2peri*ncia e do con+ecimento +umano nas comunidades pr"#industriais$ O ensaio de Walter Benjamin, ao mesmo tempo em 'ue elucida de orma bril+ante a unç!o e a igura do narrador, dei2a em n4s um travo de melancolia 'uando descreve o acentuado processo de decad*ncia dessa igura sob o impacto da sociedade industrial$ O e2ercício da narrativa, segundo ele, desenvolveu#se no ambiente privilegiado dos serões de trabal+o coletivo e artesanal, 'uan 'uando do as m!os m!os iav iavam am e a ment mentee vaga vagava va livr livree para para icc iccio iona narr sobr sobree as e2pe e2peri ri*n *nci cias as e acontecimentos da vida$ )ra aí 'ue, sob a atenç!o da'uela 5comunidade de ouvintes5, o narrador  relatava +ist4rias e personagens j& depurados e sedimentados pela tradiç!o e introdu(ia novos acontecimentos, iguras e valores no imagin&rio da'uela comunidade$ 3udo 3udo isso desabou com o advento do trabal+o industrial 'uando, numa jornada de trabal+o tr abal+o de at" de(esseis +oras, n!o mais e2istia o tempo ocioso e precioso para a criaç!o das coisas do espírito$ 6em a 5comunidade de ouvintes5 o narrador perdeu muito de sua unç!o$ O esmaecimento

da igura igura do narra narrador dor coinc coincidi idiuu tamb"m tamb"m com um ato ato igualm igualmen ente te grave7 grave7 a substi substitui tuiç! ç!oo da transmiss!o oral da e2peri*ncia +umana pela inormaç!o, 'ue ser& a regra geral da nova sociedade industrial $ 8 A percepç!o +oje " 'ue estamos numa "poca sem narradores$ Ou pelo menos, estes est!o dispersos, diminuídos em n9mero e e2ilados de sua unç!o mais importante$ 6em o ambiente  propício para o seu desenvolvimento, desenvolvimento, e sem a comunidade de ouvintes 'ue l+e dava e2ist*ncia, legitimidade e impulso para novas criações, o narrador se mant"m restrito a longín'uas e pe'uenas comunida comunidades des rurais, ou aos círculos círculos amiliares amiliares 'ue ainda mant*m mant*m o +&bito +&bito secular secular de se reunir : volta de uma mesa para recordar vel+os acontecimentos e e2peri*ncias e comunicar novos$ O ato " 'ue sua importância social e cultural diminuiu 'uase por completo por'ue, mais 'ue um título, o narrador " uma unç!o, e a ine2ist*ncia dessa unç!o decretou seu im$ 6endo assim, os narradores remanescentes, 'ue porventura e2istam em pe'uenos centros, perderam sua importância como valor cultural$ .sso reorça a airmaç!o de 'ue vivemos uma "poca sem narradores, a n!o ser 'ue os reinventemos$ ;uando Benjamim escreveu seu ensaio, as perspectivas de re#instaurar a igura do narrador pareciam decididamente comprometidas em meio ao desenvolvimento da sociedade industrial$ A luta pela sobreviv*ncia consumia signiicativa parcela de tempo do ser +umano, e o trabal+o artesanal e coletivo como pr&ticas sociais parecia estar adado : e2tinç!o$
6e +& 'uantidade de tempo a ser transormado em 'ualidade n!o +& a natural coes!o cultural 'ue caracteri(ou as antigas comunidades$ mas preciosos? con+ecimentos sobre a construç!o do narrador e da narrativa$ Alguns, importantes, est!o na rele2!o de Benjamin, 'ue deve ser e2pandida e complementada$ Outros dever!o ser garimpados em outras rele2ões 'ue começam a gan+ar lu(, em antigas narrativas, em narradores populares remanescentes e mesmo na rele2!o e no e2ercício di&rio para a reconstruç!o dessa antiga arte da milenar cultura oral$ %ecriar um narrador para os tempos 'ue correm " um trabal+o n!o s4 de investigaç!o sobre a unç!o e o papel representado pelo narrador  tradicional, mas, sobretudo, de rele2!o e estudo sobre 'uais necessidades um narrador  contemporâneo dever& preenc+er$ )m outras palavras, um narrador para os dias de +oje ser& resultado de empen+o, estudo e arte, muito mais do 'ue de lenta e natural evoluç!o no tempo, como se deu com a ormaç!o do narrador tradicional$ ) " sobre esse narrador tradicional pensado por Walter Benjamim 'ue nossa rele2!o sobre um possível narrador contemporâneo se inicia$ 6abemos 'ue a'uele narrador era uma autoridade em sua comunidade por ser reposit4rio e veiculador das +ist4rias tradicionais 'ue reairmavam a coes!o cultural do grupo$ )ra um guardi!o do con+ecimento de seu grupo e de seu tempo$ 6uas +ist4rias transmitiam e2peri*ncia +umana, valores, consel+os sobre trabal+o e vida, crenças, inormações t"cnicas, todo um arsenal de con+ecimento necess&rio : vida material e espiritual da comunidade$ )mbora respons&vel pela manutenç!o dos valores e imagens tradicionais da cultura, a'uele n!o era o 9nico tipo de narrador$ @avia tamb"m o 'ue se ausentava da comunidade e retornava tempos depois tra(endo um novo con+ecimento, novas +ist4rias, novos valores, relatos de mundo, de pessoas e de e2peri*ncias descon+ecidas$ A interaç!o entre esses dois tipos de narrador, um da tradiç!o e outro da ruptura, tornavam o imagin&rio da comunidade rural dinâmico, atuando na conservaç!o de valores tradicionais e, ao mesmo tempo, perme&vel a novos valores e con+ecimentos$ 1 bom destacar 'ue o narrador n!o era alguma esp"cie de s&bio, sacerdote ou pessoa especial 'ue detin+a o con+ecimento e o distribuía  para  a comunidade$ O con+ecimento pertencia : comunidade, ao imagin&rio comum, e o narrador era um elemento inserido na comunidade$ 6ua unç!o era preservar esse con+ecimento ou propor novos, 'ue entrariam ou n!o no imagin&rio grupal, dependendo do interesse e da necessidade da comunidade em preserv&#lo $ O 'ue o dierenciava dos demais +abitantes era apenas a capacidade singular de criar narrativas, icções construídas a partir de acontecimentos e e2peri*ncias reais, e comunic&#las, transormando#as em material comum a todos$
importantes acontecimentos passados, e introdutor de novos con+ecimentos, imagens e valores no imagin&rio$ 8 O narrador tradicional era uma igura emblem&tica$
menestrel medieval, ou de v&rias linguagens ao mesmo tempo #

 poesias lírica e "pica, dança, canto # como um ator do teatro <$ Ali&s, talve( pud"ssemos deinir precariamente o narrador como um tipo especial de ator 'ue n!o vive um papel, mas tra( ao presente, por meio de sua arte, as e2peri*ncias de outros seres +umanos$ Ao narrador n!o cabe recriar isicamente, no espaço da narraç!o, o acontecimento +umano 'ue deu origem : sua narrativa$ 6eu objetivo " recriar na imaginação de quem ouve o territ4rio da aç!o e os seres +umanos, agentes ou pacientes, do signiicativo acontecimento +umano 'ue deu origem : sua narrativa$ 1 um processo comple2o de, por meio da narrativa, condu(ir os ouvintes a uma participaç!o ativa e imaginativa7 o 5espet&culo5 " construído com o pr4prio ouvinte$ 6abemos 'ue a imaginaç!o " uma orça poderosa e, como omos crianças um dia, sabemos 'ue seu poder ", sob dadas circunstâncias, maior do 'ue o acontecimento real$ m e2emplo do  poder da imaginaç!o pode ser encontrado no teatro grego$ Conta#se 'ue +avia o interdito, nas representações tr&gicas, de personagens morrerem em cena$ 6endo assim, as mortes n!o poderiam ser representadas, e sim narradas por algu"m 'ue tivesse sido testemun+a delas$ ma justiicativa apontada para tal procedimento seria motivos religiosos, ra(ões correlatas : proibiç!o de crimes ou 'ual'uer derramamento de sangue durante os estivais de teatro$ 1 possível, mas 'uero crer 'ue os dramaturgos gregos, e2celentes 'ue eram, optavam pelas mortes ora de cena por'ue sabiam 'ue o ato narrado pode ser mais intenso e vívido 'ue o ato assistido$ A imaginaç!o voa mais longe 'ue nossos ol+os e, se podemos ec+ar os ol+os a uma cena mais grotesca, impactante ou pungente, sempre " mais diícil ec+ar os ouvidos e rear a imaginaç!o$ Al"m do mais, nem tudo " represent&vel$ )2istem intensidades dram&ticas, ternas ou misteriosas, 'ue s4 cabem : palavra  po"tica tra(er : lu($ ) isso os dramaturgos gregos, com certe(a, sabiam$ Construir a solide( de uma e2peri*ncia +umana apenas com imagens re'uer uma t"cnica e uma atenç!o bastante apuradas$ Dei2emos, por"m, o processo t"cnico da narraç!o para um outro estudo$ arece#me importante a consci*ncia de 'ue o narrador contemporâneo ter& unções signiicativamente dierentes da'uelas do narrador tradicional de 'ue nos alava Walter Benjamin$

A sociedade contemporânea " muito dierente e muito mais comple2a do 'ue a comunidade agr&ria$
espaço vago do narrador, embora sem substituí#lo$ )2istem estudos 'ue d!o conta da rapide( dos artistas circenses em transormarem e2peri*ncias marcantes acontecidas nas cidades e povoados  por onde passavam em material para sua produç!o teatral e musical$ Fas oi com a invenç!o do cinema, no inal do s"culo -.-, 'ue a sociedade industrial urbana encontrou seu pr4prio meio de comunicaç!o$ O novo e poderoso veículo, produto da t"cnica industrial, alcançava as mais remotas regiões propagando novas imagens, id"ias e costumes$ A invenç!o do r&dio, e posteriormente da televis!o, completaram o ciclo de transormações nos meios de transmiss!o de cultura $ Fas seriam eles capa(es de substituir o narrador na transmiss!o das e2peri*ncias +umanasG 8 A e2peri*ncia, por deiniç!o, " algo pessoal e intranserível$ 1 um processo de vida, por isso,  particular, 9nico$ A e2peri*ncia " um enmeno comple2o, pois n!o envolve apenas o ato vivido em si$
guardam sensações, o +omem recria e comunica suas e2peri*ncias em imagens comunic&veis$ 1 indissoci&vel no ser +umano a concomitância da e2peri*ncia e de sua recriaç!o$ De antem!o sabemos 'ue n!o se trata, a'ui, de 'ual'uer e2peri*ncia, e sim da'uelas 'ue val+am o esorço da re#criaç!o como icç!o, e possam interessar :s outras pessoas$ 6ob esse crit"rio, um signiicativo montante de acontecimentos pode ser e2cluído de pronto, pois : icç!o  parece interessar mais o 'ue a e2peri*ncia tem de intensidade$ Coisas intensamente belas ou dram&ticas, sublimes, divertidas, líricas, ativas, boas, assustadoras ou mesmo intensamente simples " 'ue interessam$ .sso talve( ocorra por'ue o mundo da icç!o, ou o 5mundo e"rico5 como diria Hosep+ Campbell, " o lugar em 'ue as grandes orças est!o liberadas e atuantes$ Al"m da intensidade, a outra predileç!o da icç!o " a síntese$ Eeriicamos acilmente 'ue, por  mais e2tensa 'ue uma obra seja, nem de longe ela se compara : e2tens!o de tempo necess&ria para se cumprir um ciclo de vida$ ), ao lado da síntese, a e2peri*ncia 'ue interessa ser comunicada deve ter uma pot*ncia transormadora, deve levar a pessoa 'ue a viveu : descoberta de um novo sentido  para a vida, um novo entendimento do +omem ou da e2ist*ncia$ Fas pode ocorrer o contr&rio7 apesar da intensidade da e2peri*ncia, o ser +umano envolvido recusa=se a se transormar$
acontecimento$ Diariamente os notici&rios nos apresentam atos +umanos da maior intensidade, e rente a eles nos 'uedamos inertes, al+eios, embrutecidos$ )sses atos +umanos n!o nos di(em muito e, no m&2imo, nos provocam um lamento, um r&pido sentimento de indignaç!o ou, dependendo da intensidade, nos c+ocam durante algum tempo$ odem marcar nossa mem4ria, mas n!o nos transormam, ao contr&rio, sua repetiç!o tem o poder de nos al+ear$ Is ve(es podem nos embrutecer, pois c+egam at" n4s desprovidos de envolvimento, de pot*ncia transormadora e de sentido$
'ue nos reerimos anteriormente, " &cil perceber 'ue o 5imagin&rio5 'ue o novo artista podia ter  acesso era consideravelmente restrito, uma ve( 'ue a cultura burguesa recusava o 5imagin&rio5 das classes subalternas$ %estava ao novo artista as imagens religiosas e as da tradiç!o greco#romana =  tradições importantes e consider&veis, certamente, mas n!o suicientes, pois o %omantismo, logo retornou :s lendas, costumes e crenças da tradiç!o popular para suporte de seu movimento$ O processo de valori(aç!o, resgate e estudo das ormas artísticas da tradiç!o popular  desenvolveu#se por todo o s"culo -.- alcançando at" o s"culo --, no entanto, a inra#estrutura da sociedade j& +avia se transormado$ ou ler? comportadamente uma representaç!o levada a eeito por +&beis artistas$ ode ser 'ue +aja um certo e2agero nessa airmaç!o # nem toda icç!o procedeu dessa maneira, e nem toda arte  produ(ida na sociedade industrial aviltou#se a esse estado, ao contr&rio, a arte produ(ida nessa "poca produ(iu obras de vigor e 'ualidade indiscutíveis$ O 'ue podemos veriicar " 'ue, primeiro, a mel+or arte oi a'uela 'ue se manteve iel : transmiss!o da e2peri*ncia +umana, e2traindo dela a mat"ria#prima de sua icç!o$ ), segundo, " cada ve( mais nítida a transormaç!o da arte em mero entretenimento, em produto o menos comple2o possível para ser oerecido a um consumo de massa$ O +umano presente na arte torna#se mais e mais um simulacro distanciado do 'ue l+e deu origem, e o artista, igualmente distanciado do imagin&rio +umano, redu(#se a um criador de artiícios, um especialista em promover o divertimento, um e2ecutivo da ind9stria cultural$

8 6abemos 'ue um dos enmenos mais interessantes no processo de comunicaç!o +umana oi a criaç!o de instrumentos 'ue permitiram o encurtamento e a 'uebra nas barreiras de tempo e espaço$ Antes disso apenas o corpo +umano e seus meios naturais >vo(, gesto, canto, ala, mem4ria?, bem como sua capacidade de manuatura de símbolos e arteatos, constituíam o arsenal de comunicaç!o$ A invenç!o da escrita e, mais tarde, da impress!o mecânica preservaram o  pensamento atrav"s dos s"culos$ Fas oi no s"culo -.-, principalmente, com a crescente urbani(aç!o e o aumento populacional, 'ue as inovações, antes paulatinas, nos meios de comunicaç!o deram lugar a uma revoluç!o 'ue transormou o enorme territ4rio do mundo e os s"culos de civili(aç!o +umana num permanente a'ui e agora$ ma das principais conse'J*ncias desse processo, bastante evidenciada por Benjamim, oi a substituiç!o da transmiss!o da e2peri*ncia pela transmiss!o da inormaç!o$ )2iste um imenso aparato de meios de transmiss!o, temos diuturnamente e2peri*ncias na vida, mas padecemos da car*ncia de v*#las transormadas em icç!o e essa " uma unç!o do narrador$ 3ransormações marcantes oram tamb"m a organi(aç!o industrial da transmiss!o das inormações e imagens, e a posse de seus meios tecnol4gicos de produç!o e comunicaç!o por  grupos econmicos$ Dentro desse sistema as linguagens artísticas gan+am um novo valor e suas ormas e conte9dos passam a ser objeto de disputa econmica$ O processo de produç!o artesanal, 'uer de bens materiais 'uer de bens artísticos ou cientíicos, iniciou um processo de degradaç!o e des'ualiicaç!o$ O usuruto coletivo e participante da e2peri*ncia +umana transmitida pelo narrador tradicional tornou#se cada ve( mais individual, e o p9blico atento e atuante transormou# se em consumidor$ inalmente, outra importante modiicaç!o oi a recente revoluç!o digital 'ue barateou de orma consider&vel o custo dos e'uipamentos tornando#os acessíveis$ )ssas grandes mudanças na dinâmica cultural ocorridas nas 9ltimas d"cadas merecem uma atenç!o maior, pois todas est!o ligadas : aus*ncia e, parado2almente, : possibilidade de restauraç!o da igura e da unç!o do narrador$ A cultura contemporânea, bem mais comple2a e mais dinâmica 'ue a tradicional, ainda n!o desenvolveu seus processos de produç!o e transmiss!o cultural de orma eiciente$ Os meios tecnol4gicos de comunicaç!o apesar de se multiplicarem em n9mero e 'ualidade >visuais, sonoros, escritos? ainda n!o s!o capa(es de representar socialmente o 'ue o narrador representava em sua comunidade7 promover coes!o cultural, produ(ir con+ecimento, estabelecer uma relaç!o dinâmica

entre a tradiç!o e a ruptura$ Apesar de um n9mero sempre crescente de pessoas dispor de espaço mental e tempo para ter acesso ao con+ecimento e para cultivar o espírito, o 'ue se percebe " 'ue todo o imenso potencial de comunicaç!o " colocado a serviço do entretenimento$ A ind9stria cultural padroni(a e pasteuri(a a e2peri*ncia +umana para transorm&#la em produto de &cil e r&pida produç!o e igualmente &cil e r&pido consumo$ 8 Os meios impressos >jornais, livros, ol+etins, revistas? gan+aram incremento com o desenvolvimento de novas m&'uinas de impress!o, mas esbarravam numa grande diiculdade7 o analabetismo$ O cinema, veículo basicamente visual, rompeu essa barreira$ 6urgindo dentro da sociedade industrial nasceu como um ser +íbrido, misto de arte e ind9stria, segundo a airmaç!o do diretor Andrei 3ar4vsi$ Como arte, nasceu proundamente inluenciado pela linguagem "pica e dram&tica # vin+a ao mundo tra(endo a e2peri*ncia +umana como elemento presente e organi(ador$ Como ind9stria tra(ia as eições de produto, objeto de com"rcio e consumo, sem perder, por"m, a  possibilidade de transmitir e2peri*ncias +umanas$  
dierenciados e com meios e modos de e2press!o pr4prios, em contraposiç!o a uma cultura considerada subalterna, com arraigada base na tradiç!o da cultura agr&ria, tamb"m com valores, vis!o de mundo, meios e modos de e2press!o pr4prios$ Culturas dominantes e subalternas sempre e2istiram$ O ato relevante " 'ue a cultura burguesa estabeleceu#se em nível global e pretendeu romper as pontes por onde sempre permearam valores e produtos culturais entre as duas culturas$ )m suma, a sociedade industrial n!o apenas inventou veículos potentes de comunicaç!o como o cinema, o r&dio e a 3E, como tamb"m modiicou os conte9dos e as ormas das linguagens tradicionais de acordo com seus pr4prios interesses$ 8 Como pudemos observar, processos 'ue marcaram proundamente a cultura na sociedade industrial oram, de um lado, o desenvolvimento dos meios tecnol4gicos de comunicaç!o cultural e sua posse privada e, por outro, a des'ualiicaç!o dos meios artesanais de transmiss!o origin&rios da sociedade agr&ria$ Ante aos poderosos meios de comunicaç!o tecnol4gicos, os meios artesanais entraram em decad*ncia, embora isso n!o signii'ue 'ue ten+am perdido a importância$ oram aastados para o undo da cena, mas ainda continuaram atuando, embora enra'uecidos, aastados das lu(es do prosc*nio$ rente ao poder dos meios tecnol4gicos de comunicaç!o, a maioria de n4s transormou#se em  plat"ia # muitas ve(es passiva # uma ve( 'ue o acesso a esses meios de produç!o e de distribuiç!o estar vedado : maioria da populaç!o$
artista retomar sua antiga condiç!o de produtorG e'uenos grupos, ormados por ainidades, podem se organi(ar e produ(ir, com orça consider&vel, obras ao largo da ind9stria culturalG Aparentemente sim, embora imensas diiculdades devam ser ainda transpostas$ A principal delas " retirar a igura do narrador do ostracismo a 'ue oi relegado na sociedade industrial$ ouco resolveria se o artista recuperasse a 'ualidade de produtor e distribuidor de sua pr4pria obra apenas  para brigar por uma atia do mercado$ O camin+o 'ue se aponta no +ori(onte seria a restauraç!o do narrador$ ) a reconstruç!o dessa igura se daria em duas rentes7 De um lado atuando dentro das tradicionais ormas orais de e2press!o >teatro, poesia, narrativas?, reletindo os valores e as e2peri*ncias +umanas das comunidadesK de outro lado avançando sobre os meios tecnol4gicos criados pela pr4pria sociedade industrial >cinema, r&dio, 3E, .nternet e demais meios audiovisuais?, de orma a reabilitar a unç!o e a arte do narrador tanto na comunidade 'uanto e2pandi#las para a sociedade como um todo$ arece necess&rio, no entanto, 'ue o narrador seja re#criado a partir da unç!o 'ue ele desempen+ava na sociedade agr&ria, ou seja, constituía uma igura mercuriana, um intermedi&rio entre o ato +umano e seu sentido, entre a e2peri*ncia +umana e sua transiguraç!o iccional para 'ue essa mesma e2peri*ncia +umana possa ser sensibili(ada e transormada em aprendi(ado$ Assim, a vers!o contemporânea do narrador, n!o poderia se redu(ir ao clic+* 'ue nos acostumamos a imaginar7 um +omem ou um a mul+er c+eios de gestos e 'ue com vo( pausada conta uma +ist4ria a um grupo de ouvintes atentos$ m narrador " bem mais do 'ue um bom contador de +ist4ria$ 8 )m seu livro  Ra!es his"#ricas do con"o maravilhoso , Eladimir ropp traça uma interessante relaç!o entre mito, rito e conto nas culturas do período neolítico$
ao rito onde se vivenciam as grandes orças$ Fais do 'ue a rememoraç!o de atos ocorridos na criaç!o das orças da vida e da morte, o mito pretende 'ue cada integrante do rito vivencie essas orças$ Fito, por deiniç!o " objeto de viv*ncia, mais do 'ue apenas lembrança$ O conto " o relato dessa e2peri*ncia ritual, dessa viv*ncia transormadora e sagrada$ 1 um sistema de signos 'ue remete a esse encontro dos +omens com as grandes orças da vida e da morte$ 1 perceptível 'ue, em sua origem, um conto n!o era apenas uma intriga, uma mera +ist4ria ou descriç!o$ )ra o reavivamento da'ueles acontecimentos considerados sagrados$ )ra a narrativa da trajet4ria do +omem e da mul+er envolvidos e perpassados pela poderosa e misteriosa energia da vida e da morte e de seu retorno ao dia#a#dia comum ortalecidos e transormados$ O conto, " de se supor, tra(ia em si a energia dessas orças como uma semente aparentemente inerte tra( em si a  pot*ncia da &rvore e do ruto$ or 'ue ent!o, ao ouvir ou ler um 5conto maravil+oso5 n!o temos a mesma sensaç!o de viv*ncia de grandes orçasG A resposta parece 4bvia7 por'ue n!o temos mais mitos e ritos, esses  potentes lugares da imaginaç!o e da e2peri*ncia, para onde podemos ser remetidos$ )m nosso mundo contemporâneo perdemos at" a lembrança e a noç!o do 'ue seja um rito$ Ler um conto maravil+oso ainda provoca pra(er, " certo, pela orça de suas imagens, por sua atmosera m&gica,  por seu territ4rio t!o dierente do territ4rio real de nosso dia#a#dia, mas tudo parece um eco remoto de algo 'ue n!o conseguimos distinguir bem o 'ue seja$ m conto em si n!o " capa( de nos mobili(ar a buscar as grandes orças 'ue as imagens dele ainda guardam, por'ue perdemos a consci*ncia das grandes orças da vida e da morte 'ue est!o presentes na viv*ncia do mito e na e2peri*ncia do rito$ e n!o s4 o undamentalismo? tentam galvani(ar a energia espiritual do

ser +umano escondendo seus interesses de poder político e econmico, as iguras ar'uetípicas, representaç!o das energias da vida e da morte na mentalidade do neolítico, +oje est!o ligadas ao consumo$ .magens derivadas da grande#m!e, representante da criaç!o e da conservaç!o da vida, +oje impulsiona a venda de autom4veis e bebida$ A palavra +er4i 'ue, segundo Hunito Brand!o ancestralmente tin+a o sentido de servir # e no teatro e "picos gregos o +er4i coloca sua +abilidade guerreira e sua intelig*ncia a serviço e na deesa de sua comunidade e cultura # +oje se conunde com o personagem truculento 'ue representa a si pr4prio e um desumano conjunto de id"ias individualistas e anti#sociais$ A percepç!o atual " 'ue as orças da vida e da morte continuam atuando no mundo como sempre atuaram e a 'uest!o 'ue se coloca " como direcion&#las para a construç!o coletiva do mundo e n!o para sua destruiç!o$ Como oi dito acima n!o se trata de rea(er ritos religiosos$ Do 'ue se trata ent!oG 8 O crítico e estudioso de arte @erbert @ead, em seu conjunto de ensaios  $ Ori%em da &orma nas $r"es 'ls"icas

, relete, a determinada altura, sobre a orça m&gica 'ue teria envolvido a

 palavra em seu nascimento$
mesmo, sagrado$ Com o passar do tempo as orças da nature(a oram sendo desvendadas, seu mecanismo entendido e a orça m&gica passou a pertencer a uma divindade sobrenatural$ A id"ia de magia ent!o, passa a se ligar a um poder de transormaç!o 'ue se opera para al"m das orças e2plic&veis da nature(a$ A morte " pereitamente e2plic&vel como um processo natural, mas o retorno da morte apenas pode ser e2plicado como um processo m&gico, ou seja, a intervenç!o de outras orças al"m das naturais$ ;ual'uer orça com poder de provocar transormações r&pidas ou grandiosas cujas causas n!o podem ser entendidas como naturais " considerada m&gica ou sagrada$ )ssa orça poderosa de transormaç!o agiu uma ve( na origem das coisas, na criaç!o do mundo e das coisas, segundo Fircea )liade, daí, segundo ele, a orça 'ue tiveram nas comunidades antigas os mitos da criaç!o e os ritos de renovaç!o 'ue se propun+am a re#ativar, tra(er de volta ao mundo  presente, as orças da origem das coisas$ As imagens, ritos e mitos 'ue conservavam a orça m&gica original da criaç!o, o poder de transormaç!o do mundo e das coisas, oram conservadas de um lado pela religi!o e por outro pelo 'ue se convencionou c+amar de arte$ Arte e sentimento religioso numa comunidade antiga eram  partes indissoci&vel de um mesmo enmeno$ ) a coes!o 'ue desrutavam na comunidade  primitiva começou a se dissolver com o advento de uma nova organi(aç!o social 'ue deu origem :s cidades$ Aparentemente, essa divis!o coincide com o advento da sociedade patriarcal e nela se aprounda ao ponto de constituírem, arte e religi!o, elementos ora convergentes, ora conlitantes$  pintura, escultura, m9sica? e de diverg*ncia e mesmo  perseguiç!o >teatro, poesia, canções e narrativas orais e escritas, marcadamente de vi"s cmico e licencioso?, no período p4s %enascimento e principalmente na .dade Foderna e Contemporânea, arte e religi!o parecem ter#se tornado p4los opostos$
ditas pag!s da cultura agr&rio#matriarcal as divindades e suas maniestações estavam radicadas nas coisas e enmenos do mundo material, nas religiões patriarcais posteriores a origem das orças divinas est& aastada da mat"ria deste mundo$ A doutrina do despre(o ao mundo > com"emp"us mundi?

e de todas suas maniestações como perniciosas e vis >mat"ria, corpo, pai2ões? sempre

esteve proundamente enrai(ada nas religiões patriarcais 'ue optaram pela id"ia de e2cel*ncia de um universo celeste para onde o ser +umano devia marc+ar depois de dei2ar o corpo neste vale de l&grimas e corrupç!o$ 1 dentro desse conte2to 9ltimo 'ue a arte gradativamente se aasta da crença religiosa at" se dierenciar proundamente dela$ Ao 'ue tudo indica a arte permaneceu iel :s crenças anteriores ao período patriarcal onde as orças m&gicas transormadoras se conundiam com a mat"ria e suas divindades n!o s4 residiam neste mundo como eram maniestações deste mundo concreto$
despertar a crença na e2ist*ncia das grandes orças da vida e da morte 'ue movem o mundo, crença esta submergida nos pe'uenos aa(eres de nosso dia a dia$ os remanescentes da antiga tradiç!o e os novos 'ue se dedicam ao estudo dessa t"cnica? em manter vivo o +&bito da narrativa oral em nossa sociedade letrada e sob domínio 'uase absoluto da linguagem visual$ Fas, " preciso 'ue se diga, n!o +& perormance ou talento ou ambos 'ue consigam dar conta de tanta coisa perdida$ Hosep+ Campbell airma 'ue os mitos, as narrativas, devem ser re#escritas para o seu tempo$
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", por alguma ra(!o, mel+or recon+ecida e aceita pelo ser +umano$
movimento da sociedade contemporânea em busca do material +umano para transormar em narrativas$ Al"m, " claro, do trabal+o di&rio de reconstruç!o de uma nova comunidade de ouvintes$ A arte do narrador 'ue teve seu auge no passado agora aponta para o uturo$